quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

O copo da utopia

Visitei Cuba em 1994, no auge do Período Especial, o termo orwelliano escolhido pelo regime castrista para batizar a crise trágica derivada da implosão da URSS. Casualmente, encontrei-me em Havana com uma ex-aluna, que estava furiosa com um motorista de táxi atrevido o suficiente para queixar-se do governo. A jovem brasileira, encantada com o mito da Revolução Cubana, pensava em denunciar à gerência do hotel (isto é, na prática, ao governo) o taxista que “manchava” a “imagem de Cuba”. Lembrei-me do episódio acompanhando a cobertura da morte de Fidel Castro. Com honrosas exceções, a imprensa prestou lealdade ao ícone revolucionário, virando as costas, em indisfarçável desprezo, aos cubanos comuns.

Os jornais encheram-se de declarações de estadistas, inclusive de nações democráticas, prestando homenagem a uma figura que, “embora controvertida”, teria desafiado o imperialismo, promovido a soberania de Cuba e oferecido justiça social a seu povo. Nas capas e nos textos internos, sobraram palavras épicas, especialmente “História” e “Revolução”, que costumam ganhar o adorno da inicial maiúscula. Na TV, de correspondentes brasileiros, ouvi panegíricos a Fidel que seus próprios aduladores cubanos já têm vergonha de entoar. Tanto quanto os estadistas, os jornalistas beberam avidamente no copo da utopia, enterrando a realidade factual sob pilhas espessas de sentenças ideológicas.

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Fidel entrou no barco de Caronte, na derradeira jornada rumo ao submundo, exatos 60 anos depois de embarcar no iate Granma, na madrugada de 26 de novembro de 1956, para a viagem que conduziu seu grupo de revolucionários do México à Sierra Maestra. Durante mais de meio século, os nomes “Cuba” e “Fidel” foram pronunciados juntos, como se a nação fundada por José Martí não pudesse existir sem seu supremo “Comandante”. Mas, confundindo os repórteres, o peso incalculável dessa história não produziu cenas dramáticas, emocionais, nas ruas de Havana.

Queria-se luto fechado, dor lancinante, declarações de amor incontido. No lugar disso, os estrangeiros testemunharam um país anestesiado: ruas mais ou menos vazias, uma normalidade sem buliço ou bebidas alcoólicas, a resistência a conceder entrevistas, parcas declarações estandardizadas. Os repórteres fingiram não ver o medo — e se recusaram a espiar dentro dos lares. Na segurança dos espaços privados, longe dos ouvidos de vizinhos nem sempre confiáveis, pronunciaram-se frases inconvenientes, abriram-se garrafas de rum, alguns até mesmo brindaram. Os jornalistas deveriam saber que Cuba, afinal, não é o equivalente de Fidel.

As lições sobre o medo estão à mão, em incontáveis relatos. Um exemplo é suficiente. O dissidente soviético Natan Sharansky tinha 5 anos quando morreu Stalin. Seu pai explicou-lhe, então, “que Stalin era uma pessoa horrível, que matou muitas pessoas”, mas pediu-lhe a maior discrição: “Faça o que todo mundo fizer”. Natan obedeceu. “Fui para a escola e chorei junto com todas as crianças e cantei com todas elas as músicas que diziam quão grande foi Stalin”. A dissociação entre o gesto público e o privado, entre o que se diz e o que se pensa, é uma marca inconfundível da vida cotidiana nos regimes totalitários. Sharansky: “Isso é como funciona a mente de um cidadão leal, você faz tudo o que te mandarem fazer. E, ao mesmo tempo, você sabe que tudo é mentira.”

Nos dias seguintes à morte de Fidel, o regime castrista prendeu, uma vez mais, o grafiteiro El Sexto, que desenhara numa parede a frase “Já se foi”, e proibiu um encontro do Centro de Estudos Convivência, um grupo apartidário, cuja pauta era discutir perspectivas sobre a educação e a cultura em Cuba. As duas notícias, tão reveladoras, quase não apareceram na imprensa internacional, devotada a entrevistar, interminavelmente, o “cidadão leal” que faz tudo o que os outros fazem. Os jornalistas prestam homenagem à História, traindo seu compromisso profissional de contar histórias.

O britânico “The Guardian”, um jornal de referência, publicou uma reportagem convencional, pontilhada de declarações de praxe de cubanos comuns, geralmente elogiosas ao “Comandante”. Na nota de rodapé, esclarece-se burocraticamente que os nomes dos entrevistados foram ficcionalizados. O “cidadão leal” teme ver seu nome reproduzido em páginas impressas, quando fala de Fidel, mesmo se o elogia — e isso não faz soar um alerta entre os repórteres, redatores ou editores! No caso singular de Cuba, a imprensa normalizou as engrenagens do totalitarismo, tratando-as como um relevo habitual da paisagem.

