domingo, 12 de fevereiro de 2017

Suspeita e culpa

Todos os suspeitos têm de ser investigados, mas nem todo inquérito transforma o investigado em réu. Essa sequência, embora simples, tem sido perigosamente confundida, seja por aflição, ignorância ou má-fé.

Políticos acusados usam a posição de investigados para se eximir de qualquer culpa. Promotores e desafetos dos políticos sob suspeição utilizam o mesmo princípio para condená-los. Partidários de um lado e de outro neste país dividido fazem igual.

No meio dessa balbúrdia, o distinto público não quer nem mesmo olhar para o cesto, quanto mais enxergar as poucas maçãs que não estão podres ou severamente bichadas.

Animado pelo sucesso da Lava-Jato, que tem conseguido investigar, condenar e prender poderosos, o país assiste a uma histeria por punições, com ou sem culpa provada. No tribunal popular condena-se o suspeito citado em uma delação antes do início das investigações, e, portanto, antes mesmo de o delatado virar réu.

Na primeira instância, os processos correm com celeridade. E não só na Curitiba de Sérgio Moro, mas também no Rio de Janeiro, São Paulo e Distrito Federal. No STF, o ritmo se difere. Nem sempre, como apressados se arvoram a dizer, por culpa do Supremo, mas do próprio ritmo das investigações.

Os procedimentos, em qualquer instância, têm um extenso caminho após as investigações policiais. No caso dos políticos com mandato, que têm privilégio de foro, o Ministério Público Federal formula a denúncia e o STF autoriza, ou não, a investigação. Só aí o processo começa a ser montado, mas ainda sem que o suspeito seja considerado réu. Se existirem provas suficientes contra aquele denunciado, o MPF envia a peça novamente ao Supremo para que o investigado seja indiciado.

Foi o que aconteceu com Renan Calheiros (PMDB-AL) e Gleisi Hoffmann (PT-PR), que, de investigados, tornaram-se réus em ações no STF. Com Humberto Costa (PT-PE) deu-se o contrário. Investigado, ele foi inocentado por falta de provas.

Ainda que dezenas de indícios apontem culpas de outros senadores – alguns aparentemente mais do que enrolados em práticas ilícitas –, Renan e Gleisi são os únicos réus de fato com assento, e na suplência, na nova composição da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).

Quer o público goste ou não, os demais integrantes da CCJ fervem em outro caldeirão, ainda que malcheiroso. Por mais que se suspeite que não sejam santos, não se pode condená-los por ditos de um ou outro delator, indícios, antipatias.

O presidente da Comissão, Edison Lobão (PMDB-MA), Jader Barbalho (PMDB-PA), Lindbergh Farias (PT-RJ) e Romero Jucá (PMDB-RR) estão entre os investigados; Benedito Lira (PP-AL) e Fernando Collor (PTC-AL) foram denunciados. Podem causar arrepios, mas ainda não são réus.

Eduardo Braga (PMDB-AM), relator da indicação de Alexandre Moraes para o Supremo, e Aécio Neves (PSDB-MG) foram citados em delações, mas nem mesmo tiveram pedidos de inquérito protocolados no STF. Antonio Anastasia (PSDB-MG), vice-presidente da CCJ, foi investigado e teve seu processo arquivado, não chegando a ser denunciado. Outros 17 membros titulares da CCJ não constam de investigações.

Quase 200 dos 513 deputados federais e 32 dos 81 senadores são alvos de investigações. É muito, demais. Vários dos inquéritos abertos se perderam pelo prazo, contam-se nos dedos os que foram concluídos e que tiveram réus condenados.

Um defeito escancarado do sistema de privilégio legal.

Sem foro especial, não haveria Dilma Rousseff tentando aliviar o dorso de Lula da Silva nem Michel Temer nomeando Moreira Franco. Dois casos deploráveis, ainda que em situações diferentes, de ministros de ocasião ungidos para colher regalias que os demais brasileiros não têm.

Todos os suspeitos têm de ser investigados, mas nem todo inquérito transforma o investigado em réu. E assim como ninguém deveria ser condenado a priori, é inadmissível a existência de réu de luxo.

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