sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

Se Papai Noel descansa, sigamos o exemplo

Bom Natal
Com o espírito não empanzinado pela ceia, mas livre como a paz

Feliz Natal? Como se o mundo piorou?

Mafalda, a simpática, espevitada e contestadora menininha argentina que desde seu nascimento, em 1964, se preocupa com o estado de saúde do Mundo, com certeza deve andar desconsolada. Ela, que nunca se conformou em aceitar, tal como são, as coisas quando lhe parecem erradas, que passou noites em vigília ao lado do globo terrestre que ardia em febre, que recusava a sopa insípida do dia a dia por saber que há pratos muito mais saborosos, com certeza não pensava que mais de 50 anos depois, o Mundo ainda estaria doente.

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Não me esqueço de seu comentário mais ácido para o Mundo que tanto ama: Se você tivesse fígado, que hepatite, hein? Fígado ele não tem, Mafalda, mas está cada vez pior.

Das Américas, da Europa, da Ásia, da África, de toda parte só nos chegam notícias de como o Homem, dono do Mundo, consegue ser cada vez mais cruel com seus semelhantes e com o ambiente no qual vivemos.

A Guerra na Síria e tudo que isso representa de bárbaro e hediondo, com seus milhões de mortos e milhares de crianças com suas vidas arrebentadas, é tão inclemente e desgraçada que acho difícil festejar seja lá o que for quando só temos é vontade de gritar, tal qual a Mafalda em sua tirinhas ‘Basta!’.

O Mare Nostrum, que foi o berço de nossa civilização, virou o túmulo dos que tentam escapar de guerras e de ditadores e de fome e de doenças. Atravessá-lo e ir viver na outrora linda Europa é o sonho de tantos que fogem de seus países, na esperança de poder dar a seus filhos a vida que em suas amadas terras lhes é negada.

Esquecem todos, ou quase todos, que os europeus muito lutaram e sofreram para chegar ao estado que hoje invejam. Cenário principal de duas guerras brutais há cem anos, será que a Europa merece ser novamente destruída? Mas, ao mesmo tempo, será que os refugiados que ali buscam um lar, não merecem ser acolhidos?

Na Inglaterra, terra de João Sem Terra, venceu uma estranha Brexit que pretende afastar as Ilhas Britânicas do Continente muito mais que os 240 km da parte mais larga do braço do Atlântico que os separa. Acho estranha a vitória do Brexit e como aprecio muito aquelas ilhas, torço para estar errada e para que o Brexit tenha sido a solução ideal. Mas... será?

Na riquíssima África, talvez o continente mais rico de todos, imperam a miséria e a fome e os ditadores arquibilionários que enchem as burras com o dinheiro que o Ocidente lhes envia para pagar pelos bens que a África torra, nunca em proveito dos africanos, sempre em proveito de seus chefes tribais transformados em chefes de governos brutais.

Na Ásia, dois gigantes, cada um de um lado da roda da vida. A China, sempre mais desenvolvida e rica, a Índia, cada vez mais atrasada e problemática. E uma Coreia do Norte nas mãos de uma dinastia ensandecida, que não sabemos ao certo se possui ou não armas nucleares. O que será do mundo se por acaso um chefete resolver apertar o botão errado?

Nas Américas, ah! meu Deus, nas Américas... Só em pensar em todo o estrago que uma figura como Donald Trump pode fazer ao nosso continente, e ao mundo, meu coração perde uns compassos e a arritmia se instala.

Quando leio um twitter do Trump só me vem à mente o seguinte: Saramago tinha razão. Do twitter de 140 toques ao grunhido, é um suspiro... E esse presidente, que os americanos inadvertidamente elegeram, ao que parece pretende governar por twitters.

E aquele urso branco que já não tem onde caminhar, que fica imóvel sobre um pequeno pedaço de gelo porque a vastidão onde nasceu vem desaparecendo aos poucos? Será que não dá para alguém levar o Trump para sobrevoar o Polo Norte?

E aqui, em nosso quintal? Daqui não falo. Porque não sei o que dizer. Só sei perguntar: quando é que os réus vão ser julgados? Se demorar muito mais, nunca terminaremos nossa saga, porque a cada volta do parafuso, mais réus aparecem.

Como, então, desejar Feliz Natal ao mundo? Fica difícil, não é?

No entanto, como deixar passar em branco essa data? Quem sabe se todos gritarmos juntos o Mundo não saia de seu torpor?

