sexta-feira, 25 de novembro de 2016

O único final feliz

Um monte de gente nas redes sociais e até na imprensa profissional, sempre a reboque dos acontecimentos o que é parte constitutiva desta crise, comemora a prisão de dois ex-governadores do Rio de Janeiro em menos de 24 horas como um sinal de que, “agora sim, o país está mudando”. Pra mim pareceu o contrário. Porque agora? Porque só esses dois da longa fila dos acusados no STF que nunca andou? Porque de forma tão arbitrária e espetacular? Não seria, exatamente, porque os 4,2 milhões de brasileiros a quem a lei concede os privilégios que o resto do país inteiro somado não consegue mais pagar resistem furiosamente a entregar ao menos os anéis?

Culpas e culpados há de sobra por aí. O que não dá é pra desmisturar esse episódio da batalha da Assembléia Legislativa do Rio da qual o destino fez protagonista Luiz Fernando Pezão, a criatura de Sérgio Cabral, que inauguraria a fase “quente” da guerra entre o Brasil que mama e o Brasil que é mamado, nem da luta cada vez menos surda entre os poderes Judiciário e Legislativo para, no meio desse tiroteio, manter seus privilégios e prerrogativas “especiais”.

Foi a luta contra a corrupção que trouxe o processo à tona mas a crise do Estado brasileiro é muito maior que a parte dela que pode ser explicada pela roubalheira. Dotar a nação de leis à altura do desafio de controlar esse foco de infecção é uma etapa obrigatória mas o fato é que essa roubalheira toda, por gigantesca que tenha sido, como de fato foi, não quebra um país do tamanho do Brasil. O que nos está matando mesmo são os meios legal e constitucionalmente garantidos de que a casta que se apropriou do Estado se foi armando para colocar-se acima da lei e viver às custas do resto da nação.

Da longa rodada de abusos patrocinados pelo PT o pior foi multiplicar na União e fazer multiplicar nos estados e municípios o numero de funcionários e o valor dos seus salários. Os funcionários para efeito de custo, como se sabe, são eternos. Ao longo desses 10 anos de tiroteio cerrado desde o “mensalão”, essa conta exponencial vem sendo paga por uma economia privada cada vez mais imobilizada pelo caos político. Resultado: mais de 13 milhões de desempregados; 70 milhões de inadimplentes. É um verdadeiro genocídio. E a cada minuto mais se acelera o giro no círculo infernal do desemprego – queda de consumo, arrecadação, e investimento – mais desemprego. Não obstante os salários públicos, mesmo depois que começaram a deixar de ser pagos, continuam tendo aumentos!

Abortada a tentativa de acertar a conta pelo único meio que ela pode ser acertada – o desbaste dos supersalários, das superaposentadorias e da superlotação das folhas de pagamento por gente que entrou pela porta dos fundos – os governadores voltam-se para a única alternativa que resta que é transferir sua massa falida para a União, que tem a prerrogativa de reabrir a impressão de dinheiro falso para pagar despesas correntes como acontecia antes do Plano Real.

A tecnologia e a globalização, entretanto, arrancaram o sistema patrimonialista que se confunde com a nossa história do seu berço esplêndido. O Brasil Oficial não cabe mais no Brasil Real e os dois somados não cabem no mundo globalizado. E não existe a hipótese de sairmos dessa encalacrada sem atacar o problema onde ele de fato está. Não há mais de quem tirar nada senão de quem nada nunca foi tirado. Já está acontecendo, aliás, o que põe aliados novos e poderosos nessa luta: os verdadeiros servidores que já entenderam que só poderão voltar a receber o que merecem em paz se todos receberem apenas o que merecem.


A solução para essa parte do problema decorre automaticamente, aliás, da mera exposição dos números à opinião pública. Quanto maior a indecência do privilégio mais rápido a indignação geral o extingue. Não cabe ao Legislativo, porém, expor os supersalários do Judiciário e do Ministério Público nem vice-versa. Muito menos ao Poder Executivo de um governo interino num país que vem de 300 anos de vícios tolerados onde exigir ou não o cumprimento da lei pode ser mais uma questão de “vendetta” que de justiça. Isso atira o país numa guerra institucional que pode acabar de matá-lo.

Essa função é da imprensa. É exatamente para isso que ela serve e é definida como o “quarto poder” de qualquer republica que aspire à sobrevivência. E o fato disso não ter acontecido ainda mesmo depois que o vaso foi destampado pelo Senado é nada menos que escandaloso.

Já o tratamento do problema maior consiste em criminalizar o privilégio. É essa a receita universalmente consagrada que se materializa tecnicamente na imposição da igualdade perante a lei. Revisada por esse filtro, restaria da Constituição brasileira somente o que há nela de apropriado a uma Constituição que é aquilo que vale para todo mundo, e dos salários públicos apenas o que é justo pagar por eles, descontados o mesmo imposto de renda e a mesma contribuição à Previdência que eles cobram de nós outros.

A corrupção que todos dizem querer combater tem a força que tem porque o que se compra com ela é o poder de outorgar a exceção à lei; o poder divino de resgatar pobres almas do inferno da competição global para a estabilidade eterna no emprego e os aumentos de salário por decurso de prazo que os “concurseiros” buscam como ao Santo Graal. Nem um exército inteiro de juízes e promotores imbuídos da mais santa das iras conseguirá por a corrupção sob controle se continuar existindo a possibilidade de comprar e exercer com ela esse poder divino. Haverá sempre mais juízes e promotores do que eles que, em agradecimento às graças recebidas – que serão sempre as maiores de todas posto que é deles o poder de deixar ou não rolar a farra – cuidarão de dar vida longa ao dono de turno dessa cornucópia.

