domingo, 29 de janeiro de 2017

Governos não são para gestores

O que há em comum entre Dilma, Trump e Doria? Além do fato de serem outsiders, todos esses personagens se apresentaram aos eleitores com a imagem de bons gestores.

No primeiro caso, Dilma foi apresentada como uma “burocrata competente”, ou seja, alguém com experiência na administração pública e, portanto, com uma visão mais técnica do que política. Trump e Doria exploraram a imagem do “homem de negócios”, “alguém que governará com a mesma eficiência e buscando os mesmos resultados alcançados na esfera privada”. Enquanto a primeira foi beneficiada por um ilusório bom momento econômico, os outros dois se beneficiaram da rejeição dos eleitores aos “políticos profissionais”.


Ocorre que a civilização ocidental atribuiu à política — para o bem ou para o mal — uma lógica própria. Mesmo sendo discípulo de Platão, Aristóteles definiu a atividade política como a administração da pólis, realizada por cidadãos virtuosos, ao invés do rei-filósofo. Sim, para Aristóteles, o homem era por natureza um animal político, mas o mesmo, tal como Montesquieu, definia a melhor forma de governo como aquela capaz de conjugar democracia e aristocracia, cabendo a esta última a tarefa de separar aquilo que seria a boa legislação daquilo que seriam as “paixões momentâneas”. Mutatis mutandis, a tarefa de legislar seria incumbência de uma pequena elite política.

As virtudes públicas preconizadas pelos gregos foram, mais tarde, transformadas em virtu (astúcia) por Maquiavel. A este coube demonstrar que a política possuía uma lógica peculiar e demandava do príncipe uma habilidade própria para a manutenção do seu reinado. Nesta mesma linha de raciocínio, Max Weber no século XX diferenciaria a ética da convicção da ética da responsabilidade ao afirmar que, quanto maior a inserção do indivíduo na esfera política, mais intensa é a substituição de suas convicções pessoais pelas responsabilidades impostas pelo cargo.

Com o insulamento próprio dos burocratas, a ex-presidente Dilma negou a tarefa de conviver com o dia a dia da negociação política com o Congresso Nacional e foi incapaz de operar, no campo econômico, a transição entre convicção e responsabilidade. Trump fez uma campanha xenófoba e, uma vez eleito, tenta, tal qual o Super-Homem, fazer com que a Terra se mova no sentido contrário. Já Doria cometeu a primeira gafe antes mesmo de tomar posse ao afirmar que doaria seu primeiro salário para uma entidade que cuida de “crianças defeituosas”, conceito que causa náusea ao mais empedernido crítico do politicamente correto.

Por mais salutar que seja a incorporação de métodos da gestão privada nos órgãos públicos, a política está no berço da civilização ocidental e apenas os políticos mais profissionais são capazes de sustentar a imagem do não insider.

Gustavo Müller 

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