“A História me absolverá”, vaticinou Fidel em 1953, da cadeira de réu no julgamento em que foi condenado pelo ataque ao quartel Moncada. O jovem Fidel invocava a história para enfatizar a carência de legitimidade dos juízes que serviam à ditadura de Fulgêncio Batista. Mas a curiosa ideia da História como um tribunal de última instância, o equivalente comunista do Juízo Final dos cristãos, cumpre a função de uma assepsia moral. Diante da imponente Senhora Juíza, qual é o valor de nossos princípios políticos ou de nossa bússola ética? Na sua maioria, os analistas da imprensa inclinaram-se, respeitosamente, à exigência castrista do julgamento pela História, um privilégio que, com razão, jamais concederam a tantos outros ditadores.

A Cuba castrista justificou a ditadura em nome da proteção de um sistema econômico socialista. Hoje, o próprio Raúl Castro admite a falência desse sistema e promove reformas de mercado — mas conserva, a todo custo, o poder ditatorial do Partido Comunista. O copo da utopia secou antes da morte de Fidel, quando o regime decidiu substituir o socialismo selvagem por um capitalismo simetricamente selvagem, que não abrange liberdades políticas, autonomia sindical ou direitos trabalhistas. Teimosos, porém, os jornalistas continuam reunidos em torno de um copo vazio.

Demétrio Magnoli 

Criminalização da sociedade

Diz a Constituição da República que “todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos da Constituição” (artigo 1.º, parágrafo único). A disposição é de fácil compreensão e não deixa dúvidas – ao menos não deveria deixar: o poder pertence ao povo. O Legislativo deveria canalizar a voz das ruas, a vontade popular, e não interesses privatísticos deste ou daquele grupo, na medida em que exerce função pública, isto é, atividade em nome e no interesse da coletividade.

Lamentavelmente, o Brasil vem assistindo a manobras direcionadas a minimizar a funcionalidade do sistema de combate à corrupção. A Câmara dos Deputados, de forma surpreendente, na madrugada desta quarta-feira, além de desconfigurar o projeto apresentado pelo Ministério Público Federal (as conhecidas Dez Medidas Contra a Corrupção), fruto do apoio de mais de 2 milhões de assinaturas, incluiu proposta de responsabilização pessoal de juízes e promotores.

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O que mais causa estranheza é a tentativa de implementação de tal medida justamente no momento mais importante da história do Brasil no combate à corrupção. Medida que visa a beneficiar os próprios parlamentares e, coincidentemente, é apresentada em período de avanço da Lava Jato com a iminência de homologação de delação premiada implicando centenas de políticos. O Judiciário exerce protagonismo no combate à corrupção e, por isso mesmo, tornou-se alvo permanente de ataques. A ministra Cármen Lúcia, na abertura da 32.ª Sessão Extraordinária do Conselho Nacional de Justiça, ressaltou que “criminalizar a jurisdição é fulminar a democracia. Eu pergunto: a quem isso interessa? Não é ao povo, certamente. Não é aos democratas, por óbvio”.

O Judiciário é a última salvaguarda do cidadão. É porta que sempre está aberta, nunca se fecha. Não há democracia sem Judiciário forte. Apenas a independência funcional do juiz, em sua plenitude, é capaz de manter a funcionalidade do Estado Democrático de Direito. O que se viu na madrugada desta quarta-feira é, portanto, a criminalização da própria sociedade por meio do enfraquecimento de instituições que estão combatendo com rigor a corrupção. A esperança é de que, com o apoio da população, a medida seja barrada no Senado.

Frederico Mendes Junior 

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Nature Photography by Oer-Wout
Oer-Wout

Esses deputados que votam o que querem, de madrugada, de costas para povo de luto

Estava quase amanhecendo (eram 4h19) quando a maioria dos deputados do Brasil, escolhidos pela sociedade nas urnas, aprovou o pacote com dez medidas contra a corrupção, apoiado por dois milhões de assinaturas, desfigurando-o a tal ponto que quase nada restou do texto original.

O Brasil ainda estava comovido com a tragédia da queda do avião que levava o time da Chapecoense à Colômbia, com 71 mortos. O presidente Michel Temer decretara três dias de luto nacional, e a quase totalidade dos partidos, começando pela oposição do Partido dos Trabalhadores (PT), não esperou nem o fim do luto para aprovar, deformando-o, um texto de tamanha importância.

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Não só o documento ficou aguado e quase irreconhecível como também foi introduzida, na surdina, uma medida polêmica neste momento em que a Lava Jato está processando políticos e empresários acusados de corrupção: castigos a juízes e procuradores, incluindo a prisão, por crimes de abuso de responsabilidade.