O único final feliz para a guerra entre o Judiciário e o Legislativo seria, portanto, que o último supersalário morresse sobre o cadáver do último foro especial, o que permitiria ao Brasil passar a tratar seus servidores com a mesma intransigência com que eles o tratam hoje.

Uma batata assa em Brasília

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Conheço muita gente que aprecia o fato de Dilma Rousseff ter sido despejada do Palácio do Planalto e torce para que Temer acerte a mão, mas não conheço ninguém que goste realmente de Michel Temer, ou que manifeste entusiasmo genuíno por tê-lo na presidência da República. Quem foi para as ruas pedir o afastamento de Dilma não foi pedir a posse de Temer. Ele foi aceito porque fazia parte do pacote: na falta de uma decisão do TSE que impugnasse a chapa inteira, saindo a presidente era natural que entrasse o vice, como o menor de dois males.

O único elogio que se ouvia a ele, durante o processo de impeachment, dizia respeito à sua suposta habilidade política, o talento que o teria alçado ao cargo. Não era muito, mas talvez fosse aquilo de que o país precisava: um homem modesto (com muitos motivos para sê-lo, como dizia Churchill a respeito de Clement Attlee), capaz de dialogar e de tomar as medidas necessárias para recolocar a economia nos trilhos.

A cada dia fica mais claro, porém, que a única habilidade política de Michel Temer é convencer os demais da sua habilidade política. Uma pessoa verdadeiramente dotada de habilidade política sabe de que lado os ventos sopram, mas Temer demonstrou completo desconhecimento disso ao tomar posse e nomear um ministério tão pouco diversificado. Uma pessoa verdadeiramente dotada de habilidade política sabe identificar os vespeiros nos quais não se deve mexer, mas Temer cutucou o maior deles, acabando com o Ministério da Cultura e pondo a classe artística em pé de guerra. Uma pessoa verdadeiramente dotada de habilidade política conhece, enfim, os limites do seu poder, e percebe a extensão da paciência dos cidadãos, mas Temer desconhece uns e ignora a outra.

Se tivesse a exata noção da sua impopularidade, e do quanto está abusando da tolerância dos brasileiros, Temer teria demitido Geddel Vieira Lima assim que as denúncias de Marcelo Calero vieram à tona. Em vez disso, promoveu a palhaçada que foi o apoio da base parlamentar ao seu ministro, ato equivalente a uma cusparada na cara da população. Quando aqueles 16 deputados atravessaram a Esplanada dos Ministérios em ato de desagravo a Geddel, declarando o seu apoio “amplo e irrestrito” à atitude imoral de um homem suspeito, o seu governo cruzou a linha da decência, e fez uma declaração pública de falta de princípios. Que se danem a ética e a coisa pública, desde que os negócios dos companheiros fiquem garantidos: em Brasília, todos se entendem.

Rodrigo Maia disse que Geddel é fundamental à articulação política, e que afinal o parecer do Iphan não foi revisto, portanto nada de grave aconteceu; parece que, para ele, tráfico de influência só é crime quando o traficante logra o seu intento. Renan Calheiros dá o fato por superado, uma bobagem de nada. Ao contrário do que eles acham, no entanto, e ao contrário do que afirma André Moura, o líder do governo na Câmara, o caso Geddel não é uma coisa “pequena” e “pontual”. É um escândalo, e é o retrato de tudo o que não suportamos mais ver na política: a corrupção, o compadrio, o uso da máquina do poder em proveito próprio e em detrimento da sociedade como um todo.

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A violência de uma cidade não se expressa apenas no número de assassinatos ou de assaltos que acontecem nas ruas. Ela se expressa também em outras formas de agressão cotidiana aos cidadãos, do trânsito e da poluição a uma arquitetura que evidencia que as leis ou não funcionam, ou não são iguais para todos.

Não há uma só cidade que eu conheça no Brasil em que não haja exemplos concretos desse desvirtuamento da lei, a começar aqui pelo Rio, a começar até aqui pela minha rua, onde entre prédios de 12 ou 13 andares erguem-se dois espigões com o dobro do tamanho dos outros. Basta olhar para eles para ver que funcionários públicos foram corrompidos, licenças foram negociadas por baixo dos panos e a prefeitura fez que não viu. Eles são monumentos à canalhice de um sistema apodrecido, sem ferramentas efetivas de fiscalização.

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Uma empresa que começa uma construção das proporções do famigerado La Vue numa área histórica sem antes ter autorização do Iphan tem certeza absoluta de que vai obter essa autorização — especialmente quando o Instituto dos Arquitetos, a associação de moradores local e o Escritório Técnico de Licenças e Fiscalização estão contra a obra.

O edifício que o ministro Geddel quer ver concluído, e onde comprou apartamento, é uma aberração arquitetônica, um estrago monumental numa paisagem já muito castigada. Qualquer busca no Google por La Vue + Salvador revela as dimensões do desaforo, que ainda por cima tem esse nome cafona dado para impressionar gente colonizada.

Não é apenas o ministro que deve ser investigado no caso. A construtora Cosbat, responsável pela obra, o Iphan da Bahia e a prefeitura de Salvador, que a autorizaram e que são, consequentemente, cúmplices dessa violação, também deveriam responder pelas suas ações.

