sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

Para chegar a 2018

Começou o fim do mundo com a delação da Odebrecht. Temer, creio, deu uma resposta adequada, pedindo celeridade nas investigações para poder tocar o barco da reconstrução econômica.

Ele pode não ter sido sincero, porque, segundo a imprensa, no Planalto se falou na anulação do depoimento do diretor da empresa. Mas a celeridade, respeitando simultaneamente direito de defesa e ritmo de uma investigação séria, é a melhor saída para libertar o processo econômico dos sobressaltos políticos. Para almejar essa celeridade, porém, é preciso primeiro responder a uma pergunta: se não existiu até agora, por que passaria a existir de uma hora para outra?

Ela é necessária também para o processo político em 2018. Muitos investigados vão querer se reeleger. Mas nem todos têm êxito em situação pós-escândalo. Lembro-me da CPI dos sanguessugas, deputados que ganhavam propina para emendas de compras de ambulâncias superfaturadas. A maioria foi derrotada nas urnas, em 2006.

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Sem julgamento, contudo, o abismo entre sociedade e eleições em 2018 pode se aprofundar ainda mais. As ruas têm se manifestado, mas não se pode esperar delas a solução final do problema. No meu entender, ela está nas mãos do Supremo, que precisa fazer um extraordinário esforço de adaptação às necessidades do momento.

O Supremo parece-me perdido em suas prioridades. As duas últimas intervenções, proibição da vaquejada e descriminalização do aborto, posições com as quais posso concordar, não trilharam o bom caminho.

Existe uma diferença entre uma sentença e uma política para enfrentar os temas. No caso da vaquejada, um processo adequado seria definir o que os americanos chamam de phase out, para que todo o universo econômico que gira em torno da vaquejada se adaptasse. Pelo que vi, seu núcleo central é a criação e o comércio de cavalos de raça. No caso do aborto, o processo político se dá de outra forma. Discussão no Parlamento e referendo popular.

Embora o panorama político seja desolador, quando juízes assumem decisões que deveriam nascer no Parlamento ou nas urnas, eles são obrigados a pensar como categorias políticas. Apesar de ter desaguado no STF, na longa luta política para banir o amianto foi preciso negociar e até formular um projeto de adaptação.

O fim do mundo não é o fim de tudo. Se o Supremo, creio eu, se dedicar integralmente a julgar com rapidez e se reorganizar para a tarefa, pode se queimar menos do que buscando saída para tensões políticas.

As manifestações de rua conseguem fixar alvos. Hoje Cunha, amanhã Renan. Elas não trazem a saída: são contra a corrupção e, em alguns cartazes, pelo fim do cheque em branco dos governos, alusão ao ajuste fiscal.

Mas o nó só pode ser desatado pelas instituições. Agora, por exemplo, o Supremo vai entrar em recesso. Com a situação tão delicada, os responsáveis vão sair de cena. Creio que isso nasce do equívoco de subestimar o alcance da Lava Jato.

Gilmar Mendes, quando esteve no Senado, foi bastante explícito, as operações policiais existem todos os anos. Naquele momento, a Odebrecht fechava o maior acordo de leniência do mundo, pagando cerca de R$ 6, bilhões de multa. E a delação do fim do mundo começava.

Se o Supremo decidir trabalhar a fundo na sua tarefa específica, vai ajudar, indiretamente, a economia e também a política, na tarefa de buscar algum tipo de renovação que a aproxime da sociedade.

É uma difícil travessia. Nela o comandante Temer tem de enfrentar a tempestade e jogar alguns corpos ao mar. E evitar que ele próprio tenha de se jogar na água.

Mas são essas as circunstância e não é possível enfrentá-las suprimindo pedaços da realidade. A maior investigação da História do Brasil chega ao coração do atual governo, que era apenas a costela do governo petista. Agora, ele tem nas mãos a tarefa de conduzir a economia em frangalhos, sob suspeita e com baixa popularidade.

Temer disse que era preciso coragem para governar o Brasil e que ele teria essa coragem. Talvez seja preciso também um pouco de resignação diante do futuro pessoal.

A tarefa de conduzir a reconstrução econômica é decisiva, sobretudo, para os 12 milhões de desempregados. Temer e o mundo político não têm outro caminho exceto continuar trabalhando, enquanto a terra treme sob os seus pés.

Num mundo ideal, nem o Supremo nem os políticos entrariam em férias neste ano de 2016. Talvez todos nós precisemos de umas férias do Supremo e dos próprios políticos.

Mas assim que voltarem, a realidade pedirá respostas mais rápidas e complexas. Se houvesse um projeto de trânsito para 2018, o ritmo de julgamentos seria mais rápido, os vazamentos seriam evitados e o processo de renovação na política seria posto na agenda.

Existem forças poderosas tentando deter ou deturpar a Lava Jato. Elas se aproveitam da confusão, dos impasses. É uma tática que existe nos mínimos detalhes, como a atuação dos advogados de Lula, discursos no Parlamento, notícias inventadas.

Digam o que quiserem das ruas. Não houve violência nas manifestações contra a corrupção. Elas cumprem o seu papel. No fundo, acreditam nas instituições e na possibilidade de que encontrem uma saída.

Algumas instituições entraram em férias. Durante o recesso poderiam pensar no ano que entra. É possível fazer melhor e mais rápido.