Uma medida que em si parece justa, já que nenhuma instituição está acima da lei, mas que neste momento, e aprovada na calada da noite, e com dezenas de deputados investigados por corrupção, soa a provocação.

Não é a primeira vez que a Câmara dos Deputados aproveita um momento de distração da sociedade e, sempre a altas horas da noite, para aprovar medidas polêmicas, invariavelmente em benefício próprio e sem dar tempo para que a sociedade, à qual devem responder, possa reagir.

A impressão que oferecem é que, uma vez votados nas urnas, os congressistas adquirem uma espécie de onipotência que lhes permite atuar como se não devessem prestar contas a quem os colocou ali.

Tudo isso faz com que a opinião pública brasileira demonstre a cada dia uma distância maior dos seus governantes, criando um fosso entre ambos.

Que a política está doente e que sofre neste momento uma forte crise de aceitação popular é algo que já foi dito até pelo presidente do Senado, Renan Calheiros, para quem o atual modelo é “patético e fracassado”. O que ocorre é que ele mesmo é alvo de 11 processos de suposta corrupção perante o Supremo Tribunal Federal.

A votação desta madrugada no Congresso, considerada nas redes sociais como uma “bofetada nas pessoas”, terá agora que ser ratificada pelo Senado. Será outro teste para avaliar o grau de respeito que o Senado da República manifestará pela opinião pública.

A última palavra terá o presidente Temer, se também o Senado ratificar o texto, já que ele tem poder de veto. Será outro teste importante para saber se é verdade, como disse Temer dias atrás, dirigindo-se à nação, que antes de mais nada os governantes precisam “escutar a voz da rua”.

A sociedade, nesta manhã, despertou incrédula ao saber que as dez medidas contra a corrupção, nas quais depositava tantas esperanças para purificar a política, morreram na praia.

Os analistas comentam que o ocorrido no Congresso demonstra com força a necessidade urgente de uma reforma política que ninguém ainda se atreveu a fazer.

Uma reforma que seja capaz de devolver à sociedade a confiança em seus governantes, já que ninguém oculta, pelo menos na teoria, que fora da política a democracia se debilita dando lugar a perigosas experiências autoritárias.

Os caras deslavadas

O presidente do Senado, Renan Calheiros, vai fechando seu período no posto com chave que não é de ouro, mas de material a ele assaz familiar: o cinismo. Aquele mesmo usado quando do rompimento com Fernando Collor, de quem havia sido líder na Câmara, procurando dar a impressão de que se afastava por razões éticas quando, na verdade, rompia em reação ao corte de recursos recebidos via Paulo César Farias para a campanha ao governo de Alagoas em 1990, depois que Collor deixou claro o apoio ao adversário, Geraldo Bulhões.

Daí em diante fez carreira nacional à custa da ingenuidade, da complacência e da cumplicidade alheias: foi ministro, note-se, da Justiça de Fernando Henrique Cardoso, quatro vezes presidente do Senado, uma renúncia ao cargo para escapar da cassação e campeão na quantidade de inquéritos acumulados no Supremo Tribunal Federal, que amanhã examina o primeiro de uma série de 12. Está prestes a tornar-se réu na ação em que figura como receptor de propina de empreiteira e usuário de documentos falsos.

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Pois nessa condição é que se faz (na ótica dele) porta-voz da defesa dos interesses nacionais. De um lado, partindo da correta premissa de que é necessário atualizar a legislação que responsabiliza civil, criminal e administrativamente atos de abuso de poder para atingir o torpe objetivo de mostrar aos órgãos de investigações quem é que manda. De outro, ontem partindo com truculência verbal para ataques ao sistema político, segundo ele, “fedido, falido, caquético, alvo de desconfiança da sociedade”.

Mesmo? Não fosse Renan Calheiros a dar o alerta continuaríamos a viver a ilusão de que o modelo pelo qual sua excelência e companhia se elegem, mandam e desmandam há anos seria cheiroso, florescente, vigoroso, objeto da mais absoluta confiabilidade na opinião do público. Determinados políticos quando fazem esse tipo de diagnóstico e defendem com veemência uma remodelação total nos meios e modos na política remetem à anedota do sujeito que rouba uma carteira e sai gritando “pega, ladrão”, no intuito de desviar de si as atenções.

Calheiros e demais mandachuvas do setor tiveram todo o tempo do mundo para consertar os defeitos que apontam. A começar pelas respectivas condutas. Não fizeram porque não quiseram. Uma reformulação virá, mas não nos moldes formais (e acanhados) propostos pelo Congresso.

Nascerá da incorporação na sociedade do sentido do primeiro artigo da Constituição: o poder emana do povo e, portanto, em seu nome deve ser exercido.