Vamos lá, respire fundo e grite: Feliz Natal!
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A tara do adesismo na política brasileira

Sendo a política predominantemente concebida no Brasil como “o que ocorre em torno do Estado”, não há vacina poderosa o suficiente para imunizar os políticos da forte atração centrípeta do Estado e que se manifesta sob a forma de um adesismo generalizado a quem o ocupa que tende à unanimidade. Essa é uma das “taras” mais peculiares da cultura política brasileira que caracteriza o comportamento das elites políticas com relação aos governos, sejam eles quais forem.

Só não tem base política no Legislativo aquele governante que não a quiser. Na realidade, qualquer novo governo no Brasil, se não fechar as portas do poder, será invadido. Não há barreira programático/ideológica, partidária ou ética que seja capaz de conter o vício tentador da adesão ao poder, aos cargos, mordomias e o acesso às facilidades para a corrupção.

A expressão mais acabada dessa característica da cultura política brasileira se manifesta nas ondas de unanimidade nacional que varrem os cenários políticos, uma vez definido o vencedor. Foi assim com os governos da Arena durante o regime militar; com a campanha das Diretas Já, transferindo-se logo após para o processo de constituição da Aliança Democrática e ao governo Tancredo/Sarney; com o Plano Cruzado, episódio emblemático do adesismo, quando o PMDB elegeu todos os governadores estaduais, com apenas uma exceção!

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O mesmo processo repetiu-se com o impeachment de Collor e, logo em seguida, na formação do governo Itamar. Fernando Henrique, com o Plano Real, obteve vitória em primeiro turno e, navegando mais uma onda de quase unanimidade, não teve problemas para conquistar maioria no Congresso, sempre que se empenhou.

A comprovar que a tara do adesismo não conhecia limites partidários, o governo Lula, não obstante o escândalo do mensalão, levou o adesismo ao paroxismo, chegando à quase unanimidade decorrente da corrupção, como ficou visível e conhecido por meio da Operação Lava Jato.

O adesismo do governo Lula, bem lubrificado pela sua popularidade e pelo seu peculiar carisma, não se limitou à sua pessoa. Passou para Dilma, a sucessora que elegera e que, embora destituída de todos os atributos de imagem que Lula possuía, não teve problemas em contar com ampla maioria no Legislativo.

Por fim, com o impeachment de Dilma, o adesismo, como uma “ameba gigante”, não teve maior dificuldade de se reagrupar, com inegável disposição no governo Temer.

Como se vê, o adesismo não é uma peculiaridade de um determinado grupo de partidos, pertencentes ao setor de centro-direita do espectro político; tampouco não dependia da prática democrática, já que soube se acomodar sem dificuldade na Arena do período autoritário; conseguiu também se alojar na nova República do governo Sarney; sobreviveu à ampla modificação do sistema político, com a Constituição de 1988; depois ajustou-se ao Plano Real, à rigorosa Lei de Responsabilidade Fiscal e ao governo FHC; chegando ao “paraíso” no governo Lula e Dilma, com o estímulo extra do pagamento mensal por serviços prestados e, para espanto do mundo, com o petrolão ainda em investigação, um escândalo numa escala de país altamente desenvolvido e multinacional.

O fato é que o adesismo não pertence ao mundo da conjuntura, já que foi capaz de saltar sobre todos os obstáculos e mudanças que se sucederam na política brasileira desde Getúlio, passando pelo regime de 64, pela Nova República, pela Constituinte, pelo governo Itamar, pelo governo FHC, por Lula e Dilma, até chegar aos nossos dias com Temer.

Curiosamente, só o breve governo Collor não se beneficiou deste adesismo, até onde se sabe em grande medida por que não o quis, e, segundo muitos, foi essa recusa a razão principal para o impeachment.

Ao contrário dos países de cultura política de democracias estáveis, no Brasil, ser da oposição é ser amaldiçoado; o trágico é “perder a boquinha” no governo. Nossa cultura política está muito mais para um processo tendente à unanimidade do que para o conflito.

Em consequência, não temos oposição como uma estrutura política independente, que se mantém como alternativa ao governo. Somente um raciocínio político desligado da realidade, portanto, pode conceber como “solução” política para o País, por exemplo, o parlamentarismo, regime político que depende de modo absoluto da existência de uma oposição para sua dinâmica de funcionamento.

O eufemismo mais recente para revestir de dignidade o oportunismo adesista é o conceito de governabilidade: a pretensa necessidade de formar maioria parlamentar permanente para governar. Depois que esta “justificativa nobre” foi encontrada, o processo atingiu as raias do indecoroso, atenuado por um conceito com pretensões acadêmicas – presidencialismo de coalizão – que logo passou a ser utilizado de forma deturpada pela linguagem política como uma justificativa elegante para o adesismo.

O adesismo é, pois, um traço estrutural do sistema político. Diante de sua força, chega a ser irônica a tentativa de modernizar nosso sistema político por mais uma soi disant reforma da legislação política.