Mas, né? Prefeitura investigada por causa de prédio irregular? Por causa de licenças suspeitas? Por causa de atentado paisagístico?

Vai sonhando, Cora Rónai, vai sonhando.

Cora Rónai
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E agora, pai?

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Nelson Motta lendo para a filha Graça
Muitas vezes, quando não sei o que fazer diante de uma situação, penso no que meu pai faria. E faço.

Quando eu estava furioso e indignado com injustiças e torpezas, querendo quebrar tudo, ele aconselhava serenidade e tolerância, não como submissão e resignação, mas como prova de superioridade moral e força dos meus argumentos.

Como grande advogado e conhecedor do sistema judicial brasileiro, com todas as suas mazelas e atrasos, sempre me dizia que brigar era o pior negócio, pela perda de tempo e dinheiro, e buscava acordos que contentassem as partes.

Desde pequeno, ele me buzinava que se leva uma vida para construir um conceito — e que basta um erro para perdê-lo. Recuperar um bom conceito custa muito mais tempo e sacrifícios do que construí-lo.

Ele e eu não somos santos, temos muitas falhas e fraquezas, mas entre elas não estão a covardia e a prepotência: “Você tem que ser humilde com os humildes e altivo com os poderosos.”

Tratava empregados melhor do que patrões, sempre nos dizia que qualquer pessoa que trabalhava para ganhar a vida era superior a nós, que só estudávamos e vivíamos às suas custas.

Quando crianças, eu e minha irmã às vezes disputávamos o último guaraná, ou o último pedaço de bolo, e ele lançava a sentença fatídica: “Um divide, e o outro escolhe”. Eram horas contando gotas e grãos para não dar vantagem ao que escolhia, fazendo justiça sem querer.

Ultimamente, tenho solicitado bastante o que seriam as suas possíveis opiniões diante da loucura que se tornou o Brasil, para não sair xingando e distribuindo inúteis coices e cusparadas verbais.

“Calma, meu filho, assim você não vai conseguir nada. Os que te inspiram ódio vão seguir em frente, eles não ligam de serem odiados, e você fica com o ódio lhe envenenando a alma e confundindo seu pensamento.”

A última vez que estive com ele, já com 92 anos e muito debilitado, “de saco cheio de viver”, perguntei-lhe como estava, e ele respondeu: “E você, como está?”.

“Eu estou bem, é você que interessa”.

“Ah, meu filho, ficar velho é uma merda.”

“Mas, pai, não ficar é pior ainda.”

E rimos juntos pela última vez.

Nelson Motta

O que resta de vergonha na Câmara está perto de zero


Ao insistir no sepultamento das bandalheiras vinculadas ao caixa 2 e na invenção de medidas destinadas a intimidar o Judiciário e o Ministério Público, a portentosa bancada dos fregueses da Odebrecht em ação no Congresso confirma que a delação premiada da empreiteira elevou espetacularmente a taxa de cinismo e reduziu a quase zero o pouco que resta de vergonha.

Depois do que houve na madrugada desta quinta-feira, só falta institucionalizar a impunidade perpétua dos parlamentares com um projeto de lei composto de dois artigos:
Art. 1° Nenhum deputado ou senador poderá ser responsabilizado por atos antiéticos, imorais ou criminosos praticados entre o dia do nascimento e a data da morte.
Art. 2° Revogam-se as disposições em contrário.

O Rio de Janeiro continua sendo ... e o Brasil também!

O ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral começou na política como deputado estadual, implacável perseguidor de corruptos e corruptores. Perseguido pelos desiludidos de 2013, que invadiram a calçada de seu refúgio no Leblon, renunciou em 2014, não se candidatou a nenhum mandato público e terminou perdendo sua prerrogativa de foro. Alcançado pelos afiadas garras da Lava Jato, foi preso sob a acusação de ter surrupiado dos cofres públicos R$ 224 milhões. Uma fortuna, hein?

Os investigadores da Operação Calicute, cidade da Índia onde outro Cabral, Pedro Álvares, descobridor do Brasil, conheceu a derrota e teve iniciada a decadência, acreditam que ele operou um “banco paralelo” à sombra de uma empresa transportadora de valores para receber, guardar e distribuir dinheiro vivo para a mulher, Adriana Ancelmo, e a mãe, Magali. E mais uma penca de gatunos amestrados, todos mimoseados com joias, cargos públicos e porcentagens em obras contratadas pelo Estado e outras benesses. Descoberto, localizado e preso, foi fichado e trancafiado numa cela em Bangu. Ainda assim, goza de privilégio inestimável: seus cinco companheiros de cela não são bandidos comuns, que poderiam machucá-lo, mas cúmplices de suas aventuras folgazãs e de suas atuais desventuras.

A forma como lavou dinheiro sujo se assemelha ao dito Departamento de Operações Estruturadas de sua parceira Odebrecht, um sofisticado data center na Suíça. E também reproduz a tecnologia de entesouramento e investimento de uma prática ancestral no Estado que governou. Os bicheiros de antigamente, praticantes do “vale o escrito”, também driblavam os controles fiscais, abrigados sob a definição penal da contravenção, ou seja, quase crime. E frequentavam a fina flor da high society carioca nos melhores salões e, sobretudo, no Sambódromo, dirigindo escolas de samba, coloridas e cultuadas lavanderias de valores. Agora como dantes no quartel de Abrantes, apontadores da loteria popular de Saenz Peña, nome de praça na cidade ex-Maravilhosa, continuam entregando o “prêmio do delegado” e convivendo com crocodilos em piscinas. O furto político era até pouco menos arriscado, mas deixou de ser.

