terça-feira, 13 de dezembro de 2016

Seja marginal, seja herói

Você é bandido, o que você é?

– Eu sou um sinal de novos tempos. Antigamente, vagabundo vivia fugindo como um ladrão de galinhas comum. Hoje, não. Estamos evoluindo. Quando eu era sujo e pobre, vocês nunca me olharam. Agora que eu tenho piscina no alto do morro, vocês me temem... Viramos parte de uma multinacional do pó. Isso. Os manos estão inclusive se organizando melhor. O PCC fechou negócio conosco do CV. Rio e São Paulo estão juntos contra, como chamam, o “establishment” careta.

É isso aí, estamos aprendendo com o mundo de hoje. Tudo começou com o Osama Bin Laden, nosso primeiro herói; vendemos muito papelote de pó com o nome dele. Era pó ‘da moral’, só pra gente fina. Aos poucos, fomos nos sofisticando no mal, sim... Assistimos aos belos degolamentos do Estado Islâmico e aos homens-bomba se explodindo; só que ‘nóis’ não somos bestas de explodir... Ha ha, a gente explode caixas de banco... E fico com vontade de ensinar aos terroristas do EI a beleza de nossos ‘micro-ondas’ – eles tinham de ver como os caras berram dentro dos pneus pegando fogo...


Eu era inofensivo, uns roubos, uns assaltos, mas tudo bem... Até me romantizavam... o Mineirinho, o Cara de Cavalo... Na época, era mole resolver o problema da miséria... A solução é que nunca vinha... Nós éramos invisíveis... Quando havia um desabamento, éramos, no máximo, manchete de jornal e motivo de angústia para uns intelectuais de merda. Agora, estão morrendo de medo... Danem-se... Nós somos o início tardio de vossa consciência social... Ha ha... Mataram dois turistas italianos que entraram na zona do morro. Sou contra. Esse tipo de ação é coisa de moleques. O crime agora está sendo normalizado, queremos empresas, como tantos ladrões de terno e gravata têm. A gente não joga dinheiro fora feito aquela maluca que vocês puseram de presidenta da República, não. A gente aplica. Temos supermercadinhos, postos de gasolina, puteiros, tudo organizado. Nós somos uns bodes para vocês, mas vocês são bodes para si mesmos. O Brasil vai pro cacete, e nós nos encontraremos no infinito sujo de nosso destino... Gostou da frase? Ouve outra: o capitalismo selvagem gera revolta primitiva, ha ha... Aliás, tomara que quebre tudo... Vai ser mais fácil pra nós pilharmos vossas ruínas!

– Mas, e aí? Qual a solução?

– Solução? Não há mais solução, cara... Aliás, nem queremos mais solução alguma. Que porra é essa? Vocês acham que vão nos “salvar”? Estamos numa boa. Nós é que temos agora de salvar vocês de nós. Já olhou o tamanho das 600 favelas do Rio? Cadê os bilhões de dólares para uma solução? Só que agora acabou a grana. E vocês aí, tentando consertar essa bosta. O máximo que vocês podem fazer são esses movimentos pela cidadania, os babacas de branco abraçando a Lagoa...

E tem mais: o país vai quebrar, porque ninguém vai fazer reforma porra nenhuma. Só vai sobrar ‘nóis’, que já estamos acostumados com a escrotidão da vida.

– Você não tem medo de morrer?

– Estamos no centro do insolúvel, mermão... Vocês, no bem, e eu, no mal, e, no meio, a fronteira da morte, a única fronteira.

Vocês têm medo de morrer, eu não. Nós já somos outros bichos, diferentes de vocês. A morte para vocês é um drama numa cama, no ataque do coração... A morte para nós é o presunto diário, desovado numa vala... Vocês, intelectuais, não falavam ‘seja marginal, seja herói?’ ou ‘a luta de classes é o motor da história’? Pois é, somos heróis em luta de classes contra a burguesia do asfalto. Vocês nunca esperavam esses guerreiros do pó, né? Esse parangolé envenenado, né?

Além disso, estamos virando superstars da mídia. A imprensa dá ideias, enche nossa bola do crime... Vocês estão nos dando uma ideologia, sem perceber... Outro toque: por que não pegam os barões do pó? Tem deputado, senador, tem generais, tem até ex-presidente do Paraguai nessa parada de armas e cocaína... Essa é que é a mina de ouro, nas fronteiras... Mas não tem polícia pra enfrentar esse poder internacional... A gente é micharia... A verdadeira guerra do Paraguai vocês estão perdendo agora, tá ligado?

– E a polícia? Não rola?

– Quer um toque? A burocracia policial segura tudo. Nós somos uma empresa moderna. A gente não tem que arranjar ordem judicial, a gente não é dividido em municipal, estadual e federal; é tudo rápido, enxuto. A polícia é feita de feudos, delegados corruptos, donos de pedaços da cidade transando com as milícias...

Hoje, mermão, saca essa: nós entendemos que nossa missão é maior do que roubar apenas. Estamos virando terroristas, sacou? Fechamos comércio quando queremos, cada vez estamos mais ousados, porque ninguém dá conta de nós. Vivemos aterrorizados por muitos anos. Agora, nós somos a morte, rodando pelas ruas feito cachorro raivoso. Chegaremos ao terror até político. O Brasil está precisando de uma tragédia séria para tomar vergonha. A gente não precisa, porque já somos trágicos e sem vergonha.

– Então, vão encarar o Exército?

– Ah... cara... Você acha que os generais vão querer acabar com aquele dia a dia dos quartéis? Que isso, meu? Eles ficam jogando basquete de tarde, marcham, tocam os clarins, cantam hinos... Mas ir à luta com o PCC e o CV? Com risco de vexame? Pra quê? Eles dizem que são treinados para guerras maiores... Só se for com a Argentina... E também a gente já tem até foguete antitanques... Se bobear, vão rolar uns Stingers aí... Já imaginou a gente daqui a uns dez anos? Pra acabar com a gente, só jogando bomba atômica nas favelas... Aliás, a gente acaba arranjando também umazinha, daquelas sujas mesmas que cabem numa maleta... Já pensou? Ipanema radioativa?

Eu acho que ‘nóis’ vai virar países estrangeiros.... Já imaginou: República do Alemão? Ou Estado do Jacarezinho? Gostou?

Olha, meu chapa, só generais saídos da favela, da lama, com a mesma fome de vida e morte poderiam nos vencer... Nós saímos do lixo, não temos nada a perder... É isso aí... a bandidagem perdeu o respeito pela polícia... Agora, não tem mais jeito... Pra ganhar essa guerra, vocês têm de começar o Brasil de novo... Falei?

– Falou...

A crise é do sistema

A cada dia fica mais patente que precisamos proclamar urgentemente a República. O ano de 1889 foi apenas o anúncio. O grito do marechal Deodoro da Fonseca ficou parado no ar. O simulacro de República conduziu o Brasil à mais grave e profunda crise política da nossa história.