Tais reformas não passam de aperitivo para a fome incontrolável da tara adesista, a mesma que não hesitou em engolir todos os artigos, parágrafos e incisos da nova Constituição.

Como traço estrutural, o adesismo ainda vai viver conosco por um bom tempo, corroendo e corrompendo nossas práticas políticas, no estado de instabilidade política crônica em que vivemos e que ainda vamos ter de viver por muito tempo, como detalhadamente analisei no meu livro Brasil: a cultura política de uma democracia mal resolvida.

Esta “tara adesista” de boa parte da classe política e empresarial, tão característica de nossa cultura e prática política, compromete – e pelo visto continuará comprometendo – severamente a independência dos poderes, a eficiência do governo e, em consequência, a qualidade de nossa democracia.

Organiza o Natal

Alguém observou que cada vez mais o ano se compõe de 10 meses; imperfeitamente embora, o resto é Natal. É possível que, com o tempo, essa divisão se inverta: 10 meses de Natal e 2 meses de ano vulgarmente dito. E não parece absurdo imaginar que, pelo desenvolvimento da linha, e pela melhoria do homem, o ano inteiro se converta em Natal, abolindo-se a era civil, com suas obrigações enfadonhas ou malignas. Será bom.

Então nos amaremos e nos desejaremos felicidades ininterruptamente, de manhã à noite, de uma rua a outra, de continente a continente, de cortina de ferro à cortina de nylon — sem cortinas. Governo e oposição, neutros, super e subdesenvolvidos, marcianos, bichos, plantas entrarão em regime de fraternidade. Os objetos se impregnarão de espírito natalino, e veremos o desenho animado, reino da crueldade, transposto para o reino do amor: a máquina de lavar roupa abraçada ao flamboyant, núpcias da flauta e do ovo, a betoneira com o sagüi ou com o vestido de baile. E o supra-realismo, justificado espiritualmente, será uma chave para o mundo.

A Árvore de Natal de Stephen Mackey Stephen Mackey´s Christmas Tree:
Stephen Mackey 
Completado o ciclo histórico, os bens serão repartidos por si mesmos entre nossos irmãos, isto é, com todos os viventes e elementos da terra, água, ar e alma. Não haverá mais cartas de cobrança, de descompostura nem de suicídio. O correio só transportará correspondência gentil, de preferência postais de Chagall, em que noivos e burrinhos circulam na atmosfera, pastando flores; toda pintura, inclusive o borrão, estará a serviço do entendimento afetuoso. A crítica de arte se dissolverá jovialmente, a menos que prefira tomar a forma de um sininho cristalino, a badalar sem erudição nem pretensão, celebrando o Advento.

A poesia escrita se identificará com o perfume das moitas antes do amanhecer, despojando-se do uso do som. Para que livros? perguntará um anjo e, sorrindo, mostrará a terra impressa com as tintas do sol e das galáxias, aberta à maneira de um livro.

A música permanecerá a mesma, tal qual Palestrina e Mozart a deixaram; equívocos e divertimentos musicais serão arquivados, sem humilhação para ninguém.

Com economia para os povos desaparecerão suavemente classes armadas e semi-armadas, repartições arrecadadoras, polícia e fiscais de toda espécie. Uma palavra será descoberta no dicionário: paz.

O trabalho deixará de ser imposição para constituir o sentido natural da vida, sob a jurisdição desses incansáveis trabalhadores, que são os lírios do campo. Salário de cada um: a alegria que tiver merecido. Nem juntas de conciliação nem tribunais de justiça, pois tudo estará conciliado na ordem do amor.

Todo mundo se rirá do dinheiro e das arcas que o guardavam, e que passarão a depósito de doces, para visitas. Haverá dois jardins para cada habitante, um exterior, outro interior, comunicando-se por um atalho invisível.

A morte não será procurada nem esquivada, e o homem compreenderá a existência da noite, como já compreendera a da manhã.

O mundo será administrado exclusivamente pelas crianças, e elas farão o que bem entenderem das restantes instituições caducas, a Universidade inclusive.

E será Natal para sempre.
Carlos Drummond de Andrade

Inventando esperanças

De 1998 a 2010 votei em Fernando Gabeira e Alfredo Sirkis como meus representantes na Câmara dos Deputados. Na última eleição, em Miro Teixeira. E eles não me decepcionaram no comportamento pessoal e na atuação política, nas vitórias e nas derrotas representaram fielmente o que nos identificava nas eleições.

