quarta-feira, 21 de dezembro de 2016


Sobre presentes e relógios

É tranquilo falar de regalos e relógios. Relógio, diria um economista, tem propósitos práticos: serve para marcar o tempo. Já os presentes são instrumentos de afeto e gratidão.

Encerramos a questão?

Dificilmente...

Se “tempo é dinheiro”, há momentos em que relógios são evitados. Oscilamos entre situações controladas pelo tempo e situações nas quais o tempo é controlado. Nas festas os relógios devem ser esquecidos.

O altruísmo — essa marca que desmonta o egoísmo individualista — confunde os fins e os meios. Ele faz o todo ficar mais importante que a parte e revela relatividade do tempo. Uma hora com a amada passa em segundos, e trinta segundos sentado num fogareiro dura uma eternidade! Há tempos sem preço, e tempos que rendem juros e multas.

Resultado de imagem para relógio para jaques wagner
Há também ocasiões em que presentes são dados sem simpatia. Chefes de Estado trocam presentes protocolares, namorados trocam flores, chefetes de gangues políticas dão, recebem e retribuem joias, relógios, quadros e festins. Tal como os velhos Potlacht das tribos do noroeste americano, as expedições Kula dos melanésios, e o nosso carnaval, os fins não estão em relação e ultrapassam os meios.

Em 1925, um fundador da moderna antropologia, Marcel Mauss, meditou sobre esse assuntos no seu crucial “Ensaio sobre a dádiva”. O presente, o dom, o regalo, a lembrança, o agrado, ele diz, seriam elementos constitutivos da vida coletiva. Tal como a linguagem que se faz trocando palavras, não há vida social sem trocas. Para Mauss, a troca pressupõe três momentos: dar, receber e reciprocar — ou seja — dar de volta. Todos esses movimentos são obrigatórios e formam uma vasta rede que nos acompanha do nascimento até a morte.

É uma ofensa tanto não aceitar quanto dar em demasia. E — como sabem os santos, os deuses e os caudilhos — é uma safadeza não devolver aos doadores as suas dádivas.
____________

Não é justamente essa ausência de reciprocidade que estamos testemunhando nessa nossa vergonhosa vidinha pública?

Não estamos todos ultrajados por termos dado tanto e recebido tão pouco em troca? Receber irresponsabilidade pelo nosso trabalho não seria uma ofensa que vai além das leis? Não é uma abominação descobrir que nossos impostos foram embolsado e repassados como doações ou presentes não para nós, o povo, mas para uma súcia da empresários?

A perversão da ética do dar-receber-e-retribuir faz deste cronista não apenas mais um idiota enganado mas o torna, acima de tudo, um cidadão acabrunhado de viver numa sociedade cuja elite tem como objetivo assassinar o cerne da sociabilidade humana. Esse princípio primordial de justiça que em todo lugar exige dos poderosos e dos ricos um mínimo de reciprocidade para com os doadores.

Impostos e votos são presentes.

A crise que vivemos não é um simples fato político, é um execrável incesto. Equivale a lograr a inocência de uma criança. É tão imoral como roubar as esmolas de um cego.
_____________

Antes de Karl Polanyi, Mauss vislumbrou o desafio que uma ética individualista iria erigir às instituições que estudou — trocas institucionalizadas (como as do nosso Natal) e encorpadas em valores que existiam nas chamadas “sociedades primitivas”, mas cujos ecos permanecem em instituições como o juro, a caução, confiança, a previdência social e o cuidado pelo coletivo.

A ausência de reciprocidade leva a desequilíbrios e a uma impensável ameaça: a do esgotamento do planeta pelo seu uso como uma entidade sem alma. Mauss assevera: “A liberalidade é obrigatória, porque Nêmeses (deusa da equidade) vinga os pobres e os deuses pelo excesso de felicidade e riqueza de alguns homens que devem desfazer-se delas: é a velha moral da dádiva transformada em princípio de justiça; e os deuses e os espíritos consentem que as porções que lhes dão e que são destruídas em sacrifícios inúteis sirvam aos pobres e às crianças”.
___________

E o relógio?

