domingo, 26 de março de 2017

Consertar o que não tem conserto?

Nada no mundo é tão ruim que não possa ser piorado. Esse enunciado pertence ao saber universal, mas aplica-se como uma luva aos surtos periódicos de preocupação com a reforma política que acontecem em Brasília. Nas condições atuais, com a classe política atolada na corrupção, todo cuidado é pouco.Outro dia os presidentes da Câmara e do Senado reuniram-se com o presidente Michel Temer e com o ministro Gilmar Mendes, que ora preside o Tribunal Superior Eleitoral. Irmanados, os três Poderes quiseram (suponho) sinalizar que dessa vez é para valer. Que agora a reforma será de fato encarada como prioridade.

O problema, como sempre, são os detalhes; é neles que o demônio se esconde. Para eleger os deputados, aventa-se, por exemplo, a adoção do voto em lista fechada. Em vez de votar num candidato individual dentro da lista de determinado partido, o eleitor passaria a votar numa lista previamente hierarquizada pela convenção partidária. É como se votasse só na legenda, com a diferença de que conheceria de antemão os candidatos que o partido considera prioritários. O objetivo de tal mudança seria reduzir os custos da campanha. A propaganda seria muito mais institucional que individual.

Pode-se também argumentar que a lista fechada fortalece a organização partidária, reduzindo o individualismo dos políticos que a integram. Observe-se – e esse ponto é fundamental – que a proposta é adotar a lista fechada sem alterar o restante do mecanismo eleitoral, quero dizer, o modelo de voto proporcional vigente. Isso é muito diferente do que acontece no modelo alemão, conhecido entre nós como voto distrital misto. Nele, o eleitor tem direito a dois votos. Com o primeiro ele endossa (ou não) a lista fechada, previamente hierarquizada pelo partido. Com o segundo ele escolhe o candidato federal de sua preferência, mas no nível local, ou seja, no distrito onde reside, mais ou menos como ocorre numa eleição para prefeito. Isso me parece perfeitamente legítimo e democrático.

Como vem sendo discutida em Brasília, a proposta de lista fechada abriga diversos demônios. Implantada para valer já em 2018, ela facilitaria a sobrevivência de numerosos corruptos que se apossariam das primeiras posições e se elegeriam de uma forma quase automática
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