Família Brasil, Luis Fernando Verissimo
Anthony Garotinho, ex-governador lançado na política pelo socialista moreno Leonel Brizola e guia de Cabral em sua ascensão aos cargos de mando no Estado mais charmoso do País, foi pilhado em delito mais antigo do que os pontos de bicho e as bocas de fumo de antanho. Comprar votos foi a forma que a elite dirigente nacional encontrou para compensar a extinção da eleição de bico de pena da Primeira República dos coronéis da guarda nacional. Ao soba de Campos dos Goytacazes repugna a mania de ostentação de seu antigo discípulo. Distribuindo “chequinhos” a necessitados, garantiu a permanência do clã na prefeitura municipal local, a eleição de 11 vereadores e o ingresso de Clarissa, amada filhota dele e da prefeita Rosinha, na Câmara dos Deputados. Obediente ao conselho paterno de ajudar a ex-presidente Dilma Rousseff a ficar no cargo máximo, ela alegou resguardo de maternidade recente para não votar pela abertura do processo de impeachment da madama pela Câmara e seu envio ao Senado. A filha obediente pagou pelo desrespeito ao fechamento de questão do PR, legenda pela qual se elegeu, não sendo expulsa pela ausência, que valeu como voto contra o impeachment da deposta, vulgo Janete, mas, sim, porque ela voltou a contrariar o PR de Waldemar Costa Neto votando contra a PEC do teto dos gastos públicos. A vida, decerto, não lhe ensinou que só se pode gastar o que se ganha.

Como na República de Pilatos dos velhos tempos, “uma mão lava a outra” e a mesma água de enxaguar propinas evitou a sofrência de “meu pai não é bandido”, por ela berrado à porta do Hospital Souza Aguiar, no complexo presidiário povoado por feras enlouquecidas de vingança. Afinal, quando Rosinha foi governadora, ele não chegou a ser secretário de Segurança Pública? Como aquele agente funerário que foi chamado para maquiar o filho de dom Corleone no Poderoso Chefão, haveria alguém a quem pedir socorro. Ocorreu-lhe, então, instruir seus advogados a procurarem a mais jovem ministra do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), com a qual já mantivera contato, Luciana Lóssio. Nomeada pela presidenta afinal deposta, ela poderia evitar humilhação similar à do ex-afilhado e ora desafeto Cabral. As fotos tiradas à entrada deste no presídio para a ficha criminal foram exibidas nos meios de comunicação com estardalhaço idêntico ao dispensado àqueles flagrantes da festa dos guardanapos na cabeça em restaurante de alto luxo em Paris, que Garotinho divulgou em seu blog.

A pressurosa ministra não permitiu que o pai da compreensiva parlamentar passasse sequer uma noite na companhia cruel de antigos desafetos, mais perigosos do que os cinco grã-finos e o colega ex-governador. Dra. Lóssio fora antes advogada de Roseana Sarney, quando esta, derrotada nas urnas pelo adversário Jackson Lago, retomou o posto de governadora do Maranhão, direito do clã inaugurado pelo pai ainda no tempo em que a lei eleitoral dava ao vencido na eleição o cargo que o adversário o houvesse derrotado de maneira ilícita.

Militante petista investida em mandato inviolável, a caridosa magistrada pouco se importou com a divulgação das instruções do réu em questão a seus causídicos, como divulgada fora simultaneamente a investigação aberta pelo Ministério Público Eleitoral sobre denúncia de tentativa de suborno do juiz pelo acusado. O cargo da jovem senhora é vitalício e conta com a proteção automática dos pares. O nobre colegiado apressou-se a soltar uma nota garantindo que todos os seus ministros têm “idoneidade moral” e que as decisões refletem “profundo embasamento teórico”, antes mesmo que qualquer desavisado duvidasse publicamente desses atributos.

Antes de ser solto pela decisão da misericordiosa ministra amiga, o ex-governador protagonizou esperneio registrado por câmeras, ao som da gritaria histérica da mulher e da filha captada por microfones dos meios de comunicação. Piedosos garantistas de quatro costados reclamaram da humilhação imposta ao insigne acusado. Esqueceram-se de que o episódio motivou decisão histórica da jurisconsulta Lóssio. Graças a sua canetada, a piada do “jus sperniandi” (em latim vulgar, direito de espernear) tornou-se jurisprudência na Justiça Eleitoral tupiniquim.

A cena inusitada, a decisão piedosa e o flagrante pornográfico do investimento imobiliário do secretário de governo de Temer (ex-vice da presidenta deposta), ferindo o decoro da paisagem de Salvador, sob a omissão licenciosa do temeroso chefão, ampliam o alcance de constatação de Gilberto Gil. Este outro baiano cantou: “O Rio de Janeiro continua sendo”.

Pelo visto, o Brasil também reproduz a constatação final de George Orwell em A Revolução dos Bichos: “Todos são iguais perante a lei, mas alguns são mais iguais do que os outros”. Quem quer um exemplo? A Comissão de Ética Pública da Presidência começou a votar a decisão se abrirá, ou não, inquérito contra Geddel Vieira Lima, o excelentíssimo padroeiro do espigão: cinco dos sete votos foram a favor e o sexto, José Saraiva, pediu vista para impedir o vexame. Ganhará um docinho de caju de dona Carminha Dantas quem adivinhar quem o indicou para a oportuna sinecura. Pois foi mesmo o fiel escudeiro de Temer – aquele apelidado por Itamar Franco de Percevejo de Gabinete. No fim da tarde da segunda-feira 21 de novembro, pressionado pelos fatos, o próprio Geddel pediu para Saraiva votar pela abertura do inquérito contra ele, o que foi feito por unanimidade. E, assim, confirmou que no governo Temer ele manda parar e seguir. Isso faz com que, como o Rio, o Brasil continue sendo. Sempre e mais o mesmo.