'Louco' entre loucos

Pencil drawings by Heikki Leis. Seriously, PENCIL.:
O senhor já leu a história do homem que viajou para o futuro e encontrou todos os loucos? Todos. Mas já que todos eram loucos, não sabiam que eram loucos. Todos agiam do mesmo modo, então achavam que eram normais. E o nosso herói era o único que não era louco e então era anormal; portanto, ele é que era o louco. Para eles, pelo menos
Ray Bradbury, "A pastagem"

O destino de Temer: Itamar ou Sarney

Os últimos dois dias na votação do impeachment coincidiram com uma impressionante sequência de indicadores econômicos que descrevem no detalhe a história atual. De um lado, explicam por que Dilma Rousseff foi condenada. Seu governo produziu e deixou de herança um enorme desastre, de longe a pior recessão do país. De outro, deixaram muito clara a pauta do governo Temer e os critérios para avaliar seu sucesso ou fracasso.

Não tem meio-termo: ou Temer encaminha a solução para o reequilíbrio das contas públicas ou cai numa administração medíocre, com inflação e sem crescimento. Destino Itamar ou Sarney. Na terça e na quarta saíram números das contas públicas. O que se deve notar: a receita caiu, em consequência da recessão, mas a despesa subiu.

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Reparem: o governo já está segurando gastos, o dinheiro para gastar encolheu e, assim mesmo, a despesa aumenta em termos reais, ou seja, acima da inflação. Todo mundo sabe por que isso acontece: as despesas obrigatórias, aquelas que aumentam qualquer que seja a situação econômica. E entre estas, o gasto com aposentadorias e pensões do setor privado.

É de espantar: o déficit da Previdência (INSS) subiu para R$ 72,3 bilhões no período de janeiro a julho deste ano. Trata-se de uma impressionante alta de 67,2% em relação aos mesmos meses de 2015. Tem mais: o déficit de todo o governo central foi de R$ 51 bilhões também nos primeiros sete meses deste ano. Comparando com o rombo da Previdência, que foi maior, fica evidente: faz-se economia em todos os gastos para financiar a Previdência.

Saem daí as duas agendas inevitáveis: colocar um teto à evolução dos gasto público total e a reforma da Previdência, sem a qual será impossível controlar a despesa geral. As duas propostas já existem e foram colocadas pela nova equipe econômica. Uma estabelece que o gasto de um ano será igual ao do ano anterior mais a inflação. Seria um forte limitador. Neste ano, como vimos, a despesa cresce 0,8% acima da inflação, enquanto a receita cai 6,0%.

Não tem como continuar assim. Também não será possível respeitar o limite sem uma reforma da Previdência que, como em qualquer outro país, estabeleça que as pessoas vão trabalhar mais, contribuir mais e se aposentar mais tarde. Todo mundo sabe disso. Sem essas reformas, haverá uma deterioração das contas públicas, com aumento da dívida, dos juros e com a redução dos investimentos nacionais e estrangeiros.

Aliás, o Banco Central deu o recado: sem ajuste fiscal, os juros não poderão cair. Se a taxa de juros não cair, o país não embala no crescimento. Não será possível reequilibrar as contas em dois anos e meio. Mas é possível, sim, encaminhar a solução. Isso feito, os investimentos voltam. Aliás, os números do IBGE sobre a atividade econômica no segundo semestre, conhecidos ontem, trazem sinais de recuperação.

Analistas, na maioria, acreditam que a recessão estará superada no final deste ano, com a volta do crescimento em 2017. Mas está tudo na base da confiança. Investidores se movimentam, prospectam oportunidades, mas tudo isso na expectativa de que o novo governo cumprirá a agenda do ajuste. Se a coisa se encaminhar nessa direção, a economia se move para a frente, com expansão do PIB já em 2017.

Se o pessoal perceber que o governo Temer vacila nas mudanças, aceita aumentos de despesa com reajustes do funcionalismo, por exemplo, topa uma aguada reforma da Previdência, a expectativa piora rapidamente. E o governo se arrastará na mediocridade. Há uma outra parte crucial da agenda: as privatizações e concessões. Se o governo está quebrado, só haverá investimento novo com dinheiro privado.

E este só entrará na jogo se houver um ambiente favorável. Isso exige remover um entulho ideológico e burocrático que quase criminaliza os negócios privados honestos. Aliás, caímos num incrível ambiente: liberdade para a corrupção e entraves para quem ganhar dinheiro honestamente. O que nos lembra que a Lava-Jato é parte necessária das reformas. Sarney, o primeiro vice do PMDB a assumir, fez tudo errado.

