terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

A era do achismo

Pior do que não saber é pensar que sabe! Cresce o número dos que, nada tendo lido ou estudado sobre um assunto técnico ou científico, discutem a respeito com a intransigência própria de quem desconhece sua limitação. Que saudade do tempo em que, quem mais sabia, declarava como Sócrates: “Apenas sei que nada sei!”. Só quem muito sabe é capaz de perceber o quanto há ainda por aprofundar. Só quem respeita o conhecimento se coloca com humildade frente ao saber e à pesquisa.

Não há dúvida, por outro lado, que ignorar um assunto não torna ninguém inferior a quem o conhece. Mas é inegável também que quem discute obstinadamente o que não estudou sofre, no mínimo, uma grave consequência: torna impossível a si próprio aprender — já que se considera douto no que ignora. E tal postura não é privilégio de quem tem escassa formação, absolutamente. Há quem, por ter boa formação em um campo, julga-se especialista em todos. E, para piorar, em tempos de internet, cresce o número dos que se imbuem da ideia de que tudo é questão de opinião. Destroem assim, em minutos, horas de pesquisa de jornalismo investigativo, por exemplo; ou anos de estudos de cientistas que buscam respostas ao que aflige o homem. Panorama triste esse que chamo de era do achismo: todos opinam e sabem tudo.


Não por acaso, estava eu num táxi quando o motorista, olhando o céu carregado de nuvens, me perguntou: “Sabe por que é que em certos lugares há enchentes e, em outros, não cai gota d'água?” Distraída, balbuciei algo sobre desmatamento, para só então perceber que a pergunta era pretexto para que me explanasse sua teoria. E, como quem conta um segredo, perguntou-me se sabia que o nosso planeta azul se move. Confirmei. E ele, orgulhoso: “É! A Terra vai indo para cá, para lá, até que para num lugar que tem muita nuvem — aí chove; quando para no que não tem, seca tudo! É, nem sempre ela acerta”, completou, filosoficamente. Minha perplexidade, interpretada como encantamento diante de tão notável teoria, levou-o à nova e ainda mais minuciosa explicação, enquanto eu imaginava a Terra, volúvel senhorita, passeando indecisa pelas galáxias, até que decide parar aqui ou acolá, sem a mínima consideração conosco, infelizes terráqueos submetidos à sua vontade, que nos conduz a secas excruciantes ou a enchentes avassaladoras.

Meus olhos arregalados convenceram-no a indagar se eu sabia algo mais a respeito. Anuí, advertindo-o, porém, de que não era uma versão coincidente e, de forma simples, tentei explicar os movimentos da Terra, ressaltando que não era “minha teoria”, e sim estudo comprovado. “Sou mais a minha!”, disse, com total convicção, quando terminei. Silenciei. Afinal, como competir com o sonho? E para quê, se tudo são opiniões?

Cheguei ao aeroporto convicta de que me deparara com outra consequência funesta da crise da qualidade em educação: a morte do pensamento científico.

Tania Zagury 

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