Deus nos acolha e guarde, irmãos sem opa, abandonados neste bordel em cuja parede um quadro de Cristo a tudo assiste e nada fala nem faz para impor a ordem.

José Nêumanne Pinto

Um musical em meio ao lodaçal

Quarta-feira negra

Na semana da “Black Friday”, o Congresso resolveu liquidar parte de seus problemas. A Comissão de Fiscalização da Câmara rejeitou por 17 a 3 um pedido de explicações ao ministro Geddel Vieira Lima, acusado de usar o cargo em proveito próprio. A manobra foi conduzida pelo líder de Temer, e suscitou debate familiar entre deputados: “é tua mãe”, “a prostituta da tua mulher”, “vagabundo”. Pelo que passa em outros plenários, uma pechincha.

Para a base, cada vez mais aliada de si própria, a repetida insistência de Geddel com o ex-ministro da Cultura para que o Patrimônio Histórico (Iphan), a ele subordinado, liberasse a construção de um prédio de 30 andares em área preservada de Salvador não precisa de explicação. Não importa que Geddel tenha comprado apartamento no prédio, nem que seus parentes advoguem em favor da construção junto ao Iphan. Está tudo em casa.

A base de Temer também conseguiu derrubar pedidos de convocação de Geddel em outras comissões. Ao mesmo tempo, o próprio presidente dizia, ao empossar o novo ministro da Cultura, que “com (Roberto) Freire, vamos salvar o Brasil”. Não explicou de quem nem de quê.

Enquanto isso, na Comissão de Ética da Presidência da República, o único conselheiro indicado pelo governo Temer se declarou impedido de opinar sobre o escândalo Geddel. Explicou que decidiu se afastar depois da repercussão de seu pedido de vista sobre o processo do ministro. O conselheiro de ética é advogado da associação das construtoras na Bahia. Obras do acaso.

No dia em que o Supremo autorizou inquérito contra Romero Jucá para apurar se houve crime de corrupção passiva e prevaricação ao defender interesses de empresas que devem tributos, o líder do governo Temer no Senado avisou que a nova anistia para outros sonegadores, aqueles que mantêm dinheiro não declarado no exterior, está pronta para ser votada. Agora, também parentes de políticos poderão repatriar dólares. Chega de discriminação.

O projeto está sendo tocado a jato porque é um “ganha-ganha”: ganham quem tem francos suíços, o Tesouro, governadores e os parentes de políticos que se esqueceram de declarar dólares. Além de ajudar a parentela, espera o governo que a nova lei gere uma receita extraordinária de R$ 30 bilhões em 2017 – que serviria não só para abater o déficit federal, mas também para refrescar a situação desesperadora dos cofres estaduais.

E quem perde? Não seja um estraga-prazeres.

Em outra comissão, deputados pegaram carona no projeto do Ministério Público com medidas para supostamente combater a corrupção e entreabriram uma porta para anistiar crimes de caixa 2 eleitoral e, com sorte, lavagem de dinheiro. Todos os envolvidos dizem que não é bem assim, que o substitutivo ao projeto original não cria brechas. Claro.

Todo esse alvoroço brasiliense, a pressa para aprovar ou reprovar tantas propostas num mesmo dia transformou o Congresso em um mercado de trocas e barganhas maior que o de costume. Em Brasília, a “Sexta-feira negra” caiu na quarta.

Há uma explicação para tanta urgência. A delação de dezenas de executivos da Odebrecht, que até outro dia era a maior empreiteira brasileira, está sendo homologada. É o horror.

Se eles contarem tudo o que sabem, se os procuradores fizeram todas as perguntas que precisam ser feitas, se os magistrados ouvirem a história odebrechtiana sem omissões, fará pouca diferença se houve ou não advocacia administrativa no caso Geddel/Iphan, se o inquérito sobre Jucá no Carf vai andar, e mesmo se deputados conseguirão anistiar o caixa 2.

As delações da Odebrecht têm potencial para zerar o jogo brasiliense, com repercussões em governos estaduais e prefeituras de todo o Brasil. São potencialmente tão devastadoras que, suspeita-se, nem Jesus salva.

Aposentadoria ameaçada

A “verdadeira bomba-relógio financeira” que a auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) encontrou nos regimes de previdência de dezenas de Estados e municípios, como a descreveu o ministro do TCU Vital do Rego, tem alcance muito amplo. Situação análoga à desses regimes foi detectada por auditoria anterior do próprio TCU nas demonstrações financeiras e atuariais de 2.089 fundos de previdência mantidos por governos estaduais e prefeituras, cobrindo 7,6 milhões de segurados (sendo 5,1 milhões de servidores ativos, 1,9 milhão de aposentados e 623 mil pensionistas).

O desequilíbrio dos Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS) – como são chamados os fundos previdenciários dos servidores públicos – de 23 Estados, do Distrito Federal e de 31 municípios pode corroer profundamente as finanças de seus patrocinadores. Se isso ocorrer, haverá graves impactos sobre um quadro fiscal destroçado pelas aventuras dos governos lulopetistas e pela recessão delas decorrente.

