quinta-feira, 23 de março de 2017

Entre a fraude e as alianças

O escândalo da carne mostrou mais uma vez o perigo do controle de amplos e importantes setores da administração pública por interesses político-partidários. Os meios de comunicação deram destaque aos casos de fraude, afinal concentrados em alguns frigoríficos e em poucos Estados. Os crimes apontados pela Polícia Federal são graves, mas de nenhum modo retratam a forma de operação de todo o setor. Danos para a indústria e para o comércio exterior brasileiro são inevitáveis, mas o episódio provavelmente será superado, quando o mercado – principalmente externo – tiver recebido e assimilado os esclarecimentos. Mas será necessário um esforço mais amplo e mais ambicioso para mudar o ambiente político e administrativo onde crimes contra o interesse público têm germinado e poderão continuar germinando, se velhos costumes forem mantidos.

O ministro da Agricultura, Blairo Maggi, exonerou os superintendentes de Agricultura, Pecuária e Abastecimento no Paraná e em Goiás, um indicado pelo PP, outro pelo PTB. O escândalo pode ter ficado restrito a esses 2 Estados, mas em outros 17 as superintendências continuam nas mãos de pessoas apontadas por partidos políticos. Antes das demissões, 10 eram controladas pelo PMDB, 5 pelo PP, 2 pelo PSDB, 1 pelo PR e 1 pelo PTB.

O ministro pretende, segundo se informou em Brasília na terça-feira, mudar todo o esquema a partir de maio, reservando a pessoal de carreira o posto de superintendente.


A mudança já estava prevista em decreto assinado pela ex-ministra Kátia Abreu, no fim do mandato da presidente Dilma Rousseff. Uma lei de maior alcance, aprovada no ano passado, fixou novos critérios para preenchimento de postos de alto nível nas empresas públicas e de economia mista. Formação técnica e tempo de experiência no setor ou em áreas conexas passam a ser condições para a ocupação dos cargos. Para os postos mais altos são necessários 10 anos de experiência. Este critério pode ser dispensado, no caso de funcionários de carreira admitidos por meio de concurso, mas continua sendo necessária a comprovação de capacidade.

Esse conjunto de regras pode favorecer consideravelmente a profissionalização do serviço público. No mínimo, os governantes e seus auxiliares de primeiro escalão terão restrições para preencher postos importantes das estatais e, provavelmente, da administração direta. Essa mudança é especialmente importante no Brasil, por causa do enorme número de postos de confiança. Na maior parte das democracias liberais, o número desses postos é inferior a 10 mil. Na administração federal brasileira há poucos anos havia cerca de 22 mil cargos de livre provimento, alguns preenchidos com pessoal de carreira, muitos com pessoal de fora. O critério político-partidário foi comum à maior parte dos casos. Com frequência, o preenchimento de postos decorreu das alianças partidárias. Foi um dos custos impostos ao País pelo presidencialismo de coalizão.

Alguns dos piores efeitos foram evidenciados em escândalos nas maiores estatais. A Operação Lava Jato chamou a atenção principalmente para a corrupção na Petrobrás, a maior companhia brasileira de capital misto, mas a ocupação predatória tem sido rotineira tanto nas empresas controladas pelo Tesouro Nacional como na administração direta.

Mas convém evitar ilusões. Mesmo com exigências de formação técnica e de experiência, a nova lei deixa espaço para escolhas baseadas em acordos políticos. Tanto as nomeações para as estatais como as seleções de chefes para a administração direta continuam sujeitas ao risco da influência partidária. O filtro poderá ser mais fino, mas o interesse político-partidário ainda poderá prevalecer. O risco só será eliminado, ou muito reduzido, se a livre nomeação ficar limitada a pouquíssimos postos e se a influência partidária for limitada, como deve ser, à linha de governo. Não cabe a chefes de partidos cuidar de contratos da Petrobrás nem de fiscalização de alimentos. Essa regra é essencial para a consolidação da democracia brasileira.

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