domingo, 27 de novembro de 2016

Quem quer salvar o País tem de cuidar do governo

Se o presidente Michel Temer for incapaz de cuidar do próprio governo, poderá resgatar o Brasil da pior crise econômica em muitas décadas, talvez a maior da História da República? Ele demorou perigosamente para demitir o ministro Geddel Vieira Lima e liquidar o impasse mais grave, até agora, de seu mandato. A demissão diminui o risco de avançar qualquer ação legal contra o presidente, mas ele obviamente incorreu em alguns erros de avaliação. Subestimou a importância política do escândalo, superestimou a importância de um auxiliar perigoso e deu pouco peso à imagem de um governo supostamente empenhado na recuperação dos padrões da administração. Pode-se esperar, com algum otimismo, um efeito positivo do susto, mas qualquer correção dependerá de um balanço realista dos erros cometidos no Palácio do Planalto. Alguns são graves e, se repetidos, poderão comprometer os objetivos mais importantes do governo.

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Bom senso e competência são pelo menos tão importantes quanto a moralidade, quando se trata de governar. Mesmo sem roubalheira, a administração da presidente Dilma Rousseff teria enterrado o País apenas por sua coleção de erros. Equívocos fatais podem ser técnicos ou políticos. Há poucos dias o presidente Michel Temer foi acusado de uma bobagem quase inimaginável: ter pressionado o ministro da Cultura, Marcelo Calero, em favor do interesse do secretário de Governo, ministro Geddel Vieira Lima. Verdadeira ou falsa, essa acusação foi a pior notícia da semana – mais assustadora que a perda de 74.748 empregos formais em outubro ou que o desperdício de 22,9 milhões de trabalhadores por desemprego ou subutilização. Muito mais afetados que o Brasil pela crise de 2008, outros países voltaram a crescer, já há alguns anos, com geração de postos de trabalho. Houve erros e ainda há insegurança, mas em nenhum desses países o governo ficou tropeçando nos próprios pés.

O presidente Michel Temer talvez nunca tenha cometido uma tolice tão grande quanto a citada na imprensa – a tal interferência a favor de um interesse particular. Mas, apesar de sua fama de astuto e prudente, deixou-se envolver num escândalo tão evitável quanto grotesco, desperdiçando energia e capital político essenciais para a nova estratégia econômica.

Nem seria preciso saber, para condená-lo, se o ministro Vieira Lima de fato pressionou seu colega da Cultura para liberar a construção de um edifício em Salvador. A mera conversa sobre um negócio particular já seria, como ensinavam as mães em outros tempos, muito inconveniente. Mas o presidente preferiu preservar seu secretário, considerado indispensável, segundo os aliados, como articulador e negociador político. É difícil, para quem vive fora das jogadas de Brasília, entender a importância de um negociador capaz de expor o governo a uma situação tão constrangedora. Para ser, apesar de tudo, indispensável, uma figura desse tipo deve ter talentos extraordinários.

Também esse ponto é inquietante. Será tão difícil, para o presidente Michel Temer, encontrar e recrutar negociadores competentes e preocupados com o decoro? A qualidade de seu Ministério, desde a interinidade, sempre foi preocupante. Com exceção de uns poucos nomes, na maior parte ligados a assuntos econômicos, a equipe tropeçou desde o começo. Alguns ministros ainda se notabilizaram por fazer declarações inconvenientes e, além disso, por escolherem os piores momentos para se manifestar. Tentando aparecer em lances individuais, logo evidenciaram a dificuldade do presidente para montar e conduzir um jogo de equipe.

Como a agenda econômica é a mais complicada, bastaria ao governo, conforme muitos devem ter imaginado, uma equipe qualificada para cuidar das contas públicas, da inflação, do investimento oficial e do programa de reformas. Quem fez essa avaliação errou.

Todos esses temas envolvem muito mais que desafios técnicos e administrativos. Muitas ações, como a criação de um teto para despesa pública, dependem do Legislativo. Algumas, como a reforma da Previdência e as mudanças trabalhistas, forçarão o governo a se entender também com sindicatos e outras organizações. Qualquer reforma tributária mais ou menos séria terá de passar por um difícil entendimento com os 27 governadores. Se o governo cumprir com sucesso, até 2018, apenas uma parte dessa pauta, com prioridade para a arrumação fiscal, terá realizado um belo trabalho e deixará aberto o caminho para a etapa seguinte.

Para isso um apoio seguro no Parlamento é uma necessidade evidente. Competência jurídica para evitar tropeços legais tem sido e continuará sendo indispensável. Mas também é muito importante a presença de um bom articulador político, no mínimo para garantir os votos necessários no Congresso. Até agora, curiosamente, o político Michel Temer tem mostrado mais discernimento na agenda econômica do que na avaliação dos desafios e riscos políticos.

De toda forma, a semana terminou com duas notícias positivas. Uma delas foi o afastamento, depois de um perigoso atraso, do ministro Geddel Vieira Lima. A outra foi a edição da Medida Provisória (MP) 752/2016, para reativação do programa de concessões. Polêmica em alguns pontos, a MP abre espaço para a renovação antecipada de algumas concessões na área de transportes e para a relicitação de outras. Houve críticas e o governo terá de enfrentar a resistência de concessionários encrencados. Mas foi consumado o lance inicial para reativação do programa de infraestrutura, e esse é um dado animador.

Se der tudo certo, disso poderá surgir o empurrão inicial para a retomada do investimento e a reanimação da economia, depois de uma longa e profunda recessão. Além disso, os cidadãos têm o direito de esperar um presidente, a partir de agora, menos leniente em suas avaliações políticas.

Um muro para o Rio?

Levantar um muro no Rio de Janeiro como era feito nas cidades da Idade Média. Essa é a ideia do prefeito recém-eleito da cidade, o evangélico Marcelo Crivellaapós sua recente visita a Israel.

Crivella gostaria de ver o Rio abraçado por um muro, como o de Jerusalém, “para que não entrem armas ou drogas”, como confidenciou, ao voltar de sua viagem, a líderes judeus e evangélicos, de acordo com a publicação da coluna Radar e que repetiu nos últimos dias.

O prefeito eleito não é um novato na política, pela qual transita há mais de vinte anos. Deveria saber que o Rio não precisa de um muro para evitar que as drogas e as armas cheguem aos traficantes. Os facilitadores desse comércio já estão no interior. Os maiores responsáveis pela entrada de drogas e armas, os cúmplices dos traficantes, aqueles que abrem as portas da cidade e da prisão, não vivem nas favelas.


São esses personagens invisíveis, muitos deles às vezes parte da política, que gozam de impunidade e andam em carros blindados e seguros.

Para combater o tráfico de drogas e armas, o Rio não precisa construir muros. Precisa desmascarar aqueles que alimentam esse comércio internacional e os amigos das facções criminosas que atuam dentro das prisões.

Esses sonhos à la Trump de levantar um muro no Rio, (e por que não em todo o Brasil), parece uma provocação neste momento de crise global.