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É urgente, por isso, a revisão das regras e das práticas administrativas e financeiras desses fundos, para evitar o agravamento, e até a perpetuação, da crise fiscal que o governo federal vem procurando conter. A persistência do desequilíbrio das contas públicas pode condenar o País à estagnação ou decadência econômica, com dramáticas consequências sociais.

A auditoria do TCU em 55 fundos estaduais e municipais – referendada pelo ministro Vital do Rego, que a relatou, e aprovada pelo plenário da Corte de Contas – mostra que os regimes previdenciários próprios consumiram, no ano passado, 20% da receita líquida dos Estados que os patrocinam. Mantidas as condições atuais, esses gastos alcançarão 28% da receita corrente líquida em 2030, com aumento real de 40% no período.

Segundo o TCU, para que esse aumento não faça crescer o déficit, a receita líquida dos Estados precisaria crescer 8% por ano em valores reais, o que não deverá ocorrer. O déficit já acumulado pelos fundos estaduais equivale a 50% do PIB desses Estados e, pelos fundos municipais, a 10% do que produzem os municípios em que eles operam.

O problema dos Regimes Próprios de Previdência Social de Estados e municípios não se limita a seu notório desequilíbrio financeiro. Regras próprias e sistemas próprios de aferição criados por seus patrocinadores encobrem dificuldades e problemas reais. Como exemplo, Vital do Rego lembrou que a auditoria detectou que o fundo de um Estado registrou superávit atuarial de R$ 1,8 bilhão no fim de 2015. Esse resultado decorreu da aplicação da taxa de juro real de 5,5% sobre as aplicações entre 2009 e 2014 e propiciou a transferência de R$ 1,2 bilhão para o fundo financeiro do instituto estadual de previdência. Na realidade, porém, a remuneração real no período foi de 3,9% ao ano, o que levaria à existência de um déficit de R$ 2,4 bilhões.

Aprovada em maio, outra auditoria do TCU, esta nas contas relativas a 2014 de mais de 2 mil entidades de previdência do setor público, constatou graves riscos para a sustentabilidade desses fundos, bem como a todo o sistema legal em que eles estão amparados. Em 454 planos de previdência do setor público, o déficit já alcançava R$ 48,7 bilhões.

Em três quartos dos fundos, a idade média dos contribuintes era superior a 40 anos. Em pouco tempo, esses contribuintes se tornarão – parte já se tornou – beneficiários, pois, em média, aposentam-se cedo no setor público (em 838 planos, a idade média dos beneficiários era inferior a 60 anos). Não são planos sustentáveis ao longo do tempo.

Nas negociações com o governo federal para obter alguma ajuda financeira que lhes permita enfrentar seus sérios problemas fiscais, os governadores concordaram em elevar de 11% para 14% a contribuição previdenciária dos servidores ativos. É uma medida de difícil concretização do ponto de vista político, mas, mesmo que adotada, apenas aliviará o problema. As regras dos regimes de previdência do setor público precisam ser revistas para assegurar seu equilíbrio atuarial.

A hora dos vazamentos

A lista do fim do mundo não se limita apenas aos 78 executivos da Odbrecht que traficaram propinas com deputados, senadores e ministros de recentes governos do PT e demais partidos. Os sacripantas da empreiteira responderão pela corrupção que promoveram, ainda que venham a ser beneficiados pelas delações em vias de concretizar-se. Punições bem mais consistentes serão exigidas para os políticos envolvidos na trama, ou seja, para quantos receberam dinheiro sujo da Odbrecht para facilitar as atividades da empresa.

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Traduzindo: cada executivo apresentará não apenas um criminoso, mas muitos. Dai a previsão de que perto de 200 políticos serão chamados a defender-se por haver-se enrolado no recebimento de propinas.

Tanto os que detém mandatos eletivos quanto os já postos fora da atividade parlamentar receberão sentenças pelo mau comportamento. Precisarão responder e devolver o que receberam. Os que vierem a ser julgados no Supremo Tribunal Federal por prerrogativa de função e os que foram lançados na vala comum conduzida pelo juiz Sérgio Moro.

A dúvida é calcular o tempo, pois meses passarão até que cada um desses prováveis 200 processos cheguem à sua conclusão. Alguns conseguirão provar inocência, mas a maioria, não. Como tanta gente parece envolvida, tem-se a impressão de vazamentos ganharem rapidamente os meios de comunicação. Bem feito para todos…

Imagem do Dia

   O poeta Dylan Thomas descreveu Mousehole como o povoado mais bonito da Inglaterra

Finlândia testa a renda mínima social

Enquanto o governo do Brasil se dedica a suprimir direitos sociais a golpes de caneta e cassetete, eis a questão que superaquece os neurônios finlandeses neste cruel inverno nórdico: se o governo der aos cidadãos dinheiro suficiente para pagar as contas do mês, será que eles ficarão em casa jogando a viciante invenção nacional, o Angry Birds? Ou continuarão acordando para trabalhar e fazer coisas produtivas?

O enigma paira sobre o mais novo experimento social projetado pela Finlândia – a introdução de uma renda mínima universal para todos os habitantes do país. Dinheiro livre, sem nada em troca. Não importa se o cidadão é um miserável ou um bilionário. O simples fato de viver na Finlândia daria a ele esse direito.

