terça-feira, 3 de janeiro de 2017

O cárcere da memória

Um céu sombrio cobre o país. A maioria das pessoas trabalha numa coisa de que não gosta, luta a vida toda por nada, vive em conflito porque ama. O Brasil não funciona na forma em que foi concebido. A elite do Estado não quer se integrar à vida normal da sociedade. Continua forçando o governo a se endividar e pagar juro a milionário. Seu procedimento é regular, pensado, alegre. As instituições não conhecem a tristeza. Não têm interesse em estimular a normalidade, pacificar o território. São nobres humilhando plebeus.

O Estado é “carceral” em sua lógica fechada. O juiz precisa do criminoso; o promotor, do crime; a polícia, do bandido; o Supremo, da inconstitucionalidade; a política, da mentira; a Receita, da fraude. A riqueza é agiota do governo; o câmbio ri da afinidade da ideologia com a moeda. O juro sempre soube que não haveria uma City em Salvador como o chanceler sonhou para a Odebrecht.

A liberdade de um ser "livre"  arte: John Holcroft:
John Holcroft
Não é o povo, o trabalhador ou o empresário. Nem mesmo os ventos vindos do estrangeiro. É a elite, dos Três Poderes, no município, no estado e na União, que semeia o sobressalto. Nada é o suficiente para seus membros. A despesa de esbanjador demora para causar repulsa. Muito poucos percebem que grandes talentos não brotam do chão. Quantos aceitam a ideia de que o dinheiro não pode dominar o mundo moral do homem público?

Falta às autoridades um Konversationslexikon, o dicionário alemão destinado a fornecer às pessoas conhecimentos mínimos para manter algum diálogo sem precisar manipular, mentir ou agredir. Já é hora de o Brasil parar de admirar quem faz uso político de dados econômicos incorretos, estatísticas insuficientes, ou se vale de crises para fortalecer corporações.

No canto da cela, o encarcerado e seu advogado não se entendiam.

— Todas as vezes que alguém se aproximou dele como amigo, ele aproveitou para se afastar do dever de autoridade;

— Mas como condenar quem relaxa de seus cuidados para servir a alguém que comparte com ele seus assuntos?

— Em assuntos de governo nenhuma regalia ou servidão pode haver em tal afeto que a tantos inebria. Só a desmedida ambição tira do governante a meditação e o recolhimento. E faz seus prazeres eclipsar qualquer senso de limite e de justiça;

— Ora, se nem a ajuda de Deus o socorreu, de que índole são os amigos do poder? Você parece com ele indisposto, o que enfraquece muito seus conselhos;

— Não sou inimigo dele. Sou inimigo dos seus erros, todos desnecessários. Tudo lhe chegou de tal maneira que ele dispensou o futuro de sua preocupação.

— Ele sempre foi ingênuo na ambição. Não compreende que quem se aproxima do poder rouba um pouco de poder. Nem se dá conta de que é do poderoso parte do interesse de quem o visita interesseiramente;

— Está aí sua defesa! O crime não se coaduna com os deveres de um governante;

— Ele não acha que praticou crime. É ambiguidade, da política a maior das salvaguardas;

— A implacável lei da dupla face: você acaba sendo o que parece;

— Não é melhor ser escrupuloso, dormir tranquilo?

— Mas acordar fora da política? Para quê? O calor do golpe na honra só é imperdoável no fracasso.

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