Cada muro evoca medo da liberdade, vontade de fechar as portas a quem é diferente e visto como criminoso. Os muros são o símbolo da irracionalidade.

Os muros físicos são levantados quando perdemos a razão. E a razão não pode estar detida nem sequestrada.

O medo do outro nos obriga a também levantar muros ideológicos e políticos. E quanto mais muros levantarmos, mais nos sentimos inseguros.

A liberdade é a que salva. O medo mata.

A insólita ideia de levantar um muro no Rio me faz lembrar a experiência desagradável que vivi quando cruzei o Muro de Berlim, e a felicidade de vê-lo desmoronar seis meses depois. Lembro que era o aniversário da minha filha Maya. Uma dupla comemoração.

Na verdade, o Rio não precisa ser murado. Já é. Existe um muro entre a cidade rica e a pobre, a dessas mil favelas com quase dois milhões de habitantes que formam o outro Rio.

Essa cidade que, há décadas, sofre violência e morte.

A sorte do Rio rico é que aqueles que vivem e sofrem atrás desse muro das favelas não desce para a cidade, ou apenas desce para trabalhos humildes. É quase seu escudo. São boas pessoas, trabalhadoras, sofridas, vítimas do pecado dos outros.

Se isso acontecesse, se esse muro desabasse, a outra cidade, a dos hotéis de luxo e das praias famosas, a que abriga os reais responsáveis pelo tráfico de drogas e armas perderia sua alegria e algo mais.

O Rio é uma cidade divertida e iconoclasta, com vocação de liberdade. Qualquer muro a sufocaria física e moralmente.

A cidade maravilhosa só precisa dos muros das prisões para abrigar os corruptos e os responsáveis pela violência e a morte de inocentes.

Fim da história que há muito terminou

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(Fidel Castro) foi um construtor de utopias, de sonhos. Mas faz muito tempo que sua história terminou. Isso acontece com todos os heróis: não resistem ao seu próprio heroísmo
Nélida Piñon

O conjunto da obra ameaça Temer

Não é um tríplex, mas o apartamento embargado de Ged­del Vieira Lima (que pediu demissão na sexta-feira, dia 25) já desabou em cima do presidente Michel Temer. A política tem dessas coisas, Temer, esse tipo de pressão popular. Não basta saber ajeitar o nó da gravata e falar bem o português. Num país traumatizado pela corrupção, apostar todas as suas fichas numa figura pretérita como Geddel é pedir para ser crucificado neste Black December.

O presidente não podia blindar Geddel antes mesmo de a Comissão de Ética abrir processo. As “ponderações” do ministro da Secretaria de Governo para o então ministro da Cultura Marcelo Calero tinham um peso imoral. O talento de “articulador” do baiano Geddel virou poeira, aquele pó de obra que suja até a alma. Os aliados correram para dar apoio irrestrito a um ministro acusado de tráfico de influência em benefício pessoal. O condenado arranha-céu La Vue, em Salvador, tem as digitais de amigos e parentes de Geddel desde sua concepção. Um espigão em área tombada arranhou Congresso e Planalto – por tibieza do presidente.

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Parece que os políticos não entenderam que o país mudou. Eles se matam por um apartamento de luxo com “la vue” total da Baía de Todos-os-Santos? Ao dar o caso por “encerrado”, todos que apoiaram Geddel colocaram seus dedos na tomada. Foi falta de visão, uma irresponsabilidade com um momento em que o Brasil deveria focar na estabilidade econômica e na recuperação do emprego. Com amigos como Geddel, Renan Calheiros e Rodrigo Maia, nenhum presidente precisa de inimigos.

Ao assumir a Presidência há seis meses, após longo e doloroso impeachment de Dilma Rousseff, Temer disse que era “hora de tentar pacificar o país”. Agora, ao nomear Roberto Freire para a Cultura, Temer nem se referiu ao antecessor Calero. Estava amuado. O próprio Temer havia intercedido com Calero em favor de Geddel, que andava “muito irritado” com o embargo de seu apartamento. Na posse de Freire, Temer disse que vai “salvar o Brasil”, “ganhar céu azul e velocidade de cruzeiro”. Não, presidente. O céu está enfarruscado, e sua forma de menosprezar o caso Geddel é mais do mesmo. Só ajuda a inflamar as ruas.

Em setembro, Geddel havia constrangido o governo, ao declarar: “Caixa dois não é crime. Quem se beneficiou deste mecanismo no passado não pode ser punido”. Será que Temer ponderou com Geddel? Depois, a imprensa deu a lista dos salários acima do teto constitucional de R$ 33.763. Olha o Geddel ali, gente! Ele ganha R$ 51.288 por mês, acumulando dois vencimentos. Fora privilégios e benefícios.

O ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, decidiu abrir mão de parte do salário para se adequar ao teto. Geddel nem pensou: “Os meus vencimentos estão dentro da lei. A lei é para todos”. Geddel, o grande articulador, não convenceria servidores a abrir mão de vencimentos para ajudar estados falidos. Onde vive Geddel? Nas nuvens, e faz tempo. Você lembra o vídeo Geddel vai às compras, que mostrava, a partir de um helicóptero, as fazendas adquiridas por ele de maneira antiética? As imagens são do ano 2001. Quem divulgou foi o então presidente do Senado, o também baiano Antônio Carlos Magalhães. O que mudou foi só a tecnologia. Naquele tempo, o vídeo era distribuído em fita.

“Vamos trabalhar! O Congresso nos espera”, disse um comovido Geddel com o apoio de seus pares. Rodrigo Maia, presidente da Câmara, foi impiedoso com o ex-ministro Calero: “Ele enlouqueceu (...) O ministro sai atirando para desestabilizar o Brasil”. O presidente do Senado, Renan Calheiros, também saudou a blindagem de Geddel por Temer: “O bom é que isso fique para trás”. Essa dobradinha Rodrigo-Renan é o retrato do Brasil reciclável na política.

Maia quer logo votar na Câmara o projeto de medidas anticorrupção, no qual foi infiltrada uma anistia ao caixa dois eleitoral, que coloca em risco inquéritos passados, presentes e futuros da Lava Jato contra políticos. E o açodado Renan quer logo votar no Senado o projeto contra abuso de autoridade, porque está prestes a virar réu no Supremo por crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. O projeto de Renan tem o apoio do PT e de petistas, amedrontados com o que está por vir.

Mesmo com as urgências, e já prevendo os estragos do Furacão Odebrecht, os parlamentares se recusam a trabalhar nas segundas e sextas-feiras. Eta, país. Juntando a isso o fato de que os deputados tentam evitar votação nominal em assuntos explosivos, para se esconder da sociedade... Temos um Congresso dissociado da sociedade.

Calero foi o quinto ministro a deixar o governo Temer. Geddel, o sexto. Dilma chegou a trocar um ministro a cada 22 dias. Agora Temer se aproxima da média de sua antecessora. O caso Geddel pode ajudá-lo a pensar melhor antes de blindar o próximo.