Como de hábito, em momentos como o que estamos vivendo, o tempo histórico corre rapidamente. A conjuntura política está absolutamente imprevisível. Tudo pode acontecer. Sem uma ação decisiva (e rápida) dos principais atores políticos, poderemos chegar muito próximos à convulsão social. Não é exagero, é mera constatação.

Charge do dia 13/12/2016

O impeachment de Dilma Rousseff não encerrou a crise política. Apenas abriu o processo que estamos vivendo. Muitos, ingenuamente, imaginaram que o espírito de 1992 — quando do processo de impeachment de Fernando Collor — estava se repetindo em 2016. Não compreenderam que as contradições estão de tal forma acirradas que uma mera substituição de presidente não altera, por si só, o panorama político. Isso não significa diminuir a importância da derrota do projeto criminoso de poder. Não custa imaginar se Dilma ainda estivesse na Presidência em meio ao agravamento da crise econômica, que foi produzida por ela. Pior ainda, se, ao mesmo tempo, Lula ocupasse a Casa Civil. O que seria do Brasil?

A questão é que o bloco que ascendeu ao poder não entendeu que o impeachment foi produto da maior mobilização da sociedade civil da nossa História, e não do Parlamento. Supôs que o desejo das ruas fosse a mera substituição dos ocupantes das cadeiras da Presidência da República e dos ministérios. Erro crasso. No que Geddel Vieira Lima difere de Jaques Wagner? Milhões foram às ruas para isso?

Michel Temer jogou fora a expectativa favorável criada após o impeachment. Compôs um ministério ruim. Optou pela nomeação de políticos dos partidos da base, alguns sem qualquer expressão para a área para a qual foram indicados. Logo o governo deu sinais de paralisia. A maioria dos ministros permaneceu no anonimato. Pouco fizeram. Não viajaram pelo país. Evitaram entrevistas. Deram a impressão que não queriam ficar comprometidos com o governo. Eram ministros de si próprios, e não do presidente. A inépcia ministerial foi sentida pelo mercado. Teve reflexo direto sobre a tímida recuperação econômica. Se em agosto imaginava-se que o PIB cresceria 1,5% em 2017; hoje os mais otimistas falam em 0,5% e os realistas em zero. E a paralisia econômica agrava ainda mais a crise política.

Com as primeiras revelações das delações dos executivos e acionistas da Odebrecht, a crise aumentou. Era esperado. Se o presidente Temer conseguir comprovar que não teve qualquer participação no esquema criminoso da Odebrecht, abre a possibilidade de dar um novo gás ao governo. Neste caso, é indispensável uma profunda reforma ministerial, com a demissão imediata de todos os acusados, e o compromisso de apoio à Lava-Jato sem qualquer tergiversação. Poderá até legitimar as propostas de reformas, inclusive a previdenciária.

Contudo, se as acusações atingirem Temer — ou se o presidente não conseguir convencer a opinião pública da sua inocência —, não é possível prever até onde irá a crise. Isto porque, diferentemente de outros momentos da nossa História — como 1930 e 1964 — não estão presentes alternativas reais de poder para substituir a ordem em declínio. E o vazio poderá, no limite, ser ocupado por algum ator fora da cena política tradicional.

O agravamento da crise é responsabilidade da elite política. Não conseguiu entender que o Brasil mudou. Que a sociedade civil está vigilante. Que é peça de museu o brasileiro bonzinho, desinteressado em política e aguardando — pacientemente — receber algumas migalhas do banquete dos poderosos. Mais ainda: a paciência popular está se esgotando. Não custa imaginar como seria recebida a notícia de um eventual habeas corpus para Sérgio Cabral.

Com o conhecimento do conjunto das delações — são 77 —, a bola vai para a Justiça. Aí mora mais um problema. Há uma enorme desconfiança em relação ao funcionamento do Poder Judiciário. E qualquer tentativa de um grande acordão vai fracassar. Relativizar a crise vai jogar ainda mais lenha na fogueira. Cambalacho jurídico —como o da semana passada livrando a cara de Renan Calheiros — vai receber uma dura resposta da sociedade. Resposta muito além das redes sociais, resposta nas ruas.

É claro que o sistema político deu o que tinha de dar. Do jeito que está, é um produtor de crises, e não de governabilidade. As instituições — tão elogiadas pelas Polianas de plantão — estão carcomidas. Não atendem aos clamores populares e às necessidades estruturais para um bom governo. Terão de passar por uma profunda reforma. E reforma dos Três Poderes. Quem está satisfeito com o Congresso Nacional? E com a Presidência da República? E o Supremo Tribunal Federal? O dilema que se coloca é que se a crise é do sistema, a solução a curto prazo não passa pela reforma ou reestruturação de tudo o que está aí — que é uma tarefa de meses, anos. Dada a gravidade da situação, a intervenção para solucionar a crise tem de ser efetuada imediatamente.

Fica o dilema: o governo Temer chegará até as eleições de 2018? Impossível dar esta resposta, tal o clima de incerteza. Os próximos dias serão decisivos. E o papel de Temer será central. Tem de assumir as rédeas do governo sem tentar acordos com quem for. Espírito conciliatório, neste momento, é um desserviço ao país. Estabelecer um contato direto com os sentimentos das ruas é um caminho. É preciso coragem.

Marco Antonio Villa

Agenda para um Brasil moderno

A sociedade civil desde 2013 tem-se manifestado por mudanças profundas no modo de operar da classe política. Nos últimos meses, em consequência da sobreposição das crises econômica, política e ética, a situação se agravou.

A crise política desaguou no impeachment da presidente da República e na substituição do governo anterior e do partido que tantas expectativas havia criado. A crise na economia colocou o Brasil na recessão mais grave de sua história. A crise ética revelou uma corrupção sistêmica em nível jamais visto, com a cumplicidade (exposta mais uma vez pela Odebrecht) entre uma classe política alheia aos anseios da população e um setor empresarial em que grandes empresas, acomodadas às benesses do Estado, se dispuseram, juntos, a sugar os recursos públicos por meio de uma assombrosa e despudorada ação ilícita.

A paciência de homens e mulheres em todo o País está chegando perigosamente ao seu limite. A qualidade do serviço público, sobretudo em saúde, educação e segurança, agravada com a crise econômica e com a má gestão de muitos governantes, aumenta a frustração e a indignação da população. A voz da maioria silenciosa começa a manifestar-se de forma quase anárquica, como ocorreu na ocupação recente do plenário da Câmara dos Deputados e na violência das recentes manifestações em Brasília.

O clamor pela reconstrução do Brasil cresce, mas ainda não se vê o aparecimento de lideranças com sensibilidade para assumir uma agenda clara e contundente que de fato proponha passar o Brasil a limpo. As discussões em Brasília mostram o descolamento dos interesses corporativos e dos congressistas da verdadeira realidade da sociedade brasileira.

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A incompetência e os privilégios, em muito setores, estão por demais arraigados e certamente haverá forte reação a qualquer mudança que afete os seus interesses. Os movimentos ideológicos, que se recusam a aceitar os custos das políticas equivocadas dos últimos anos, procurarão incendiar o Brasil na pretensa defesa dos mais pobres, que hoje estão pagando pelo abismo em que se encontra o País.