Itamar deu sorte quando chamou Fernando Henrique Cardoso, e este operou o milagre do Plano Real. Temer começou com uma boa equipe econômica e com alguns maus hábitos políticos, como o de ceder às corporações do funcionalismo. O jogo está em andamento.

A vida de Brian, segundo Monty Pithon

A terça-feira negra

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A Câmara vai continuar ouvindo a sociedade
Rodrigo Maia, presidente da Câmara

O Brasil acordou de luto na terça-feira pela tragédia da Chapecoense, na Colômbia, junto com um time de jornalistas. Mas não foi o desastre que cobriu de negro o país e empreteceu o verde da esperança.

A histórica terça-feira do Terror se abateu em Brasília - na Esplanada dos Ministérios e mais precisamente na Câmara. As quadrilhas de vândalos orquestrados, com caras cobertas, depredaram prédios públicos e carros. No plenário, enquanto o povo dormia para descansar do trabalho, deputados devidamente orquestrados, em sua própria defesa e de seus crimes, apedrejaram o pacote contra a corrupção, apoiado por mais de 2 milhões de assinaturas e avalizado pelo Ministério Público.

Os democratas de 2016 retaliaram um projeto de apoio popular com o mesmo fervor que Jarbas Passarinho, então ministro do Trabalho, em 1968, aplaudiu o AI-5: "Às favas, senhor presidente, neste momento, todos os escrúpulos de consciência”. A falta de escrúpulos de coturno e uniforme se repetiu de gravata, paletó e colarinho branco.

Os deputados fecharam a Câmara de vez ao povo. Lá mandam eles, e ninguém mais. A vitória da canalha foi mais uma derrota do país, hoje entregue à sanha da quadrilha mais perigosa que os ideais nacionalistas de 1964. Se diminuíram de deputados a milicianos para fazer justiça com as próprias mãos em favor próprio.

Cuspiram no rosto de cada brasileiro e decretaram estar acima da Justiça e que em seu nome ordenarão o que acharem justo para seus companheiros, amigos e comparsas. São seus integrantes os novos donos do país.

A legitimação do enriquecimento ilícito dos funcionários públicos ratifica a imunidade ao roubo e à pilhagem. A punição aos juízes, procuradores e Ministério Público é uma medida mais aterradora, impensável mesmo na ditadura. A independência da Justiça fica cerceada pelo Legislativo e em seu nome passa a ser exercida. A democracia, segundo a Câmara, é apenas uma fachada para o totalitarismo congressista. Mais claro do que isso só o grito da marginalidade: "Perdeu, mano!"

Resta saber se o Brasil vai ficar de quatro diante do banditismo político quando nem mesmo em 21 anos deixou de lutar para sair de baixo dos coturnos.
Luiz Gadelha

O momento mais grave do Brasil

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O Brasil está vivendo o seu momento mais grave desde a redemocratização.
Mais grave do que os impeachments de Fernando Collor e Dilma Rousseff, porque o Poder Legislativo declarou guerra ao Judiciário -- e aos fundamentos da própria Justiça.
Só os irresponsáveis e mal-intencionados podem menosprezar esse fato.
O Antagonista 

Governo sonha com pedido de vista que postergue conversão de Renan em réu

O Supremo Tribunal Federal julga nesta quinta-feira uma denúncia da Procuradoria-Geral da República contra Renan Calheiros. Nela, o presidente do Senado é acusado de receber propinas da construtora Mendes Júnior para pagar a pensão de uma filha que teve fora do casamento. O escândalo estourou em 2007. Após a formalização da denúncia, o processo aguarda por uma deliberação do Supremo há cerca de 4 anos. E o Palácio do Planalto sonha com um pedido de vista que produza um adiamento a perder de vista.

O processo contra Renan é o primeiro da pauta. Se aceitar a denúncia da Procuradoria, o Supremo abrirá uma ação penal, enviando o senador para o banco dos réus. E o governo de Michel Temer receia que a mudança de status de denunciado para réu transforme Renan num aliado de dois gumes, dividido entre as prioridades legislativas do governo e a agenda litigiosa que mantém o senador em pé de guerra com juízes e procuradores.

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O problema é que a realização do sonho de Temer e seus operadores mergulharia o Supremo num pesadelo. Os magistrados recorrem ao pedido de vista quando avaliam que precisam de mais tempo para analisar os autos. Como explicar à plateia que um processo que está na fila de julgamento há quase quatro anos ainda não foi digerido por Suas Excelências?

Há um mês, o ministro Dias Toffoli acudiu Renan. Estava sobre a mesa uma ação que questiona a presença de réus em cargos situados na linha de sucessão da Presidência da República. Num instante em que a maioria dos ministros do Supremo já havia decidido que réus não podem ocupar funções como a de presidente do Senado, Toffoli pediu vista do processo, empurrando com a barriga a formalização do veredicto. Um novo adiamento agora deixaria a Suprema Corte mal com a opinião pública.