Com certeza os eleitores de parlamentares de diversos partidos, como os senadores Cristovam Buarque, Simone Tebet, Ricardo Ferraço, Antonio Anastasia, Randolfe Rodrigues, Aloysio Nunes, Ana Amélia ou Magno Malta, ou de deputados como Chico Alencar, Alessandro Molon, Antonio Imbassahy, Jarbas Vasconcellos, Marcelo Freixo, Mara Gabrilli, Raul Jungmann ou Jean Wyllys, se sentem representados e confiam em seus representantes. Estima-se que eles sejam um para cada cinco da atual legislatura: os 300 picaretas de Lula passaram para 400, como mostraram as últimas votações.


Não, os políticos não são todos iguais, ainda não. Mas não basta ser honesto, é preciso parecer honesto, boas intenções e nobres ideais não são suficientes, é preciso ser combativo e competente na defesa dos interesses de seus eleitores e do país. Em cálculos otimistas, no atual Congresso são quatro bandalhos para cada parlamentar decente, eficiente e acima de suspeitas. Somos uma minoria multipartidária, de diversas posições políticas, e brigando entre si. Mas é o que nos resta, fora da instituição não há salvação.

É difícil, no atual cenário, mas é preciso manter a confiança e esperança nos nossos representantes. Ainda temos essa minoria ativa que resiste e pode impedir a aprovação da anistia ao caixa 2 e denunciar sabotagens contra medidas anticorrupção. Se não contarmos com eles, com quem então?

Por falar em caixa 2: se a empreiteira prova que pagou uma quantia não contabilizada a um político, e ele não consegue comprovar que a gastou em despesas de campanha, é propina, compra de votos ou lavagem de dinheiro? E embolsar o caixa 2, é o quê?

A esperança do Ano Novo é que esse lixo seja varrido do Congresso pela Lava-Jato e pelos parlamentares decentes, limpando a área para novas lideranças.
Nelson Motta 

Cabral mudou de grife

Até pouco tempo, deputados e senadores recebiam o chamado auxílio-paletó. O agrado era depositado todo fim do ano, como se fosse um presente de Natal. Alegava-se que suas excelências precisavam de ajuda para comprar ternos, traje obrigatório na vida parlamentar.

Sérgio Cabral, o ex-governador do Rio, parece ter criado sua própria versão do benefício. Ela poderia ser chamada de Bolsa Ermenegildo Zegna. Enquanto o Estado caminhava para a falência, o peemedebista torrou R$ 258 mil para se vestir com roupas da grife italiana.

As compras foram pagas em dinheiro vivo, segundo documentos reunidos pela Lava Jato. Os investigadores afirmam que Cabral usou “produto do crime” para renovar o guarda-roupa. Ele é acusado de cobrar propina nas obras do Complexo Petroquímico do Rio, um dos projetos mais ambiciosos da Petrobras.

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O ex-governador começou a investir nos ternos italianos em 2011. Em julho do ano seguinte, fez sua maior aquisição: R$ 89.950, quitados “por meio de 11 (onze) operações bancárias de depósito em dinheiro, fracionadas em valores inferiores a R$ 10.000,00 (dez mil reais)”.

O objetivo do parcelamento, segundo os procuradores, era “ocultar a origem e a natureza criminosa dos valores oriundos dos crimes”. Toda compra acima de R$ 9.999,99 precisa ser informada ao Coaf, órgão do Ministério da Fazenda que fiscaliza movimentações suspeitas.

A grife preferida de Cabral é citada 83 vezes na denúncia que o acusa de corrupção passiva e lavagem de dinheiro no petrolão. No mês passado, os policiais que visitaram seu apartamento encontraram uma vasta coleção de ternos da marca. As etiquetas eram personalizadas com o nome do político e a inscrição “su misura” (sob medida, em italiano).

Desde que se mudou do Leblon para Bangu 8, o peemedebista foi obrigado a adotar um novo estilo. Agora só é visto em trajes na cor verde, com a assinatura da grife Seap.

Puer natus est nobis

Coro dos monges da abadia de Nossa Senhora
da Assunção, no mosteiro de São Bento (São Paulo)

Como trabalhar pela igualdade

Fim de ano, sucedem-se os cálculos: quantos nasceram no mundo, quantos morreram, quantos seremos, em que espaço de tempo? E a partir daí, muitas equações. Quantos médicos? Quantas mulheres não se casarão? Quanto ganharão, comparando com os homens? Etc., etc.

O capítulo mais difícil certamente estará nas cifras nacionais, que nos falam muito de perto das desigualdades. As mulheres continuam trabalhando em média cinco horas por dia mais que os homens e ganham apenas 76% do salário médio masculino. Elas têm menos oportunidades de assumir cargos de chefia ou direção, até mesmo porque são discriminadas em razão da dupla jornada (horas no emprego e em casa), que reduz em algumas horas diárias a sua disponibilidade – sua jornada semanal de trabalho fora é inferior em cinco horas e meia à dos homens (50 horas ante 55,5). Além disso, as mulheres dedicam duas vezes mais tempo do que os homens às atividades domésticas (Instituto Humanistas Unisinos, 6/12) – eles dedicam às atividades em casa apenas dez horas por semana.