Eis o que ouvi:

Um xamã da tribo dos Other Brecht, conhecidos encenadores de histórias do povo ao contrário, presenteou um Chefe-cantador com um relógio de luxo. Envergonhado, ele jamais usou a joia. Pelas leis das trocas, porém, ele não poderia devolvê-la ou revelar o motivo da doação. O regalo foi escondido até ser descoberto pela bruxaria do clã Republicano. Foi quando ele percebeu que os presentes têm um espírito que liga doadores e recebedores. Seu caro relógio-regalo denunciou-o. Afinal, todo presente excessivo vira veneno.

Roberto DaMatta

O golpe nos feios, sujos e malvados

Tento voltar a ser um cronista do amor lírico e louco, mas sempre vem uma notícia ruim e me faz seguir no relato da poeira das ruas, por supuesto. É preciso falar dos feios, sujos e malvados que morrem de morte morrida muito antes de qualquer previdência pública ou privada, muito antes da média das estatísticas, antes dos cálculos dos burocratas, no país onde os meninos cortam cana-de-açúcar antes dos dez e os adultos morrem de morte matada na véspera dos trinta.

Você ai, amigo, não se faça de frio ou desentendido, sem esse papo de reforma sem mexer com os podres de rico, assim é fácil, assim vira manchete limpinha, assim não mexe com os banqueiros, muito menos com os barões da velha casa-grande, assim os comentaristas dos telejornais aplaudem, que lindos infográficos!, vamos cortar na carne, no osso, passa a motosserra, você aí, compadre, cai na metáfora do âncora bonitinho – uma família não pode gastar mais do que arrecada –, só que não sabe que essa economia nada familiar é apenas para pagar juros de uma dívida pública que não tem nada a ver com a sua vida, o seu sal, o seu açúcar, morô?

É o jogo das ilusões, também já caí muito, se liga.


Rasgue esse carnê da dívida eterna, se revolte, vamos à rua contra esses pestes, tente entender melhor o noticiário que é a favor dos ricos e de quem faz dinheiro à sua custa, juro, juros, não importa a cor do partido, o que você tem a ver com quem sempre viveu da sua audiência e agora tenta apenas dividir contigo a velha culpa? Se ligue, cuidado com o truque, quanto mais carece de comentarista mais ilusionismo, mude de canal, please, melhor conversar na esquina.

Não estou aqui de passagem, estou desde 1962, por que tentam aplicar o varejismo do golpe, um dentro do outro, mesmo sabendo que nossas fatigadas retinas estão cansadas de golpismos?

Ah, tá, porque a agenda econômica bate com a superstição neoliberal da hora, que bonito! Aí vem o milagre. A mesma crença unânime da mídia brasileira convencional de que bastaria o vice-traíra assumir no lugar da Dilma para tudo ficar cor-de-rosa. Isso foi vendido página a página, coluna a quinta-coluna. Assim se construí, conta a conta do rosário golpista, o que vivemos agora.

Sim, as instituições estão funcionando, me diz aqui o Ubu-Rei, perdão, o supermacho Alfred Jarry, o filósofo da patafísica, a ciência das soluções imaginárias e das leis que regulam as exceções. Lindo.

Óbvio que mesmo a lógica patafísica é infinitamente mais razoável do que o pensamento da legião que caiu no conto do patinho amarelo da Fiesp do sr. Skaf, pego de calça curta na delação da Odebrecht. Propina braba além do caixa 2. Senhor de escravos modernos da Paulista é isso aí, que beleza, isso dá capoeira na senzala. Bonito.

Não, não vamos rir agora, nem por último, nem por escárnio de saber que hoje só vale a obsessão Lula qual a bíblica cabeça de São João Batista.

Ah, jamais vale a lógica (patafísica?) de saber que o Brasil dos corruptos, sem nenhum distanciamento odebrechtiano – expressão que cunhei quando fiz minhas primeiras reportagens sobre o inocente setor das empreiteiras durante o governo FHC – jamais será punido por inteiro. Só a parte manjada e encarnada. A essa altura da madruga, amigos, sou testemunha ocular da história, o senador Aécio Neves, tucano mineiro, toma tranquilamente o seu uísque no Leblon, Rio de Janeiro. Quem tem amigo no poder Judiciário brasileiro tem tudo! Acho chique!

