domingo, 5 de fevereiro de 2017

Ex-chefe mafioso revelou desastre ecológico por tráfico de lixo na Itália

"Que droga que nada, doutor! O lixo é o verdadeiro ouro." Essa frase, que se tornou conhecida tanto na Itália como no exterior, representa o dogma no qual se baseou por anos o tráfico ilegal de lixo que envenenou a região italiana da Campania e deu vida à chamada "Terra dos Fogos" - uma área situada entre as Províncias de Nápoles e Caserta, destruída por crimes ambientais.

A história do tráfico de lixo é acima de tudo a história da Camorra (a máfia napolitana e da Campania) e é a história de Nunzio Perrella. A frase citada acima foi dita por ele, ex-chefe da Camorra que delatou a organização criminosa e agora conta em seu livro como funciona o tráfico de resíduos tóxicos.

Trata-se de uma verdadeira cadeia que vai do norte ao sul da Itália, envolvendo diferentes setores: empresários, mafiosos e políticos cúmplices. No livro Oltre Gomorra. I rifiuti d'Italia (Editora CentoAutori), escrito juntamente com o jornalista Paul Coltro, Perrella relata sua trajetória criminosa.

Conceptual Illustrations by Davide Bonazzi, via Behance:
Em apenas dez anos foram apreendidas 13 milhões de toneladas de resíduos transportados ilegalmente
Hoje ele é forçado a esconder parcialmente o rosto, para não ser reconhecido, devido a uma decisão do Estado italiano de não lhe fornecer mais a escolta reservada às testemunhas envolvidas no programa de delação.

Muitos anos se passaram, mas ainda hoje ele é conhecido como "chefe do lixo". Em setembro de 2016, a Camorra colocou uma bomba em frente a sua casa.

"Conto a minha história porque estou com raiva. Disse para a Justiça italiana tudo que eu sabia, mas não tive nada em troca. Só a perda da minha honra e do meu tempo. O Estado sabia de tudo desde os anos 1990, mas não fez nada para conter a situação", afirmou à BBC Brasil.

Nunzio Perrella é um mafioso "à moda antiga", até mesmo por causa da sua idade: 68 anos.

Começou a carreira muito jovem. Enquanto os irmãos se tornavam verdadeiros chefões temidos no distrito de Traiano, em Nápoles, optou por ser o elo com o mundo empresarial e a política. Um "colarinho branco" da Camorra, como ele se define.

Ou seja: enquanto eles saíam matando e se dedicavam ao tráfico de drogas, Nunzio Perrella conseguia se impor graças à força do nome da família.

A ironia é que hoje, depois de ter feito a delação, ele também precisa se esconder de possíveis ataques vindos da própria família: "É verdade: muitas pessoas me querem morto. Incluindo meus irmãos ", afirmou durante a apresentação do livro.

Ele foi preso duas vezes quando jovem e em uma terceira ocasião em 1992, recebendo uma sentença de 24 anos de prisão por associação mafiosa e tráfico de drogas. Cumpriu uma parte da pena na cadeia e outra em prisão domiciliar.

Em 1992, quem o interrogou foi Franco Roberti, hoje procurador nacional antimáfia, a maior autoridade na luta contra o crime organizado. Naquela época, ele era o procurador da Direção Antimáfia de Nápoles e percebeu que Perrella era o "chefe do lixo", o homem que havia construído o sistema de fato.

Perrella e muitos outros membros da Camorra, no entanto, não "envenenaram" apenas a região entre Nápoles e Caserta, mas também toda a região Norte e Centro da Itália. "Só quando o norte estava abarrotado de lixo, começaram a enviá-lo para o sul", afirma o ex-mafioso.
Esquema

A Legambiente, maior organização ambientalista italiana, calcula que entre o 1991 e 2013 foram realizadas 82 investigações por tráfico de resíduos. Materiais jogados em lixões legais e ilegais da "Terra dos Fogos".

Foram feitos 1.806 procedimentos judiciais envolvendo 443 empresas italianas, a maioria com sede no centro e ao norte do país.

Os empresários não queriam arcar com os custos do descarte legal de resíduos e assim acionaram a Camorra, que resolveu despejá-los em literalmente todos os lugares: terras de camponeses, pedreiras abandonadas, leitos de água ou aterros.

"Em apenas dez anos", diz Coltro, "foram apreendidas 13 milhões de toneladas de resíduos transportados ilegalmente, e essa cifra se refere a apenas metade de todos os inquéritos iniciados", explica.

"Ou seja, se considerarmos que um caminhão carrega 25 toneladas, viajaram ilegalmente 1.123,512 caminhões, que colocados um atrás do outro formam uma longa fila de 7 mil quilômetros, equivalente ao comprimento de todas as estradas italianas."

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