quinta-feira, 17 de novembro de 2016

De Trump a Maduro: o que é realmente o populismo?

O populismo é um conceito muito repetido em 2016. Seu significado parece estar claro para muitos, mas não é tão evidente. O presidente Barack Obama iniciou um recente discurso sobre o populismo dizendo: “Não sei se alguém poderia procurar no dicionário a definição de populismo”. Sem que ninguém o ajudasse, terminou com uma definição negativa: “Alguém que cria rótulos ‘nós contra eles’ ou usa retórica sobre como vamos cuidar de nós em relação a eles não é a definição de populismo”.

O presidente Obama estava errado. O consenso acadêmico define o populismo exatamente assim: “É uma ideologia rasa que considera que a sociedade se divide em dois grupos homogêneos e antagônicos, o ‘povo simples’ e a ‘elite corrupta”, diz Cas Mudde, professor da Universidade da Geórgia. Esse discurso pressupõe que “os dois grupos têm interesses irreconciliáveis, o que leva a enfatizar a soberania nacional ou popular”, diz Luis Ramiro, professor da Universidade de Leicester. O político populista é, então, o único que representa a voz de toda a população.

¿De qué hablamos cuando hablamos de populismo? - Ezequiel Adamovsky | Sin Permiso:
Por essa definição, o populismo é um instrumento eleitoral ou de poder. Seu uso bem-sucedido mais recente foi a campanha de Donald Trump: “A pergunta de amanhã é: quem vocês querem que governe a América, a classe política corrupta ou o povo?’”, perguntava Trump na véspera da eleição.

Na Europa, o Brexit e o crescimento da Frente Nacional na França são outros exemplos. No sul da Europa, dois partidos de esquerda – o Syriza, na Grécia, e o Podemos, na Espanha – usaram essa distinção entre povo e elites. “O Podemos propõe a necessidade de uma nova identidade política, um ‘nós’, que é fundamental em política, que não é mais esquerda-direita, mas sim povo-oligarquia, cima-embaixo, população-casta”, diz Jorge Lago, responsável pelo Instituto 25M, uma fundação vinculada ao Podemos.

A estratégia do "eles contra nós" seria a grande semelhança entre os populismos: “O que Trump e o Podemos têm em comum é sua reivindicação de que as elites desapontaram o povo e usurparam a democracia. Como resultado, dizem que o povo deve ‘recuperar seu país’ votando neles”, diz Duncan McDonnell, professor da Universidade Griffith em Brisbane (Austrália). O Podemos acredita que essa análise é simples demais: “Desde o início da crise assistimos a um processo inquestionável de oligarquização da economia e da política. Pensar que só por isso se é populista é uma análise apressada”, diz Lago.

É possível, pois, falar de um populismo genérico. Existem, contudo, duas grandes diferenças entre os populismos de direita e de esquerda. Primeiro, obviamente, as políticas: “O Podemos e a Frente Nacional têm em comum o fato de dirigirem seus ataques contra uma elite liberal que acreditam ser responsável pelos problemas. Mas diferem no tipo de problemas que identificam e enfatizam, e nas soluções que oferecem”, diz Benjamin Stanley, professor da Universidade SWPS de Varsóvia (Polônia).

A segunda distinção entre os populismos de esquerda e de direita é a definição de povo: “A maneira como se constrói o povo é a principal diferença entre ambas as formas de populismo”, diz Chantal Mouffe, que iniciou, com Ernesto Laclau, uma corrente que reivindica o populismo e é citada repetidamente no Podemos. O povo pode ser um ente cívico ou étnico. A direita tende a centrar-se no conceito étnico, daí sua retórica sobre a imigração. A esquerda é mais inclusiva. Reduz sua definição do “nós” a algo mais etéreo: “O Podemos diz que o populismo é uma forma de retórica com a qual se constrói uma forma de povo”, diz Guillem Vidal, pesquisador do European University Institute em Florença (Itália).