Se nada for feito, o Brasil em poucos anos, será uma imensa Grécia, sem recursos para pagar o salário dos funcionários (como já se verifica no Rio de Janeiro) e a pensão dos aposentados, sem falar na impossibilidade de o governo fazer os investimentos necessários para melhorar os serviços públicos, manter os programas sociais e mesmo defender o território nacional das novas ameaças que o crime transnacional (armas e drogas) representa, como já estamos vendo em alguns Estados.

A sociedade brasileira vai ter de enfrentar, mais cedo ou mais tarde, o debate democrático para a transformação de toda uma cultura: hábitos e costumes, práticas e políticas questionadas no mundo de hoje. Estamos vendo a reação em diversos países pela ação política de parcela da população, frustrada e desiludida com a classe política e pelo esquecimento de seus anseios e frustrações pelas elites dirigentes.

Além da melhoria dos serviços públicos já referida, torna-se urgente uma ampla reforma política que corrija a proliferação de partidos, trate do financiamento das campanhas reduzindo os interesses especiais e a corrupção. Mudanças que simplifiquem a vida dos cidadãos, restrinjam os interesses corporativos, inclusive no funcionalismo público, melhorem a gestão governamental e as boas praticas éticas, reduzam significativamente o custo para o setor produtivo dos impostos, da legislação trabalhista, da deficiente e precária infraestrutura e da burocracia excessiva. E que melhorem a gestão dos programas sociais para permitir a mobilidade ascendente dos menos favorecidos por meio de estímulos para sua entrada no mercado de trabalho. O ambiente de negócios tem de ser mais estável e transparente, até mesmo pela redução do protecionismo e de práticas que beneficiem interesses particulares. Nesse sentido, temos de começar a discutir temas tabus, como o grau de abertura da economia para incluir o Brasil nas cadeias produtivas de valor agregado e nos fluxos dinâmicos de comércio para estimular a reindustrialização o País.

O debate sobre as reformas estruturais (teto para os gastos públicos, previdência social e trabalhista), apresentadas pelo atual governo ao Congresso, é apenas o começo de um processo que deverá ser aprofundado em 2017 e discutido na eleição de 2018.

O Instituto de Relações Internacionais e de Comércio Exterior (Irice) teve a iniciativa de buscar apoio para organizar um amplo debate público a ser realizado ao longo dos próximos 12 meses com uma série de cinco encontros sobre as reformas necessárias para que o Brasil volte a crescer e se modernize. É preciso que o Congresso Nacional ouça a voz da sociedade civil de modo a que essas reformas sejam aprovadas. Para debater a agenda de reformas estão sendo convidados representantes de diferentes think tanks e movimentos de mobilização social que surgiram no País nos últimos tempos, entre eles, o Movimento Brasil Eficiente, o Movimento Brasil Competitivo, o Humanitas 360, o Centro de Liderança Pública, o Movimento Vem Pra Rua e o Movimento Brasil Livre.

O primeiro encontro foi realizado em 25 de novembro e teve como temas a reforma política, as reformas estruturais, em especial a fixação do teto dos gastos públicos, e a legislação sobre corrupção.

A partir de março de 2017, a cada três meses o debate, com visão de futuro, vai continuar a focalizar o aprofundamento dessas reformas. A importância dessa agenda vai além das considerações macroeconômicas. O debate, sempre colocando o Brasil em primeiro lugar, pretende evidenciar como essas reformas podem afetar a vida das pessoas, das empresas e qual o prejuízo para o País caso elas não sejam aprovadas e implementadas.

A inútil beleza das girafas

30 Incredible and Award Winning National Geographic Animal Photography examples…:
Há alguns anos fui visitar o Kruger Park, na África do Sul, na companhia de Mia Couto. Fomos de carro desde Maputo, a capital de Moçambique, que fica a pouco mais de duas horas do Kruger. Mia, que além de escritor é biólogo, sempre trabalhou na área do ambiente e conhece bem o parque. Em determinada altura vimos duas girafas namorando. Gosto das girafas porque são uma improbabilidade elegante. Seres improváveis há muitos, mas quase todos parecem um tanto desajeitados, como os ornitorrincos ou os cangurus, lembrando o que se costuma dizer acerca do camelo: que é um cavalo desenhado por um comitê.

As girafas enrolavam os intermináveis pescoços uma na outra, numa lenta e amável brandura, fazendo com que qualquer outro bailado nupcial, por comparação, parecesse rústico e sem graça. Todos nós guardamos uma caixinha cheia de memórias felizes, às quais recorremos nos dias escuros para nos reconciliarmos com a vida. Na minha caixinha de memórias felizes haverá sempre essa imagem das girafas dançando. Lembrei-me dela, há dias, ao ler um alerta da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, em inglês) para a drástica redução da população de girafas. Em 1985 haveria cerca de 155 mil; no ano passado foram contabilizadas apenas 97 mil. Esses números colocam pela primeira vez a possibilidade de que a espécie se venha a extinguir dentro de poucas décadas. A destruição do habitat natural das girafas, bem como a caça furtiva, explicam, segundo a IUCN, os números agora divulgados.

Em 1962, Rachel Carson publicou “Silent spring” (“Primavera silenciosa”, disponível no Brasil com a chancela da Gaia Editora), um livro que abriu caminho ao movimento ecologista global. O título é uma referência à extinção em massa de muitas espécies de aves, como resultado do triunfo da agricultura industrial e da generalização dos pesticidas. No livro, Carson acusa a indústria química de ocultar os danos causados ao ambiente pelos pesticidas, em particular o DDT, veneno que, anos depois, viria a ser proibido em quase todo o mundo.

O negacionismo da indústria dos pesticidas, nessa época, em nada difere do atual negacionismo das indústrias poluentes, responsáveis pelo incremento do efeito de estufa. O enredo é o mesmo, apenas mudam (quando mudam) os nomes das empresas envolvidas.

O recente convite de Donald Trump a Scott Pruitt para chefiar a Agência de Proteção Ambiental (EPA) foi como uma cusparada de escárnio dirigida a todos quantos se preocupam com a sobrevivência da vida na Terra. Enquanto secretário de Justiça do estado de Oklahoma, cargo que ainda ocupa, Pruitt entrou em guerra judicial com a própria EPA, recusando-se a reduzir as emissões de gases responsáveis pelo incremento do efeito estufa nas centrais a carvão. Pruitt chegou a referir-se à EPA como uma “agência ilícita e excessiva”!

É como se Trump decidisse convidar um pedófilo assumido para dirigir um lar de crianças abandonadas.