Louco ou visionário, o plano do governo é pavimentar o caminho para o que os finlandeses definem como o novo modelo de Previdência Social dos anos 2020.

O modelo será testado a partir de janeiro de 2017, com um grupo inicial de dois mil finlandeses. Cada um vai receber do Estado uma renda mínima de 560 euros mensais (o equivalente a cerca de dois mil reais) – isenta de impostos. A ideia é conduzir o teste-piloto durante 2017 e 2018, e produzir uma avaliação dos resultados em 2019.

A proposta da renda mínima universal é substituir todos os auxílios sociais oferecidos atualmente pelo Estado por um único benefício, a ser distribuído igualmente para todos.

Em outras palavras, não haveria mais auxílio-moradia, seguro-desemprego, auxílios para deficientes e nem verbas para estudantes. Estes e outros benefícios atuais seriam em tese desnecessários, pois cada cidadão receberia do Estado, automaticamente, o mínimo suficiente para viver.

Parece paradoxal, mas dar a cada cidadão uma renda mínima pode sair mais barato para o governo do que o sistema atual. Hoje, milhares de funcionários públicos são necessários para administrar uma complexa rede de programas sociais oferecidos pelo Estado de Bem-Estar social finlandês. Já o modelo da renda mínima poderia ser gerenciado por um número bem menor de servidores – já que o sistema enterraria a burocracia exigida para determinar se um indivíduo tem de fato o direito de receber este ou aquele benefício social.

Também soa paradoxal, mas a meta do experimento finlandês também é exatamente promover o trabalho: hoje, conseguir um trabalho temporário, por exemplo, pode significar o corte de diferentes benefícios sociais.

O modelo experimental deste bolsa-família turbinado está sendo articulado pelos estrategistas do Kela, o Instituto Nacional de Seguridade Social da Finlândia, em mutirão com pesquisadores de diferentes organizações do país. Feito o experimento, será possível avaliar se um modelo de Previdência Social sem regras pode resultar em uma sociedade mais feliz, e mais produtiva.

O plano finlandês é pioneiro: um sistema puro de renda mínima universal não existe em nenhum lugar do mundo. Mas a crise financeira internacional, e o consequente aumento da desigualdade social, fazem crescer na Europa os movimentos que defendem a ideia de uma renda mínima universal.

Economistas como Thomas Piketty apontam que a concentração da riqueza aumenta em todos os países desenvolvidos, e muitos alertam que talvez todos tenham que aprender a viver com um significativo e permanente índice de desemprego. Uma grande onda de automação industrial, conforme já previu estudo da Universidade de Oxford, tem o potencial de eliminar até 47% dos postos de trabalho em um futuro não muito distante.

O raciocínio é que, em um mundo no qual apenas uma parcela da população terá empregos tradicionais, será preciso criar um novo sistema de bem-estar social a partir de uma distribuição mais justa da riqueza.

Vários países europeus já consideram a ideia de uma renda mínima universal – na Suíça, a proposta foi rejeitada este ano pela população através de um referendo popular, que é como os suíços gostam de tomar as suas decisões.

Já a Holanda também planeja para o próximo ano um teste-piloto sobre uma renda mínima para todos.

Mas qual seria o valor ideal de uma renda mínima universal? Há controvérsias.

Teoricamente, a renda mínima deve ser suficiente para um cidadão viver de forma frugal. Antes que se possa abrir um debate improvável sobre a questão no distópico Brasil atual, portanto, seria necessário explicar a políticos e juízes brasileiros o que é viver de forma frugal.

O desafio é encontrar o ponto de equilíbrio: um valor baixo demais não resolveria o problema, e um valor muito alto poderia ser um desestímulo ao trabalho.

“A meta do experimento da renda básica universal é ajustar a Previdência Social finlandesa às mudanças na natureza do trabalho, tornar o sistema mais participatório, fortalecer os incentivos ao trabalho, reduzir a burocracia e simplificar o sistema de benefícios sociais de forma a garantir a sustentabilidade das finanças públicas”, diz a literatura oficial sobre o experimento finlandês.

Engana-se, aparentemente, quem acha que uma renda mínima concedida pelo Estado levaria os cidadãos instantaneamente para debaixo do coqueiro mais próximo: diferentes estudos já conduzidos sobre o tema apontam que apenas uma minoria ficaria em casa, vivendo com o mínimo necessário para sua subsistência.

O fato é que, garantida a estabilidade financeira básica, o indivíduo estaria teoricamente livre para fazer o que desejasse – arriscar-se a abrir o negócio com que sempre sonhou, procurar um trabalho mais satisfatório, reduzir a carga de trabalho em troca de maior qualidade de vida, ou caçar ratos no Congresso.

Se não existisse povo...

Os deputados parecem convencidos de que eles não são o problema do país. O país é que se tornou o problema que atrapalha os negócios deles
Josias de Souza
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Valentões e corrupções

Em Brasilia, a Câmara dos Deputados foi invadida por jovens que protestavam contra a corrupção. E pediam a volta dos militares. Já, nas ruas do Rio, outros jovens agrediam, fisicamente, jornalistas que estavam exercendo suas profissões. Inclusive ferindo o repórter Caco Bercellos, da Globo. Para a deputada Jandira Feghali (dilmista do PC do B), os de Brasilia seriam “intolerantes e fascistas”. Só esqueceu de dizer o mesmo daqueles do Rio. Sua terra, gente sua. Estes, para ela, estariam só praticando um protesto legítimo. Que nada, minha senhora. São é dois grupos muitos parecidos. Um à direita, outro à esquerda. Filhos, ambos, da mesma intolerância. Do mesmo passado. Do mesmo autoritarismo travestido em democracia.