É uma ilusão supor que o Brasil não mudou, que será governável com as mesmas práticas do passado. Hoje será menos doloroso avançar do que recuar no projeto de fortalecer a economia e dar à política uma chance de reconciliação com a sociedade. No meio de tanta confusão, na qual estou também envolvido, é assim que vejo o caminho imediato e os dois objetivos principais.

Deve haver centenas de outras visões. Seria salutar discutir como chegar a 2018, e não apenas o clássico quem comprou quem, quem é a bola da vez... A bola da vez é a ameaça de caos.

Pernil pronto

Países subdesenvolvidos, sobretudo em matéria de desenvolvimento mental, costumam ter em comum uma característica não muito lembrada: a espetacular quantidade de questões cretinas presentes nas discussões que fazem parte do seu dia a dia. O Brasil, que vive numa permanente competição mundial para ver quem fica com os piores lugares em praticamente todas as áreas da atividade humana, do tempo perdido pelo cidadão numa repartição pública à capacidade de lidar com a aritmética elementar, pode estar à beira do título de campeão neste quesito. Nada parece demonstrar tão bem nosso potencial de criar, engordar e consumir bobagens fora de série quanto essa história das “Dez Medidas” contra a corrupção, hoje debatida no mundo político, jurídico e vizinhanças com a intensidade das paixões mais tórridas. Ainda agora um ministro do Supremo Tribunal Federal, na situação de arruaça descontrolada que envolve atualmente o ato de fazer leis neste país, acendeu mais um holofote de escuridão em torno das tais medidas; mandou o Senado Federal devolver à Câmara dos Deputados o projeto que recebera dela, já aprovado, para novas discussões. Mais gritaria. Mais bate-boca. Mais desordem. Menos, e cada vez menos, algum sinal de vida inteligente nesta baderna política e legal.



O STF pode fazer isso? Não pode? A Câmara tem o direito de fazer emendas num projeto de lei? Quais? O que está certo? O que está errado? O público está recebendo neste preciso momento uma cordilheira completa de notícias, opiniões, análises e tudo mais sobre as aventuras e transmutações da “lei anticorrupção”; não há nenhuma necessidade, portanto, de castigar o coita do com mais prosa e verso sobre o assunto. Ele precisa menos ainda, Deus nos livre, de ser idiotizado com as hermenêuticas, e propedêuticas, e bobagêuticas que compõem a abordagem “jurídica” do tema. Este artigo apenas pede a devida “vênia” do leitor para registrar uma observação prática . O debate sobre as “Dez Medidas” já era incompreensível porque nunca fez sentido nenhum; agora fica garantido que continuará exatamente assim, mas com um carimbo do Supremo Tribunal Federal. Como pode fazer sentido um conjunto de providências contra a corrupção que não muda em nada, absolutamente nada, as condições que tornam a corrupção praticamente inevitável no Brasil? Seus defensores acham que a chave de tudo está em tornar mais pesadas as punições para quem rouba. Não percebem, apesar de todas as provas que recebem diariamente, que ninguém se assusta com as penas; a única coisa que realmente pode atrapalhar o ladrão é a redução das oportunidades de roubar. Nisso não se mexe uma palha. O erário público brasileiro continua sendo um imenso pernil, um dos maiores do mundo, pronto o tempo todo para ser fatiado; a situação, na verdade, só piora, pois quanto mais a autoridade pública se mete na vida do país, mais chances cria para corruptos e corruptores.

“Cadeia”, como se vê, não faz ninguém roubar menos. Nunca houve, em toda a história do Brasil, tanta gente investigada, processada, presa e condenada por corrupção como há no presente momento. Nunca se furtou tanto. Só nos últimos dias, a polícia prendeu professores por roubo de bolsas de estudos, no Rio Grande do Sul, fez um rapa na prefeitura de Itu, em São Paulo, por ladroagem no filão imobiliário, prendeu a prefeita e outros peixes gordos em Ribeirão Preto – em suma, é algo que simplesmente não para mais, saiu fora de qualquer controle e está contaminando um número cada vez maior de áreas. Hoje se vai em minutos do primeiríssimo escalão da República a tudo quanto é prefeitura de interior, da venda de alvarás ao roubo de bolsas de estudo – sim, mete-se a mão até nisso, bolsas de estudo. Enquanto as malas de dinheiro vivo voam de um canto para o outro, ferve o debate nacional, gravíssimo, sobre a criação de mais dez regras contra a roubalheira. O que se pode esperar de bom numa situação dessas? A sociedade brasileira continua enganando a si mesma com a ideia de que vai resolver problemas através da criação de novas leis – e se esquece que muito mais eficaz do que isso seria, modestamente, aplicar as leis que já existem. Que leis novas tiveram de ser criadas para permitir a atuação e o funcionamento da Operação Lava Jato? Nenhuma. O que houve aí foi unicamente vontade, coragem e competência para se aplicar as regras existentes. É, justamente, o que está faltando.

Eu já entendi

No meio desse turbilhão de vigarices que vamos presenciando, quem acompanha meus impropérios sabe que estou tentando traçar um horizonte comum em tudo o que estou lendo. Parece que a ficha me caiu hoje. O bom jornalismo que ainda nos resta está dividido entre aqueles que ainda acreditam numa saída deste pântano pela via institucional e quem já não acredita que a pinguela vai resistir por mais tempo. Boas informações de um lado e do outro não faltam. Boas intenções também. O problema é que moral é uma coisa muito elástica neste país.