Muita gente nos Estados Unidos se indignou contra tão infame convite. Uma dessas pessoas foi o ator Leonardo DiCaprio, que há poucas semanas apresentou um documentário da sua autoria, “Before the flood” (no Brasil, com o título “Seremos História?”) sobre as consequências para o ambiente, e para a vida de todos nós, do aquecimento global. O documentário discute ainda soluções energéticas alternativas. Mal soube do convite a Pruitt, Leonardo DiCaprio pediu para conversar com Trump. O ator não se esforçou em convencer Trump das ligações entre o aquecimento global, o efeito estufa e as indústrias poluentes. Não valeria a pena. Trump, como todos os negacionistas, está perfeitamente a par de tais ligações. Apenas as nega. O que DiCaprio tentou fazer foi convencer Trump de que a economia americana tem tudo a ganhar caso opte por investir em infraestruturas sustentáveis. Esta parece ser, agora, uma estratégia seguida por várias organizações ligadas à proteção do meio ambiente. Ou seja: já não se trata de denunciar a estupidez e a imoralidade da indústria poluente. Trata-se de tentar convencer Trump e os seus colegas empresários de que eles podem ganhar mais dinheiro não poluindo do que arrasando o planeta.

Compreendo a estratégia, mas acho-a bem reveladora do quanto nos vimos aviltando, todos nós, desde a vitória de Trump. E o homem ainda nem sequer se instalou na Casa Branca.

Acho que terei de me conformar a viver num mundo sem girafas. Girafas não dão lucro. Só beleza.

José Eduardo Agualusa

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YingXi Corridor of Stone Peaks, China:
YingXi (China)

O Congresso nos desonra

Numa democracia autêntica, todo o poder político emana do povo e, em nome do povo, deve ser exercido. Segue-se que a vontade do povo precisa ser estampada nas decisões importantes a respeito das políticas públicas; não de forma ocasional ou circunstancial, mas segundo princípios permanentes de legalidade compatíveis com as reais acepções de um democratismo legitimamente representativo em todas as esferas do poder político. Se não for assim, o sistema vigente não estará formalmente comprometido com a decantada cidadania e com a almejada distribuição de poder entre todos os cidadãos. Urge considerarmos essa questão com seriedade, porquanto é o conceito de democracia — tão deturpado no Brasil — que está em jogo.

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O discurso de um parlamentar tem de ser, necessariamente, compatível com as aspirações de eleitores ciosos de bons representantes no exercício de um poder que pertence ao povo por direito inalienável. Se o político eleito deixa de cumprir as tarefas que lhe confiaram os eleitores, ele frustra a vontade dos donos genuínos do poder nacional. Se entendermos democracia como um regime político baseado nos princípios da soberania popular a ser exercida por representatividade num regime de governo que se caracterize, em essência, pela força do ato eleitoral e, sobretudo, pelo controle popular da autoridade dos eleitos, parece não haver dúvidas de que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), errou, de forma grotesca, ao declarar que a soberania do Poder Legislativo pertence ao plenário do Congresso. Esta premissa é falsa, meu caro deputado. A soberania do plenário é nenhuma, e o poder de Vossa Excelência é rigorosamente igual a zero. No caso, é preciso que se deixe claro o seguinte: o povo, dono do poder, simplesmente delegou ao Parlamento a autoridade para deixar inalterado o projeto das medidas anticorrupção. O Congresso é, fundamentalmente, o lacaio do povo. Nada mais. Aja de acordo com esta máxima ou Vossa Excelência será demitido na próxima eleição.

Maia parece não se preocupar com a representação de seus eleitores. A impressão que se tem é a de que ele se comporta segundo conveniências próprias ou interesses comuns com outros elementos de rabos presos e temerosos do provável castigo resultante de uma desonestidade crônica. Todos os dicionários têm verbetes que descrevem, com frieza semântica, aquele que age dessa forma: de antiético a canalha, entre diversos qualificativos de baixo calão impublicáveis. Essa é uma prática tão antiga no Brasil quanto o nosso desacreditado Parlamento desde os tempos de El-Rey. As bancadas governista e oposicionista, ao sabor dessa ignomínia, se digladiam em função das falcatruas em andamento nas sombras dos bastidores. O rebuliço de interesses escusos nos partidos é tão convulsivo quanto abjeto. A velocidade com que essa gente escorregadia vende a própria alma é diretamente proporcional ao valor intrínseco dos cargos negociáveis e ao lucrativo intercâmbio de favores inconfessáveis.

O Congresso Nacional, no limiar de um tempo de esperanças novas, mais uma vez nos desonra e nos enche de constrangimento. Os congressistas nos dão mais uma amostra insofismável de desapreço pela plenitude democrática.

Antonio Sepulveda

Para evitar doutrinação, filosofia só deve ser estudada aos 30 anos

1. Tempos atrás, um amigo brasileiro contava-me que a filosofia poderia desaparecer do ensino médio. Verdade? Mentira? Espero que seja verdade. A minha posição sobre essa matéria é simples e antiga: a filosofia é inútil (já explico) e só deve ser estudada a partir dos 30 anos. Exatamente como Platão aconselhava.

Aliás, por falar em Platão, confesso que a melhor parte da sua "República" lida com questões educacionais (e os vitorianos, nesse quesito, sabiam do que falavam). Adaptando livremente o espírito do filósofo, seria importante começar pelo básico (ler, escrever, contar). Depois, cultivar a ginástica e a música (tradução: desenvolver o corpo e refinar o espírito).

As artes militares viriam a seguir (algo que poderia ser substituído, para os pacifistas, por serviço cívico obrigatório –limpar ruas, ajudar os mais pobres etc.).

Por último, e antes da filosofia, as ciências "duras" (matemática, geometria etc.).

As vantagens desse currículo são óbvias: o indivíduo chegaria à idade da razão –que, como se sabe, começa perto dos 30 – com o mínimo de doutrinação ideológica possível.

Além disso, o meu estudante ideal iniciaria os seus estudos filosóficos depois de ter sofrido algumas cicatrizes fundamentais que só a idade permite. Grandes paixões. Grandes perdas. A necessidade básica de ganhar a vida e pagar as contas.

O confronto pessoal com a coragem e a covardia, a bondade e o ressentimento. A doença –sua ou dos outros. A consciência plena da mortalidade.

Só então poderia iniciar a leitura e a conversa –sim, por essa ordem: leitura, conversa– com os textos filosóficos fundamentais que sobreviveram às modas do tempo.

E quando lhe perguntassem para que serve a filosofia, ele responderia com novas perguntas: "E para que serve a grande pintura? Ou a grande escultura?".

Citando o título, e apenas o título, do filósofo espanhol Daniel Innerarity, a filosofia seria vista como uma das belas artes. E, como acontece com a grande arte, a sua "utilidade" nunca poderia ser confundida com a utilidade da ciência ou da técnica. A filosofia vale por si própria –pelo prazer do conhecimento e do pensamento sobre a condição humana.

O contrário desse percurso, como hoje se vê, é chegar aos 30 anos com a cabeça em avançado estado de decomposição pela quantidade de propaganda política que é vendida como "filosofia" a crianças indefesas. Ainda estamos a tempo de evitar este crime.
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2. As mídias sociais estão inundadas por notícias falsas. E notícias falsas levam os leitores a atos tresloucados –um deles, informa esta Folha, entrou numa pizzaria de Washington e começou a disparar. Parece que a pizzaria servia de fachada para uma rede de pedofilia liderada por Hillary Clinton, diziam as "notícias".

