domingo, 26 de fevereiro de 2017

Caros foliões, respeitem meu retiro

Décadas atrás lá ia eu no animado Carnaval de Vespasiano, bem na Turma do Funil. Desfile dos dois clubes, fantasias, bailes animados, brigas zero e, pasmem, lança-perfume para jogar na roupa dos outros, dando um friozinho, e numa mágica rapidamente a roupa secava. Seguia os trenzinhos, e a gente tirava uma lasquinha, um olhar atravessado e com muita sorte um beijo escondido, sonhando com o dia seguinte. Meia-noite, uma da manhã, fim de festa ou boteco para os mais boêmios.

De lá para cá uma revolução de usos e costumes, uma selvageria, emoldurada por violência, estupros, coma alcoólico, drogas sintéticas, um tsunami sonoro em forma de trio elétrico, rios de urina, festival de pancadaria, sexo explícito, gangues e arrastão. E, no show de intervalo, foliões bêbados e felizes, beijando mil bocas anônimas, Deus sabe contaminadas com o quê.

Jean Georges Vibert 
Mais respeito. Entendo o tal do “há gosto pra tudo”, tanto que cedo meu sagrado lar pro tal do “prezinho” dos meus rebentos. E tento achar divertido a máscara do Trump com a fantasia de mexicana da nora. Belo casal. E quem diria que BH ressuscitaria como um polo de bloquinhos e animação do Momo.

Mas, por favor, me respeitem. Abasteci minha geladeira de coisas leves, frutas – sempre fui ruim de beber. Mesmo muito animado, adoro um bom filme, estou escrevendo meu romance mais novo, lendo muito, estudando mais ainda – como é bom estudar sem ser obrigado, pela curiosidade e pelo desejo de ampliar horizontes, estudar de tudo, adoro cultura em geral. Sim, sou muito, muito esquisito. Adorar o Carnaval para reclusão, estudo, assistir a filmes, escrever e ouvir músicas.

Lá fora, o batidão, nos noticiários, a repetição exaustiva de cenas de Rio, Recife, Salvador e aquela alegria patrocinada pelas cervejarias. No ar, a energia da festa pagã: tudo pode, não há culpa e nem limite. Afinal, é Carnaval, tempo da carne, ausência de espírito, do sacro, do divino. Nada de culpa, de punição. Viva o povo.

Mas respeitem os que não entram no ritmo. São filhos do silêncio, amantes da solidão, amigos da reclusão. Passistas da natureza. E curtem Carnaval, Beija-flor, Águia, Gaviões...

Nenhum comentário:

Postar um comentário