segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

A origem do mal

As barbáries ocorridas na virada do ano em presídio de Manaus (AM), que se repetiram em Boa Vista (RR), depois de apenas cinco dias, não acontecem num país mediamente civilizado. O atraso do Brasil em termos civilizatórios se escancarou para o mundo com mais de 80 corpos mutilados, enterrados em covas rasas.

Não se tratou apenas de matar membros de facção adversária; o requinte de crueldade e o sadismo, como esquartejar, arrancar cabeça e coração dos executados, sinalizam as falhas civilizatórias que diferenciam o Brasil. Isso não acontece na Europa, no Japão, nos Estados Unidos, não existem condições para insanas explosões de crueldade.

O fenômeno não resulta apenas das condições atípicas de duas capitais da bacia amazônica brasileira, não é “acidente” isolado, como acenou o presidente Michel Temer, antes que o segundo extermínio confirmasse em Roraima a extensão do mal.

A monstruosidade explode num contexto coletivo degradado, estressado, falido, que fincou os alicerces da barbárie pela ausência de cuidados e de ações voltadas à atenuação das causas.


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Ficaram esculpidas neste começo de ano a insuficiência e a falência do mísero sistema social brasileiro, que relega expressivo contingente de indivíduos à miséria material e espiritual, sem oferecer perspectiva de progresso ou de vida minimamente decente.

Por que aqui, e não em outro país? Exatamente por existirem causas não enfrentadas, e talvez, mais ainda, pela falta de um despertar coletivo, dificultado enormemente pelo desrespeito das elites governantes com seus governados.

Embora o volume de reclusos já fosse gigantesco em 2004, com cerca de 330 mil indivíduos, até o ano de 2016 essa população carcerária dobrou para quase 700 mil. O Brasil ocupa, dessa forma, o quarto lugar no ranking mundial de reclusão, agravado pela superlotação, superior a 100% da capacidade oficial.

Os presídios daqui não são certamente modelos de recuperação dos condenados, não correspondem ao fim pontual de mitigação da criminalidade. Apenas a multiplicam e amplificam. São quase irrelevantes face ao contingente total. Cito um exemplo próximo: em minha empresa ocupamos durante oito horas 20 reclusos em trabalhos braçais remunerados, com os salários destinados às respectivas famílias; é pouco, mas ajuda a minorar sofrimentos.

Os dados compilados pelo ICPS (Centro Internacional para Estudos Prisionais, na sigla em inglês) descrevem um aumento de 100% dos detentos até 2030. Quer dizer, 1,5 milhão de indivíduos, com um custo unitário anual de cerca de R$ 70 mil. O Brasil gastará, assim, mais de R$ 100 bilhões para segregar a população condenada, uma quantia superior ao que a União destina à saúde pública.

Esses dados são pavorosos, considerando-se que apenas um em cada 15 criminosos vai para trás das grades; se for verdade como imagino, a banda da delinquência conta hoje com mais de 10 milhões indivíduos, ou 5% da população. Disso vem a escalada da criminalidade, que faz do cidadão um recluso dentro de sua casa para evitar os riscos de assaltos e violências.

Nesse desastre nacional podemos identificar duas colunas no portal de acesso ao crime: o baixo e insatisfatório nível de educação, não só escolar como familiar; o insuficiente desenvolvimento econômico, que redunda no desemprego. Com isso, na ausência de trabalho, que dignifica o homem nesta terra, conjugada ainda com as falhas educacionais, temos um fenômeno explosivo comparável ao estopim num barril de pólvora.

Pesaram também a migração de multidões da área rural e seu adensamento em ambiente urbano de baixa qualidade e sem estruturação. Os aglomerados periféricos, castigados por péssimos serviços públicos, foram embrutecidos pelo tráfico de drogas, e, na ausência de atitudes socializantes, a juventude é facilmente atraída e atingida pela violência e criminalidade.

Não existem vagas minimamente suficientes nas creches, que possibilitem às crianças as garantias alimentares, o preparo comportamental que as preserve de estragos que já em tenra idade as condenam ao analfabetismo funcional.

Mais ainda, não se encontram espaços de convivência sadia e de prática de exercícios físicos, de esportes, de acesso à cultura e a cursos profissionalizantes. A qualidade de vida das periferias é assombrosa.

O sistema carcerário não pode ser somente torturador, muitos dos crimes puníveis com a detenção deveriam ser limitados e direcionados ao serviço social, ao trabalho comunitário, à prestação de serviços que custam caro à sociedade. Não se justifica, como ocorreu na penitenciária terceirizada de Manaus, que R$ 5.800 por mês por recluso sejam miseravelmente desperdiçados.

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