O julgamento da ovelha

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Um cachorro de maus bofes acusou uma pobre ovelhinha de lhe haver furtado um osso.

— Para que furtaria eu esse osso — alegou ela — se sou herbívora e um osso para mim vale tanto quanto um pedaço de pau?

- Não quero saber de nada. Você furtou o osso e vou já levá-la aos tribunais.

E assim fez.

Queixou-se ao gavião penacho e pediu-lhe justiça. O gavião reuniu o tribunal para julgar a causa, sorteando para isso doze urubus de papo vazio.

Comparece a ovelha. Fala. Defende-se de forma cabal, com razões muito irmãs das do cordeirinho que o lobo em tempos comeu.

Mas o júri, composto de carnívoros gulosos, não quis saber de nada e deu a sentença:

— Ou entrega o osso já e já, ou condenamos você à morte!

A ré tremeu: não havia escapatória!… Osso não tinha e não podia, portanto, restituir; mas tinha a vida e ia entregá-la em pagamento do que não furtara.

Assim aconteceu. O cachorro sangrou-a, espostejou-a, reservou para si um quarto e dividiu o restante com os juizes famintos, a titulo de custas…

Monteiro Lobato

Paisagem brasileira

Lavadeiras na Praia do Riacho, Otto Dinger (1899)

Breve aparecerá um cadáver

Trata-se apenas de uma questão de tempo. Logo uma dessas violentas manifestações de protesto verificadas nas grandes cidades vão gerar uma vítima. Ou mais de uma. Provavelmente alguém dos grupos mais açodados na arte de depredar. Mas por que não um das forças da repressão? Quem sabe um inocente infeliz colhido entre as duas forças em choque?

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Está faltando um cadáver para levar ao ponto de ebulição os sucessivos episódios de rebelião verificados no país inteiro. Quando acontecer, adiantará muito pouco ficar buscando os responsáveis, porque essas coisas costumam ficar fora de controle. E geram resultados imprevisíveis.

Em São Paulo, em 1932, a morte de quatro estudantes fez nascer o MMDC e a revolução constitucionalista. Em Recife, anos depois, a morte de um estudante pela polícia foi o estopim do movimento que depôs Getúlio Vargas. No Rio, o assassinato de Edison Luís, quase um menino, marcou o rompimento final entre a juventude e o regime militar. Antes e depois, quantos mais episódios a História registrou?
Dúvidas inexistem de excessos se sucederem, como o da noite de terça-feira, em Brasília. Teve de tudo, no confronto aberto entre policiais e manifestantes. Da depredação de ministérios a invasões de patrimônio público até bombas de gás, tiros e pancadaria. Durante horas ficou impossível respirar na Esplanada dos Ministérios e na Praça dos Três Poderes. Carros foram incendiados. Vidros e janelas quebradas. Cabeças ensanguentadas.

Continuando o processo como vai, tanto faz onde, logo virá o primeiro cadáver da temporada. Depois dele, o imponderável e suas consequências. Até a intervenção militar vem sendo cogitada por um bando de energúmenos.

A culpa vai para os arruaceiros ou para o governo que rapidamente perde o controle da vida nacional, fruto de sua incompetência e incapacidade? No fundo de tudo, o desemprego, a crise econômica, a roubalheira na política, o descrédito dos partidos e do Congresso, a falência das instituições.

O cachimbo velho e a fraqueza de Temer

A expressão latina lapsus linguae é traduzida por ato falho, mas usada de maneira tão rotineira entre nós que se tornou verbete do Dicionário Houaiss. Este a define como “erro acidental ao falar, que altera o sentido que queria se dar à frase e que é interpretado (por influência da psicanálise) como expressão de pensamentos reprimidos”. Catalogada por Sigmund Freud no clássico texto de Psicopatologia da Vida Cotidiana, ela pode explicar o uso do verbo acordar pelo presidente Michel Temer na entrevista coletiva no Palácio do Planalto no domingo passado. Nela anunciou a extinção, antes da aplicação, da anistia a qualquer crime vinculado a doações eleitorais, declaradas ou não, resultante de uma autêntica conspiração de ratos no Congresso.