Xico Sá

Política fora da lei

A Procuradoria-Geral da República (PGR) protocolou ontem 800 depoimentos de 77 executivos e ex-executivos da Odebrecht que negociaram suas delações premiadas no âmbito da Operação Lava-Jato. Eles serão ouvidos, novamente, por juízes designados pelo ministro Teori Zavascki, relator do caso no Supremo Tribunal Federal(STF), para que as citadas delações sejam aceitas. Até lá, tudo está em segredo de Justiça. Pelo teor dos vazamentos, porém, quase toda a elite política do país está enrolada na Lava-Jato, como naquele samba famoso do Bezerra da Silva: “Se gritar pega ladrão…”

Desde o julgamento do mensalão, sabia-se que o sistema de financiamento da política e dos políticos no Brasil estava em aberta contradição com a Constituição de 1988. Seguia uma tradição na qual o que distinguia um político honesto de um desonesto era a formação de patrimônio e o enriquecimento ilícito com recursos públicos, e não a utilização de caixa dois, prática mais ou menos generalizada. O dinheiro do caixa dois, porém, na maioria dos casos, tinha origem ilícita, principalmente no desvio de recursos públicos mediante o superfaturamento ou a não execução de obras e serviços públicos.

Congresso camara Amigo Oculto Honesto de fora lava jato propina corrupto

Esse padrão de financiamento não tinha sustentabilidade legal, mas isso não foi levado em conta, porque havia um pacto corrupto entre o mundo político e o mundo empresarial, beneficiado por contratos e privilégios governamentais. Ocorre que os órgãos de controle da União, responsáveis por zelar pela legitimidade dos meios empregados na política, pouco a pouco foram desvendando os vasos comunicantes do sistema, o que culminou na Operação Lava-Jato. Nesse particular, a autonomia concedida à Polícia Federal, à Receita Federal e ao Ministério Público pela Constituição de 1988 revelou-se um instrumento muito eficaz. Os órgãos de controle do Estado passaram a ter um papel decisivo para que o problema fosse enfrentado. As delações premiadas da Odebrecht são desdobramentos das investigações que tiveram início com a simples suspeita de lavagem de dinheiro em um posto de gasolina de Brasília.

Desnudou-se não somente o maior esquema de corrupção do mundo, mas também um modelo de financiamento político e de acumulação de capital incompatíveis com o Estado de direito democrático. Quase todo o establishment político, a rigor, operava fora da lei. Aí está o maior problema da crise ética, pois isso revela um frágil equilíbrio entre a manutenção da ordem democrática e o funcionamento de suas instituições, a começar pelo Congresso. Como desfazer esse nó? Como punir os políticos que comandavam o esquema e não punir os que dele se beneficiaram sem o saber? Para a opinião pública, o juízo está feito. É só cantar o refrão do Bezerra: “não fica um, meu irmão!”. Para o devido processo legal, porém, é preciso provar a existência de caixa dois e o dolo. É aí que entra o Supremo Tribunal Federal (STF) como o desatador de nós.

Imagem do Dia

Montanhas no Saara, em Ain Sefra, na Argélia, amanheceu coberta por neve. É a segunda vez que neva no Saara desde 1979

'Je suis' Sérgio Cabral

O repórter Ruben Berta informou que em 2010 o então governador Sérgio Cabral mimou seu vice, Pezão, durante as festas de fim de ano hospedando-o no hotel Portobello, em Mangaratiba. As diárias saíram por R$ 5.600. O salário do anfitrião era de R$ 13,4 mil, mas isso não tinha importância.

Aquele réveillon poderia ter sido uma festa qualquer, mas durante o dia 31 de dezembro de 2009 uma chuva matou 46 pessoas na região de Angra dos Reis e outras 21 no estado. Cabral estava na sua casa de Mangaratiba, a 60 quilômetros dos locais da tragédia. Seria uma viagem de poucos minutos em seu meio de transporte preferido, o helicóptero, mas só botou o pé na lama no dia 2, com uma frase emblemática: “Você jamais vai me ver fazendo demagogia”.

Resultado de imagem para sergio cabral charge

A demofobia foi a marca de sua passagem pelo Rio. Em 2007 ele defendeu o aborto porque na sua opinião a favela da Rocinha era “uma fábrica de produzir marginal”. (Citou estatísticas erradas, mas deixa pra lá.) Dois anos depois propôs que onze favelas do Rio fossem cercadas por muros de três metros de altura. (A voz solitária contra essa maluquice veio de um português, o Prêmio Nobel José Saramago.) Vendeu a ilusão de uma pacificação dos morros, quando sua única iniciativa foi a militarização do cotidiano nessas comunidades. (O fracasso do conjunto dessa obra foi reconhecido neste ano pelo seu marechal-de-campo, o secretário de segurança José Mariano Beltrame.) No morro do Alemão, ocupado com uma coreografia digna da tomada das praias da Normandia no Dia D, ficou o teleférico, símbolo da conjugação da demofobia com a corrupção. Custou R$ 210 milhões num cenário de concorrências viciadas e desde outubro está parado. Foi lá que madame Christine Lagarde, diretora do FMI, sentiu-se “no Alpes”.

