segunda-feira, 6 de março de 2017

Democracia ameaçada

Fica combinado com o PT: o que Marcelo Odebrecht disse sobre Temer, Padilha e Aécio é verdade, mas o que disse sobre Dilma, Palocci e Guido Mantega não é.

Com o PMDB: Padilha pode ter recebido dinheiro de caixa dois, mas jamais contou a Temer, nem ele quis saber.

Com o PSDB: Aécio pediu dinheiro para financiar campanhas, mas dinheiro declarado à Justiça.

Com o distinto público: bem, deixa pra lá...

Deixa pra lá também a combinação sugerida por Henrique Eduardo Alves, ex-ministro de Dilma e Temer, a propósito da descoberta de que ele tinha uma conta secreta na Suíça.

Odebrecht

Eduardo Alves admite que abriu uma conta por lá e que não a declarou por aqui. Mas quer que acreditemos que os 833 mil dólares encontrados na conta não foram depositados nem movimentados por ele. Foram por quem então?

Por generosidade ou cinismo, dê-se a Eduardo Alves o benefício da dúvida. Dê-se o mesmo a Lula, que não sabia que a OAS reformou e equipou de graça o tríplex que ele havia comprado na praia do Guarujá.

Lula ficou surpreso ao saber que a Odebrecht havia reformado de graça o sítio de Atibaia, registrado em nome do sócio de um dos seus filhos, e que servia de repouso à família Silva.

Estenda-se o benefício da dúvida ao advogado José Yunes, amigo há mais de 40 anos de Temer, assessor especial dele até dezembro último. Eliseu Padilha, chefe da Casa Civil, pediu a Yunes que recebesse um pacote no seu escritório, em São Paulo.

Entregue pelo doleiro Lúcio Funaro, hoje preso em Brasília, o pacote foi repassado depois a Padilha. Yunes jura desconhecer seu conteúdo. Pode, Arnaldo?

Reza a lenda que Fernando Henrique Cardoso, um dia, pediu que esquecessem o que ele havia escrito antes de assumir a presidência da República.

Se não pediu, talvez um dia peça que esqueçam o que ele escreveu na semana passada sobre a diferença entre dinheiro de caixa dois pago para enriquecer políticos e dinheiro de caixa dois doado para financiar campanhas – esse, uma reles infração eleitoral.

No tempo do absolutismo não havia crime mais grave, sujeito à pena de morte, do que o de lesa-majestade - traição cometida contra a pessoa do Rei, ou seu Real Estado.

O crime de lesa-pátria é o crime contra o poder de um Estado. Como deve ser chamado o crime contra o povo, convocado nas democracias a manifestar sua vontade por meio do voto, e em nome do qual todo o poder é exercido?

Porque quando recebe propina para que vote assim ou assado, ou quando recebe dinheiro sujo para financiar sua eleição, o político atenta contra a vontade soberana do povo a quem representa.

Atenta contra o Estado Democrático onde todos são iguais perante a lei. Como disputar o voto popular em igualdade de condições um político que respeita a lei e outro que a desconhece?

Como dizer que reflete a vontade do povo eleições corrompidas pela troca de favores entre políticos e seus patrocinadores ocultos?

Vota-se por melhor educação, melhor saúde, mais saneamento básico, mais empregos.

A corrupção superfatura o preço de obras públicas, diminui a eficiência do Estado, encarece o custo de vida e estimula a sociedade a copiar o mau exemplo que vem do alto.

Resultado: um país que vê dissiparem-se pouco a pouco princípios e valores da civilização que um dia imaginou cultivar.

Por sua extensão, um país gigante, mas a serviço de uma tribo de pigmeus gulosos e insaciáveis. Haverá crime mais abominável do que esse de lesa-democracia?

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