quarta-feira, 29 de março de 2017

Terceirização à moda de Michel Temer

No dia 31 de janeiro de 2003, uma sexta-feira, recebi em meu gabinete de secretária executiva do Ministério do Trabalho e Emprego a conta de uma empresa de terceirização da pasta. Apenas um pedaço de papel com o recibo “Recebi do MTE... a quantia supra de R$ 950 mil, relativos à folha de funcionários terceirizados no mês de janeiro de 2003”.

Nenhum comprovante de folha de presença, nenhuma informação sobre o número de terceirizados, nem sua lotação nos diferentes setores do ministério, nenhum atestado médico de eventual licença. Ou seja, pagamento às escuras.

Charge do dia 25/03/2017
O ministro da pasta havia sido convocado pelo presidente Lula para acompanhá-lo em sua primeira missão ao exterior desde a posse: a ida a Davos, na Suíça, para o Fórum Econômico Mundial. Antes de partir para a Europa, a comitiva compareceria ao Fórum Social Mundial em Porto Alegre.

Corri a ver se ainda falava com o ministro. O que fazer com aquilo? Recebi dele a ordem: “Veja o que pode ser melhor, mas não deixe que a falta de pagamento a trabalhadores vire uma péssima notícia no primeiro mês de governo de Lula. Olhe lá a repercussão que isso pode ter”. E só.

Minha sorte é que tínhamos no ministério um excelente consultor jurídico, egresso do Ministério Público do Trabalho, hoje no Conselho Nacional do Ministério Público, Otávio Brito Lopes, a quem pedi que se reunisse comigo para debatermos uma saída. Logo, logo, ele sugeriu um caminho: que eu chamasse imediatamente o presidente da empresa de terceirização e que ele desse a ordem em meu nome. Aquela seria a última vez em que o ministério pagaria sem folha de presença e demais documentos que provassem a efetiva prestação de serviço por sua empresa.

Assim foi feito. Pressão atrás de pressão, inclusive de petistas, e assim trombei eu, pela primeira vez, com as “práticas usuais de informalidade das regras da alta administração pública do Brasil”.

Por causa das reclamações das empresas – e por outras razões –, seis meses depois fui sumariamente exonerada.

A terceirização na Esplanada dos Ministérios é um “maná do céu”: a administração paga mais por empregado porque as empresas embutem no salário, antecipadamente, as chamadas “parcelas de demissão”, embolsam a quantia toda, nada depositam (nem FGTS, nem INSS) e depois demitem o terceirizado, que vai engrossar as fileiras dos verdadeiros pedintes da Justiça do Trabalho. E, se o caro eventual leitor soubesse os nomes dos ilustres donos reais das empresas, aí então cairia desmaiado. Várias excelências e outro tanto de laranjas, como foi levantado pela Controladoria Geral da União, a meu pedido, e cuja auditoria deve estar bem guardada em alguma gaveta de algum funcionário do ministério. E isso no ministério que fiscalizava a obediência à CLT no país.

A partir desta semana, a terceirização da mão de obra no Brasil poderá passar a ser a regra, e não mais a exceção, por decisão de Michel Temer. Valha-me, Deus! O que vai ser da multidão de assalariados que tanto sofrem para dar conta do pão-nosso-de-cada-dia?

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