A Powerful Picture:
É um panorama que não mudou em uma década, embora 70% das mulheres estejam fora do mercado de trabalho. Mesmo que exerçam funções de chefia e direção muito semelhantes às dos homens, mulheres recebem (pelo nível de chefia, além do salário) cerca de 25% menos do que eles.

E continua a aumentar o número de mulheres que são chefes de família: elas têm essa responsabilidade em 40% das casas; homens na mesma situação são poucos, quase exceção. Mulheres que não trabalham, dos 15 aos 29 anos, são 21,1%; na mesma idade e na mesma situação, só 4,7% dos homens.

De 2005 a 2015 cresceu de 11,4% para 17,8% a proporção de negros entre os brasileiros ricos. Entre os mais abonados, oito em cada dez são brancos; entre os mais pobres, três em quatro pessoas são negras, diz o IBGE. Mais de metade da nosso população (54%) é de pretos ou pardos. A cada dez pessoas, três são mulheres negras.

Embora tenha melhorado em dez anos – de 36,9% para 26,4%, entre 2005 e 2015, na faixa etária de 15 a 17 anos –, o atraso escolar no Brasil ainda é alto, segundo a Síntese dos Indicadores Sociais do IBGE publicada no início do mês (Estado, 3/12). Entre os 20% de famílias mais pobres, o índice chega a 40,7%, “quase cinco vezes maior que o indicado nos 20% mais ricos (8,2%)”. Explicou o IBGE que “a distorção idade/série”, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), “se refere à proporção de estudantes com idade pelo menos dois anos acima da esperada para a série em que estão matriculados”. A defasagem chega a 36,4% no Nordeste; é “mais dramática entre os jovens que moram em áreas rurais e também entre pretos e pardos”. Mais de um terço dos jovens acima de 15 anos já repetiu de ano mais de uma vez. “Na rede pública o atraso é 3,6 vezes maior.” Um em cada quatro jovens não estuda nem trabalha – são os chamados “nem-nem”, aos quais se referem, em tom zombeteiro, os seus contemporâneos.

A diferença entre áreas urbana e rural no País também é grande, na faixa de estudantes de 15 a 17 anos com até dois anos de atraso na escola, assim como entre estudantes pretos e pardos (31,4%), de um lado, e brancos (18,9%), do outro (em 2015). Para além da defasagem entre brancos e pretos, nas universidades públicas, em 2005, apenas 0,9% dos estudantes figuravam entre os 20% mais pobres; em 2015 já eram 8,3%.

É penoso tentar trabalhar com indicadores sociais no Brasil. Por exemplo, a questão do aborto, que ainda há poucos dias ocupou muitos espaços na comunidade, quando o Supremo Tribunal Federal decidiu não ser crime a interrupção voluntária da gravidez praticada nos três primeiros meses de gestação. Os favoráveis e os contrários serão dezenas de milhões; de ambos os lados, pessoas capazes de chegar às vias de fato em defesa de seus argumentos. Mas houve também, nos jornais, quem defendesse uma política nacional que abranja uma “cultura de cautela sexual”, uma discussão civilizada que faça avançar as práticas nessa área – e não apenas a defesa do uso regular de preservativos.

E é possível avançar. Todos os dias se ouvem debates acalorados a respeito da falta ou penúria de recursos para campanhas e ações a respeito de tudo. Por que governos e instituições não se dedicam a discussões públicas e civilizadas em que um lado possa ouvir o outro lado manifestar-se sobre o que for importante para a sociedade, do aborto à prioridade de políticas e obras governamentais?

Não se pode mais ouvir a cantilena demagógica dos julgadores indiferentes – fantasiados de sisudos defensores dos interesses coletivos, que ocupam posições importantes para a sociedade, mas fecham os olhos a problemas vitais em tantas áreas, como, por exemplo, a da defesa sanitária.

Ainda há poucos dias Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura advertiu: mais de 2 bilhões de pessoas no mundo sofrem de deficiências nutricionais e cerca de 450 milhões de crianças com menos de 5 anos de idade têm o crescimento atrofiado por dietas pobres; ao mesmo tempo, 1,9 bilhão de indivíduos estão acima do peso ideal; a alimentação inadequada custa US$ 3,5 trilhões por ano ao desenvolvimento econômico e aos investimentos em saúde dos países.