Aqui surge outra grande confusão sobre o conceito de populismo: Existem medidas populistas ou apenas de esquerda, de direita, demagógicas ou estúpidas? Os acadêmicos divergem. Hoje, por exemplo, a direita populista abandonou a defesa do livre mercado em favor do protecionismo. Nesse aspecto, sua posição a aproxima de setores da esquerda. O movimento pode ser populista, mas a proposta concreta também é? Ramiro acredita que não: “Não está claro se o protecionismo é de direita ou de esquerda. Dizer que algo é uma política fiscal ou exterior populista é expandir o conceito de maneira excessiva ou perigosa. Demagogia não é populismo”, diz.

Entre os acadêmicos consultados, há um que define o populismo como algo mais que uma mera retórica de campanha: “O populismo é iliberalismo democrático”, diz Takis Pappas, professor na Universidade da Macedônia, em Tessalônica (Grécia). O objetivo dos políticos populistas não seria tanto apresentar uma divisão social, mas sim desmontar a democracia liberal: “Os partidos populistas opõem-se a instituições democráticas como a imprensa livre, a divisão de poderes e especialmente a autonomia judicial”, diz Pappas.

Os exemplos que Pappas menciona são Chávez e Maduro, na Venezuela, e Fujimori, no Peru. Se um líder é o único representante do povo, qual a necessidade de uma oposição e contrapesos do poder? A ideia de que todos os adversários pertencem à elite corrupta os deslegitima: se o discurso populista é levado ao extremo, “projeta uma concepção majoritária da política em que os partidos no poder supostamente servem ao povo inclusive contra a lei”, diz Pappas.

O populismo revela se é mais que um discurso quando chega ao poder. No discurso de Trump aparecem detalhes iliberais. No governo será olhado com lupa. Mas nem todos os populismos implicam iliberalismo: “Existem populistas que não usam esses elementos para debilitar a separação de poderes ou intervir de forma perigosa nos meios de comunicação”, diz Ramiro.

Nobreza de togas

Chega a ser uma malvadeza acreditar que o Judiciário é o pai da farra salarial dos marajás. Ele é apenas o mais astuto e, muitas vezes, o mais prepotente. Podendo ser parte da solução, decidiu se transformar em paladino do problema.
 Resultado de imagem para togas de ouro charge
Trump e Bloomberg toparam trabalhar por um dólar, mas são bilionários. A magistratura brasileira poderia limpar esse trilho, decidindo que nenhum servidor, a qualquer título, pode levar para casa mais de R$ 33,7 mil mensais. Ninguém passará fome.
Infelizmente, em junho passado o juiz mineiro Luiz Guilherme Marques pediu para ficar sem o seu reajuste enquanto durar a crise da economia nacional. Dentro da lei, ele ganha R$ 41 mil líquidos. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais indeferiu seu pedido, pois salário é coisa “irrenunciável”. 
Elio Gaspari

A revolta dos que não têm partido

Os aloprados que invadiram o plenário da Câmara temperam com pitadas de ideias podres o caldo da crise brasileira, que tem dado umas fervidas nestes dias. Não entorna pelo país inteiro. Mas preocupa.

É fácil desconsiderar o bando que expulsou deputados federais de suas cadeiras a fim de pedir golpe militar. Quem teve o lazer ou o trabalho de assistir à TV na tarde desta quarta-feira (16) via imagens dos aloprados se alternando, por exemplo, com o caso muito mais sério da revolta dos servidores do Rio.

No entanto, aloprados da extrema-direita voltaram a dar a cara nas ruas desde o Junho de 2013 até a campanha da deposição de Dilma Rousseff. Um deputado inominável do PSC do Rio elogia a tortura em plenário e reivindica o legado da ditadura militar. O PSC é o partido do líder do governo na Câmara, André Moura, aliás padrinho de algumas das mumunhas para dar folga a corruptos públicos e privados.

Por falar nisso, essa molecagem institucional tende a se tornar outro motivo de tensão nacional e do desprezo crescente, chegando ao absoluto, pela política partidária.

Não se trata de dizer que os aloprados são "ovos da serpente", algum outro clichê repulsivo desta espécie ou que são por enquanto mais do que bandos.

15109458_1377940028896378_6182917377661936360_n

Mais importante é pensar no outro lado, no mundo que deveria ser o da política democrática, governos, Parlamentos, partidos ou movimentos da sociedade civil ou "coletivos", o que seja. Isto é, aquelas organizações que poderiam dar sentido à grande e já vez e outra explosiva insatisfação.