Um pouco de alegria

O mordomo e a jararaca

Além da novidade, ainda um tanto estranha, de mostrar um presidente da República falando português, a entrevista de Michel Temer no Roda Viva trouxe um alerta, feito pelo próprio presidente. Temer disse que a prisão de Lula traria instabilidade ao país. É quase isso: a prisão de Lula trará instabilidade ao país enquanto não acontecer.

A patrulha petista espalhou, antes do impeachment, que após a queda da companheira presidenta, mulher honrada, a Lava Jato seria engavetada. Corta para dois meses e meio depois do impeachment: deputados de oposição – ou seja, a mesma patrulha – apoiam a instituição do crime de responsabilidade para juízes e procuradores. Em outras palavras: quem quer engavetar a Lava Jato – antes, durante e depois do impeachment – são os petistas e seus genéricos. E por que isso?

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Porque a quadrilha que arrancou as calças do Brasil é petista. E, por mais que a Lava Jato alcance outros políticos, os mais ameaçados por ela são e continuarão sendo os aloprados do Lula, além do próprio. Onde estão todos esses bilhões voadores que a força-tarefa revelou (até agora) como produto do petrolão? Estão com você, caro leitor? Se não estão, estariam nos cofres do Tesouro Nacional? Ou custodiados no Judiciário? Nada disso: estão nos caixas subterrâneos dos progressistas tarja preta. E só pararão de brotar em vaquinhas milagrosas, de irrigar movimentos boçais de ocupação e de bancar advogados milionários quando estiverem todos presos – especialmente o chefe.

Enquanto Lula não for preso, o Brasil será mais instável por dois motivos: pela sobrevivência da lenda e pela utilização dela para 2018. Com a floresta de crimes atribuídos a ele, o ex-presidente só não será preso se um grande e invisível acordo político evitar isso. A declaração de Temer ao Roda viva deixa essa pista no ar. É até compreensível que o atual presidente tente reger o armistício, dialogando inclusive com os anjinhos de rapina. É papel do presidente. Mas, se passar do ponto, vai ser devorado pela jararaca.

Se Sergio Moro puser o filho do Brasil atrás das grades, já sabemos que será uma injustiça, um ato fascista contra um homem inocente, que virará preso político – e inflamará os movimentos de rua da resistência democrática de aluguel. Mas isso passa – por mais forrado que esteja o cofre da revolução. Os canastrões da falsa esquerda e seus inocentes úteis são capazes de tudo – mas também são, acima de tudo, covardes. Com o país melhorando sem os parasitas nos postos-chave do Estado, o povo perderá a paciência para a lenda e vai tocar a vida, deixando os revolucionários a sós com o seu ridículo. Aí eles próprios, que na verdade não têm causa ideológica alguma, botarão a viola no saco e vão parasitar em outra freguesia.

Se Lula não for preso, ganhará oxigênio para coordenar a ressurreição dos companheiros em 2018 – não necessariamente com uma candidatura dele à Presidência. Os genéricos estão por aí mesmo, facilmente identificáveis entre os que posaram de gladiadores contra o golpe, ou que enfiaram suas cabeças no buraco do tatu quando deveriam se manifestar sobre o impeachment. Se a Lava Jato não for até o fim, não tenha dúvida, caro leitor, de que a jararaca terá veneno suficiente para 2018. E a lenda sempre poderá ser ressuscitada numa Marina Silva (aquela da “democracia de alta intensidade”), num Ciro Gomes (o indignado profissional) ou outro candidato a requentar as fantasias de esquerda.

Lulinha se mandou para o Uruguai, que a esta altura é bem mais seguro para ele. Se a Lava Jato fizer o que tem de ser feito, o pai poderá escapulir pela mesma rota – e ficar por lá dando uma de João Goulart. Se o Brasil engoliu até a comparação de Dilma com Getúlio Vargas, engole qualquer coisa. Mas quem quer trabalhar e não brincar de mitologia fajuta ignorará solenemente esse exílio de picaretas – que poderá ter o reforço da própria Dilma, se ela enfim perder os direitos políticos no TSE, pois é claro que o PT sempre roubou única e exclusivamente para o PT.

Portanto, preste atenção, caro Michel Temer, ao estender a mão para a jararaca. A reputação do seu partido é péssima e para o Brasil você é o mordomo. Na dúvida, ao fim da história, adivinhe quem será o culpado?

Fidel, quem diria, morreu como atração turística!

O que morreu em Havana não foi o revolucionário de Sierra Maestra. Aquele Fidel Castro libertário que prevaleceu sobre Fulgêncio Baptista já havia desaparecido há tempos. Está sepultado em alguma encruzilhada da história, sob uma lápide em que se lê: “Aqui jaz um anacronismo!” O que acaba de morrer em Havana foi a principal atração turística da ilha.

Deu-se em Cuba um fenômeno curioso. O pós-Fidel começara com ele vivo. Raúl Castro não esperou pela morte do irmão para iniciar um processo lento, muito lento, lentíssimo de abertura econômica. Raúl começou a se render à realidade quando as sestas de Fidel tornaram-se mais longas. Num dia em que o ex-grande-líder-da-pátria dormiu demais depois do almoço, Raúl apertou a mão de Barack Obama.

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Cuba foi se entregando aos poucos, à medida que sua economia ia penetrando o caos. E Fidel, já reduzido à condição de paisagem, fingiu não perceber que sua ditadura repressiva reclamava um pouco de ar, de leite, de ovos, de carne, de papel higiênico, de liberdade, de vida…

Depois de imprimir suas digitais de líder nas páginas do século passado, Fidel morreu como uma espécie de Vesúvio. Em visita a Havana, pessoas notáveis faziam questão de tirar fotos do seu lado. Sabiam que, já meio adormecido, ele não metia mais medo.

Os visitantes eram orientados a não rir das vestes do ex-vulcão. Desde que deixara de cuspir lava, Fidel vestia malhas Adidas. Feneceu ostentando uma logomarca do capitalismo no peito. Teve um fim melancólico.

Um povo infeliz

Há uma piada segundo a qual, quando da Criação, o Brasil teria sido privilegiado em sua natureza para compensar o “Zé-Povinho” que seria colocado aqui. Pois é. Mas que tal darmos uma olhada na vida de João Valjão, um típico brasileiro?

João mora em uma de nossas 3.100 favelas. Lá não saneamento básico. Por conta disso ele sofre de disenteria e hepatite. No Brasil morrem cerca de 20 crianças por dia vítimas da falta de esgoto - foi assim que João viu morrer, no corredor lotado e sujo de um hospital, seu único filho. Bem, como políticas de saneamento nunca foram feitas pelo “Zé-Povinho”, João não tem culpa por este horror.