Muitos aceitam, em troca de um pouco de paz para viver, uma certa tensão institucional e alguns prédios de trinta andares espalhados por onde a vista alcança. Como entender um país nessa crise toda e os caras aprovando mais quase um 1 bilhão de reais de verba partidária? É impressionante como o corporativismo, o compadrio, a imbecilidade reinantes por aqui vão tornando míopes estes senhores parlamentares. Premidos a apresentar à sociedade qualquer saída, a saída que encontram é mais uma tungada no erário. De noite. No final do expediente. Perto de um recesso que é o escárnio da recessão. Aí um juiz acorda, do outro lado dos três Poderes, e toca a dar uma carteirada a mais em nossa democracia, mandando tudo de volta para o fim da fila. Que falta de bom senso, não é mesmo?

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É o mínimo que eu posso dizer do que estou vendo. Quem ainda acredita nisso que aí está acaba defendendo as teses governistas. Quem não acredita em mais nada vai jogando pedras em nossa única saída, até aqui. E a pinguela vai caindo. Se posso dar um conselho ao ilustre leitor, diria o seguinte: desconfie de todo idiota que quer a renúncia do presidente Temer, mas se recusa a renunciar junto. É tudo o mesmo balaio, meus caros. Melhor seria que todos pedissem o boné e fossem cuidar dos netinhos, não é mesmo? Como isso não vai acontecer, fica o mimo de um “oposicionista” petralha como Humberto Costa, pedindo a saída dos outros e não dele mesmo.

Até quando essa gente vai querer jogar com os brios dos outros é que são elas. Na Alemanha, embolachar o sujeito que tenta lhe bater a carteira é cívico. É democrático. Tivesse o Lulão as duas orelhas do mesmo lado, de tanto levar piaba nas ideia por meter a mão no dinheiro dos outros, esse tipo de consciência não se criava, meus caros. Como é difícil para o brasileiro entender isso. Ele só entende o berro nas fuças. Que pobreza, coitado.

Haverá alguma saída ao juízo final?

Sejamos sinceros e práticos: deve ser verdade, sim, tudo ou quase tudo o que foi contado até aqui em delações à Lava-Jato sobre a participação de Michel Temer em esquemas de arrecadação de recursos para o PMDB, partido que presidiu nos últimos 13 anos
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É sabido pela humanidade minimamente informada que nenhum partido enfrenta eleições apenas com dinheiro do Fundo Partidário. Recebe-se dinheiro doado ou tomado de empresas e declarado à Justiça Eleitoral. E dinheiro não declarado, de Caixa dois.

Viola-se a lei quando se aceita dinheiro de caixa dois. Pois todos os partidos, absolutamente todos; todos os políticos, sempre ou em algum momento de suas vidas, receberam dinheiro de caixa dois. E omitiram da Justiça as despesas pagas com esse dinheiro.

A serem denunciados e punidos como deveriam, não sobrará nenhum. Seria um dos maiores julgamentos coletivos da História – 513 deputados federais, 81 senadores, fora ministros, ex-ministros, governadores e ex-governadores que a Lava-Jato pudesse alcançar.

Estamos dispostos a enfrentar tamanho desafio? Se estamos, adiante. E seja o que Deus quiser. Haveria outra saída? No quadro atual de dirigentes do país, não sei quem reuniria liderança e credibilidade para propor outra saída. Propor e ser escutado.

Os governos do PT apostaram no “nós contra eles”. O impeachment de Dilma aumentou a polarização. A herança deixada por ela é demasiadamente pesada para ser administrada por um presidente legítimo, mas carente de apoio popular e refém do Congresso.

Está nas mãos de Sérgio Moro e dos procuradores da Lava-Jato estabelecer ou não alguma alternativa ao juízo final.

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Mick Fanning
Mick Fanning, tricampeão mundial, surfa sob a aurora boreal na águas do Oceano Ártico que banham as Ihas Lofoten (Noruega) - Foto: Emil Sollie e Mats Grimsæth 

Carta de um policial grego a um menino refugiado morto

Quinta-feira, 24 de novembro. Final de tarde. O fogão a gás no qual uma família de refugiados curdos iraquianos prepara o jantar explode, provocando um incêndio na barraca onde vivem no campo de Moria (ilha de Lesbos, na Grécia). As chamas acabam com a vida da avó, de 60 anos, e do neto, de 6; a mãe e outro irmão sofrem queimaduras de primeiro grau e são retirados de Atenas. O acidente inflama os ânimos dos internos de Moria, provocando um protesto espontâneo, raivoso, contra os guardas do acampamento. Não é a primeira manifestação de desespero, e pode não ser a última.

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Sobrevivente percorre o campo de Moria (Giorgos Moutafis / Reuters)
No outro extremo da Grécia, na bela cidade de Ioaninna (noroeste do país), o policial Konstantinos Vaggelis não presta muita atenção ao incidente, que por algumas horas ganhou as manchetes no noticiário. No entanto, conhece bem as condições do hotspot (centro de detenção): esteve trabalhando nele por dois meses, em serviços para reforçar o policiamento habitual, sobrecarregado pelo fluxo contínuo de novos detentos e o crescente desespero dos mesmos. Mas Vaggelis vai juntando os dados fornecidos pelas redes sociais e televisão e, três dias depois, um telefonema de colegas de Moria confirma suas piores suspeitas. A criança morta é Bares, um menino iraquiano sociável, inquieto e de olhar radiante que, no segundo dia de patrulha do policial em Moria, se jogou em seus braços e não o deixou um segundo sequer, até o retorno do agente a Ioaninna no final de outubro. Vaggelis também estabeleceu uma relação sincera com a família da criança, encantada de ver o mimo com o qual tratava o garoto.

