quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

Colapso da verdade

A verdade naufragou junto com a cultura. Tragédias de nosso tempo. Tempos novos virão e ambas serão recuperadas, mas isso não acontecerá no nosso tempo. Até pelo fato de que, como disse a rainha de Copas para Alice, na continuação de Alice no País das Maravilhas, “neste lugar precisamos correr ao máximo para permanecermos no mesmo lugar”.

Muitos andam ansiosos com a falta de qualidade das informações que circulam por aí, turbinadas pelo uso maciço da internet. É sintoma de uma espécie de “apagão” a partir do excesso de informações desqualificadas. Quanto a isso, a questão mais evidente no momento é que houve, de forma deliberada e comprovada, manipulação de informações destinadas a influir nos resultados eleitorais norte-americanos do ano passado.

Imaginem o vexame? A nação mais poderosa tecnologicamente se deixou ser manipulada “midiaticamente”. A ponto de se considerar que tais manipulações afetaram o resultado das eleições no país. Em consequência, instalou-se um debate sobre como controlar o fluxo de informações falsas, em especial no período eleitoral. Não será suficiente.

As redes sociais propiciaram a circulação de notícias de uma forma nunca antes possível. E, com ela, a possibilidade de se expressar ódio e amor e ser validado ou contestado por seus seguidores. Esse processo, porém, não é isento. É possível comprar seguidores e “likes” e promover matérias para que elas ganhem notoriedade. A fama, no limite, pode ser comprada e turbinada. Perguntem aos russos.

Com o passar do tempo, como disse Marcel Proust, tudo que é mentira vira verdade. Só que, na atualidade, o tempo passa rápido demais. E quando vamos checar se era mentira o que virou verdade, seus efeitos já se tornaram irreversíveis.


O escritor Contardo Calligaris aponta que, no âmbito das redes sociais, devemos lutar pela existência de limites claros entre a liberdade de expressão e a ocorrência de ameaças. Concordo. O problema é que, muitas vezes, não sabemos reconhecer a verdade antes mesmo de ela se tornar ou não uma ameaça.

O Facebook anunciou sete iniciativas para tratar do tema. Entre elas, o desenvolvimento de sistemas mais eficientes de detecção de notícias falsas, estabelecendo-se mecanismos de checagem, a fim de tornar mais fácil a denúncia de sua existência. É um começo.

Apela-se, inclusive, para a criação do que alguns chamam de programas de alfabetização midiática. Outros demandam a criação de selos de garantia de autenticidade de notícia. Ambas as iniciativas são bem-vindas e devem ser implementadas. Mas são apenas paliativas.

Infelizmente, as iniciativas, de modo geral, são fadadas ao fracasso. Em especial em países como o Brasil. Se o caso é grave nos Estados Unidos, imaginem aqui. A raiz do problema está no ambiente cultural em que vivemos. Nos Estados Unidos, apesar de graves problemas, a educação ainda é muito melhor do que no Brasil.

Aqui, muitas vezes, não há a mínima preocupação com a produção de conteúdos de qualidade nem com a criação de uma atitude mais reflexiva sobre como navegar no mundo do noticiário intenso. Na verdade, não sabemos como lidar com o problema. E podemos cair em soluções antigas e autoritárias, por exemplo, ao optar pelo bloqueio de sites ou ao promover conteúdos ideologicamente contaminados.

Ao passar pelo aeroporto internacional de Porto Seguro, na Bahia, reparei que não existia mais uma antiga banca de jornal e uma livraria que estavam à disposição dos passageiros. Pensei comigo: será essa a medida do valor da cultura em nosso país? Uma banca de revistas e jornais não pode ser viável em um aeroporto que recebe voos diários de São Paulo, Belo Horizonte, Brasília e Salvador, além de voos internacionais na alta temporada?

Ainda nessa linha, uns amigos nostálgicos levantaram dois fatos incontestáveis. Primeiro: a maior parte do repertório do programa The Voice Brasil é de músicas antigas. Somente aqui e ali aparece uma música nova e quase sempre de qualidade sofrível. Segundo: é risível a comparação entre a lista das músicas mais ouvidas em 2016 e em 1983. A lista de 1983 continha extravios naturais do gosto popular, mas incluía doses relevantes de Lulu Santos, Fagner, Tim Maia, Police, Maria Bethânia, Billy Preston, entre outros. Já a de 2016…

O nosso déficit educacional e cultural é o obstáculo mais grave, entre todos os outros, para lidarmos com o admirável mundo novo. Isso porque pulamos do analfabetismo para a internet direto, sem construir uma base cultural sólida. Como criar uma população alfabetizada midiaticamente, que saiba discernir a verdade da mentira a tempo de impedir que ocorram manipulações? Não será fácil.

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