Entre uma disenteria e outra, João sente fraqueza e dificuldade para aprender até coisas simples. É a falta de ferro! Segundo a ONU, um brasileiro médio não supre sequer um terço das necessidades diárias de vitaminas e sais minerais. Daí a falta de saúde e aparente falta de inteligência. É por isso que temos a maior relação de farmácias por habitante do mundo. Também aqui, como a saúde pública nunca foi gerenciada pelo “Zé-Povinho”, João não tem culpa.

João é viúvo: o ônibus no qual estava sua esposa foi desviar de um buraco e bateu em uma carreta. João nunca reparou que o Brasil tem a mesma quantidade de ferrovias que o pequenino Japão - e que 40% delas estão quase inutilizáveis. Assim, 70% das cargas vão de caminhão – um absurdo sem paralelo. Como o “Zé-Povinho” nunca palpitou sobre transportes, tarefa reservada aos doutos, João não tem culpa alguma.

Com freqüência a Polícia sobe o morro no qual João sobrevive, troca tiros com alguns, prende outros, mas logo todos retornam e tudo volta ao normal - e ele vai levando a vida, sem desconfiar que no Brasil apenas 2% dos crimes são punidos. Ainda aqui, como o “Zé-Povinho” sequer de leis entende, João é inocente.

João leu que o Brasil perde anualmente R$ 100 bilhões com a corrupção. Bom, como o “Zé-Povinho” dificilmente ocupa cargos públicos, quero crer que ele não tenha culpa alguma por mais esta mazela.

Fica claro, pois, que quem está falhando na construção do Brasil não é o povo. Se este mais não faz, é porque serviços públicos administrados por uma elite instruída não proporcionam às nossas crianças saúde, educação e condições dignas de vida - nossa culpa, nossa tão grande culpa!

Pedro Valls Feu Rosa

Imagem do Dia

Finnich Glen, Loch Lomond, Scotland:
Finnich Glen (Escócia)

Governo Temer, estabilidade em areia movediça

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Nunca tive maior entusiasmo com a pessoa de Michel Temer. Suas boas credenciais de mestre de Direito Constitucional juntavam-se, como contrapeso, às de vice de Dilma Rousseff e presidente do PMDB. Dado que parte expressiva da bancada do partido que presidia estava enrolada nas patifarias do governo petista, parecia pouco provável que ele exercesse os dois postos mergulhado nas trevas da insapiência. No entanto, Temer era o substituto legítimo, constitucional, de uma presidente que exercera o governo do fim do mundo. Com mão de ferro, Dilma conduzira a nação a um prejuízo de um trilhão de reais, que hoje falta em todos os orçamentos. Levara milhões ao desemprego, dera à irresponsabilidade fiscal status de benfeitoria e plantara, afanosamente, as sementes da recessão. Já estava a presidente sobre o telhado quando o TCU a flagrou em crime de responsabilidade, proporcionando as razões técnicas para o processo de impeachment. Um governo com Temer era, então, a consequência constitucional e a alternativa possível. Mas... e se esse governo também se desestabilizar?

Sairíamos da crise para o caos. E caberia indagar: o que vem depois do caos? Eu não tenho resposta para essa pergunta. Nem disponho daquela obstinação que, historicamente, permite à esquerda jogar ao mar as montanhas que a realidade e os fatos proporcionam. Eles continuam confiando em Maduro, em Fidel e Raúl, e chamando bandidos de heróis. Por não saber o que vem depois do caos e por não querer cenário venezuelano em meu país, leio a realidade institucional brasileira destes dias conforme a descrevo em sequência. Eu a classifico segundo os quatro grandes temas abordados a seguir.

1º - A Frente Parlamentar do Crime
Constitui a mais numerosa dentre as bancadas e blocos em operação no Congresso Nacional. É suprapartidária, formada pela banda podre do PT, PMDB, PP, PSDB e de outras legendas menores criadas nos últimos anos. Cuida exclusivamente dos interesses de seus membros e, de modo muito especial, nestes dias, de livrar o próprio couro. Estava na base do governo Dilma e, em boa parte, mudou-se para o governo Temer. Pelo número de membros, como veremos adiante, é indispensável à formação da maioria sem a qual o governo não aprova suas diretrizes e suas políticas de gestão. A bancada petista só faz discurso e jogo de cena contra as articulações que visam a obstar a Lava Jato e as 10 Medidas contra a corrupção porque os muitos lambuzados que habitam a base do governo Temer estão cuidando disso por ela.

2º - A situação do governo
Agora, a nação precisa de estabilidade política e o governo de pelo menos 342 votos firmes em sua base de apoio. A base tem, em tese, 412 votos, mas 56 já não votaram a PEC 241. Se considerarmos que a oposição tem 101 votos, que 56 governistas não são fiéis, salta aos olhos que o governo não pode perder os votos que tem na Frente Parlamentar do Crime. Eis aí, gigantesca e escandalosa, a tragédia moral que acometeu nossas instituições. Não se governa sem os bandidos! Felizmente, a área financeira do governo ganhou grande autonomia e está em boas mãos.

3º - A atitude do STF perante a existência e a longa vida da Frente Parlamentar do Crime
Boa parte desse laborioso colegiado político do crime tem existência antiga e já estaria contado na população carcerária do país se o STF atribuísse a devida importância aos deveres que lhe correspondem perante o saneamento moral de seus vizinhos na Praça dos Três Poderes. É incalculável o custo político e financeiro da longa dormição dos processos lá na última trincheira da impunidade. Como vimos acima, o atual problema não existiria, ou ao menos não teria as proporções que está adquirindo se a bancada do crime tivesse sido enfrentada com agilidade antes, ou se o for agora.

4º - A urgente reforma institucional
Entre os muitos motivos que levam a desejar uma reforma institucional para adoção do parlamentarismo, se incluem certos objetivos que esse sistema viabiliza: a) separar a chefia de Estado da chefia de governo, de modo que só as funções de governo sejam partidárias; b) despartidarizar a administração e a gestão das estatais; c) permitir a rápida e não traumática substituição dos governos que percam a confiança social e o apoio político.

Nada disso, porém, vai apresentar os resultados desejados enquanto o contingente de criminosos com protagonismo na cena política se mantiver nas atuais proporções e sendo, em função disso, parte expressiva do poder de decisão e das bases de apoio. A assustadora criminalidade das ruas chegou ao Congresso Nacional. Ou vice-versa.

Percival Puggina

O caixa 2 e o diabo a quatro

Tenho por inconstitucional essa rumorosa emenda parlamentar que visa a impedir punição para quem praticou o chamado caixa 2. Caixa 2, lógico, em linguagem coloquial ou popular. A se traduzir no recebimento de doação de “bens, valores ou serviços” não declarados à Justiça Eleitoral nem contabilizados pelas respectivas agremiações partidárias. Não “declarada” nem “contabilizada” tal “doação” e até mesmo “omitida ou “ocultada” (palavras da emenda em foco), mesmo tendo por finalidade “financiamento de atividade político-partidária ou eleitoral”. Com uma primeira e inusitada peculiaridade: ela, a emenda parlamentar, não se limita a transitar pelos domínios do Direito Eleitoral. Bem mais ambiciosa, estende o seu comando de não punição às esferas penal e civil da ordem jurídica brasileira. Com o que veicula um tipo de anistia praticamente geral e irrestrita que expõe os seus flancos a muitos questionamentos no plano da validade.

