domingo, 26 de fevereiro de 2017

A guinada ao autoritarismo nos deixa doentes

Nesta semana, uma importante revista médica publicou um estudo revelador: a aprovação de leis para a união igualitária entre pessoas do mesmo sexo nos Estados Unidos havia reduzido em 14% as tentativas de suicídio entre jovens LGTB em um ano. O suicídio é a segunda maior causa de morte entre as idades de 15 e 24 anos naquele país. De posse dessa informação, quanto prejuízo pode causar a recente decisão de Donald Trump de suspender a proteção aos estudantes transexuais?

Em 1974, o ministro da Saúde do Canadá, Marc Lalonde, apresentou um relatório revolucionário no qual se concluía que as condições nas quais se desenvolve o dia-a-dia das pessoas (sociais, econômicas, ambientais etc.) são muito mais determinantes para seu estado de saúde que outros fatores para os quais se dedica maiores esforços. Isso explica, por exemplo, o fato de a pobreza abreviar a vida mais do que a obesidade ou a hipertensão. Essa doutrina, reivindicada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), ajuda a compreender a influência da tomada de rumo autoritária, que pode se estender a mais países onde a perda de saúde democrática pode acabar tendo um efeito nefasto para seus cidadãos.

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As condições de vida, a redistribuição da riqueza, o meio ambiente e as liberdades são fatores que influenciam muito mais na saúde do que os serviços de saúde
Beatriz González, presidente da Sociedade Espanhola de Saúde Pública
Já há muitos especialistas levando as mãos à cabeça por causa das decisões que Trump pode tomar se, por exemplo, der marcha a ré na reforma da saúde promovida por Obama: seria 800 bilhões de dólares mais caro para os cofres públicos, segundo um cálculo de dez anos. Mas para além do tipo de sistema de saúde e sua eficiência, há algo claro: a forma de governar influi diretamente na saúde da população. Todo o novo e robusto conhecimento sobre os determinantes sociais e políticos destaca que a qualidade democrática é essencial para uma população saudável.

“Depende muito dos danos provocados pelos elementos que vinculam democracia e saúde”, explica o professor Carlos Álvarez-Dardet, da Universidade de Alicante, na Espanha. O especialista cita o exemplo do que ocorre quando se ignora os direitos das minorias, se deterioram as conquistas trabalhistas, aumenta a desigualdade ou diminuem os níveis de proteção social, todos os indicadores sobre a saúde da população caem. Há mais de uma década, Álvarez-Dardet participou de um estudo pioneiro publicado no British Medical Journal que correlacionava o nível de democracia dos países e a saúde de seus habitantes: “A democracia mostrou uma associação mais forte e mais significativa com os indicadores de saúde (expectativa de vida e mortalidades infantil e materna) que outros indicadores como o PIB, os gastos públicos e a desigualdade de renda. Quando tomadas em conta todas essas variáveis, as econômicas perderam seu peso, aumentando assim a importância do efeito da democracia”, concluíram os autores.


Os resultados daquele estudo continuaram sendo confirmados em novas pesquisas mais recentes que se centravam em outros aspectos. Por exemplo, um estudo canadense do ano passado mostra que viver em uma democracia prolonga a vida em 11 anos, em comparação com viver em outro tipo de regime. O meio democrático também reduz em 62% a mortalidade infantil. Os dois fatores são explicados essencialmente pelo tempo em que os líderes permanecem no poder: quanto mais anos seguidos a mesma pessoa governa, pior é a saúde da população.

Em 2015, foi publicado outro estudo mostrando que as pessoas se sentem com melhor saúde nos países com maior qualidade democrática, um fator que não se explicava nem pelo nível econômico nem pelos investimentos em saúde e educação. Pesquisadores suecos, analisando a evolução em quatro décadas de 70 países em desenvolvimento, mostravam os efeitos da democratização nesses países e calculavam como uma década de democracia real na Costa do Marfim significou menos 1.200 crianças mortas ao nascer, por ano.

Todos esses estudos indicam que há uma série de ativos intangíveis associados com a qualidade democrática de um país (e não só a prosperidade econômica) que explicam o que há por trás da boa saúde da população. “As condições de vida, a redistribuição da riqueza, o meio ambiente, as liberdades civis, o poder exercer direitos, são fatores que influenciam muito mais na saúde do que os serviços de saúde”, alerta Beatriz González, presidente da Sociedade Espanhola de Saúde Pública (SESPAS).

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