Graças à Polícia Federal e ao juiz Marcelo Bretas, Sérgio Cabral está em Bangu 8, vestindo uma camiseta verde. Carnavalizaram-se os deslocamentos do detento com faixas, fogos e festas. De uma hora para outra, Sérgio Cabral tornou-se o estuário de todas as reclamações.

Vá lá, mas Cabral pareceu ser solução. Em 2010, 5,2 milhões de eleitores (66%) deram-lhe um segundo mandato. Quatro anos depois ele elegeu Pezão, o hóspede no hotel Portobello. O “Je suis Sérgio Cabral” foi um grito popular, tanto no andar de baixo como no de cima. A declaração demófoba de 2010 foi amplamente noticiada (e até admitida). Nem todo mundo sabia a extensão de suas relações com o empreiteiro Fernando Cavendish (o do anel da Van Cleef), mas os deputados da CPI do contraventor Carlinhos Cachoeira sabiam muito bem o que estavam fazendo ao blindá-lo. O estouro das verbas de obras públicas foi exposto episodicamente. Era como se todo mundo soubesse que o bicho tinha quatro patas, orelhas imensas e tromba, mas achava-se que o elefante era bonitinho. Era, mas não deixava de ser um elefante, daqueles que comem 125 quilos de folhagem (verdinha) por dia. A manada do PMDB comeu a lavoura do Rio, jantou no Alain Ducasse de Mônaco, quebrou o estado e fechou os restaurantes populares. O doutor era a peça reluzente e modernosa de uma máquina que sobrevive, intacta.

Cabral está em Bangu por corrupção porque demofobia não é crime. Para muita gente, é virtude.

Elio Gaspari

Crise moral

O normal nas demissões de ministros são as costuras políticas que exigem que uma vaga seja aberta para se acomodar um novo aliado que chega. Ou mesmo a incompetência descoberta somente depois da nomeação. 

Também não é normal que o grande número de baixas já verificado possa num futuro próximo ser acrescentado de mais nomes. Ainda há alguns na lista de suspeitos que, amanhã ou depois, poderão se ver obrigados a pedir demissão porque a permanência deles no governo criará instabilidade política. Em suma, podem complicar ainda mais a já complicada vida do governo. 

Sem falar que o próprio presidente Michel Temer também costuma frequentar as listas fornecidas por ex-executivos de empreiteiras que fizeram acordo com a Justiça e decidiram contar tudo o que sabem sobre as relações promíscuas de um passado quase nada distante entre empresários, governos, partidos, políticos e lobistas.

Ninguém nega que o Brasil passa por uma crise econômica das mais graves de sua história. Não se nega também que o governo de Dilma Rousseff deixou de legado ao País a crise econômica e uma profunda crise política. Chegou-se até a imaginar que o impeachment e a posse de Michel Temer pusessem um fim à crise política. Afinal, Temer assumiu a Presidência com uma base de sustentação no Congresso tão grande que poderia aprovar as reformas que quisesse. Portanto, teria condição de também pôr fim à crise econômica.

Por que então o País mais do que nunca arde numa crise política e continua vendo a crise econômica no seu horizonte? 

Nenhum texto alternativo automático disponível.

É porque o Brasil passa também por uma crise moral, revelada pelas diversas operações do Ministério Público e da Polícia Federal contra a corrupção, sobretudo a Lava Jato. Quanto mais se cavuca, mais se suspeita de que a imoralidade entranhou-se em parte das instituições. Há suspeitas de influência criminosa em nomeações para tribunais superiores, para as mais diversas estatais, não só a Petrobrás, para bancos, para fundos de pensão e outros locais importantes do aparelho do Estado.