Com efeito, o primeiro questionamento em torno dessa mal disfarçada anistia decorre da consideração de que ela, emenda, propõe a despunibilização de um tipo omissivo de conduta que a cabeça do artigo 350 do Código Eleitoral expressamente veda: omitir, em documento público ou então particular, declaração que deles devia constar (a exemplo da aceitação de doações para o financiamento de campanha eleitoral). Conduta tipificada pelo parágrafo único desse mesmo artigo 350 como “falsidade documental” ou ideológica. Sancionada, além do mais, com “reclusão até 5 anos e pagamento de (...) multa (...)”. Logo, é de anistia mesmo que se trata, até porque ainda recai sobre as agremiações partidárias o dever de “prestação de contas à Justiça Eleitoral” (inciso III do artigo 17).

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Ora, nesta última hipótese de um dever imposto aos partidos políticos, óbvio que a Constituição está a se referir a uma completa prestação de contas. Cheia. Íntegra ou incorporante de todas as doações que a eles sejam feitas. Sem a menor possibilidade de omissão contábil ou de falta de registro daqueles “bens, valores ou serviços”. Matéria interditada, por definição, a qualquer tipo de condescendência ou relativização por lei. Como também resulta claro que o artigo 350 do Código Eleitoral faz um tipo de exigência perfeitamente rimada com o jogo da verdade que a Constituição impõe a todo candidato a cargo público em eleição popular. O jogo da verdade democrática, a fazer de cada pleito eleitoral um heterodoxo concurso público. Uma disputa ou um certame de investidura eletiva que só pode pressupor, como todo concurso público, igualdade entre os concorrentes e total eliminação de fraude. Tudo a legitimar a conclusão técnica de que, nesse entrecruzar de depuração ético-representativa do regime democrático brasileiro, a lei que dá um passo à frente já não pode botar um pé atrás. Está proibida de incorrer em qualquer forma de retrocesso. Quanto mais se vem a descambar para um tipo de anistia que nivela por baixo quem honrou e quem deixou de honrar os seus jurídicos deveres.

Há mais o que dizer em desfavor da mal inspirada emenda. Muito mais, pois o que ela termina por fazer é anistiar o inanistiável. Explico. Primeiro, ela faz um estranho (pra não dizer temerário) corte radical entre doação e sua matriz subjetiva. Ou entre doador e donatário, se se prefere dizer, para assim poder despunibilizar os dois. Mesmo que o doador esteja a abrir a mão para o donatário depois de enchê-la com o produto de crime (peculato, corrupção, conluio em licitações, superfaturamento de obras e serviços públicos, tráfico de drogas, administração fraudulenta de instituição financeira, etc.). Com o que assume o risco de perdoar, de uma só cajadada, o crime atual e o antecedente. Explosiva mistura de malfeitorias de vários ramos ou disciplinas jurídicas que pode ter por efeito o ampliado favorecimento do número dos malfeitores.

Depois disso, uma nova e indevida mescla. É que a anistia é instituto jurídico de exceção. Não pode ser usual, pois se traduz no perdão legal de quem infringiu essa ou aquela regra igualmente legal (se a moda pega...). Razão pela qual a lei que a institui só pode ser específica. Específica ou monotemática. Lei de um só conteúdo ou “que regule exclusivamente” uma dada matéria, como, didática ou expletivamente, diz a Constituição pelo parágrafo 6.º do seu artigo 150. Logo, lei de máxima concentração material dos seus elaboradores e da mais centrada atenção da cidadania. Nada obstante, o que se deu com a malsinada emenda parlamentar de que estou a comentar? Forçou a mais não poder sua inserção num projeto de lei que nada tem que ver com postura condescendente do Estado para com o tema centralmente constitucional e complementarmente legal da prestação de contas à Justiça Eleitoral.

Bem, de mais alguns pontos de fragilidade constitucional ainda padece a emenda em xeque (a figuração do “diabo a quatro” passa por aí). Por limitação de espaço neste artigo, porém, aponto apenas dois.

O primeiro, residente na falta da percepção de que só é anistiável o ilícito cujo regime normativo for centralmente legal. Não aquele envolto em registro diretamente constitucional da gravidade de determinadas condutas.

O segundo está em que o seu dilatadíssimo âmbito pessoal de incidência não tem como deixar de favorecer membros do poder. Do Poder Legislativo federal, designadamente. E o certo é que membro do poder é a face visível do Estado. A humana personalização dele. O Estado encarnado e insculpido. O Estado em ação. Por isso que insuscetível de anistiar a si mesmo. De bancar minimamente que seja um projeto de autoanistia, pena de estilhaçar a própria e mais elementar noção de Estado de Direito: aquele Estado que respeita o Direito por ele mesmo criado. Tanto quanto, e principalmente, o Direito para ele criado pela Constituição originária.

A máscara da mentira

A verdade é filha legítima da justiça, porque a justiça dá a cada um o que é seu. E isto é o que faz e o que diz a verdade, ao contrário da mentira.
 
A mentira, ou vos tira o que tendes, ou vos dá o que não tendes, ou vos rouba; ou vos condena
Pe. Antôni Vieira, Sermão da Quinta Dominga de Quaresma (1654)

A justiça negada

O caso da juíza Olga Regina de Souza Santiago, do Tribunal de Justiça da Bahia, é de dar medo em qualquer brasileiro que imagina estar sob a proteção da lei. A juíza é a personagem central de uma história de negação absoluta da justiça — não se trata de injustiça, exatamente, mas de recusa do Estado em submeter um de seus agentes às leis que valem para o resto da população, prática que costuma ser encontrada apenas nos países mais totalitários do mundo. O que houve? Houve que a doutora Olga, em pleno exercício de sua função, recebeu dinheiro de um traficante de drogas colombiano como pagamento de propina para deixá-lo fora da cadeia — mas não foi, nem será, punida por isso. A juíza vinha sendo investigada desde o distante 2007; agora, após quase dez anos de “processo disciplinar” e com base em todas as provas possíveis, de gravações de conversas a comprovantes de transferência bancária, o Conselho Nacional de Justiça declarou, enfim, que ela é culpada de corrupção passiva e outros crimes — e como única punição para isso deve se aposentar, com vencimentos integrais. O apavorante é que não houve nenhum favor especial para a doutora Olga, longe disso; apenas se aplicou o que a Justiça brasileira, desde 2005, considera ser a lei. É ou não para assustar?