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A graça no caso de Brasilia, se isso for graça, é que a crença daqueles valentões se funda numa lenda falsa. De que o Golpe Militar de 1964 era imune à corrupção. Os fatos provam o contrário. Já em 1968, ainda tenra nossa tão feia ditadura, tivemos uma Comissão Geral de Investigações – CGI (Decreto–Lei 359) criada, precisamente, para promover o confisco dos bens adquiridos, de maneira ilícita, no exercício de função pública. Foram tantos casos, envolvendo militares e gente ligada a eles, que era mesmo necessário fazer algo.

Esta CGI tinha poderes (art. 38) para apurar quaisquer atos de corrupção. Sem que se conheça, hoje, as investigações realizadas. Por terem sido incineradas (é o que se diz). Pena. Mas foram muitas. Até porque, caso diferente fosse, e nem razão haveria para criar uma CGI assim. Aqui mesmo, no Recife, acabou famoso um general, diretor de banco do governo, que enriqueceu apostando com um empresário que seus empréstimos seriam liberados. A juros simbólicos. Eram sempre. E ligeiro. Caixinha, obrigado.

A evidencia de corrupção ampla, nesse período, não para por aí. No início de 1969, começava a nascer a Operação Bandeirantes – OBAN. Pensada para ser o braço clandestino dos órgãos de segurança. E responsável por boa parte das torturas e desaparecimentos forçados que se deram, na época. O ato (informal) que celebrou sua criação deu-se em 01/7/69. Contando, inclusive, com a presença de figuras importantes das elites políticas e empresários de São Paulo.

Tanto foi o sucesso (na versão das forças de repressão) desse empreendimento que, em fevereiro de 1970, o major Waldyr Coelho (chefe de Coordenação de Execução da Central de Operações da OBAN) sugeriu, ao Comando do II Exército, a criação de uma OBAN específica contra a corrupção (documento ACE 16.645–70, Arquivo Nacional). Sem sucesso. Tudo como circunstanciamos no Relatório Final que fizemos, na Comissão Nacional da Verdade.

Naquele tempo, a ideia de combater a corrupção se limitava a punir só os que recebiam grana. Sem atingir empreiteiros ou militares que lhes davam cobertura. Talvez porque fossem, todos, velhos companheiros da Ditadura. Hoje é diferente. Nossas prisões, já era hora, passaram a ser frequentadas, também, por donos de construtoras e agentes políticos – que substituíram, na periferia do poder, aqueles militares. Inclusive ministros e governadores. Por enquanto.

Corrupção havia, sim. Muita. Praticada, indistintamente, por civis e militares. No fundo, e infelizmente, por ser um desvio da própria natureza humana. Só que, nos negros anos, não se sabia dos submundos do poder. Porque havia censura. Completa (quase). Enquanto, hoje , temos imprensa livre. Essa é a maior diferença. E ainda bem.

Senhores do mundo

No tempo em que éramos senhores do mundo, ouvíamos The Plattters, bebíamos cuba-libre e as moças se chamavam Maria. Havia Marias de toda parte, assim como havia Maria antes e depois de todos os nomes. Umas eram inexpugnáveis como as Marias dos Anjos, cujo nome recendia a vela acesa e eram sempre piedosas em seus vestidos imaculadamente brancos. Outras, como as Marias do Socorro, acenavam com atenções imprecisas e inquietantes.

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Passaram-se os anos e Maria virou nome de senhora. As mocinhas, como pude ver numa última formatura a que compareci, não se chamam mais Maria e o mundo perde com isso: têm nome que não há como saber de cor, estudam análise de sistema, cálculo infinitesimal, engenharia florestal e nunca, nunca, foram normalistas. Jamais vestiram uma camisa de listas, com tope azul e vermelho; não costuram, não bordam, não cozinham. Não lêem Machado de Assis, e não sabem o que perdem.

Era um tempo em que os namorados andavam de mãos entrelaçadas e os casais – apenas eles – de braços dados. E assim iam todos, aos clubes e cinemas, cada qual ostentando sua condição pela forma como conduziam as Marias. Hoje elas andam de todo modo (e de maus modos); e não sabem o que perdem.

Ah, como eram brancas as Marias daquele tempo! Cultivadas à sombra, expendiam as manhãs de sol nas varandas, ciosas de suas peles leitosas. Agora, ainda não terminaram as geadas e as moças já surgem queimadas, quase grelhadas. Se desvestem por gosto e têm jeito de tira-gosto.

Não há McDonald’s no mundo inteiro que faça um sanduíche como o sanduíche de pernil do Matheus (cuja fartura era um subsídio generoso do estabelecimento às pacíficas madrugadas da Capital), porto seguro dos senhores do mundo, extenuados por suas Marias, após as reuniões dançantes da Faculdade de Arquitetura e os inesquecíveis bailes da Reitoria. A vida – puxa vida! – jamais foi a mesma sem os bailes da Reitoria, de bons hábitos e maus costumes: a virtude dançava na periferia da pista, enquanto a volúpia se comprimia em sincrônicos movimentos no centro do salão.

Não, leitor amigo, isto não é nostalgia. É saudade mesmo: saudade orgulhosa de ter sido senhor do mundo, em tempos que não voltam mais. Quem os perdeu, perdeu.

Percival Puggina