Felizmente, não houve mortes.

Leio sobre este admirável mundo novo e penso em Nelson Rodrigues. Eu sei: ando obcecado por ele. Paciência. Sou obrigado a repetir aqui o que não me canso de escrever em todo lado.

Nelson Rodrigues é admirável por muitas razões: a beleza da prosa, as obsessões do autor, os aforismos fulminantes e aquela deliciosa "escrita corretiva", que avança e recua ao sabor do pensamento –e das teclas da máquina.

Mas se tivesse que escolher um tema que ocupava e preocupava Nelson com a força de "uma tempestade de quinto ato de Rigoletto", seria a emergência e a onipresença do idiota.

Escrevia Nelson que, antigamente, o idiota conhecia a sua própria idiotia. Sentia certa vergonha. Caminhando pela rua, encostava na parede e, com deferência, deixava passar quem não era idiota.

Mas certo dia houve um membro da espécie que ganhou coragem, subiu no caixote e resolveu testar a humanidade com as suas proclamações idiotas.
Surpresa: os restantes idiotas saíram dos seus buracos e constataram que o mundo era deles. Numericamente falando, as existências clandestinas não tinham razão de ser.

Os idiotas tomaram conta de tudo –governo, empresas, hospitais, universidades. E os outros, que não eram idiotas, passaram a fingir-se idiotas por medo dos verdadeiros idiotas.

Nelson Rodrigues escreve essa epopeia com a força e a beleza de um Wagner. E eu só lamento que nunca tenha existido um compositor e um libretista para levar ao palco esta ópera fortemente visual, visceral, universal. E mais contemporânea do que nunca.

Pode ser que as notícias falsas sejam o estímulo que faltava.

Cúpula no Paraná

Seria uma reunião de cúpula, não fossem as circunstâncias: Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara; Sérgio Cabral, ex-governador do Rio, recém-chegado; Antonio Palocci, ex-ministro dos governos Lula e Dilma; Marcelo Odebrecht, ex-presidente da Odebrecht; e “Leo” Pinheiro, ex-presidente da OAS.

O mais velho, Pinheiro (65 anos), é quem mais incomoda vizinhos com disfunções. Está condenado a 26 anos, em regime fechado.

O mais jovem, Odebrecht (48 anos), é quem melhor conhece aquelas celas apertadas (3m x 4m). Por acordo, sua pena caiu de 19 para dez anos. Fica preso até a primavera de 2017.

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O mais introspectivo é Cunha (58 anos), acusado de suborno num obscuro negócio da Petrobras na África. Devora o tempo lendo peças de processos entre a bancada e a cama de alvenaria, de onde enxerga, pelas grades, pedaço do corredor vazio e os vizinhos de frente.

Depois de 54 dias na cadeia, ele espera ganhar do Supremo um habeas corpus que lhe permita sair do cativeiro de Curitiba e voltar à aprazível residência na Barra, no Rio.

Apostava em maioria na segunda turma do Supremo, composta pelos juízes Gilmar Mendes (presidente), Teori Zavascki (relator), Celso de Mello, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli. Tinha expectativa de vencer, na sessão de hoje, por três votos a dois. Ontem à noite, porém, o caso foi retirado de pauta.

Agora, é provável que o pedido de Cunha seja examinado durante o recesso do tribunal, que começa na próxima terça-feira, 20, e vai até fevereiro. A decisão seria de um juiz-plantonista.

Um desfecho favorável a Cunha é aguardado em Brasília como consequência natural do “entendimento” da semana passada, quando o Supremo evitou expulsar Renan Calheiros (PMDB-AL) da presidência do Senado — até agora, ele só está excluído da linha sucessória.

Esse acordo — futuro acórdão — demonstra que juízes de cortes superiores são políticos de toga. Um dos artífices foi Gilmar Mendes. Estava em Estocolmo, a dez mil quilômetros de distância, mas exauriu-se em telefonemas ao Supremo e ao Senado com sugestões, algumas recebidas e até aclamadas pela defesa do senador-réu.

O interesse na liberação de Cunha é de quem teme efeitos de sua potencial delação combinados aos da Odebrecht, num ambiente de instabilidade marcado por aumentos na rejeição ao presidente (20 pontos em cinco meses) e na desconfiança sobre o rumo da economia.

O governo decodificou a mensagem de Cunha nas 41 perguntas que endereçou ao presidente Michel Temer, sua testemunha de defesa. O juiz Sérgio Moro censurou 21 delas, por “inapropriadas” ao processo.

Entre as proibidas, algumas se referiam ao eventual conhecimento de Temer sobre crimes na Petrobras. Outras indicavam suposto fluxo de dinheiro de fornecedores da estatal para “eleição de Vossa Excelência ou do PMDB”. Cunha citou encontros no 377 da Rua Bennett e 470 da Avenida Antônio Batuíra — casa e escritório paulistano de Temer.

O lenitivo político-judicial a Cunha, se bem-sucedido, seria aplicável a causas análogas. Beneficiaria outros acusados de corrupção. Principalmente, chefes políticos insones com a aflição do amanhã, quando alguém pode aparecer na porta de casa gritando:

— Vem pra cá. Você ganhou viagem grátis para reunião de cúpula com Palocci, Zé Dirceu e Cabral no Paraná.

José Casado

Um sucesso até em barbearia

Flash Mob Jazz Live, numa barbearia de Brighton (Inglaterra), tocando  Mr Sandman

Um futuro melhor

O momento é de ver o futuro através da névoa espessa que envolve nossa conjuntura. Não é fácil. Todos os dias a mídia nos apresenta a dimensão da crise. Às vezes, com exagero. Mesmo assim, com um pouco de cabeça fria podemos observar que estamos em transição. E que os vetores do futuro já estão postos.

O primeiro deles é o caráter transnacional do controle da corrupção. Empresas nacionais e estrangeiras estão submetidas a um conjunto de regras internacionais que afetam os negócios no Brasil. Tal fato nos leva ao segundo vetor: a emergência do compliance. Qualquer empresa razoavelmente organizada deve seguir mecanismos rígidos de controle de suas ações quanto ao relacionamento comercial e institucional. Esse aspecto traz, ainda, aquilo que o jurista Torquato Jardim (CGU) aponta na República compartilhada: o público e o privado têm iguais responsabilidades para com a cidadania em relação à ética, à transparência e aos bons costumes para o bom funcionamento do País.

Os dois primeiros vetores influenciam decisivamente o terceiro: o nível de transparência dos governos. Já ocorrem, ainda que em meio à grande resistência “corporativista”, movimentos que forçam a redução da opacidade do Estado. Tais mecanismos devem ser mais bem utilizados pela sociedade civil e reforçados pelo Poder Judiciário.