A situação não melhora quando se olha para o Congresso. Preso em Curitiba está o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ), há menos de um ano com poder suficiente para aceitar o pedido de impeachment de Dilma Rousseff, que levou ao fim do ciclo de poder do PT. Na mesma época Cunha alimentava o sonho de se tornar o candidato do PMDB a presidente da República, num plano político muito bem feito. À revelia de seu próprio partido, montou uma base de apoio político pessoal, com 13 partidos e 239 deputados, que se autodenominou “Centrão”. Cunha pretendia se apresentar ao eleitor como um candidato conservador, contrário ao aborto, à união homoafetiva, favorável ao aumento da repressão do Estado e à redução da maioridade penal. Para um País amedrontado pela violência, não se pode negar que teria chances de ser eleito. 

Recorde-se ainda que o Congresso e o Senado são presididos por Renan Calheiros (PMDB-AL), réu no STF, além de ser investigado em mais processos, impedido, por ordem da Corte, de substituir o presidente da República.

A crise moral não poupou também muitos dos dirigentes dos principais partidos, boa parte sob suspeita de recebimento de dinheiro irregular de empreiteiras. Entre eles, comandantes do PT, PMDB, PSDB, PP, só para citar alguns.

O eleitor dará o troco na próxima eleição. Não tem como não dar.

Natal com Doris


Brasil se tornou país sem projeto e, por consequência, sem futuro

Trinta anos atrás, pensei errado que um dia seríamos um povo consciente e que decidiria seu destino. Andamos no sentido contrário da evolução. Escola falida, insegurança total. Serviços públicos? Onde? Os brasileiros sentem tristeza de termos tudo e não sermos nada. Quanto mais se sabe, mais solitário se é. Quanto mais se enxerga, mais tristezas e desesperanças. Reitero: somos um país sem projeto, por consequência, sem futuro…
Quem sabe se por esta razão a maioria, a imensa maioria da sociedade, compreendendo o tamanho da distância da realidade para a ilusão, escolheu ser idiota, nos dois sentidos: imbecis que só veem o próprio umbigo.


Certamente necessitamos de líderes, não para guiar-nos, mas para administrar nossas decisões, coordenar nossos projetos. Se o povo sério não se levantar, de maneira ordeira e inteligente, o buraco crescerá, dia após dia. Reformar as leis partidárias/eleitorais, reduzir as bancadas dos legislativos (nos três níveis), rever os tributos, incentivar segmentos econômicos, tudo isso faz parte da tarefa de reconstrução (ou será construção?) do país.

Se isso não ocorrer, estamos ferrados. É assustadora a relação entre o orçamento do país e suas dividas. Os valores deslocados para pagamento da dívida são, imensamente, maiores do que os investidos em saúde, ensino, segurança e tudo mais.

Mas é necessário que os brasileiros tenham a cabeça no lugar e ajam com honestidade. Uma nação se faz com pessoas de coragem, decisões, projetos.
No fundo, bem lá no fundo, faltam homens/mulheres capazes de assumir a frente do trabalho, colocar suas vidas à disposição da nação e de seu povo, enxergar além do seu tempo ou do que dele resta.

Estamos perdendo a hora, o momento. E não me venham dizer que somos um país novo, com apenas 500 anos. Isto valeria se (e sempre tem um “se”) o resto do mundo e da humanidade vivesse ainda como nos séculos passados.

A roda gira e com muita velocidade. Assim seguindo, em 50 anos estaremos voltando ao século passado. O Brasil é um país que precisa de seus filhos. Ou aparecem ou teremos de mudar nosso hino.

Aquele Natal

No dia 24 de dezembro, há dez anos (tinha eu dezoito), preparei-me tranqüilamente para passar o Natal em solidão. Chegara ao Rio em setembro. Depois do período natural de dificuldades que todo provinciano atravessa, começara a trabalhar numa revista. E agora estava ali, na redação, terminando de escrever uma reportagem e pensando nas ruas festivas, onde multidões faziam compras e em como seria bela a noite para os que tinham parentes e amigos. O crítico cinematográfico da revista aproximou-se de mim e disse:

“Olha eu sei que você não conhece ninguém no Rio, de modo que quero convidá-lo para passar a noite no apartamento de uma amiga minha. Ela vai dar uma festa para gente assim como você.”