Este mundo da política se desfaz, está inerte ou aí se encontram tentativas ainda incipientes ou marginais de organização. O que vai ser feito das revoltas mudas ou gritantes, que ainda vão perdurar, assim como as nossas várias crises?

Para ficar no assunto principal destas colunas, a crise do emprego ainda deve piorar; o desemprego no final de 2017 ainda seria maior que o de meados deste ano, indicam estimativas razoáveis. Mesmo para a abstração que é o PIB, a perspectiva para o ano que vem é de estagnação (nenhum crescimento, em termos per capita).

A ruína dos governos estaduais, Rio de Janeiro à frente e acima de todos, vai durar anos, vai abalar a economia, causa fúrias e misérias. Não terá solução que não seja dolorosa, embora a dor por ora seja reservada ao povo miúdo. Os governadores de irresponsabilidade criminosa estão soltos.

O governo federal tem um plano econômico que, concorde-se ou não com tal programa, não faz sentido nem dá esperança para a maior parte da população, que de certa forma expressa tal opinião dando notas baixíssimas ao presidente e preferindo que houvesse novas eleições. Não há conversa que faça sentido para o povo miúdo, quase todo mundo, isto quando não há troça de movimentos de protesto, como o dos secundaristas, mas não apenas.

A desconexão entre organizações e movimentos políticos maiores e o povo é quase terminal; as alternativas não apareceram ou não tem presença bastante. A crise vai durar. Pode permanecer em fervura baixa e contínua. Ou não.

Não é uma boa ideia esperar para ver como é que fica, sem projeto socioeconômico ou político crível que dê sentido à revolta ora silenciosa.

Temer tem sido menos do mesmo de Dilma?

Trava-se nas instituições brasileiras uma corrida secreta entre punição e impunidade. A operação abafa corre sem poupar fôlego para chegar antes de a força-tarefa da Lava Jato encerrar o acordo de leniência com 70 executivos da Odebrecht e encaminhá-lo para homologação do relator no Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Teori Zavascki. Seu objetivo é debelar a insônia de centenas de políticos e apaniguados que temem ser processados e julgados antes de aprovarem no Congresso Nacional um pacote de leis que lhes assegure paz no sono e plena liberdade.

Os procuradores federais esperam concluir as negociações em reuniões com a cúpula da maior empresa empreiteira do Brasil antes do Natal e que Zavascki não adie para depois da Quarta-Feira de Cinzas a homologação da “delação do fim do mundo”, pois Renan Calheiros poderia ser apanhado no contrapé. Ele é o maior interessado nessa anistia generalizada para políticos, empresários e executivos de estatais e repartições federais, de vez que é alvo de 11 investigações no STF. Gozará de foro privilegiado até 2018, mas não será mais o presidente do Senado e do Congresso, perdendo poder.


Para evitar que isso aconteça ele recebeu no sábado passado, na residência oficial que ocupa em razão do cargo, os presidentes da República, Michel Temer, e da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, para uma feijoada regada a caipirinha. Na promiscuidade reinante na capital federal desde a mudança para Brasília, os Poderes confraternizam sem pudor. Foram convivas Aroldo Cedraz, presidente do Tribunal de Contas da União, e mais dois de seus ministros, Vital do Rego e Bruno Dantas. Além do líder do PMDB e futuro presidente do Senado, Eunício Oliveira (CE), e do anspeçada do chefe do Executivo Moreira Franco. O passado foi representado pelo ex-presidente José Sarney. Só faltou a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, que se mostra decidida a manter-se como última instância do decoro de uma República sem vergonha.

Quem compareceu não deu explicações ao Estado, que flagrou o repasto, mas isso não impediu que o repórter Erich Decat descobrisse que o anfitrião tratou do pente-fino que pretende fazer nos “supersalários” dos dignitários do Judiciário e do Ministério Público. Assim, trouxe a lume a bandeira dos “marajás” de seu ex-chefe Collor. A missão seria republicana, por aliviar o bolso vazio do cidadão neste tempo de crise, reduzindo a folha de pagamento de Poderes estroinas e expondo a fragilidade ética de juízes e procuradores que combatem com denodo a corrupção alheia, mas não abrem mão de privilégios também daninhos às finanças públicas. Perde, porém, esse condão por se tratar de mera retaliação.