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Vamos falar as coisas como elas são: uma criança de 7 anos, ao ouvir uma história como essa, sabe que o final está errado. Como a Justiça pode decidir que alguém cometeu um crime e, exatamente ao mesmo tempo, não mandar para a cadeia quem praticou o crime? Por mais respeito que se tenha pelos argumentos que tentam explicar tecnicamente a situação, sobretudo quando apresentados pelos maiores cérebros jurídicos do país, está acima da moral comum entender que possa haver algo correto na recusa de aplicar as leis criminais a um cidadão pelo simples fato de que ele é um juiz de direito. Pois foi precisamente isso que aconteceu. Qualquer outra pessoa, tendo feito o que a juíza Olga fez, seria condenada a até doze anos de prisão, pena agravada de um terço, pelo artigo 317 do Código Penal brasileiro; mas o máximo de castigo que se aplica a ela é que, sendo criminosa, deixe de ser juíza ao mesmo tempo. E mais: continuará recebendo o salário inteiro, pelo resto da vida (no seu caso, não se sabe exatamente qual será o custo disso para o contribuinte, que não cometeu crime algum, mas pouco não vai ser; já podem ir contando com uns 40 000 reais por mês, pelo menos). O pior de tudo é que não se trata de uma exceção; essa é a regra, e, se a regra é essa, está claro que o aparelho da Justiça brasileira parou de funcionar como um sistema lógico. Não pode existir lógica quando o CNJ, o órgão de controle mais elevado do Poder Judiciário, aceita tomar decisões dementes. O resto, para 99% dos seres humanos normais, é pura tapeação — de novo, com todo o respeito.

Quantos magistrados brasileiros estariam dispostos a admitir que existe alguma coisa insuportavelmente errada num sistema em que acontecem fatos como esse? O que temos aqui é uma tragédia permanente. Quase um mês antes da decisão sobre Olga Santiago, o mesmo CNJ resolveu que outra juíza, Clarice Maria de Andrade, do Pará, deve ficar dois anos afastada das funções por ter se recusado a atender, também em 2007, a um pedido para retirar de uma cela do interior do estado, onde estava presa ilegalmente, uma adolescente com 15 anos de idade. Durante mais de vinte dias, a menina foi brutalmente torturada pelos demais presos, até, enfim, ser retirada dali — e, por causa disso, a juíza Clarice recebeu a aposentadoria compulsória em 2010. Achou que era uma injustiça. Recorreu da decisão, foi desculpada pelo Supremo Tribunal Federal e agora recebe do CNJ a determinação de ficar afastada por dois anos — ou seja, nem aposentada ela acabou sendo. Mas ainda assim não está bom: a doutora Clarice vai recorrer da decisão, pois não aceita nem mesmo esse curto afastamento do cargo. A Associação dos Magistrados Brasileiros manifestou-se publicamente a seu favor. É essa a realidade. Simplesmente não há, para os juízes, sentença contrária, pois mesmo quando são condenados a decisão, na prática, é a favor — e ainda assim eles recorrem. O balanço final é um horror. De 2005 para cá, o CNJ examinou 100 casos de magistrados e todo tipo de acusação: corrupção, principalmente, sob a forma de venda de sentenças, mas também homicídio qualificado, extorsão, peculato, abuso sexual, e por aí afora. Cerca de 30% dos casos acabaram em absolvição; nos restantes, a punição mais grave foi a aposentadoria compulsória ou, então, a aplicação de penas como “disponibilidade do cargo”, “censura”, ou “advertência”. Há um ou outro caso, raríssimo, de prisão, quando o processo corre fora do nível administrativo — e isso é tudo. O contribuinte gasta dezenas de milhões com essas aposentadorias. Não há um cálculo exato de quanto, mas é caro — em nenhum estado brasileiro a média salarial dos magistrados é inferior a 30 000 reais por mês, e nos estados que pagam mais ela passa dos 50 000 mensais. É só fazer as contas.

É aí, nos ganhos dos juízes — além de procuradores e promotores de Justiça —, que está outra aberração em estado integral. A Justiça brasileira gasta cerca de 80 bilhões de reais por ano, 90% dos quais vão direto para a folha de pagamento, que, pelas últimas contas oficiais, sustenta mais de 450 000 funcionários. A qualidade do serviço que presta é bem conhecida por todos. O gasto, porém, é um dos maiores do planeta. Cada um dos 17 500 juízes brasileiros custa em média 46 000 reais por mês, ou mais de meio milhão por ano — em que outra atividade o custo médio do trabalho chega a alturas parecidas? Para os desembargadores à frente de tribunais de Justiça, essa média passa dos 60 000 por mês, e ainda assim estamos longe do pior. É comum, nas Justiças estaduais e na federal, salários mensais de 100 000, ou mais — o senador Renan Calheiros, que quer examinar melhor o assunto, cita muito o valor de 170 000, e há casos comprovados de 200 000 ou mais. Como pode dar certo uma coisa dessas? Nossos juízes, que se dizem cada vez mais preocupados com a justiça social, parecem não perceber que estão sendo beneficiados por uma das situações de concentração de renda mais espetaculares do mundo — resultado da distribuição pura, simples e direta de dinheiro público a uma categoria de funcionários do Estado. Faz sentido, numa sociedade como a do Brasil?

Não faz, mas é proibido tocar no assunto. Quando se lembram casos como os das juízas Olga ou Clarice, a reação imediata dos defensores do sistema é perguntar: “Mas por que tocar nessas histórias justo agora? O que há por trás disso? A quem interessa o assunto?”. Da mesma maneira, criticar as “dez medidas anticorrupção” tor­nou-se uma blasfêmia. Espalha-se a ideia de que ações como a de Renan em relação aos salários, e as de outros políticos que pensam numa lei de responsabilidades com sanções mais severas para o abuso de autoridade, não valem nada, porque são feitas com más intenções; o que eles propõem pode até ser correto, mas seus objetivos finais são suspeitos. É tudo uma conspiração para “abafar a Lava-Jato”. É culpa de Lula e da esquerda. É culpa do governo e da direita, e por aí se vai. Mas o fato é que dois mais dois são quatro — e, se o senador diz que são quatro, paciência; a conta não passa a ser cinco só porque é ele quem está dizendo que são quatro. Não é essa a realidade que os militantes do Judiciário intocável aceitam; querem tudo exatamente como está. O resultado é, e continuará sendo, a situação aqui descrita.

Com Fidel, morre um símbolo. Nada mais, nada menos

Fidel Castro não vive mais: para muitos na América Latina, é como se, na Alemanha, o ex-chanceler federal Helmut Kohl tivesse morrido. Por mais diferentes que essas personalidades históricas sejam entre si, por menos comparável que seja o significado de suas políticas, ambas têm algo muito em comum: seu significado simbólico para uma fase histórica cuja melhor definição ainda é "o pós-Guerra".

Gerações inteiras cresceram com Fidel Castro, de ambos os lados do Oceano Atlântico. Cuba e Castro evocam a Baía dos Porcos e a crise dos mísseis, clímax da Guerra Fria numa época altamente explosiva que, olhando em retrospectiva, parece hoje quase tranquila.