Habituado ao uso castiço do vernáculo, o presidente da República usou o termo acordar no primeiro significado que lhe atribui o citado dicionário, concordar, ao justificar o comunicado a três bocas da decisão de abortar o acordão espúrio para aprovar o perdão injustificável em emenda sem autor nem número. Ao lado dos presidentes do Senado, Renan Calheiros, e da Câmara, Rodrigo Maia, o chefe do Executivo anunciou que o trio obedecia à “voz das ruas”. Ou seja, os três foram acordados pelo clamor do povo, que os acordou, no sentido do segundo verbete do verbo: “fazer sair ou sair do sono ou da sonolência”. E ainda mais exatamente: “devolver ou recobrar os sentidos”. Esse despertar da letargia cívica pode ser explicado pela indignação popular provocada pelo comportamento reprovável de Temer no lamentável episódio palaciano que forçou o ex-ministro da Cultura Marcelo Calero a deixar o governo.


Estranho no ninho íntimo do palácio e do “parlamentério” composto para vencer no Congresso, Calero saiu atirando com uma metralhadora giratória que lhe foi presenteada pelos três mais insignes inquilinos do Palácio do Planalto: o até então secretário de Governo, Geddel Vieira Lima, o chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, e Michel Temer em pessoa.

Denunciado e poupado no escândalo dos anões do Orçamento, em que parlamentares manipulavam emendas para desviar verbas orçamentárias para entidades sociais fantasmas ou com a ajuda de empreiteiras, Geddel foi agora acusado por Calero de ter praticado concussão e tráfico de influência. O ex-secretário de Governo confessou, candidamente, que apenas “ponderou” que o edifício La Vue na Ladeira da Barra, no centro histórico de Salvador, deveria ser erguido para gerar empregos e garantir estabilidade jurídica. A imagem do espigão pornográfico agredindo a paisagem histórica para dar a seus moradores uma vista esplêndida da Baía de Todos os Santos tornou o pretexto, no mínimo, cínico.

Para socorrer Geddel acudiram 27 líderes de bancadas governistas, conduzidos pelo líder do governo na Câmara, André “Cunha” Moura. O presidente do Senado decretou o encerramento do caso na terça-feira. Idêntica pressa levou o da Câmara a afirmar: “Nós precisamos que o ministro Geddel continue no governo”. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso deu seu palpite infeliz, alertando que o Brasil precisa que Temer governe até 2018, data da próxima eleição presidencial. Com isso bateu o recorde de intromissão imprópria no episódio: o País sobreviveu 516 anos sem Temer no poder e nossa História não terá fim em dois anos.

Mas o ministro em queda dispunha de balas no pente e disparou-as, contando que Padilha o aconselhou a procurar a advogada-geral da União para resolver o impasse com o colega. E acusou Temer de se acumpliciar ao subordinado e amigo baiano e ao fiel anspeçada gaú-cho por assediar o diplomata, noviço “nessas coisas que a política tem”. Além de não ter demitido Geddel, o presidente espalhou pistas no local do crime ao permitir o tráfego implícito da anistia à delinquência de políticos por seu líder, o deputado André Moura.

As consequências de seu erro são imprevisíveis. Brasileiros decentes exigiam do chefe, ciente dos próprios encontros com a vítima, que, logo no início do caso, demitisse Geddel e mantivesse Calero, por mais indigesta que lhe parecesse a atitude. Ao não fazê-lo, talvez por ter a boca entortada pelo vício de fumar o cachimbo da velha política da Primeira República – cujo lema, até hoje vigente no Brasil oficial (chamado por Machado de Assis de “burlesco” em 1861), era “aos amigos, tudo; aos inimigos o rigor da lei” –, Temer literalmente se perdeu. Restou-lhe convocar por “condução coercitiva”, conforme Vera Magalhães Estado, 28/11, A6), a coletiva de domingo, em que anunciou o tal pacto com os presidentes do Congresso para salvar a face de todos por uns dias perante o País real, que o Bruxo do Cosme Velho, na crítica ao Ministério da Fazenda do Segundo Império, disse elevar-lhe “os melhores instintos”.

Temer ajudou a eleger Dilma em dois pleitos e por isso não é, como pretende e gostaria de ser, completamente isento dos erros lulodilmistas que levaram o Brasil à maior crise moral, política e econômica da História. Mas é o que nos resta para – com a ajuda de uma equipe econômica competente e o mínimo de atrapalho de seu “parlamentério” – nos retirar desta encalacrada. O diabo é que o próprio presidente deu um exemplo infeliz e impróprio de que pode atrapalhar muito. Anteontem, a uma plateia de empresários proferiu o seguinte disparate: “Qualquer fatozinho abala as instituições”. Nada há de certo, lúcido ou construtivo na frase. Se ele se referia ao episódio envolvendo Calero e Geddel, a única justificativa para o uso do diminutivo é a dimensão dos dois ex-ministros, de Padilha e, pelo visto, dele próprio. Para felicidade geral da Nação, as instituições democráticas mostraram força e estabilidade ao substituírem Dilma dentro das normas vigentes do Estado Democrático de Direito. Quem tem demonstrado fraqueza em momentos capitais como este é quem o diz e o governo dele.