O terceiro vetor embute um subvetor: a crescente intolerância com o corporativismo, que exaure os cofres públicos e, em troca, oferece serviços públicos precários à cidadania. A pressão será cada vez maior. Enfrentar o dilema da qualidade do serviço público ante seu custo é parte de nosso futuro imediato.

O quarto está no naufrágio do modelo fiscalmente irresponsável de gestão pública. Não há como manter governos que não sejam fiscalmente responsáveis. A busca pelo equilíbrio fiscal é a tônica das políticas públicas e a chave para a retomada de um ciclo de crescimento econômico sustentável.

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Dois outros eixos se relacionam com a Operação Lava Jato. Um se refere ao financiamento de campanha. Sem dinheiro empresarial teremos eleições mais realistas. Longe do ideal, mas é melhor do que era. As eleições municipais recentes, ainda que problemáticas por fraudes e violência, foram infinitamente mais justas quanto ao uso de recursos. O fim do financiamento empresarial nas campanhas é um marco decisivo para a construção de uma nova política.

Outro eixo decorre da explosão do modelo capitalista tupiniquim, que se amparava numa roda da fortuna de financiamentos (por dentro e por fora) no mundo político visando a obter contratos com empresas públicas e o governo. O esquema não vai funcionar mais. O modelo que emerge no pós-Lava Jato será mais limpo e transparente, com relações mais adequadas aos interesses da República. Sem regras mais claras não haverá investimentos para a retomada do crescimento econômico. Tradicionais soluções “meia-boca” não funcionarão mais.

Apenas como exercício de imaginação: como será a política sem o financiamento empresarial e com teto de gastos mais realista, conforme determinado pelo Congresso? Como serão as licitações, sem as maracutaias de antes? Serão elementos de um mundo novo.

Para completar o cardápio de vetores, devemos mencionar tanto a sociedade quanto as instituições. Temos uma sociedade hoje mais interessada em política. Mesmo que esse interesse se revele em elevados níveis de abstenção de voto, como nas últimas eleições. O aumento do interesse pode ser medido nas redes sociais, nos movimentos e na dinâmica dos debates. Estão muitos claras a rejeição ao populismo clientelista corrupto e a vontade de debater o que desejamos ser como nação.

Por mais que muitos vejam certo radicalismo fundamentalista no ativismo judicial, o que contamina setores da imprensa, o tempo se encarregará de limar as arestas. Às instituições caberá fazer com que o radicalismo seja contido e o bom senso prevaleça. São tempos de chamamento às responsabilidades. E, creio, teremos lideranças capazes de enfrentar tais desafios.

As linhas de observação sobre o futuro que traçamos aqui já têm causado efeito real e concreto em nossa realidade. Não são só expectativas, são realidades em construção. A primeira prova é a questão do financiamento de campanhas políticas. A segunda é a aprovação, ainda que parcial, de uma série de medidas de cunho fiscal, como a DRU, a Lei de Responsabilidade das Estatais e a PEC do Teto dos gastos.

A terceira constatação está nas medidas de reconstrução de nosso capitalismo: as novas regras do pré-sal, as novas regras para a telefonia, o debate sobre a terceirização da mão de obra, o novo programa de parcerias de investimento e as novas regras para as concessões em vigor. Em breve deverá ser aprovado o fim da restrição do jogo no País, proibição mais do que anacrônica. Apenas no Rio de Janeiro, segundo a Fundação Getúlio Vargas, mais de R$ 1 bilhão são movimentados por ano com jogos ilegais. O governo nada recebe em impostos. Além disso, esse dinheiro alimenta uma cadeia de outros ilícitos mais graves.

Evidentemente que, em meio ao espesso nevoeiro em que vivemos, avistar um futuro melhor é complexo. Somos sensibilizados excessivamente pelo alarmismo das manchetes na linha do que dizia o empresário Roberto Civita: “Good news are bad news”. De acordo com o escritor Mario Vargas Llosa, vivemos uma civilização do espetáculo. Devemos ter cuidado e fazer uma leitura crítica das informações veiculadas para que possamos tomar decisões adequadas com relação ao nosso futuro e, em especial, nosso trabalho, nossos filhos e familiares.

O Brasil, em sua velocidade peculiar, e graças a seu caráter periférico na globalização, avança devagar. Em tempos de crise, aperta o passo e tende a ganhar terreno. A crise atual está sendo benéfica, sem dúvida, para o futuro. Ainda que as dores de hoje e o brilho feérico da civilização do espetáculo teimem em mostrar que não.

Eita, Congressinho imprudente!

Haja crise, gerada pela imprudência de legisladores que só tratam de rame-rame e venham a nós e ao vosso reino, nada!
José Nêumanne
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A lei Renan

O Brasil tem uma porção de leis com nomes, tipo Lei Áurea, Lei Rouanet, Lei Maria da Penha, etc... Agora tem mais uma: a Lei Renan, assim brilhantemente batizada pelo Boechat no Jornal da Band.

A partir de quarta-feira, por decisão do Supremo, o senador vive sob o império da sua própria lei, enquanto nós, 200 milhões de cidadãos comuns, temos que nos submeter à parafernália de leis que existem.

O Brasil tem lei para tudo, vítima de uma fúria legiferante que assolou e assola o país. Agora temos mais uma, que vale apenas para uma pessoa.

O Renan vai ficar na presidência da casa até o fim do seu mandato, na linha do daqui não saio, daqui ninguém me tira.

Renan prejeto de lei pl 280 lei de abuso de autoridade brasileiro acrescenta item cadeia para senadores que criarem leis para tentar salvar a propria pele

E não tira mesmo, nem o clamor das ruas, de uma sociedade que sente vergonha de ter na presidência da câmara alta um personagem que é réu por crime de peculato e que está indiciado em mais de uma dezena de outros processos, muitos dos quais ligados à Lava Jato.

O representante das Alagoas desafiou o STF e ganhou a parada. Segundo o jurista e ex-ministro Eros Grau, “é muito grave o descumprimento... Até que a decisão seja revogada, ela vale e deveria ser cumprida”.

O presidente do Senado ignorou, não deu a menor bola para a liminar expedida pelo Ministro Marco Aurélio Mello e enxotou o oficial de justiça que pretendia lhe entregar o documento que o removeria do seu castelo. Nunca se viu uma coisa dessas na história deste país.

E enquanto a esbornia campeia, lá vamos nós no rumo do império do salve-se quem puder...

Dizem que as instituições estão funcionando bem… Pergunto: estão mesmo quando deputados legislam em causa própria na calada da noite para se defender do xilindró que para muitos deles se aproxima? Está funcionado bem o executivo, paralisado pelos escândalos envolvendo seus ministros, que perdem a boca à razão de um por mês, numa sucessão de fatos lamentáveis sem precedentes? Está funcionando bem o judiciário, quando a mais alta corte se rende a Renan Calheiros?

Tenho minhas dúvidas, que crescem a cada dia que passa.

Jornalista de barba branca, não me lembro de uma crise de tamanhas proporções e de tamanha gravidade como a que estamos vivendo.