Tomei nota do endereço e ele disse: “Ao chegar, é só dizer que você é o José Carlos, que ela já está avisada.”
Papai Noel estufado rs:

Às nove horas da noite, rumei para lá. Os sonhos mais ardentes me dominavam. A moça dona da casa era linda e passaríamos a noite dançando colados! Coisas assim; eu ia andando cheio de esperança. Diante do apartamento, toquei a campainha e então fluíram segundos de espera ansiosa. Abriu-se a porta: uma jovem linda, de vestido vermelho, surgiu à minha frente. Atrás dela vi um corredor, e depois uma sala onde outras moças estavam sentadas, uma das quais conversava com um rapaz. Da vitrola vinha uma canção tristonha.

— Que é que o senhor deseja? — perguntou a moça.

— Eu sou o José Carlos.

Ao ouvir essas palavras, ela me olhou com expressão indefinível: espanto, ou esquecimento, ou então não ouvira direito, o certo é que ficou olhando fixamente o provinciano durante um minuto bastante penoso. Finalmente, falou:

— José Carlos ainda não chegou. Com licença — e bateu a porta na minha cara.

Meia hora depois, outra vez na rua, eu ainda não sabia se devia rir ou chorar. Fui andando sem rumo, e afinal entrei no Alcazar, sentei, pedi cuba-libre e comecei a encher a cara.
José Carlos Oliveira (1934 - 1986) 

Será um alívio!

Resultado de imagem para notícias falsas charge

Toda essa onda em torno das notícias falsas tem, a meu ver, um lado positivo: talvez com isso as pessoas passem a prestar mais atenção nas bobagens que compartilham

Como antigo esconderijo de criminosos se tornou exemplo de transformação social

Marisqueiras da Ilha de Deus

Sentada na porta de casa diante de uma montanha de conchas, Maria Cláudia da Silva, de 25 anos, separa com agilidade o sururu (molusco típico do Nordeste brasileiro) da sujeira que assola o mangue.

A catadora repete a atividade que a mãe, a avó e centenas de mulheres da Ilha de Deus, no Recife, fazem há pelo menos 50 anos.

Da comunidade que nasceu da ocupação de um manguezal na confluência de três rios (Pina, Jordão e Tejipió), o alimento segue para abastecer supermercados e restaurantes da cidade.

O trabalho é duro - "dá dor nas costas" e até "doença nas mãos", segundo a moradora - e rende apenas R$ 150 por semana. "Isso se catar uns oito baldes por dia."

Mas Silva não reclama. Diz que a situação já foi muito pior, e aponta para os três filhos, de dez, oito e quatro anos.

"Na idade deles, eu não podia brincar na rua porque era perigoso. Quando nem imaginava tinha um tiroteio. A gente morava em palafita. Para ir à escola, precisava tirar o sapato e atravessar a lama."

A trabalhadora se refere a um período em que a vila de pescadores, localizada no maior parque de manguezais em área urbana do país, era mais conhecida como "Ilha sem Deus".

Naquela época, criminosos aproveitavam o isolamento e o abandono do lugar para se esconder. Logo, o tráfico de drogas se instalou. Na fase mais crítica, entre as décadas de 1980 e 1990, a comunidade chegou a registrar um homicídio por semana.

A situação começou a melhorar à base de conscientização política e organização. Com a ajuda de missionários religiosos, moradores passaram a cobrar atenção do poder público e serviços básicos, como água e iluminação.

Em 1986, construíram uma ponte de madeira ligando pela primeira vez a ilha ao "resto do mundo". Antes, o acesso só era possível de barco.

A passagem de 216 metros de extensão foi refeita em concreto em 2009, em obra do governo do Estado. A ponte Vitória das Mulheres, referência à forte liderança feminina na comunidade, também é um marco da urbanização da Ilha de Deus.

Hoje, as palafitas da ilha deram lugar a casas de alvenaria, as ruas de lama receberam asfalto e saneamento. Já a violência tem recuado diante de ações de transformação social, que vão de revitalização ambiental a programas de educação, comunicação e poupança comunitária.

Além de propiciar condições de vida mais dignas, os projetos inseriram a ilha entre os pontos turísticos da capital, com direito a albergue e rota exclusiva de catamarã.