José Nêumanne

O imperador de Cuba

Em 1952 Gaia Gomes era diretor artístico da Rádio América de São Paulo. O saudoso David Raw trabalhava com ele. Uma tarde, entrou lá um rapaz de cabelos negros, olhos grandes, esbugalhados, bigode ralo e barbicha fina. Argentino, trazia para Gaia uma carta de apresentação de Alberto Castilho, médico e cantor de tango em Buenos Aires. Não queria emprego. Também era médico, estava precisando de uma passagem para a Guatemala, onde queria ajudar o governo revolucionário de Jacobo Arbenz.

Gaia e David fizeram uma “vaquinha” na rádio e compraram a passagem. Nos dias que passou em São Paulo, o rapaz de bigode ralo conheceu o deputado Coutinho Cavalcanti, paulista de Rio Preto, autor do segundo projeto de reforma agrária apresentado no Congresso (o primeiro foi o do baiano Nestor Duarte).

Com a passagem e o projeto, o rapaz de barbicha fina embarcou para a Guatemala. Lá, acabou trabalhando no Instituto Nacional de Reforma Agrária e aplicando os ideais do deputado Coutinho. Em 1954, um golpe militar, montado nos Estados Unidos e dirigido pelo coronel Castilo Armas, derrubou o governo de Arbenz. O rapaz de cabelos negros fugiu para o México.

Em 1958, apareceu em Cuba, na Sierra Maestra, ao lado de Fidel Castro e Camilo Cienfuegos. Derrubado o ditador Batista, o rapaz de olhos grandes, esbugalhados, implantou a reforma agrária em Cuba, baseada no projeto do deputado Coutinho, paulista de Rio Preto.

O rapaz chamava-se Ernesto “Che” Guevara. Ia encontrar-se com Fidel Castro em Sierra Maestra.
A primeira vez que vi Fidel foi em Moscou, em junho de 1957. Há 59 anos. Ele ainda lutava em Sierra Maestra. A União Soviética recebia milhares de jovens do mundo inteiro no “Festival Mundial da Juventude”. No desfile de abertura, magnífico e emocionante, um mundo de bandeiras de todos os países e povos, com imensas flâmulas suspensas nos muros do Kremlin saudando a Paz – “Mir e Drusba” – (Paz e Amor) – na enfeitada e iluminada Praça Vermelha, diante do Kremlin e do tumulo de Lênin. Deu bem para ver que os russos já andavam rusgando com os chineses, que passaram silenciosos e pouco aplaudidos. Já os cubanos, uma pequena delegação, foram recebidos delirantemente como heróis.

Fidel Castro, Che Guevara, Camilo Cienfuegos e seus companheiros já lutavam nas montanhas da Sierra Maestra, apesar de os russos ainda não acreditarem na possibilidade de vitoria deles, diante do exercito de Batista e tão perto dos Estados Unidos. Como o desfile era por ordem alfabética, o “B” de Brasil vinha logo à frente do “C” de Cuba e nós ali deslumbrados marchando ao lado dos heróis de nosso tempo.

Acabado o desfile, os cubanos desapareceram. Voltaram para a montanha. Mas deu bem para ver o olhar poderoso e desafiador do jovem Imperador de Cuba, que já sabia que dois anos depois ia vencer.

Do festival os brasileiros ganharam na beleza. Abriu a delegação brasileira e carregou a nossa bandeira a bela mineira Marta Azevedo, eleita a mais bonita do festival e capa da revista final.
Vitorioso em Cuba, em 1959 Fidel Castro esteve no Rio. O embaixador Vasco Leitão da Cunha lhe ofereceu um banquete. Estava lá todo o society carioca, deslumbrado com o charuto enorme e a engomada farda de Fidel. De repente, aproxima-se dele um homem gordo e vermelho:

– Senhor primeiro-ministro, só não lhe perdoo os fuzilamentos em Cuba.

– Pois posso assegurar ao senhor que só fuzilei os ladrões dos dinheiros públicos.

O homem gordo e vermelho ficou ainda mais vermelho. Era Adhemar de Barros.

A vitoria de Fidel, Guevara e seus companheiros continuava empolgando a juventude latino-americana, inclusive a brasileira. A primeira pergunta para o Marechal Lott, numa entrevista coletiva na ABI, em 1960, no lançamento de sua candidatura à presidência da Republica, foi um desastre:

– General, o que o senhor acha de Fidel Castro?

– Venceu prometendo uma democracia e está governando com uma ditadura. Disse que era democrata e agora está se aliando à União Soviética que é uma ditadura.

A juventude aplaudia o Imperador de Havana, que está sendo enterrado como os imperadores: numa semana inteira. O século 20 acabou
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