Superando a dor e, embora acreditando-se estar curado de choques, blindado emocionalmente ou de pelo menos ser impassível, Vaggelis publicou naquele mesmo dia, em sua conta no Facebook, uma carta para Bares: 
“Algumas palavras para Bares, um pequeno anjo do Iraque que não conseguiu viver... Você chegou um dia e se pendurou em meu pescoço no meu segundo dia de serviço na ilha, e, desde então, eu o tinha ao meu lado em cada patrulha. Você e eu nos fizemos companhia durante dois meses, você me esperava, tendo ou não algo para te dar, você se jogava em meus braços e ficava ali, dando voltas ao meu redor... E hoje meus colegas me ligam e me dizem que você é a pequena alma que um dia antes se queimou no incêndio de Moria, filho da minha alma...
Você pagou muito caro pelo sonho europeu de seus pais, a guerra, o exílio... Você se tornou uma vítima, mas, onde estão os verdugos? Boa viagem, meu anjinho, quem dera poder vê-lo correr novamente, quem dera você me chamasse novamente “policial, policial” ou, como dizia, “pulizia”.
Vaggelis tem cerca de 40 anos e cara de gente boa. Na triste história de Bares, dá um nome ao que, para muitos, são apenas estatísticas, e esse nome é usado para transformar a dor em uma lembrança de injustiça. Mas Vaggelis não é o único que lamenta o destino dos refugiados (62.000 no país, cerca de 15.000 em ilhas do mar Egeu). Apesar das críticas frequentes de alguns ativistas e organizações humanitárias contra o Governo grego devido às deficiências no atendimento aos migrantes, o pesar de Vaggelis é o mesmo dos guardas costeiros gregos que, por salários de 800 euros (cerca de 2.800 reais), ou menos, estão cansados de retirar corpos de crianças da água, ou o pesar de agentes que, nos piores dias de Idomeni, em março passado, quando o fechamento das fronteiras dos Balcãs barrou a entrada de milhares de refugiados na Europa, admitiam ver jovens e crianças que imploravam sua ajuda (para cruzar a fronteira, para comer, para sobreviver) muito parecidos a seus filhos.

Isso, que tem sempre sido chamado de comiseração, e que é, sempre foi, anterior a toda solidariedade como ofício.

Só acaba quando termina

Ao que tudo indica, a classificação ideológica de esquerda e direita interessa principalmente aos intelectuais com atuação no Facebook. E a um ou outro artista desejoso pelo marketing de promoção para sua nova obra (“Aquarius, teu nome é Solaris”). Durante os anos duros da ditadura militar, quem não dançasse seguindo o miudinho ensaiado pelo Partidão, até sorrir com dentes à mostra poderia soar como gesto de adesismo ao regime. É, por aqui a vida nunca foi fácil.

Há quem garanta que essa visão entre o estrito certo e o radical errado seja sinal de atraso intelectual. Ou pobreza verbal. Por um bom tempo o mundo brasileiro se dividiu entre a higidez política de Chico Buarque e o naturalismo de Caetano Veloso. Chico falava por metáforas — “Apesar de você, amanhã há de ser outro dia”; Caetano, por insinuações — “Deixa eu dançar, pro meu corpo ficar odara”. E havia ainda Gil, que falava... à la Gil, mesmo — “O luar, a gente precisa ver o luar”. Quem ousasse optar pelos baianos, em detrimento de Chico Buarque, estaria frito em dendê: era de direita. Simples assim. A vida seguiu, e hoje Caetano e Chico tocam o mesmo tatibitate, o que nos leva a Machado de Assis: mudou o Natal ou mudamos nós?

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O passamento do último Fidel Castro provocou outro frisson entre os web ativistas e os blogueiros de alforje. De novo, a mídia surgiu no papel de golpista e de direita por nomear o cubano como ditador, como se houvesse ditador do bem. Um ex-ministro petista chegou a relevar os assassinatos castristas em nome da necessária revolução. Acabou por ficar ao lado dos fascistas espanhóis que mataram García Lorca por ser homossexual. Quem apoia o assassinato em nome da causa é de esquerda?

No longo périplo funerário de Fidel se encontraram vários líderes políticos, entre eles Evo Morales, presidente da Bolívia. Morales é o mais bem-sucedido dos governantes latinos identificados com a esquerda populista. Cris Kirchner, Nicolás Maduro e Dilma Rousseff enfiaram suas respectivas economias num descalabro de baile de máscaras. A Bolívia de Morales, não: teve um crescimento rotundo de cerca de 5% de 2011 a 14. O curioso é que o discurso de inclusão social vertebrado pelo governante se encontra ancorado numa política econômica, de controle de gastos públicos, capaz de deixar Milton Friedman morrendo de inveja. A política fiscal do bolivariano Morales faz a voz grave de Henrique Meirelles e sua PEC do teto soar como um castrati da corte de Fernando VI. Daí então Morales é de esquerda, e a tal PEC do Meirelles é de direita?

Em “Ópio dos intelectuais”, o sociólogo Raymond Aron analisa a queda francesa pelos gestos revolucionários, pelo radicalismo voluntarioso e depois a ressaca curada no colo de governantes imperiais — Napoleão e De Gaulle, dois bons exemplos. Do outro lado do canal, os ingleses e sua toada reformista, com poucas rupturas atordoantes. O trabalhismo britânico sucedeu ao vitorioso Churchill no Pós-Guerra e produziu reformas ainda hoje emblemáticas no universo social, a começar pelo sistema público de saúde e de educação. O trabalhismo inglês, por ser reformista, é de direita?