Vamos sair dessa?

Temos que sair. Não temos alternativa. Esta é a nossa terra e por ela temos que lutar até o fim.

Mas a verdade é que o fosso entre os poderes de Brasília e a sociedade se aprofunda cada vez mais.

Não adiantaram nada as manifestações de rua do último domingo com o grito “fora Renan”.

A ordem do dia é “fica Renan”, valendo-se da aplicação despudorada da jurisprudência lewandowski/dilmista de fatiar as sentenças.

Uma afronta.

Não se trata de discutir se a liminar concedida a pedido da Rede Solidariedade pelo Ministro Marco Aurélio foi apropriada ou não, se a saída de Renan a esta altura do campeonato e a entrega da presidência do Senado ao PT é boa ou ruim. Há quem diga que o Ministro Mello atropelou os fatos, foi com muita sede ao pote e criou um impasse institucional desnecessário. Mas o fato é que a lei tinha que ser obedecida, “duela a quem duela”, como diria o ex-presidente Fernando Collor, se é verdade que estamos num estado democrático de direito.

E não foi. Simples assim.

Para a maioria da sociedade brasileira, o Ministro Marco Aurélio atendeu o clamor das ruas. Foi festejado, ainda que por muito pouco tempo. Até que o plenário do STF o desautorizou. Eu, que não sou Ministro, teria me sentido envergonhado e pendurado as chuteiras, ainda que de forma melancólica.

Mas nada disso vai acontecer.

Vai ficar tudo como dantes no quartel de Abrantes.

Enquanto isso, como diria Federico Fellini, “la nave vá”...

Para onde, ninguém sabe, já que a confusão é generalizada.

Além deste “imbróglio” jurídico institucional, a economia vai mal e não dá sinais de melhora. Antes pelo contrario: analistas já estão revisando as projeções do PIB de 2017 para baixo, indicando mais um ano de recessão.

Vivemos em constante sobressalto.

Quando a gente pensa que as coisas vão melhorar, somos surpreendidos por acontecimentos que nos deixam perplexos.

É justamente esta perplexidade que, infelizmente, nos faz concluir que a perspectiva é pior do que a realidade.

Pelo menos no curto prazo.

Faveco Corrêa

Não é de espantar!

Os resultados do Programa Internacional de Avaliação - o PISA, divulgados na última semana, não trazem qualquer novidade a respeito da qualidade da nossa educação básica, em particular do ensino médio.

A cada triênio, procuramos entender a razão para tal tragédia, como intitulou o Ministro da Educação.

Quando se fala de matemática e português, é mais fácil perceber que elas se concentram na fraqueza dos conteúdos programáticos, na ausência de professores qualificados e na lentidão das reformas necessárias e indispensáveis.

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No que concerne à Ciências, disciplina avaliada pelo PISA em 2015, entendo que a nossa maior dificuldade reside na forma de organização das disciplinas, na medida em que certos conceitos, já utilizados na maioria dos países melhor classificados, jamais foram introduzidos por aqui. Um deles é o da transversalidade dos conhecimentos, que deveria impor uma nova forma de transferência de conteúdos aos estudantes.

A sociedade do conhecimento impõe, cada vez mais, uma articulação entre as várias disciplinas, tornando mais clara e mais motivadora a aprendizagem. Não me parece razoável continuarmos a insistir no ensino de física, por exemplo, sem mostrar as suas aplicações no mundo em que vivemos. Da mesma forma, quando em biologia ensinamos a fotossíntese, é fundamental abrir os olhos do estudante para as suas relações com a química.

Outro aspecto determinante do êxito no ensino de Ciências está na experimentação, o que exige a existência de laboratórios minimamente equipados, ausentes na maioria esmagadora das escolas de educação básica.

Em 1956, conscientes da importância do ensino laboratorial, os Estados Unidos desenvolveram um programa de apoio ao ensino de Física, entre outras, denominado PSSC (Physical Science Study Committee) que, utilizando as universidades, gerou livros-texto, orientação para experimentos, equipamentos facilmente acessíveis para escolas e professores, e programas de qualificação e treinamento de docentes.

Tivemos algumas tentativas de trazer tais programas para o nosso país, mas que acabaram por ser esmagadas pelas estruturas curriculares inadequadas, já que as nossas, além de extensas e mal organizadas, limitam-se ao ensino genérico, sem qualquer ligação com a realidade e com a vida diária.

Outro problema que insistimos em não resolver é o da formação de professores.

Em primeiro lugar há poucos, aliás, pouquíssimos, professores de Ciências. Ainda estamos compartimentando as Ciências da natureza nos cursos de licenciatura, deixando de lado uma preparação dos futuros docentes numa ótica transdisciplinar e abrangente.

Além disso, não orientamos os professores para um novo processo pedagógico, que está exigindo cada vez mais o trabalho em grupo, a realização de atividades presenciais orientadas, o estímulo ao auto estudo, numa época em que ficou mais fácil chegar a informação. Hoje os acessos ao Google são superiores a 90 bilhões por mês, dos quais cerca de 15% com expressões nunca antes utilizadas.

Quantos dos nossos professores de ciências tiveram contato com as novas tecnologias da informação e da comunicação (NTIC)? Há ainda quem entenda que elas interessam exclusivamente aos que vão trabalhar no âmbito da educação a distância, o que consiste num gravíssimo equívoco, pois sem elas não se pode construir um ensino participativo, com o deslocamento do ensino-aprendizagem da informação unidirecional do professor para o aluno.

Enquanto isso, passamos os anos a discutir, sem concluir, a reforma do ensino médio. Já são mais de 20 anos. Tomara que este resultado do PISA nos motive e nos pressione para mudanças necessárias e urgentes.

Paisagem brasileira

Casinha da Serra da Canastra – ao fundo a Cachoeira de Casca D’Anta:
Serra da Canastra e cachoeira de Casca D’Anta

Vão-se

Dilma alega que é honesta porque nunca teria embolsado dinheiro. Para ela, não importa se pediu, aceitou constrangida ou ignorou a origem suja do dinheiro que irrigou suas duas campanhas presidenciais.

Por suposto, é irrelevante que ela tenha fechado os olhos aos autores diretos da roubalheira que emporcalhou os governos de Lula, dos quais fez parte, e também os dela.

Desse posto de vista, e a não ser que se prove que ele roubou diretamente, Lula também seria um político imaculado. Desconhecia que dinheiro de propina destinada ao PT pagou suas milionárias conferências.

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Nada demais que tenha lucrado algum como lobista de empreiteiras no exterior, enquanto aqui intercedia por elas junto a Dilma e ao Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES).

O que Lula poderia ter feito para impedir que as construtoras Odebrecht e a OAS reformassem de graça um sítio de terceiros onde ele e a família descansam após longos períodos de estresse?

Lula insiste em dizer que não faz a menor ideia da razão que levou a OAS a reformar de graça o tríplex do Guarujá que dona Marisa tanto queria, mas ele não.

