quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

A cabeleira do Zezé

Um dos maiores sucessos de carnaval de todos os tempos, a marchinha Cabeleira do Zezé, de João Roberto Kelly e Roberto Faissal, é uma crônica do seu tempo. Bombou no Baile do Municipal de 1964, no qual a elite carioca se divertia enquanto o país rumava para o golpe militar de 31 de março, naquele mesmo ano. Nove mil foliões se apinhavam no salão, nos camarotes e nas galerias do teatro. O camarote presidencial havia sido cedido para venda pela primeira-dama Tereza Goulart, com renda destinada a caridade.

Nele brilhavam os convidados de Mario Wallace Simonsen, o dono da antiga TV Excelsior: a atriz Elza Martinelli e o ator Alberto Sordi, ambos italianos, e o playboy Porfírio Rubirosa, o diplomata e jogador de polo dominicano que namorou nove entre as 10 mais famosas atrizes de Hollywood: Dolores del Río, Marilyn Monroe, Ava Gardner, Rita Hayworth, Judy Garland, Veronica Lake, Kim Novak, Eva Peron e Zsa Zsa Gabor, sem falar na francesa Danielle Darrieux, belíssima, com quem se casou.

Isabel Valença, a maior destaque do Salgueiro de todos tempos, mulher do banqueiro de bicho Osmar Valença, vencia o concurso de fantasias mais uma vez, interpretando a Rainha Rita de Vila Rica. No ano anterior, havia deslumbrado a avenida Presidente Vargas com Chica da Silva, personagem principal do enredo de Arlindo Rodrigues e Fernando Pamplona que revolucionou os desfiles de escolas de samba.

Mas, no salão, entre os foliões, quem brilhava mesmo era a marchinha de Kelly e Faissal: “Olha a cabeleira do Zezé/Será que ele é?/Será que ele é?/Será que ele é bossa nova?/Será que ele é Maomé?/Parece que é transviado/Mas isso eu não sei se ele é./Corta o cabelo dele!/Corta o cabelo dele!/Corta o cabelo dele!/Corta o cabelo dele!”. A música havia estourado nas rádios, na voz de Jorge Goulart. Até o carnaval passado, mais de 50 anos depois, continuava sendo uma das mais tocadas. Neste ano, porém, entrou na lista das músicas politicamente incorretas dos blocos cariocas, por sua evidente conotação homofóbica.

Como toda marchinha de carnaval, a história da música é uma crônica do cotidiano. Kelly era frequentador do bar São Jorge, em Copacabana, perto do Túnel Novo. Fez a primeira parte batucando no balcão, de gozação com um garçom chamado Zé Antônio, que se parecia com um dos Beatles e deixara o cabelo crescer à moda da banda inglesa, como muitos jovens daquela época. A letra refletia o choque de comportamentos de então, em plena revolução dos costumes.

A música não tratava de uma cabeleira postiça, embora o uso de peruca pelos homens fosse muito mais comum do que se imagina, como até hoje; o chapéu já estava em desuso. Pode ser tão preconceituoso como a velha marchinha de carnaval, mas não dá para ignorar a foto sem “aplique” do ex-megaempresário Eike Batista, que se entregou à Polícia Federal. Sua última imagem em liberdade foi embarcando de volta ao Brasil, com os cabelos em ordem. A foto no qual aparece com a cabeça raspada, porém, mostra claramente uma calvície acentuada.


Foi inevitável que o assunto tomasse as redes sociais. O “aplique” que usava era quase imperceptível. Coisa muito fina, que lhe dava a aparência de mais jovem e dinâmico, como convinha à imagem de empresário audacioso e bem-sucedido, até os negócios entrarem em colapso. A foto é o gran finale de uma megafarsa empresarial, na qual Eike Batista chegou a ser relacionado na lista dos 10 maiores bilionários do planeta, graças à política de “campeões nacionais” dos governos Lula e Dilma, financiadas pelo BNDES. Eike foi preso porque omitiu de sua “delação premiada” na Operação Lava-Jato a parceria no caixa dois bilionário do ex-governador fluminense Sérgio Cabral, flagrado pela Operação Eficiência.

Depois de ser considerado foragido e entrar na lista da Interpol, Eike resolveu voltar ao Brasil e se entregar às autoridades, com o claro propósito de “passar a limpo” suas atividades ilícitas, ou seja, vai contar tudo o que fez, disposto a entregar quem ainda não foi preso. De cabeça raspada e uniforme de detento, o ex-magnata foi levado para o Complexo Penitenciário de Bangu 9, como é mais conhecida a Cadeia Pública Bandeira Stampa, na Zona Oeste do Rio. Por não ter curso superior, não pode ir para Bangu 8, onde estão os outros envolvidos. Ali não há, porém, domínio de facções criminosas, e as celas são ocupadas por apenas seis presos, que trabalham na “faxina”, ou seja, na limpeza das unidades prisionais.

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