terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

Trump está louco?

Faz anos que estudo o poder e quem o tem ou teve. Minha principal conclusão é que, embora a essência do poder - a capacidade de fazer com que outros façam ou deixem de fazer algo - não tenha mudado, as maneiras de obtê-lo, usá-lo e perdê-lo sofreram mudanças profundas. Outra observação é que a personalidade dos poderosos é tão heterogênea quanto a própria humanidade. Há os solitários e os gregários, valentes e covardes, geniais e medíocres. No entanto, apesar dessa diversidade, todos têm dois traços em comum: são carismáticos e vaidosos. Segundo a Real Academia Espanhola, carisma é "a especial capacidade de algumas pessoas para atrair ou fascinar".

Os líderes carismáticos inspiram grande devoção e, inevitavelmente, os aplausos, a adulação e os elogios inflam sua vaidade. É fácil que a vaidade extrema converta-se em um narcisismo que pode ser patológico. De fato, estou convencido de que um dos riscos profissionais mais comuns entre políticos, artistas, atletas e empresários de sucesso é o narcisismo. Em suas formas mais moderadas, este narcisismo, o encanto por si mesmo, é irrelevante. Mas, quando fica mais intenso e domina as ações do poderoso, pode ser muito perigoso. Alguns dos tiranos mais sanguinários da história demonstraram um narcisismo agudo, e grandes empresas faliram devido aos delírios narcisistas de seus donos, por exemplo.

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A Associação Psiquiátrica dos Estados Unidos desenvolveu critérios para diagnosticar o narcisismo patológico. Chama-o de "Desordem de Personalidade Narcisista" (DPN) e, segundo as pesquisas, as pessoas que sofrem desse problema se caracterizam por sua persistente megalomania, a excessiva necessidade de serem admiradas e a falta de empatia. Também evidenciam grande arrogância, sentimentos de superioridade e condutas orientadas pela obtenção do poder. Sofrem de egos muito frágeis, não toleram críticas e tendem a depreciar os demais para se reafirmarem. De acordo com o manual da organização de psiquiatras americanos, quem sofre de DPN tem todos ou a maioria dos seguintes sintomas:

1) Sentimentos megalomaníacos e expectativa de que se reconheça sua superioridade.

2) Fixação em fantasias de poder, sucesso, inteligência e atrativos físicos.

3) Percepção de ser único (a), superior e fazer parte de grupos e instituições de alto status

4) Constante necessidade de admiração por parte dos demais.

5) Convicção de ter o direito de ser tratado (a) de maneira especial e com obediência pelos demais.

6) Propensão a explorar os outros e se aproveitar deles para obter benefícios pessoais.

7) Incapacidade de ter empatia com os sentimentos, desejos e necessidades dos demais.

8) Intensa inveja dos demais e a convicção de que os demais são igualmente invejosos em relação a ele (ou ela).

9) Propensão a se comportar de maneira pomposa e arrogante.

E agora falemos de Donald Trump.

Não há dúvidas de que o atual presidente dos Estados Unidos exibe muitos desses sintomas. Mas isso o inabilita a ocupar um dos cargos de maior responsabilidade do nosso planeta? Um grupo de psiquiatras e psicólogos acredita que sim. Enviaram uma carta ao The New York Times na qual afirmam:

"As palavras e ações do senhor Trump demonstram a incapacidade de tolerar pontos de vista diferentes aos seus, aos quais reage com raiva. Suas palavras e conduta sugerem uma profunda falta de empatia. Os indivíduos com essas características distorcem a realidade para adaptá-la ao seu estado psicológico, desqualificando os fatos e quem os transmitem (jornalistas e cientistas). Em um líder poderoso, esses ataques tendem a aumentar, já que o mito de sua própria grandeza parecerá ter se confirmado. Acreditamos que a grave instabilidade emocional evidenciada pelos discursos e ações do senhor Trump o incapacitam para desempenhar, sem perigo, o cargo de presidente".

Esta carta é, sem dúvida, muito controversa. Não apenas pela posição que toma a respeito do presidente Trump, mas também porque viola o código de ética da Associação Americana de Psiquiatria. O código afirma que não se pode diagnosticar ninguém - especialmente uma personalidade pública - à distância. A avaliação em pessoa é indispensável. No entanto, os profissionais que assinam a carta disseram: "Este silêncio fez com que não pudéssemos oferecer nossa experiência a jornalistas e membros do Congresso preocupados com a situação em momento tão crítico. Tememos que haja demasiado em jogo para seguirmos calados". Alexandra Rolde, uma das psiquiatras que assinou a carta, disse à jornalista Catherine Caruso que seu propósito e o de seus colegas não era diagnosticar Trump, mas enfatizar traços de sua personalidade que os preocupam.

Rolde não acredita que um diagnóstico deva ser feito sem examinar o paciente, mas opina que é apropriado mostrar como a saúde mental de uma pessoa pode afetar os outros ou limitar sua capacidade para ter um desempenho adequado.

Outros psiquiatras não concordam: "A maioria dos fãs que tentaram fazer diagnósticos erraram ao etiquetar o presidente Trump com uma desordem de personalidade narcisista. Eu escrevi os critérios que definem esta desordem e o senhor Trump não se encaixa neles. Ele pode ser um narcisista de categoria mundial, mas isso não o torna um doente mental, já que não sofre da angústia e da incapacidade que caracterizam uma desordem mental. O senhor Trump gera severas angústias a outras pessoas, mas não as sofre e, em vez de penalizado, tem sido amplamente recompensado por sua megalomania, egocentrismo e falta de empatia".

Quem escreve isso é o médico psiquiatra Allen Francis, diretor do grupo de trabalho que elaborou a quarta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Desordens Mentais (D.S.M. IV). A surpresa é que o doutor Francis vai além de sua especialidade. "Os insultos psiquiátricos são uma maneira equivocada de contrariar o ataque do senhor Trump à democracia. Pode-se, e deve-se, denunciar sua ignorância, incompetência, impulsividade e tendências ditatoriais. Mas suas motivações psicológicas são óbvias demais para que se tenha algum interesse, e analisá-las não deterá seu assalto ao poder. O antídoto contra uma distópica era trumpiana é político, não psicológico".

É fácil concordar com uma das conclusões do doutor Francis, e menos com outra. A fácil de aceitar é que mais importante que a saúde mental do presidente é a saúde política do país. A capacidade de as instituições resistirem às tentativas de Trump de concentrar o poder é a batalha mais importante dos Estados Unidos. Seus resultados terão consequências mundiais. A outra conclusão de Francis é que a estabilidade mental de Donald Trump é irrelevante. Não estou de acordo. Trump está há poucas semanas na Casa Branca e sua conduta já é causa para um justificado alarme. Os problemas e frustrações do presidente vão ficar mais aguçados. E isso não é bom para sua saúde mental.

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