No Brasil das redes sociais, qualquer reforma é vista como de direita quando não praticada pela esquerda. É curioso. O PT, no governo, promoveu a maior expansão do ensino privado brasileiro. O ensino público estaria rindo de boca a boca, como ficaram os empresários da área, caso tivesse recebido tamanho apoio financeiro. O ensino privado é de direita por que agrada ao mercado ou, de novo, o Brasil colocou o ovo de pé ao forjar o mercado de esquerda?

Miguel De Almeida

Brasil, caso de polícia

Há poucas semanas, li sobre achados do INSS através do pente-fino que vem passando nos auxílios-doença que paga. Há falecidos que todo mês removem suas lápides para comparecer ao caixa. Há licenças de 15 dias que se prolongam por anos. Há gravidez de risco que persiste quando o nascituro já está alfabetizado. Mas esses são casos extravagantes. Contemplando todo o cenário, já recaem suspeitas sobre 80% dos benefícios de auxílio-doença previdenciário e auxílio-doença acidentário que vêm sendo pagos!

É mais ou menos dessa época, também, a notícia de que o MPF, cruzando dados de diversas fontes oficiais mediante ferramentas de inteligência, encontrou "perfis suspeitos" de irregularidades em mais de 870 mil beneficiários do Bolsa Família que teriam recebido indevidamente um valor total estimado de R$ 3,3 bilhões.

Nem o ambiente acadêmico, onde os recursos da mente sobressaem os reclamos do corpo, escapa às tentações da corrupção se o risco for baixo, a pena incerta e o processo criminal ardilosamente longo. Recentemente, a Operação PHD da Polícia Federal prendeu professores universitários e servidores ligados a um programa de pós-graduação em Saúde Coletiva na UFRGS.

Além de quantos se dedicam ao crime organizado nas suas expressões mais "profissionalizadas" - tráfico de drogas, roubo de automóveis e de cargas, contrabando, descaminho, abigeato, entre outras - existem na vida social milhões de pessoas dedicadas a ganhar o pão, o bolo e, melhor ainda, a charlotte française, com o suor do rosto alheio. A vitrine das corrupções possíveis atende as mais variadas expectativas. Do Bolsa Família supérfluo, ao pixuleco milionário. São operações relativamente fáceis porque o governo é meticuloso na receita e negligente no gasto.

As melhores notícias destes anos de cofres saqueados e raspados nos vêm de Curitiba, onde uma força-tarefa que opera junto à 13ª Vara da Justiça Federal, sem padrinhos e sem compadres, mostra denodo incomum no combate à corrupção dos hierarcas da República.

Falta-nos, agora, uma força-tarefa para, com igual vigor, agir contra as fraudes praticadas por multidões. Ali estão os eleitores que, por serem dados a desonestidades de pouca monta, não se importam de eleger e reeleger corruptos notórios e notáveis. Pessoas condenadas por tais práticas deveriam ter direitos políticos suspensos, tanto quanto é determinado em lei para políticos sentenciados. Quanto menor o número de eleitores corruptos, menor será, por certo, o número de criminosos eleitos.

Percival Puggina

Que as crianças cantem livres

Grazziotin distribuía dinheiro da corrupção com eleitores pobres

O Brasil está comovido com a alma caridosa da senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM). Quando apareceu o seu nome na lista do propinoduto da Odebrecht, a parlamentar declarou que toda grana que recebeu da empreiteira teve um fim filantrópico. E que fim! Foi “socializado com os pobres”, justificou. Ah, ainda bem que a parlamentar confessou para onde foi o suborno antes que algum eleitor maldoso duvidasse da sua honestidade.

É assim que deveriam se comportar os outros comunistas do partido da senadora quando flagrados com a mão na massa: contar uma história como essa para convencer seus eleitores de que a corrupção teve uma causa nobre. Não foi um dinheiro usado pelo partido para esbórnia ou para enriquecimento ilícito de alguns dos seus integrantes.

Grazziotin – a esquerda infantil do parlamento – acredita realmente no que disse. Se é assim, devemos, todos nós brasileiros, fazermos orações diárias para o São Odebrecht e agradecê-lo pela preocupação em socializar os lucros da sua empresa com os mais necessitados pelas mãos generosas da senadora. Agora, sabemos porque os eleitores de Grazziotin mantêm-se fiel à sua representante no Congresso. São pessoas de bem com o mundo: felizes, prósperas e sem preocupação financeira porque passaram a viver dos milagres da Odebrecht desde que ela assumiu o mandato.

Mas não pense o leitor que Grazziotin é uma política despreparada, ingênua, que ignora os problemas do país. Ela se apega aos princípios socialistas e à doutrina marxista para fundamentar as razões que a levaram à distribuição da riqueza no país. Veja quanta profundidade nos seus argumentos para explicar o seu nome na lista da Odebrecht: "Todo mundo sabe que nós, comunistas, fazemos militância política por ideologia e não por qualquer vantagem financeira. O dinheiro que eu recebi era considerado por mim e pelos meus camaradas de Partido como um ato de expropriação contra a burguesia e por isso nós socializávamos (o dinheiro) com os pobres”.

