quarta-feira, 22 de março de 2017

Á margem do milagre do São Francisco

A menos de um quilômetro do canal que traz as águas do rio São Francisco para a Paraíba, muitas torneiras estão secas. No bairro onde Gabriel mora, na cidade de Monteiro, por onde a obra da transposição entra no estado, a vizinhança paga a conta enviada pela companhia de saneamento, mas água só tem quem contrata o caminhão-pipa.

Monteiro ganhou os holofotes quando recebeu autoridades para inaugurar a "chegada das águas do Velho Chico nas torneiras paraibanas", como dizia o slogan. Mas a prefeita Anna Lorena ainda não vê motivo para festa.

"Não é justo assistirmos à passagem das águas e os moradores não receberem esse benefício em suas casas", diz.

Na zona rural de Monteiro a situação é de calamidade. Moradores de mais de 100 comunidades dependem de caminhões-pipa para sobreviver. Até os assentados na Vila Produtiva Rural, construída pelo Ministério de Integração para abrigar famílias que moravam na zona da obra, reclamam.

A fonte da cidade é o reservatório de Poções, que passou a receber água do São Francisco há mais de uma semana. "Se já temos água no açude Poções, não justifica mais a falta dela nas torneiras", reclama a prefeita.

Questionado pela DW Brasil, Helder Barbalho, ministro de Integração, informou que a responsabilidade do abastecimento domiciliar é do estado. A Cagepa, Companhia de Água e Esgoto da Paraíba, afirmou que Monteiro e outras 11 cidades da região devem sair do racionamento em abril, quando a instalação de um sistema de captação específico for concluída.

O caminho artificial para desviar parte do volume do rio São Francisco foi proposto pela primeira vez há mais 100 anos. O formato atual, chamado de Projeto de Integração do Rio São Francisco com as Bacias do Nordeste Setentrional (Pisf), foi apresentado em 2004 e começou a ser executado há dez anos pelo Exército.

A obra, no total orçada em 9,6 bilhões de reais, prevê o transporte da água por dois eixos principais, sob a justificativa de garantir segurança hídrica às populações mais pobres do semiárido do Nordeste.

O Eixo Leste, o primeiro a ficar pronto, tem 220 km de extensão. Ele começa em Floresta, Pernambuco, segue até Monteiro para, então, ser interligado à calha do rio Paraíba. De lá, as águas seguem o leito natural do rio até o reservatório de Epitácio Pessoa, que abastece Campina Grande.

O Eixo Norte, com 402 km de canais, passa por Pernambuco, Ceará, Paraíba até chegar em Rio Grande do Norte. Problemas com construtoras atrasaram sua conclusão, que agora está prevista para o final de 2017, segundo o ministro Helder Barbalho.

Desde as discussões iniciais, o projeto causou polêmica e dividiu até a Igreja Católica – enquanto um bispo na Bahia fez greve de fome contra a transposição, o arcebispo da Paraíba divulgava manifesto a favor.

"A parte política dominou o debate, já a técnica sempre esteve em segundo plano. Mas agora não pode mais continuar assim, senão a obra vai virar um elefante branco", alerta Janiro Rego, professor da Universidade Federal de Campina Grande, que acompanha o processo.

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