O "Líder Máximo" foi, ao longo de décadas, uma figura de proa do comunismo, adorado por uns, odiado por outros. Após a morte prematura do muito mais carismático Che Guevara, Castro herdou o papel de figura simbólica da Revolução Cubana.

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Mesmo que seu rosto nunca tenha estampado as camisetas dos social-românticos europeus e americanos, foi ele que transmitiu a imagem mais positiva do comunismo. Nos anos 1970 e 1980, a ditadura cubana respirava um ar de placidez tropical que exercia um grande poder de atração. Acrescente-se a isso a imagem de um Davi contra um Golias: a pequena ilha caribenha no imenso oceano do imperialismo americano.

Nada despertou tanto a simpatia do Ocidente para com o comunismo quanto Cuba. Também por isso, o "socialismo tropical" era um espinho especialmente doloroso na carne de muitos de seus adversários. Para os fãs de Fidel, mais um motivo para amá-lo – na América Latina, porém, sobretudo um motivo de orgulho. Para sentir um pouco de sub-reptícia alegria pelo fato de o pequeno Estado insular ter quase forçado a grande potência do Norte a cair de joelhos, não era preciso ser comunista.

O maior significado de Castro, contudo, foi para aqueles que depositavam verdadeiras esperanças na Revolução Cubana, para quem socialismo e comunismo estavam associados à visão de uma vida melhor. Estes eram e são muitos na América Latina, a região da desigualdade social.

E nem tudo era ruim em Cuba: seu sistema de saúde é considerado, até hoje, um dos melhores da América Latina, e mesmo nas piores épocas os cubanos estavam melhor do que os haitianos, apenas uma ilha mais adiante.

A grande maioria dos nostálgicos não teve oportunidade de confrontar seus sonhos com a realidade. Apenas através das reportagens da mídia se podia e se pode constatar que o mundo melhor em Cuba se concretizou só parcialmente e apenas através dos subsídios da ainda existente União Soviética, e que o seu preço foi a liberdade.

Até hoje, é difícil noticiar a partir de Cuba e sobre ela, e o que durante a Guerra Fria era descartado pela parte interessada como propaganda, é denominado hoje "imprensa da mentira". Desse modo, o mito Fidel pôde preservar sua magia, e assim ele será pranteado por muita gente, em todo o mundo, como um herói íntegro no combate pelos pobres. Nesse contexto, pouco importa que os ideais da Revolução há muito já tenham sido enterrados por ele, e que também o seu país há muito venha trilhando um caminho diverso.

O comunismo de Castro caiu com a União Soviética. A variante do novo século se chama "Revolução Bolivariana", e o novo mecenas, a Venezuela, está abrindo falência. Por isso, Cuba já se voltou para um caminho mais capitalista, procura agora uma aproximação com os EUA. Nesse novo modelo de Cuba, porém, até agora não se fala de liberdade.

A morte de Fidel Castro não vai alterar em nada a trajetória de Cuba. O homem que já em vida virara um monumento há anos não mais tinha nada para dizer. De algum modo, no entanto, ele vai me fazer falta, o barbudo de uniforme com o charuto, que me acompanhou desde a juventude.

Paisagem brasileira

Santa Olalla, O pescador (1894)

Ruim com ele, pior em ele

Milton Campos, ao renunciar ao ministério da Justiça do governo Castello Branco, produziu uma das maiores lições políticas de todos os tempos, ao reagir ao apelo do primeiro general-presidente para que permanecesse nas funções. Escreveu sobre a diferença entre ele e o presidente, pois dispunha do direito de pedir para sair, por diversas razões e motivos. Castello, não: era o único cidadão brasileiro obrigado a permanecer, quaisquer que fossem as agruras e dificuldades a enfrentar.

Vale o exemplo para o atual presidente. Michel Temer não tem liberdade para saltar de banda. Seu governo pode enfrentar a mais difícil das crises nacionais, colhendo fracassos de toda ordem. A herança recebida no momento em que sucedeu a Dilma Rousseff desanimaria qualquer cidadão. A economia posta em frangalhos, a desorganização verificada em sua base partidária, a incompetência de seus ministros, a falta de apoio nas diversas camadas da sociedade, a péssima repercussão de suas iniciativas políticas – tudo trabalha contra sua permanência no palácio do Planalto.

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O problema é que não pode renunciar, apesar de alguns de seus antecessores tivessem cedido à tentação. Primeiro desafio seria o país aferrar-se ao cumprimento dos postulados democráticos.

Mesmo sem o sonho de instituições acordes com nossas necessidades, haverá que seguir adiante, à espera do que os ventos mudem e soprem um fiapo de esperança em meio à conturbação generalizada.

Quem sabe o Congresso se recicle, alterando a postura de deputados e senadores que só pensam em satisfazer seus interesses? As camadas privilegiadas abram parte de suas benesses para as massas desprotegidas? Os ministros, mesmo se não ficar um só, encontrem o caminho do cumprimento de seus deveres? O próprio Michel Temer talvez vislumbrasse a importância de seguir exemplos, mesmo raros, de como dirigir um governo?

A alienação do Estado

O Brasil está voltando ao que era antes do Plano Real, um caos.

Em 1994, com Itamar Franco presidente e Fernando Henrique ministro da Fazenda, no meio de uma crise desoladora, surgiu uma “vontade firme” de consertar o país. Sobrevivia, naquela época, uma máquina do Estado enxuta e dedicada à pátria. A vergonha era levada a sério.

O “sociólogo” montou uma equipe de meia dúzia de economistas de ponta, sem visar a nichos ou interesses pequenos, como se faz agora. As coisas começaram em seguida a funcionar e gerar resultados práticos. A inflação sumiu, os salários aumentaram, o progresso veio para empurrar a nação.

Se FHC tivesse acatado os caprichos de cada setor, não teria conseguido chegar a uma fórmula de sucesso difuso. No lugar do Real teria um Frankenstein de vida breve, como acontece frequentemente.

A equipe dele trabalhou em silêncio e sigilo, surda aos cantos das sereias.

O Real foi o último, talvez o único, projeto econômico que não se importou com a impopularidade imediata. Colocou a sua frente a estruturação da economia no longo prazo.

James Gallagher, "Lunch Line":
James Gallagher,
Eu era deputado e crítico de Fernando Henrique no início de 1994. Não compreendia o atraso com as medidas que eram reclamadas. Num jantar no apartamento de José Serra, em Brasília, não me convenceu o discurso dele para um grupo de deputados que apoiava o governo Itamar. Eu desabafei em relação aos juros altos que bloqueavam os investimentos no país, à falta de segurança jurídica, ao caos tributário, à miséria do povo. Pediu-me para que o visitasse em seu gabinete no dia seguinte. De lá sai quase convencido de que medidas viriam para aliviar os males terríveis que vivíamos. O resto está na história oficial do Plano Real, que transformou uma republiqueta num Estado respeitado. FHC pode ter todos os defeitos, mas acertou em cheio com o Real.