Quanto ao enriquecimento súbito dos filhos... Deveu-se ao talento deles, ora.

Basta! Vão-se.

Jogaram o país no buraco. Fizeram um tremendo mal à democracia

Ricardo Noblat

Explique

28+ Imagens que criticam a sociedade de forma ácida, mas muito bem-humorada:
John Holcroft/
A Venezuela sofre uma crise semelhante a de países em guerra civil. Faltam abastecimento, remédios, serviços, energia. E no meio de tal balbúrdia, a taxa anual do cartão de crédito por lá é de apenas 29% ao ano. 

A Argentina, que também não anda bem lá das pernas, tem uma taxa anual de 43%.

E o Brasil, com todo o poderio econômico, mas com uma crise de nível bem menor do que aqueles dois, esbanja em cartão de crédito. É campeão mundial com taxa de 436% ao ano.

Café para viagem, lixo para as cidades


Há séculos, o ato de sentar e tomar um café faz parte cultura europeia. Mas nos últimos anos, o número de bares e lanchonetes oferecendo "coffee to go" (café para viagem) tem disparado, assegurando a dose de cafeína diária àqueles que só conseguem tempo para saborear a bebida a caminho do trabalho.

Só na Alemanha, cerca de 15% do café é consumido dessa forma – em torno de um terço disso em copos descartáveis. Os montes de copos descartáveis transbordando das latas de lixo nos centros urbanos são apenas um pequeno indício das consequências ambientais originadas da conveniência.

Com 70% dos alemães se definindo atualmente como consumidores "particularmente frequentes" ou "ocasionais" de "bebidas para viagem", cerca de 320 mil copos descartáveis de café para viagem são usados ​​em toda a Alemanha a cada hora, o que equivale a quase 3 bilhões por ano.

Um estudo realizado pela empresa de pesquisa de mercado TNS Emnid mostrou que só em Berlim cerca de 460 mil de copos descartáveis de café são consumidos todos os dias – e a linha de produção começa a cobrar seu preço. Emissões de CO2 de cerca de 83 mil toneladas são geradas todos os anos para a produção de copos descartáveis de café para viagem consumidos na Alemanha.

Quase não é usado papel reciclado na produção dos copos descartáveis, significando que cerca de 43 mil árvores têm que ser cortadas anualmente para acompanhar a demanda de copos descartáveis da Alemanha. Em resposta a legislações da UE e da Alemanha, que exigem que os fabricantes assegurem que substâncias tóxicas não vazem em recipientes de alimentos ou de bebidas, as empresas começaram a só usar materiais virgens em embalagens.

Mas o problema não é apenas o copo. Adicione revestimento de polietileno, que impede o copo de encharcar, uma tampa de plástico, a ocasional haste para misturar o açúcar, o papelão adicional para ajudar a pegar o copo muito quente sem queimar as mãos – e o que originalmente era um copo parece querer se assemelhar a um pequeno conjunto para jantar.

Confrontados com o crescente impacto ambiental do amor alemão pelo café para viagem, a organização ambiental Deutsche Umwelthilfe (DUH) cobra um esforço conjunto para que seja criado um sistema uniforme de reciclagem.

Thomas Fischer, chefe de gestão de reciclagem na DUH, afirma que há duas soluções possíveis para reduzir o número de copos descartáveis em circulação. "Precisamos melhorar o apelo de copos reutilizáveis e tornar o uso de copos descartáveis menos atraente", propõe.

"É encorajador ver que algumas empresas já estão oferecendo encher copos térmicos de café, por exemplo. Mas às vezes isso não agrada muito ao consumidor. Os clientes têm que planejar levar seu copo e carregá-lo antes e depois de tomar seu café", explica.

Diferentemente de lanchonetes que simplesmente oferecem recargas, o DUH propõe um "sistema de depósito" linear, em que consumidores de café pagariam um depósito para um copo reutilizável na compra de sua bebida. Quando terminam,eles podem devolver o copo para qualquer empresa participante e receber de volta seu depósito.

"Vários estados estão trabalhando em acordos voluntários com restaurantes e cadeias de cafeterias", ressalta Fischer. Projetos-piloto já estão sendo implementados em cidades como Rosenheim e Hamburgo.

Saudades do trem pagador

É de conhecimento geral o episódio da greve da Rede Mineira em que os pressurosos assessores do então governador Milton Campos, de Minas Gerais, insistiam na repressão policial e militar para a contenção do movimento, que eclodiu na prisca era de 1949, a exigir o pagamento dos salários atrasados.

Diante de propostas que mais ofendiam os empregados do que aliviavam o governo, surge a manifestação ímpar de Milton Campos, que, como de costume, bastante, lógica e serena dirige aos áulicos: não seria melhor se mandássemos o trem pagador?

Muitos dos governadores não possuem a sensibilidade social e a estatura humanística de Milton, exemplo secular de civismo e coerência. Cuidaram de preencher o noticiário com cenas de calamidade e não se dignaram colocar como de primeira necessidade a liquidação da folha de pessoal, pois, todos com salários defasados, a gratificação natalina deixou de ser gratificação há longo tempo, como também não supre mais a festa natalina, assumindo o caráter respeitável e sagrado de prestação de alimentos, e, por isto mesmo, se encontra no nível doutrinário que qualifica e exige integral cumprimento a seu tempo. Não há, em toda a extensão da administração, obrigação estatal mais pura e nobre do que a submissão a esta responsabilidade, já que a saúde, que por ela poderia concorrer em preferência, não tem precedência sobre a obediência ao salário, responsável este pela subsistência humana, nossa preocupação primeira.

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A par desta natureza, o Estado faz coincidir a alegada calamidade financeira com despesas afrontosas e absolutamente desnecessárias para o povo, porém indescartáveis pelos governadores, tal qual é a verba (sempre caudalosa) destinada e empregada para exaltar a figura pessoal de cada um deles em ações supostamente administrativas e supostamente em execução. É o que se observa neste nosso quotidiano surrealista e kafkiano, em que mostras exibicionistas de fantásticas (por vezes delirantes) realizações procuram exaltar o governante eleito, como prova do acerto na escolha popular. A par, a calamidade financeira !

Assim, quanta saudade se apossa de nós quando sabíamos, principalmente os servidores públicos, que, à frente de todos, se encontrava um verdadeiro líder, que consentia em ser o protetor de seu pequeno exército civil, coroando suas preocupações em gestos que claramente os apontava como pai. Exemplo recente de convicção social que lhe infundia o cargo e seu exercício foi dada pelo também saudoso Itamar Franco, homem de posições firmes, sempre atento ao bem estar do povo, como fez provas sucessivas no exercício da presidência e, depois, ao governar Minas. Itamar era abundante em iniciativas de engrandecimento e conforto do povo e dos servidores, à medida que extremava atitudes em favor daqueles menos desamparados e em benefício do verdadeiro interesse público.

Diante dessa Minas do passado, não se apodera de nós outro sentimento senão o nostálgico pesar de que tais cônsules não surgem mais.

José Maria Couto Moreira