Outros assuntos ingeridos com limão, cachaça, paio e carne seca causam ainda mais indigestão na cidadania empobrecida pela quebradeira das empresas e pelo desemprego de 12 milhões de trabalhadores. São eles: a Lei do Abuso de Autoridade, o projeto que altera a leniência de empresas acusadas de corrupção e a cínica inserção da anistia ao caixa 2 praticado em disputas eleitorais no projeto, apoiado por 2 milhões de eleitores, das dez medidas contra a corrupção.

A pretexto das necessárias garantias ao cidadão desprotegido contra a arbitrariedade dos agentes do Estado, o primeiro desnuda a desfaçatez, pois submete o princípio ético à agenda de conveniências do presidente do Congresso até fevereiro: ele arrancou o projeto da gaveta, onde dormitava, inerte, desde 2009, para amedrontar policiais, procuradores e juízes dispostos a desvelar falsas vestais da política.

O segundo, criticado pelo ministro da Transparência, Torquato Jardim, dribla o acordo internacional contra a corrupção ao qual Dilma aderiu. E repete a meta da presidente deposta de adotar os sham programs(programas de fachada), propostos pelas empresas acusadas pela Lava Jato.

Nos estertores da quarta indigestão imposta ao País pelo PT, o professor Modesto Carvalhosa denunciou exaustivamente a desfaçatez do discurso, falso como nota de 3 reais, da necessidade de perdoar empresários corruptos para garantir empregos, feito pela ex-presidente, que se anuncia pelo codinome de Janete ao atender telefonemas. O assunto, contudo, não se exauriu. E ganhou formas mais capciosas.

O projeto contra a corrupção, defendido anteontem na Câmara pelo Ministério Público Federal, contempla a criminalização do caixa 2. Então, contabilidade ilícita não é ilegal? É claro que é! Na votação da Ação Penal 470, a citada Cármen Lúcia, do STF, passou um carão em advogados presentes no plenário, pedindo respeito à lei, que proíbe tal prática, de que os políticos se querem ver liberados, mas ainda incriminando empresários que a violem. A criminalização faz-se necessária para atingir ex-políticos, candidatos derrotados e partidos. O relator, Ônix Lorenzoni, manteve-a no parecer que apresentou, mas avisou que parlamentares poderão alterar seu texto final para anistiar quem praticou o delito antes da vigência da lei, com base no princípio constitucional de que norma penal nunca pode retroagir contra o réu.

Já foi ensaiada uma tentativa malandra de aprovar a infâmia, mas, denunciada e derrotada, ela foi declarada órfã e abandonada. Sabe-se, porém, que o pai desnaturado se chama André Moura, conhecido na Câmara como André Cunha no reinado de Eduardo Cunha, de quem foi vassalo. Agora líder do governo, ao agir ele põe em dúvida as juras de amor de Temer à Operação Lava Jato.

“É preciso estar atento” para evitar que a operação abafa imponha “mais do mesmo” em matéria de impunidade no Brasil, disse à Folha o ministro do STF Luiz Roberto Barroso, cônscio da quantidade de interesses feridos pela Lava Jato. Se o líder do governo continuar conspirando a seu favor, será o caso de perguntar se Temer não pratica o menos do mesmo do que fazia Dilma.