Paisagem brasileira

Tiradentes, cidade histórica do estado de Minas Gerais, Região Sudeste do Brasil.:
Tiradentes (MG)

Para Michel Temer, governo merece congratulações pelo muito que já fez

Michel Temer está chateado. Acha que seu governo não vem obtendo o reconhecimento que merece. Um auxiliar do presidente conta que ele se considera injustiçado pelo pedaço da imprensa que o imprensa. Herdou de Dilma o caos, gosta de realçar. Poderia resignar-se. Mas prefere encarar a conjuntura com coragem, não cansa de repetir. Enumera os feitos obtidos em escassos sete meses: a PEC do teto dos gastos, a troca do modelo de exploração do pré-sal, a deflagração da reforma do ensino médio, o encaminhamento da proposta de ajustes na Previdência. Temer está satisfeito consigo mesmo. Lamenta que os resultados não aparecem do dia para a noite. Mas avalia que todos têm o dever de reconhecer que as coisas melhoraram.


Num instante em que perde a pouquíssima popularidade de que dispunha, Temer cogita enfrentar as panelas no horário nobre da tevê, para demonstrar à plateia que seu governo é entusiasmante. Muitos brasileiros, depois de ouvir o pronunciamento do presidente talvez resolvam viver no país que ele descreve com tanta convicção, seja ele onde for. No país de Temer, pelo menos, o presidente não é alvejado por denúncias, seus auxiliares não são suspeitos de corrupção, seus líderes no Congresso não respondem a inquéritos, sua base legislativa não está apodrecida, seu partido não cheira mal, não existe Odebrecht, as ruas não roncam e 2017 será próspero.

Temer faz como o avestruz: para não tomar conhecimento do pedaço cinza da realidade, enfia a cabeça nos seus autocritérios. O brasileiro vive um daqueles momentos em que entender o que se passa depende da predisposição de cada um. Ou o país continua na rota do caos ou tomou a trilha da redenção, você decide. Temer é otimista por obrigação. Sua claque é otimista por hipnose. Seus aliados são otimistas por intere$$e. Os 13% que avaliam seu governo como ótimo ou bom são otimistas na esperança de que as medidas do governo sejam boas, pois não há outras. E os 63% que pedem a renúncia de Temer antes do Natal desconfiam que quem é otimista trocou a razão pela comodidade de uma confiança cega.

Alçado ao Planalto nas pegadas de manifestações épicas contra a corrupção, Temer comete o erro primário de imaginar que pode governar de costas para a ética. Ao enaltecer suas realizações sem atentar para o lodo lhe toca o bico do sapato, o presidente está, no fundo, pedindo aos brasileiros que façam como ele: se finjam de bobos pelo bem do Brasil. Temer sabe que a delação coletiva da Odebrechet, trancada na sala-cofre do Supremo Tribunal Federal, transforma sua administração numa superestrutura pendurada no ar. Mas não convém comprometer a salvação do país por algo tão politicamente supérfluo como a moralidade. Enquanto der, o melhor é fingir que nada aconteceu. Fica combinado que os 800 depoimentos dos 77 delatores da Odebrecht não existem.

É preciso reinventar a política para dar alguma esperança às novas gerações

Achei emocionante a última crônica do poeta Ferreira Gullar, em que questionou os regimes capitalista e comunista. Assim como ele, creio que a sociedade igualitária é uma meta inatingível, pois por natureza somos desiguais. No entanto, o que importa é a caminhada em direção a um mundo menos desigual, nesse ir e vir em busca de uma menor exploração do homem pelo homem, que gera grandes fortunas em contradição com a miséria absoluta, que cresce assustadoramente nas grandes cidades da maioria das nações.
Podemos engrandecer o livre mercado, a globalização, o regime capitalista selvagem, enquanto nossos irmãos passam fome e dormem nas marquises das grandes cidades, sendo acordados com baldes de água gelada? Alguns já foram até queimados, sem chance de defesa.

Resultado de imagem para nossas cidades charge

Na outra ponta, os regimes comunistas também não responderam aos anseios das sociedades, como na Rússia, em Cuba e na China. A antiga URSS (União das Republicas Socialistas Soviéticas) ruiu em meio às reformas Perestróica e a Glasnot, envolta na corrupção e na ditadura feroz do Partido Comunista, cujos dirigentes viviam nababescamente em fazendas e mansões, em contraste com a pobreza do cidadão comum.

Tanto no capitalismo como no comunismo, os líderes acumularam fortunas em paraísos fiscais. Para que acumular tanto dinheiro, cujos pseudos “donos” não conseguiriam gastar mesmo se dez vidas tivessem? Como fazia o cavaleiro de Granada, que alta madrugada brandindo sua espada, rumava em louca disparada. Para quê? Para nada, explicou o genial Miguel de Cervantes.