Não há tempo a perder. Os fatos no mundo das atividades econômicas desenvolvem-se no ritmo acelerado do cotidiano: quem perder tempo será ultrapassado. Então, é preciso adaptar sem perda de tempo os currículos educacionais, principalmente universitários, às necessidades da vida fora dos campus. Mas sem esquecer estas últimas – para que se tenha uma educação que possa ser mais abrangente, mais próxima da vida concreta de todos os segmentos sociais. A igualdade, aí, começa pela justiça, em todos o segmentos, da formulação de todos os currículos. Pelo ensino e pela prática da igualdade.

'O lugar mais perigoso deste planeta é um hospital'

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Uma das coisas que sabemos é que temos de mudar a forma em que distribuímos a saúde. Temos de levá-la às pessoas nas suas casas. Em suas comunidades, fora dos hospitais, em lugares especializados. E só usar o hospital como último recurso
William A. Haseltine

Brasil corre perigo

O Brasil corre riscos sérios. Estou longe, mas acompanho sempre que posso o que está acontecendo aí — e com preocupação cada vez maior. A situação mundial, marcada por aguda polarização, oferece grandes perigos para nações fragilizadas por conflitos internos. Existem certamente casos mais graves que o brasileiro, países destroçados por intervenções externas e/ou crises domésticas: Síria, Iraque, Líbia, Grécia — para citar casos mais notórios.

Não chegamos a esses extremos, mas não há como negar que o nosso país está em perigo. Dos Brics, o Brasil é no momento o mais vulnerável. E repare, leitor, que a situação da Rússia e da África do Sul é bem complicada. A China também enfrenta desafios econômicos, institucionais e políticos. A Índia acaba de lançar uma reforma monetária radical, com efeito desestabilizador. Em todos os quatro países, a corrupção é problema grave.

Mas, entre os Brics, o Brasil é “hors concours”. Não necessariamente em corrupção, mas na fragilidade do quadro econômico, social e político. As razões parecem claras. Primeiro, a intensa polarização interna. O que antes era patrimônio dos nossos vizinhos ao Sul — a incapacidade crônica dos argentinos de conciliar e chegar a entendimentos — parece ter sido importado maciçamente pelos brasileiros. A intolerância, o colapso do diálogo, a perda de legitimidade de instituições fundamentais, o enfraquecimento da democracia — tudo isso representa um imenso perigo para a nação brasileira. E mais o seguinte: o triunfo da mais profunda e radical ignorância em diversos campos da vida nacional.

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A essa degradação política e social se acrescenta uma das piores crises econômica da nossa história. Recessão forte e prolongada, desemprego crescente, redução dos salários reais — “em casa onde falta pão...” A crise econômica alimenta a crise política, e vice-versa. Nesse ambiente, os governos brasileiros perderam apoio e legitimidade, a classe política atingiu o seu nadir, a Justiça perdeu o Norte.

Criou-se, leitor, um terreno fértil para a intervenção estrangeira — e era neste ponto que queria chegar. A intervenção externa não precisa ser ostensiva — e muito menos militar. Ela toma formas mais sutis. Com o enfraquecimento dos governos e a crise econômica, fica mais fácil para investidores de outros países, não raro com apoio estratégico de seus governos, aterrissar no Brasil e comprar empresas, terras e outros ativos brasileiros sem controle ou restrições — e na bacia das almas. O Brasil está à venda, em liquidação? Quem protege os nossos interesses? Quem nos representa no plano internacional?

Leitor, não se iluda, para determinados fins estratégicos não há substituto para o Estado nacional. Os setores privados, as organizações da sociedade civil, as universidades, os intelectuais, os artistas — todos eles carregam de alguma forma, bem ou mal, o estandarte nacional, por onde quer que andem e circulem. Mas não existem instâncias supranacionais a quem um país possa confiar a defesa dos seus interesses nacionais e dos seus objetivos vitais. Ou existem? Peço ao leitor que me aponte uma, pelo menos uma.

As entidades multilaterais mais relevantes são internacionais, vale dizer são associações entre nações, entre Estados — e delas só se beneficiam aqueles países que têm um mínimo de coesão interna e um Estado razoavelmente estruturado.

O Brasil precisa encontrar um meio legítimo de superar o quadro de polarização destrutiva e frear o processo de desintegração em curso.

Paulo Nogueira Batista Jr.

Imagem do Dia

Sunset And Mist:

Falta um número

Dias atrás a Odebrecht pediu homéricas desculpas ao público por haver distribuído propinas a políticos, partidos, governos e administradores do Brasil e de mais onze países das Américas e da África. Foi preciso que esta semana o Departamento de Justiça dos Estados Unidos divulgasse o total do dinheiro podre destinado pela empreiteira a um monte de clientes nacionais e internacionais. Por enquanto, um bilhão de dólares reconhecidos.