José Nêumanne

América de sempre

Resistir

O homem não pode manter-se humano a esta velocidade, se viver como um autômato será aniquilado. A serenidade, uma certa lentidão, é tão inseparável da vida do homem como a sucessão das estações é inseparável das plantas, ou do nascimento das crianças. Estamos no caminho mas não a caminhar, estamos num veículo sobre o qual nos movemos incessantemente, como uma grande jangada ou como essas cidades satélites que dizem que haverá. E ninguém anda a passo de homem, por acaso algum de nós caminha devagar? Mas a vertigem não está só no exterior, assimilá-mo-la na nossa mente que não pára de emitir imagens, como se também fizesse zapping; talvez a aceleração tenha chegado ao coração que já lateja num compasso de urgência para que tudo passe rapidamente e não permaneça. Este destino comum é a grande oportunidade, mas quem se atreve a saltar para fora? Já nem sequer sabemos rezar porque perdemos o silêncio e também o grito. 
Koren Shadmi
Na vertigem tudo é temível e desaparece o diálogo entre as pessoas. O que nos dizemos são mais números do que palavras, contém mais informação do que novidade. A perda do diálogo afoga o compromisso que nasce entre as pessoas e que pode fazer do próprio medo um dinamismo que o vença e que lhes outorgue uma maior liberdade. Mas o grave problema é que nesta civilização doente não há só exploração e miséria, mas também uma correlativa miséria espiritual. A grande maioria não quer a liberdade, teme-a. O medo é um sintoma do nosso tempo. A tal extremo que, se rasparmos um pouco a superfície, poderemos verificar o pânico que está subjacente nas pessoas que vivem sob a exigência do trabalho nas grandes cidades. A exigência é tal que se vive automaticamente sem que um sim ou um não tenha precedido os atos.
Ernesto Sábato (1911 - 2011) 

Farinha pouca, meu pirão primeiro

Os conflitos que dividem as sociedades atuais podem ser classificados em três tipos. Há os baseados em clivagens relativamente fixas, como a raça, a religião ou diferenças linguísticas. Há os baseados em divisões ideológicas, notadamente na contraposição entre direita e esquerda. E há conflitos econômico-redistributivos: a onipresente luta entre indivíduos, empresas e setores para manter ou aumentar sua participação no output total da sociedade.

Esses três tipos se interligam e superpõem de várias formas. A intensidade de cada um varia de uma sociedade para outra, ou de um período histórico para outro. A intensidade conjunta dos três também varia, ou seja, certas sociedades e certos períodos são mais conflituosos do que outros.

Na História dos Estados Unidos, polarizações fortes foram muito mais a regra do que a exceção. Nenhum país exemplifica melhor a regra de que a democracia não floresce após a solução dos conflitos mais profundos – como apregoam certas utopias e certos indivíduos mal informados –, mas junto com eles, justamente para permitir seu equacionamento pacífico. Não é outro o sentido da tese liberal-democrática da oposição legítima, fundamento doutrinário da alternância no poder, que só se configurou plenamente e se consolidou nos Estados Unidos na primeira metade do século 19.

Em que pese certo modismo historiográfico que opina no sentido contrário, parece-me fora de dúvida que conflitos derivados de atributos fixos – no caso, a raça – foram historicamente e permanecem mais importantes nos Estados Unidos que no Brasil. A modalidade norte-americana de racismo é muito mais virulenta que a brasileira e nunca é demais lembrar que foi só depois da 2.ª Guerra Mundial, com o país já ostentando o status de potência mundial, que medidas efetivas começaram a ser tomadas contra práticas generalizadas de discriminação. Isso ocorreu, como é de conhecimento geral, graças à intervenção da Suprema Corte, determinando a dessegregação do transporte escolar infantil.

Atualmente, o preconceito atinge sobretudo os imigrantes pobres, creio que especialmente os latinos, mas o discurso de Donald Trump contra eles não me parece ser predominantemente racial. É, isso sim, uma manifestação do conflito redistributivo, ao qual retornarei adiante. Nesse caso, a aura racista serve para turbinar uma tentativa, a meu juízo, irrealista e equivocada de “reconquistar” empregos perdidos por trabalhadores brancos americanos. Na África do Sul, nos anos 1930 e 1940, os ideólogos do apartheid (que viria a ser instituído em 1948) tiveram a franqueza de avisar às famílias brancas de renda modesta que se preparassem para assumir os serviços indesejáveis, como lavar privadas, pois essa seria uma consequência inevitável da exclusão dos trabalhadores pertencentes à raça “inferior”. Se de fato deportar até 3 milhões de imigrantes, Trump poderá agravar a situação econômica de certos estratos de renda média e baixa, pois é em parte graças ao trabalho mal pago, ilegal e submisso dessa gente que certos pequenos negócios sobrevivem e muitos pais de família têm com quem deixar suas crianças.

