quarta-feira, 5 de abril de 2017

A desigualdade de renda no serviço público: as lições da Islândia

A Islândia é uma ilha no Atlântico Norte que vive - bem - da pesca e do turismo. Com cerca de 340 mil habitantes, essa pequena nação nórdica costuma chamar pouca atenção, mas sempre aparece com destaque em rankings sobre igualdade social.

O país tem a melhor distribuição de renda em um ranking de 44 países listados pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Já o Brasil aparece em antepenúltimo lugar - atrás apenas de Colômbia e África do Sul -, mesmo após a redução da desigualdade ocorrida em décadas recentes.

Trabalhadores na Islândia
Manifestação islandesa no Dia do Trabalho

Mas como se comparam os salários do funcionalismo nesses dois países? A diferença na distribuição de renda ocorre também nesse setor - em que o Estado, como empregador único, supostamente dá condições iguais a todos os seus funcionários?

Para fazer essa comparação, a BBC Brasil realizou, em parceria com a FGV-SP, um levantamento dos salários dos servidores públicos brasileiros e islandeses.

O resultado mostra que, em média, na Islândia, os cargos de gestão do setor público ganham o dobro das posições mais baixas. Enquanto isto, no Brasil, essa diferença é cinco vezes maior.

"Há uma distribuição de renda muito concentrada nas mãos de poucos no Brasil, e isto está aparecendo no setor público também", comenta Nelson Marconi, professor e coordenador do Fórum de Economia da FGV-SP, que colaborou com a compilação e análise dos dados.

Os números são do Centro para Estatísticas Oficiais da Islândia, o Statice, e da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do IBGE. Eles comparam as variações salariais médias de oito ocupações, por nível hierárquico, nos dois países.

Os cargos de gestão abrangem desde o de presidente e ministros ao de diretores e gerentes de várias áreas. A base compreende as chamadas ocupações elementares, ou seja, profissionais de limpeza, alimentação, manutenção e outros.

Na Islândia, a média salarial mensal dos gestores é de 851 mil coroas islandesas (R$ 24 mil); na posição elementar, é de 400 mil (R$ 11 mil). No Brasil, a média é de R$ 5.707 para o mais alto, e R$ 1.139, no mais baixo.

A distribuição de renda no serviço público da Islândia é mais justa não apenas quando se olha do cargo mais alto ao mais baixo. Há distorções salariais tanto entre os níveis de governo (governo federal, estadual e municípios) como dentro de uma mesma ocupação, segundo o levantamento.

Na Islândia, por exemplo, um profissional de nível técnico pode ganhar em média 50% a mais que outro profissional da mesma posição. No Brasil, esse trabalhador pode ganhar o triplo de outro da mesma hierarquia.

Além disso, no país nórdico, um profissional da ocupação elementar no nível federal ganha apenas 2% a mais que o do nível municipal - o país não tem estrutura estadual. No Brasil, a diferença é de 137% entre o federal e municipal para esse mesmo cargo.

Entre os gestores islandeses, o governo federal paga 34% a mais que o municipal. No caso dos brasileiros, 150% a mais. Outros resultados do levantamento seguem essa mesma linha.

A desigualdade no funcionalismo público brasileiro pode ser, na realidade, ainda maior que a traduzida pelos números oficiais. Como a Pnad se baseia na declaração de entrevistados, é provável que benefícios indiretos de altos funcionários do governo, como por exemplo o auxílio-moradia ou transporte, não estejam computados, lembra Marconi.

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