Fica faltando o número-chave correspondente a esse que foi, segundo os americanos “o maior caso de pagamento de suborno da História”: quanto a Odebrecht lucrou com a distribuição do suborno?

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Porque nem é preciso argumentar: toda empresa que investe, em especial ilicitamente, tem um único objetivo, o lucro. Se gastou um bilhão de dólares subornando todo tipo de agentes públicos, quanto terá faturado em contrapartida? Dois bilhões? Três ou quatro?

A essa trama agora revelada por completo falta o principal: a empreiteira, e outras também envolvidas na mesma prática, lucraram horrores. Onde estão esses recursos? Não terão saído pelo ralo aberto com as investigações e delações, pelo menos na sua totalidade. Em parte estarão aplicados, depositados ou rendendo juros e sucedâneos. Enriqueceram o patrimônio de seus dirigentes e responsáveis e não se tem notícia de devoluções.

As empreiteiras valeram-se de leis, medidas provisórias e toda sorte de instrumentos votados pelos beneficiários das propinas, parlamentares e políticos. Daí a origem de seus lucros ainda não contabilizados. Portanto, falta um número na relação criminosa.

Pacote de serviços?

A Assembleia Legislativa gaúcha está votando um conjunto de vinte e tantos projetos voltados para a redução do gasto público, com ênfase à supressão de diversas atividades periféricas do Estado. Assistindo aos debates pela TV, presenciei o momento em que um parlamentar petista anunciou da tribuna que o governo Sartori, com essas providências, entraria para a história como o pior da vida administrativa do Estado. Impossível, excelência! Nem Nero, nem Calígula, se governadores do Rio Grande, conseguiriam ser mais destrutivos do que Tarso Genro. Em plena crise determinada pela infeliz conjugação de quatro sucessivos mandatos petistas no governo da União, Tarso Genro seguiu a cartilha dos piores economistas do PT e meteu o pé no acelerador da despesa. Recebeu o Estado gaúcho com as contas equilibradas e entregou um orçamento deficitário em R$ 5 bilhões. Não satisfeito, ao encerrar seu mandato em 2014, legou a seus sucessores aumentos salariais de servidores para serem cumpridos ao longo de cinco exercícios vindouros.

Vejo empresas fechando as portas, empresários vendendo bens para manter ativos os negócios, jovens abandonando os estudos, brasileiros deixando o país. Só o estatal continua como se não houvesse recessão, elevando seu peso sobre a sociedade. Se o poder público no Brasil, nas suas três esferas administrativas e nas correspondentes instituições, fosse um pacote de serviços, você o compraria, leitor? Claro que não! Esse pacote, se de consumo obrigatório e fornecido por uma única instituição, a tornaria campeã de queixas e denúncias ao Procon, por péssima qualidade e preço abusivo. Ele custa a cada "consumidor" de 30% a 50% de seus ganhos, sendo que a maior proporção corresponde às faixas de renda mais baixas.

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Pagamos tudo isso para, bem resumidamente:

• termos educação pública de péssima qualidade;
• morrermos nas filas de espera do "quase perfeito" SUS;
• vivermos numa selva urbana que está a exigir um par de anjos da guarda adicionais, preferivelmente brasileiros, treinados para os sobressaltos do cotidiano nacional;
• termos uma justiça lenta e uma execução criminal que não consegue prender e manter presa a bandidagem que infelicita nossa vida;
• sabermos que os processos referentes aos grandes corruptos da nação, mundialmente notórios ladrões do nosso dinheiro, estão sob proteção da última trincheira da impunidade - o moroso e rumoroso STF;
• dispormos de uma infraestrutura precária e deficitária em saneamento, energia e transportes.

Nas eleições municipais de outubro, a sociedade deu uma lição aos partidos de esquerda que na prática de gestão operam como usinas de desastres. Os eleitores desse último pleito derrubaram o até então todo-poderoso PT para a minguada 6ª posição entre os partidos nacionais. E esse resultado expressa, essencialmente, rejeição ao estatismo, ao aparelhamento partidário do Estado e à irresponsabilidade fiscal que o PT transformou em grife.

Pois mesmo assim, a Assembleia gaúcha vem presenciando, nestes dias, um verdadeiro carrilhão, com os deputados oposicionistas, em rodízio, reproduzindo da tribuna um discurso segundo o qual só sairemos da atual crise deixando tudo como está. No entanto, nenhuma organização que busque a própria sustentabilidade pode dar-se ao luxo, por exemplo, de manter toda uma rede de centros de custo periféricos dela dependente, na ausência dos quais a vida segue exatamente tal e qual.