Viu? A senadora não é egoísta nem sovina. Prefere multiplicar os pães entre os seus fiéis eleitores amazonenses. Ela faz também uma revelação surpreendente. Diz que seus camaradas de partido também estavam na caixinha da empreiteira. Portanto, divide com os parceiros as suas ações caridosas numa versão moderna da Madre Teresa de Calcutá. Se é assim, pelo que entendi, o PCdoB deixou de ser um partido político para se transformar numa entidade filantrópica, cujo objetivo é proteger os seus eleitores da fome, da crise econômica e do caos político, distribuindo igualitariamente entre os seus filiados o dinheiro da empreiteira.

Grazziotin está convicta de que a Odebrecht não exigia contrapartida para os agrados que faziam a alegria do partido. Os malotes que abasteciam o PCdoB nas campanhas eleitorais caracterizavam-se como “expropriação contra a burguesia”, segundo a senadora. Aos mais jovens uma explicação: era assim que a esquerda denominava os assaltos a bancos na ditadura. E agora? O que dizer da grana que chegou à senadora via Odebrecht, dinheiro que deixou de ir para a merenda escolar e para a saúde? É a expropriação ao inverso, aquela que tira o alimento das crianças e sacrifica os doentes nos hospitais públicos.

Não tem óleo de peroba para tanta desfaçatez da senadora quando ela culpa também a mídia pelos seus danos morais na política. Veja a profundidade da sua análise: “A imprensa burguesa tenta instrumentalizar a divulgação da lista para macular a imagem dos comunistas em evidente deslealdade tática e estratégica dentro do campo da luta de classes”. Entendeu? Se entendeu, me explique.

Toda essa bobagem da senadora não é fantasia. Foi realmente dita por uma representante do povo, com assento no Senado Federal. Que coisa lamentável. A esquerda brasileira adoeceu, está decadente, contaminada pela mediocridade, se dissolvendo em idiotices e se desmilinguido intelectualmente. Quanto vazio político. É esta pessoa, alienada, que se propõe a pensar o Brasil. Uma senhora que parece zombar dos seus eleitores vomitando sandices para justificar o injustificável: o dinheiro da corrupção da Odebrecht que abasteceu a ela e o seu partido.

O pós-Itália e o pré-Brasil

Depois do fracasso da Operação Mãos Limpas na Itália, derrotada por novas leis que facilitavam a prescrição de crimes e a absolvição de corruptos, o “não-político” Berlusconi se tornou o capo de novas alianças com velhos adversários, também ameaçados, que se uniram para “salvar a economia devastada pela Mãos Limpas”, ou seja, para enquadrar o Judiciário e salvar a pele, voltando ao poder com mais força do que antes.

Em 1994, cansados da crise e da recessão, os italianos aceitaram que, sem corrupção, não há crescimento econômico. Resultado: hoje a Itália tem o maior índice de corrupção do Primeiro Mundo, e o pior desempenho econômico, com o PIB estagnado no nível do ano 2000.

Os dados das pesquisas italianas citados pela economista Maria Cristina Pinotti falam alto e gesticulam muito: 
Só 25% dos italianos consideram o seu Judiciário independente, contra 54% dos franceses e 69% dos alemães. Para 42% dos italianos, os juízes aceitam pressões políticas, contra 29% dos franceses e só 14% dos alemães. Na Itália, um processo de primeira instância leva em média 577 dias para ser julgado, contra 322 na França e 189 na Alemanha.

No Brasil, juízes de primeira instância são heróis anônimos, que enfrentam concursos duríssimos e são diferentes das castas que ocupam os tribunais superiores, em que a nomeação também depende de apoio político, estabelecendo privilégios e relações perigosas, que agora estão em choque e em xeque.

Fustigado pela PGR e a Lava-Jato, o Senado rompeu o pacto de cumplicidade com o Judiciário VIP e aprovou leis duras e justas sobre o teto salarial constitucional, atingindo os marajás dos Três Poderes, como exigem a Constituição e a sociedade que paga a conta.

Coibir o abuso de autoridade não pode ser só uma vingança de Renan, precisa ser discutido com serenidade e punido com regras claras, que não permitam interpretações em que os bandidos julguem os xerifes por cumprirem a lei.

Pós-Itália não é só um codinome na planilha de propinas da Odebrecht, é um aviso: o desastre italiano mostrou que não é a Justiça que prejudica a economia, mas a corrupção institucionalizada.

Nelson Motta

Graciliano e Odebrecht

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Graciliano Ramos nasceu em 1892. Na (hoje) Praça Getúlio Vargas, em Quebrangulo. Prefeito eleito de uma cidade vizinha, Palmeira dos Índios, escreveu quatro relatórios ao Governador de Alagoas. Primeiro deles publicado, na Imprensa Oficial, em 1929. Com a graça e a especial compreensão do mundo a partir da província. Num tempo em que a política não era só o “venha a nós” constrangedor de agora. E onde seus instrumentos de trabalho não estavam reduzidos, como hoje, a pouco mais que artifício, simulação, farsa, vergonha de menos e gula de mais.

São relatórios muito especiais: Porque se derrubou a Bastilha, um telegrama; porque se deitou uma pedra na rua, um telegrama; porque o Deputado F. esticou as canelas, um telegrama. Dispêndio inútil. Toda a gente sabe que isto por aqui vai bem, que o deputado morreu, que nós choramos e que, em 1559, D. Pero Sardinha foi comido pelos Caetés. Temos, ali, um mosaico que se vai formando aos poucos – a geografia física e a geografia humana. O rosto de um tempo. A iluminação que temos, pérfida, dissimula nas ruas sérias ameaças à integridade das canelas imprudentes que por ali transitassem em noites de escuro. Ou O caminho que vai a Quebrangulo tem lugares que só podem ser transitados por automóvel Ford e por lagartixa.