O plano permaneceria até hoje, sólido e pujante, se a “vontade” que movimentou os primeiros momentos se tivesse renovado, e não se renovou. A inconstância, as alternâncias, os pecados levaram ao que é hoje: uma República em frangalhos, abatida pela crise, pelos desmandos de suas lideranças, dos Parlamentos preocupados em ampliar cinicamente seus privilégios, sem noção da sustentabilidade, do suor da nação e dos sacrifícios que se avolumam sobre o país.

Claro é que o que vai para um Fundo Partidário não se destinará à saúde. É aí nas filas que as pessoas morrem. Algum dos luminares se preocupa com isso?

O ápice dos benefícios proporcionados pelo Real foi desperdiçado na engorda de um Estado burocrático que impede a possibilidade de desenvolvimento sustentável. Há quem defenda que um emprego inútil no Estado acaba com três ou quatro na economia de mercado. Um custo terrível.

Eu, de 1994 até 2002 como deputado federal do mesmo partido do presidente, votado em Betim, cidade da Refinaria Gabriel Passos, uma das maiores do país, em oito anos de governo, não me avistei nem mesmo com um porteiro da Petrobras, que ficava ao lado do meu escritório político. Não se cogitava naquela época a interferência do Legislativo na vida de empresas estatais. A exploração nos domínios públicos se consagrou com Lula, constrangendo interesses difusos e proporcionando rapinas, agora reveladas pelas inúmeras delações premiadas. Nada mais se decidiu objetivamente depois de 2003, daí a insurgência de um “Estado-quadrilha”.

Acabou também (felizmente) a raça de políticos que “rouba, mas faz”, e surgiu (infelizmente) aquela mais despudorada que “rouba, não faz e não deixa fazer”. Explicou um grande empreiteiro, num lampejo de autocrítica, que “ele (empreiteiro) é aquele que, para ganhar dinheiro, faz qualquer coisa, até obras”. Enfim Odebrecht e Andrade Gutierrez, em suas delações, confirmaram o que parecia absurdo e serviu à demolição do Estado.

O patrimonialismo delirante expandiu também para 1,5 milhão as nomeações políticas em todo o país. Os ditos cabides de empregos, pagos pelos contribuintes. Não parou aí, os concursos públicos foram violentados para dar estabilidade aos apaniguados, mesmo sem predicados.

Quem por necessidade ou amor à pátria adentra um ministério, e até o Planalto, encontra um ambiente desvirtuado e sem motivação alguma. Parece aí que o mundo foi criado para servir de contorno aos ministérios e ao Congresso Nacional. Perdeu-se a noção de “servir”.

A distância que separa os Poderes federais, Executivo e Legislativo, da realidade do país é abismal. O Brasil precisa reencontrar a “vontade”, a “honestidade” e a “competência”, até lá não há como se pensar em recuperação verdadeira.

Se você quer ser feliz, saia do Facebook

A recomendação de se desconectar das redes sociais existe praticamente desde o nascimento dos smartphones. A facilidade e o imediatismo para ter acesso a qualquer momento, em qualquer lugar, permite que os usuários estejam permanentemente conectados e provocou diversas formas de vício tecnológico: do medo de ver, através da rede, como os seus amigos se divertem sem você até a nomofobia (medo de sair de casa sem o celular). Agora, um novo estudo do The Happiness Research Institute conclui que, em apenas uma semana, as pessoas que deixam de utilizar o Facebook se sentem mais felizes e menos preocupadas.

Os autores do estudo dividiram os 1.095 participantes em dois grupos. Os do primeiro não deveriam se conectar ao Facebook por sete dias; já os do grupo-controle continuaram usando a rede normalmente. Durante esse tempo, os pesquisadores mediram estados de ânimo como a felicidade, a tristeza, a preocupação, a raiva, o entusiasmo e os sentimentos de solidão e depressão.

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No último dia do experimento, os cientistas perguntaram como os participantes se sentiam. E as mudanças foram evidentes: os que haviam deixado de usar a rede social admitiram estavam mais felizes e menos tristes e solitários. Além dos sentimentos positivos, perceberam um aumento em sua atividade social cara a cara e menos dificuldade de concentração. Também tiveram a sensação de que tinham desperdiçado menos tempo ao longo da semana do estudo.
Em azul, os dados fornecidos pelo grupo-controle; em branco, os do grupo que deixou o Facebook.

Essas conclusões coincidem com as declarações de muitos especialistas de que os usuários das redes sociais só mostram em seu perfil a parte da vida que desejam que os outros vejam: as boas notícias – 61% das pessoas publicam só as coisas boas que lhe acontecem –, as fotos retocadas, o enquadramento pensado e que parece casual... Projetam uma vida irreal que faz com que metade dos usuários tenha inveja das experiências que os demais compartilham em seus perfis. E que um terço sinta inveja da aparente felicidade de seus contatos do Facebook. Segundo os especialistas do The Happiness Research Institute, as redes sociais “são como um canal que só transmite boas notícias, um fluxo constante de vidas editadas que distorcem nossa imagem da realidade”. Assim, o bem-estar dos usuários é condicionado pelo que os demais pensam e pelo número de likes que conseguem no fim do dia.

Uma das dificuldades dos pesquisadores para desenvolver o estudo foi a impossibilidade de controlar se os participantes se resistiam à tentação de entrar no Facebook. Em média, 94% dos usuários visitam seu perfil de maneira automática e rotineira. Por isso, os cientistas pediram que os participantes desinstalassem o aplicativo de seus aparelhos. Apesar dos conselhos e da apresentação voluntária ao experimento, 13% deles não conseguiram passar esse tempo sem entrar no perfil e checar as notificações.

Com respeito às limitações do estudo, os pesquisadores reconhecem que a predisposição pôde ter afetado os resultados. Os participantes eram voluntários – embora designados aos grupos de forma aleatória –, o que poderia significar que, de alguma forma, estavam interessados em deixar de usar o Facebook ou a começar a utilizá-lo por menos tempo. Os resultados podem se dever, em parte, ao efeito placebo: os participantes esperavam se sentir melhor ao se desconectarem.

Essa não é a primeira pesquisa indicando que muitos usuários seriam mais felizes se utilizassem menos as redes sociais. O estudo O Uso do Facebook Prediz uma Diminuição no Bem-Estar do Usuário, realizado em 2013 pela Universidade de Michigan, mostra que os níveis de satisfação com a vida dos participantes diminuiu ao longo da pesquisa com o uso constante do Facebook. Outro estudo, realizado em 2013 pela Universidade Humboldt e a Universidade Técnica de Darmstadt, ambas da Alemanha, concluiu que uma de cada três pessoas se sente mal e mais insatisfeita depois de visitar o Facebook. O estudo, A Inveja no Facebook: Uma Ameaça Escondida para a Satisfação do Usuário, descobriu que isso acontece porque eles sentem inveja, que desemboca em frustração, amargura e solidão.