Por que tanta briga, tanto roubo, tanta arrogância, tantas fazendas, tantas cabeças de gado, tantas viagens à Paris ou Miami, tantas jovens amantes, se no final iremos todos morrer na praia?

Ninguém pode ser feliz vendo o desemprego em massa e crianças sem as necessidades básicas. Precisamos de um sonho calcado num futuro melhor, até para podermos lutar para alcançá-lo. Mas, os jovens não estão tendo esse direito.

O imortal poeta Ferreira Gullar está com a razão. É preciso se reinventar a política para preencher essa lacuna
.

Prefeitos, atenção!

O homem contemporâneo vem se condicionando à racionalidade dos sistemas. As cidades, cujo destino irrefutável é sua adaptação a procedimentos sistemáticos impostos pela revolução tecnológica, estarão conduzindo o cidadão à condição de prisioneiro duma máquina eficiente e condenando-o assim a uma vida robotizada. (“Tempos Modernos”, Carlitos)

Com o espírito reprimido, ele está se entregando à atividade material do consumo e se coisificando em ambientes estandardizados.

Como resultado, o ser metropolitano irá perdendo as referências com seu território sensível — costumes, falas, crenças, imaginário, ancestrais, cultura —, se afastando, em consequência, dos valores que particularizam sua identidade.

A despeito da atenção exclusiva com a racionalidade objetiva do uso urbano, a metrópole é o ambiente onde ocorre o imprevisível, o inesperado, o instantâneo e onde estão arquivados a memória e os registros históricos, e, sobretudo, é o lugar do entrecruzamento, virtualmente infinito, de destinos, atos, pensamentos e reminiscências,

Se considerar estes indicadores positivos, de significado eminentemente humano, e o pensamento lúdico de Lewis Munford — “A cidade favorece a arte, é a própria arte” —, conclui-se que a metrópole se fundamenta nos valores humanos e artísticos, ambivalência que revela, por outro lado, sua dimensão subjetiva.

Resultado de imagem para nossas cidades charge

Afirmam os filósofos que a sistematização é a antítese da criação e que são rubricas incompatíveis. Paradoxalmente, verifica-se que o espaço urbano pode produzir, simultaneamente, a compatibilização entre elas. Em consequência, uma metrópole que mantenha o equilíbrio entre a função e o sensível, entre a ciência e a arte, pode reverter o processo de desumanização que está pondo em risco o homem hodierno.

O espaço público, sujeito à ação lúdica do movimento, excitado pelo lazer ativo e enriquecido pelas atividades culturais, se constitui num permanente happening, que estimula a liberdade criadora e instiga a imaginação dos seus usuários e são a substância de uma ecologia do espírito.

A atribuição principal dos mentores da cidade não é só a de realizar intervenções cientificamente eficientes, mas é, sobretudo, a de oferecer meios para que os atores urbanos sejam estimulados a dar sua parcela de participação, na criação do espetáculo urbano. A partir destes conceitos, é necessário que os insumos de ordem objetiva — tráfego, paisagismo, sinalização, mobiliário — estejam condicionados à nova ética urbana, na qual o pedestre seja considerado o absoluto, e os demais, o relativo.

Além dos insumos objetivos, estes conceitos irão inspirar alguns insumos de ordem subjetiva que servirão de nutrientes para a concepção da espacialidade das cidades.

Desta forma, qualquer proposta para os espaços urbanos deverá se calçar em proposições que sejam indutoras e jamais coatoras, que não cerceiam a liberdade do uso e da escolha dos caminhos, que não violentem o percurso e os eventos consagrados pela comunidade, que estimulem o encontro entre as pessoas e as relações de vizinhança, que estabeleçam a diversidade do uso urbano — residencial, comercial, de serviços — e, sobretudo, que reacenda os significados históricos em todas as suas temporalidades.

Quanto mais competentes forem a forma e a essência dos insumos objetivos e subjetivos aplicados num espaço público tanto maior será o poder de indução do sentimento de afeição, de respeito e de civismo do cidadão pelas coisa da cidade.

A qualidade da vida físico-espiritual do homem cada vez mais se concentra nas cidades, tão depende delas que o equacionamento do problema urbano determinará o porvir da Humanidade.

Paulo Casé