O prazo de 3 meses para levar um tiro – dado, pelo populacho, para que batesse as botas –, como assinalado no primeiro dos relatórios, estava errado. A monotonia não foi turbada por nenhuma espingarda. Graciliano viveu o bastante para ser reconhecido como grande escritor. E a calma continuou a mandar naquela cidadezinha do interior.

Esses relatórios se ocupam, também, de corrupção. Falam dos funcionários da administração anterior, que faziam política ou não faziam coisa nenhuma. Os atuais não se metem onde não são necessários, cumprem as suas obrigações e, sobretudo, não se enganam em contas. Como falam de valores minuciosamente anotados: 724$000 foram-se para uniformizar as medidas pertencentes ao município: os litros aqui tinham mil e quatrocentas gramas, fui descaradamente roubado em compras de cal para os trabalhos políticos; 2.886$180 foram gastos com instrução, mas não creio que os alunos aprendam ali grande coisa; obterão, contudo, a habilidade precisa para ler jornais e almanaques, discutir política e decorar sonetos.

Na semana passada, tivemos outro relatório. O primeiro da Odebrecht, na “Delação Premiada” da Lavajato. Outros virão, o que é muito bom. Alvíssaras. Mas bem diferente dos alagoanos. Primeiro, porque Graciliano sabia escrever. Segundo, porque seus relatórios tinham graça, não eram apenas o rude toma lá, dá cá da política mais recente. Terceiro, e sobretudo, porque, comparado com os montantes de hoje, a gatunagem de Palmeira dos Índios era quase nada. Esmola. Coisa de iniciantes. De trombadinhas.

Mas a maior diferença está dentro de nós. Ao ler os relatórios de Graciliano, somos ainda capazes de rir. Os novos produzem só desalento. É o mundo inteiro, agora se vê. Todos empenhados, sofregamente, numa corrupção desenfreada. Tout le monde et son père, como dizia La Fontaine (na fábula “O moleiro, o seu filho e o burro”). Não sobra ninguém. Fosse pouco e, na semana passada, o Supremo se encarregou de sepultar nossas derradeiras esperanças. Num acordo triste. Elevando Renan a santo de altar. Cândido e puro. Está difícil. Ainda bem que virá, por aí, o Natal. E um novo ano. Para, talvez, retemperar esperanças despedaçadas. Boa chance, também, para Deus provar que é mesmo brasileiro.

Paisagem brasileira

Pedra Do Caladão – Carlos Chagas – MG—- UMA BELEZA DE LUGAR:
Pedra do Caladão, Carlos Chagas (MG)

Sujo, Lula se mantém vivo na gincana de lama

Lula já se transformou num freguês de caderneta da Polícia Federal e do Ministério Público. Réu em três ações penais, foi denunciado novamente, junto com outras pessoas, na Lava Jato. Corrupção passiva! É acusado de receber propinas da Odebrecht, lavadas na compra de um terreno e de um apartamento. Mais um apartamento, agora vizinho da cobertura de Lula em São Bernardo. Ele diz que paga aluguel para usar o imóvel. A Procuradoria diz que não.

A defesa de Lula soltou uma nota. Não para defender o pajé do PT, mas para atacar os procuradores. Os advogados disseram que a turma da Lava Jato repete “maluquices” sobre Lula. Para os advogados, os procuradores temem que Lula cometa a ousadia de ser candidato à Presidência em 2018. Por isso, perseguem-no. Assim tem sido a defesa de Lula, baseada exclusivamente no ataque.
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Lula virou um típico político brasileiro. Grosso modo falando. Mas, apesar de tudo, o último Datafolha, divulgado no final de semana, mostrou que, entre março e dezembro, Lula deu um salto. No melhor cenário, passou de 17% para 25% na preferência dos eleitores para o primeiro turno de uma disputa presidencial. Está na liderança. No segundo turno, Lula só seria batido por Marina Silva.

Só há uma maneira de explicar o fenômeno: faltam alternativas. O brasileiro olha ao redor e vê que a alternativa ao sujo é uma série de mal lavados. A isso se resumiu a política brasileira em tempos de Lava Jato: uma gincana de lama.

Devagar com o andor

A depender desses políticos que estão pela aí muitos dos quais rosnando nas três esferas federativas por onde ainda circula algum repasse obrigatório do amealhado sem pena nem dó do contribuinte quero dizer das pessoas honestas que ainda conseguem trabalhar o que está muito difícil haja vista que o desemprego flagela hoje em verdade mais de vinte milhões quase o dobro do que apontam os números oficiais o País que de há muito avança para a quebradeira desembestada em suas contas publicas deve de logo procurar saber como estão sobrevivendo só para ter um exemplo os gregos os quais ate onde se sabe não descartaram os valores democráticos buscando soluções via soberania popular siamesa da legitimidade da representação politica.

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Ate parece que não queremos nos dar conta do que está acontecendo muito embora esteja tudo aí tão visível quanto as vísceras das vacas atoladas no brejo e esperem logo outras mais e tantas irão atolar de vez em meio ao desenrolar dos vazamentos da enorme lista das chamadas delações do fim do mundo que vai rolar por muito tempo como se para atiçar mais e mais a decepção coletiva verdadeiramente nacional com os que nunca estiveram nem estão nem aí em ações de respeito à sociedade e à afirmação das nossas instituições republicanas e democráticas.

