quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

O doutorzinho e o louco na arte de rua de São Paulo

Quando eu estava pesquisando a vida da psiquiatra Nise da Silveira para o meu filme Olhar de Nise, estive no hospital do Engenho de Dentro, no Rio. Lá, fui apresentado a um paciente que se encarregou de ciceronear a minha visita. Vimos celas, corredores, enfermarias, pátios, almoxarifados e, finalmente, entramos numa sala de recreação. O louco parou, olhou para mim e, emocionado, disparou:

- Ali, naquela parede vazia, caiada de branco, existiam várias pinturas nossas. Mas um doutor novo chegou aqui e mandou apagar tudinho.

Foi naquele hospital, entre as décadas de 1950 e 1960, que a psiquiatra alagoana Nise da Silveira e o pintor Almir Mavignier descobriram, entre centenas de doentes mentais, grandes talentos da pintura brasileira como Fernando Diniz, Adelina, Carlos Petrus, Emigdio e Raphael, que se perpetuaram na arte. Felizmente, naqueles tempos não apareceu por lá nenhum doutorzinho para apagar as suas belas pinturas que correram o mundo.


O que o prefeito de São Paulo está fazendo com a arte de rua da cidade se assemelha muito com a atitude do doutorzinho do Engenho de Dentro. Sem consultar a população, ele decidiu tornar ainda mais cinzas as paredes das ruas da cidade antes tão coloridas pelos mãos dos talentosos grafiteiros, que decidiram humanizar a selva de pedra com seus pincéis mágicos e as suas pinturas multicoloridas, de conceitos concretos e abstratos, admiradas no mundo.

João Doria, o prefeito, responsável pela tragédia cultural da livre criação, é o nosso Trump tupiniquim. Eleito no primeiro turno das eleições paulista, substituiu um petista que bateu todos os recordes de rejeição. Mas conseguiu chegar ao topo da administração de uma das maiores cidades da América Latina sem nunca antes ter sido testado nas urnas, vendendo à população o discurso do não político. E, surpreendentemente, age como os políticos carimbados com demagogia e populismo barato.

Ao tomar posse transformou-se em gari, pedreiro e ciclista. Uniformizou-se e foi para as ruas catar lixo. Não demonstrou nenhuma habilidade na nobre tarefa de limpar a cidade nem na de pedreiro e muito menos na de ciclista. Mostrou-se incapaz até para imitar o ex-prefeito Jânio Quadros, o exótico político, fabricado também pelos paulistas, que governava (?) com uma vassoura.

Doria, que se diz apolítico, quer cativar a população com demagogia. Quer parecer igual à massa que o elegeu. Quer passar por todas experiências para governar tomando as decisões acertadas, nada mal para um executivo forjado dentro de um escritório. Até terminar o mandato ainda pode ser trocador de ônibus, leão de chácara, motorista de táxi, vendedor ambulante, feirante, garçom, entregador de pizza, ambulante, chincheiro e cozinheiro. Com tantas atividades, certamente, não vai sobrar tempo para São Paulo.

Se para administrar o seu torrão, ele precisa fazer essas piruetas para mostrar a população que é um simples mortal, mesmo para quem declara um patrimônio 180 milhões de reais, espera-se dele um certo equilíbrio para não ir ao extremo nas suas elucubrações e se jogar do Martinelli, um dos maiores arranhas céus de São Paulo, como experiência final da sua administração.

O mais preocupante de tudo isso é que a equipe do prefeito pensa igualzinho a ele, como agiam os soldadinhos do Plínio Salgado. Uma turma de serviçais que diz amém aos seus atos esdrúxulos. Não à toa, o JN mostrou o seu secretário de Cultura assinando em baixo a decisão do doutorzinho. Justificava que outras pinturas “seriam preservadas” ao tempo em que obedecia as ordens dele e mandava apagar os desenhos e as pinturas que suavizavam o amontoado de concreto de São Paulo.

O que se pode esperar de um prefeito que começa o mandato vandalizando a própria cidade? Ele acha que os votos que recebeu dão-lhe o direito de tomar decisões monocrática e intempestivas próprias de quem não sabe exercer o cargo ouvindo o povo de onde emana o poder. 

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