Após tantos anos assistindo nada ser feito em razão de que "só isso não resolve", finalmente estão sendo tomadas providências para, no tempo, em somatório de sacrifícios, com vistas ao bem comum, transformar o pacote de serviços em mercadoria comprável, por preço compatível.

Percival Puggina

Entre bilionários

O jornal para o qual escrevo sobre o Brasil publica de vez em quando um especial sobre golfe. Para eles, não importa se você é especializado em jornalismo político, econômico ou social: de tempos em tempos, é obrigado a escrever sobre gramados, bolas e tacos. Assim fui parar nos clubes de golfe do Rio de Janeiro e tenho que admitir: que mundo interessante! Cheguei a me oferecer como voluntário, e hoje sou o autor de três artigos sobre golfe.

Na Europa e nos EUA, o golfe é um esporte popular, apesar de monótono. Mas, no Rio, é um evento exclusivo para o 1% mais rico de seus habitantes. Só há dois clubes que podem ser levados a sério – Gávea e Itanhangá – e cada um deles tem menos de 500 sócios. "Aqui na sede do clube se encontram as pessoas responsáveis por um terço do PIB brasileiro", sussurraram em meu ouvido na primeira visita à Gávea, meio que me incentivando a virar sócio.

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Fui apresentado a uma princesa, usando uma camisa pólo na cor rosa-princesa. Era uma descendente de longe do imperador Dom Pedro. Apostamos corrida com nossos carrinhos de golfe pelas colinas pitorescas e, depois, nos desculpamos diante dos demais sócios, incomodados pelo barulho. Recebi ofertas de vinhos tintos selecionados e a "sobremesa para desportistas" à la Itanhangá: crepe com Nutella.

Em seguida, uma viúva próspera me convidou para um expresso forte. Explicou quem realmente faz parte do círculo social dos clubes e quem não faz. "Recomendações da sociedade, um comportamento impecável e altos padrões morais em questões financeiras" seriam os critérios. Quis saber por que, então, tantos industriais e executivos são sócios. Não estão todos envolvidos em escândalos de corrupção? "Haha, não diria que você não tem razão", respondeu a velha dama, e riu com malícia.

Algumas das mil pessoas mais ricas do Rio fazem parte de uma espécie de grupo de trabalho social com carrinho e taco. Elas distribuem nas escolas equipamentos para iniciantes: kits de plástico, que não fazem muito sentido, já que a maioria das crianças nunca vai ter acesso aos campos de golfe. Em um município da periferia do Rio, Japeri, mecenas do golfe instalaram um percurso para crianças de origem muito pobre. Nele, futuros jogadores de golfe jogam entre si. "Golfe como meio de integração social", diz uma placa na sede do clube. Sinceramente, posso imaginar programas sociais melhores.

Mas eu não estava com a menor vontade de escrever um artigo sobre a luta de classes para a revista ZEIT Golf. Para mim, esse só se tornou um tema relevante mais tarde, à noite, quando observava o "pós-golfe". Saí com uma herdeira rica – designer de moda, socialite, modelo ocasional e celebridade de TV. Sentados diante de muitos cocktails premiados em um bar de Ipanema, pedimos carambola com vodca e gengibre, chili, tamarindo, tequila e pimenta e muito mais. Sob a mesa, eu mandava mensagens de texto para o meu editor dizendo que a conta do bar iria ultrapassar o orçamento do mês. Golfe? Minha entrevistada não achava a menor graça. Simplesmente "faz parte" ser sócio de um clube de golfe. "Gosto da piscina", disse, "e gosto do restaurante. Para mim, a Gávea é o melhor country-club da cidade".

Assim não conversamos nada sobre golfe, mas sobre a vida. Falamos de restaurantes caros, balneários idílicos, helicópteros, vilas, trips por cidades de todo o mundo. Só no final me atrevi a perguntar qual era a opinião da herdeira sobre o recém inaugurado campo de golfe olímpico, que fica entre o Recreio e a Barra da Tijuca. Mas talvez tenha sido uma pergunta estúpida.

"A Barra é uma outra cidade", recebi como resposta. Há uma "distância cultural". Entendi. Barra e Recreio são o Eldorado da classe média emergente, ou seja, não é para os ricos dos clubes de golfe. "Gosto de poder alcançar todos os lugares de bicicleta", esclareceu minha entrevistada. Ela vivia, como os de seu meio, nos bairros nobres da zona sul, em Ipanema e no Leblon. Lá se está sempre perto da praia, dá para correr e jogar vôlei. Uma vida próxima da natureza, conforme o seu ideal. E aí a herdeira levantou-se e se foi: tinha um outro compromisso, uma festa nas redondezas esperava por ela.

Thomas Fischermann