O apartheid se retoca e se amplia a olhos nus.

A nomenclatura encafuada não se dá conta nem dos ponteiros que avançam encurtando as horas como facas peixeiras bem amoladas que espreitando a regressiva resistirão aos controles sejam quais forem ora isso já aconteceu muitas vezes desde que o planeta se chama terra e a história quando não há mecenas se faz parceira unha e carne da verdade e então gente vamos aqui refletir quanto ao peso da verdade e só haverá uma conclusão a de que ela sim pesa mais que qualquer gloria.

Nada começa transbordando de uma vez nem um rio um poço muito menos uma crise tudo resulta de algum inicio ínfimo uma bactéria um bacilo um átomo e assim uma crise econômica como essa em que estamos resistindo e gerando essa crise politica que nos causa engulhos não se resolvem trocando uma coisa pela outra. Na inoperância está tudo igual. Na ilegitimidade também.

As causas são estruturais que vem se sedimentando há décadas de muito antes da atual Constituição que só de emendas ou remendos já tem uma centena e outras e outros mais ainda estão nas fornalhas do Congresso destinadas a quebrar mais uns galhos.

Por que não nos tomamos de coragem e não convocamos uma Assembleia com poderes revisionais derivados e destinados apenas às reformas politicas e aos ajustes econômicos? Uma Assembleia cujos membros eleitos sejam inelegíveis para qualquer mandato subsequente? Voto distrital parlamentarismo financiamento de campanha funcionamento dos partidos tudo em moldes simples que a população entenda de modo a poder participar ativamente?

Eleições diretas agora com essas mesmas regras eleitorais ou resultantes da emergência casuística vai nos levar a que resultados? Não patrícios e conterrâneos não é assim. Mantenha-se esse sistema eleitoral do jeito que está e não se mude nada nada quanto a financiamentos de campanha e clamem por Ghandi, Lênin ou Churchill e me digam que caso aceitos não serão também injuriados, delatados ou deletados?

Não dá mais para nos conformamos com a célebre justificativa de Tancredi o galã militante da revolução garibaldina unificadora da Itália representado por Alain Delon no filme O Leopardo de Luchino Visconti alguma coisa deve mudar para que tudo continue como está.

Vai longe o tempo em que éramos intrépidos manipulados arrogantes. E não sabíamos. Aprendemos que cautela e caldo de galinha não fazem mal a ninguém...

Edson Vidigal

Violência não tem pátria nem religião

São imagens repugnantes: sem o menor motivo, um homem chuta nas costas uma jovem numa estação de metrô de Berlim, ela despenca escada abaixo. O agressor segue caminho na maior calma, assim como um de seus acompanhantes, que só se abaixa para apanhar uma garrafa de cerveja caída nos degraus. Nenhum deles se ocupa da moça que, totalmente fora de si, tenta se levantar, no fim da escada.

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Na segunda semana de dezembro, esse vídeo foi colocado na internet pela polícia, e desde então, visto milhões de vezes nas redes sociais, desencadeando reações. Por parte da maioria, repulsa e indignação, mas também outra coisa: em blogs de língua inglesa, fóruns de debate alemães, na imprensa-marrom croata ou búlgara, presume-se e afirma-se que o agressor é, com toda certeza, um refugiado, um migrante, um muçulmano. E a conclusão final é: "É nisso que dá a cultura de boas-vindas de Angela Merkel!"

Nesse ínterim, o agressor e seus três acompanhantes foram identificados pela polícia: são búlgaros, aparentados entre si. Os quatro desapareceram, e supõe-se que estejam agora foragidos em seu país de origem.

Uma vez que se trata de cidadãos da União Europeia, que gozam de livre-circulação, caem no vazio todas as reivindicações de deportação e expulsão. E, de qualquer modo, esse tipo de consideração não deveria ter a menor relevância. Pois, independente de o agressor ser alemão, búlgaro, islandês ou até refugiado, sua injustificada e abominável brutalidade continua sendo um crime a ser punido com todo o rigor da lei. Porém o caso também convida a duas reflexões.

Primeiro, sobre a avalanche de notícias falsas e meias-verdades com que somos confrontados na internet, cada vez mais. Notícias falsas e meias-verdades que, no mais das vezes, estão envenenadas com mensagens de propaganda e, reproduzidas aos milhões, servem para exacerbar os medos e preconceitos dos cidadãos. "Violência na Alemanha? Foi um refugiado, está na cara!", é uma das mensagens tóxicas mais populares dos últimos tempos.

Segundo, antes de apontar o dedo acusador para um grupo concreto como potencial agressor e vilão, é melhor refletirmos sobre esse nosso "nós", tão cômodo e fonte de orgulho. Pois em toda nação, como em qualquer grande grupo, há sempre agressores e criminosos brutais, cujos atos nos fazem enrubescer de vergonha. O atual caso em Berlim deveria, antes de tudo, fazer os búlgaros pensarem e se moderarem, em vez de continuar explorando-o, em sua histeria de massa contra refugiados e muçulmanos.

No momento estão sendo procurados os autores de ocorrências semelhantes do fim de semana, em Munique e Stuttgart. E sabe-se lá quem será identificado como agressor! Continua valendo: violência não tem nem pátria, nem religião. A "pátria" de atos brutais assim é, simplesmente, o ser humano, independente de origem. E sua "religião" é o ódio – contra seja lá o que for.

Alexander Andreev, chefe da redação búlgara da Deutschweller