Se tiveram conflito racial de sobra, os Estados Unidos foram, em compensação, relativamente poupados da virulência ideológica que há muito grassa no Brasil e na América Latina. O próprio Karl Marx observou que os Estados Unidos dificilmente viriam a se dividir em termos de capitalismo x comunismo. O grande ponto fora da curva aconteceu na década de 1950, o chamado macarthismo, uma caça às bruxas comunistas orquestrada por Joseph McCarthy, senador por Wisconsin. Mas para o alucinado senador sumir de vista bastou o Senado cassar-lhe o mandato.

Resultado de imagem para meu pirão primeiro
O conflito econômico-redistributivo, como antecipei, é onipresente. Decorre da complexidade da economia moderna e tem a perversa característica de ser ao mesmo tempo consequência e causa da estagnação. O que acontece quando o output total da sociedade para de crescer, ou decresce, é que a concorrência entre indivíduos e entre empresas se transforma numa luta pela sobrevivência – ou, se preferem, num jogo de soma zero, aquele em que um ganha o que o outro perde.

Quanto a esse aspecto, há atualmente mais semelhanças que diferenças entre os Estados Unidos e o Brasil. Como muitos brasileiros, Donald Trump parece acreditar que a culpa é da globalização. Em vez de examinar por que o país se debilitou no contexto da economia internacional, ele parece inclinado a bancar o avestruz, enfiando a cabeça na areia do velho protecionismo.

O Brasil, embora só agora vá perceber isso com clareza, está há muito tempo impregnado pelo “trumpismo”. Demorou a entender que as fases iniciais do crescimento econômico são relativamente fáceis, pois se devem basicamente à transferência de mão de obra do setor rural para o urbano e à incorporação de tecnologias de baixa complexidade ao processo produtivo. Mas um dia essa receita deixa de funcionar e o País se vê aprisionado pelo que se tem denominado a “armadilha do baixo crescimento”. Impotente ou sem coragem para efetivar as reformas estruturais sabidamente imprescindíveis ao crescimento sustentável, o sistema político força a sociedade a se virar com um PIB anual per capita de US$ 11 mil: metade do da Grécia, nível que, pelo andar da carruagem, não atingiremos em menos de uma geração.

Nesse cenário, o conflito redistributivo reina soberano. O Estado açambarca quase 40% do PIB, um volume de recursos aparentemente imenso, mas que mal dá para amenizar o interminável cabo de guerra entre os três Poderes. O setor privado torna-se refém da mesma lógica. Todos, indistintamente, são forçados a obedecer ao velho ditado: farinha pouca, meu pirão primeiro.

Imagem do Dia

Gorges de l'Areuse, Switzerland.:
Gorges de l'Areuse, Suíça

A beleza da matemática

“O binômio de Newton é tão belo como a Vênus de Milo. / O que há é pouca gente para dar por isso.” — Escreveu Álvaro de Campos, através de Fernando Pessoa, num pequeno poema que sei de cor desde a adolescência e que sempre me sobressaltou. Quando tentam explicar a paixão que os move, quase todos os grandes matemáticos acabam insistindo em duas palavras: verdade e beleza. Elegância é outro adjetivo muito comum, e um tanto surpreendente no idioma despojado e preciso dos matemáticos.

“O verdadeiro espírito de alegria e exaltação — no sentido de ser mais do que o Homem — que é a pedra de toque da mais alta excelência encontra-se na matemática, tanto quanto na poesia.” A afirmação é do filósofo britânico Bertrand Russel. Estudos recentes de neurociência vieram confirmar a afirmação de Russel: a resolução de um qualquer problema matemático, através de uma fórmula elegante, ativa as mesmas áreas cerebrais que a leitura de um bom poema ou a audição de um samba de Cartola ou de Paulinho da Viola.

Em “Uma história da simetria na matemática” (Zahar), Ian Stewart vai um pouco mais longe. Segundo ele, “em física, a beleza não garante automaticamente a verdade, mas ajuda. Na matemática, a beleza deve ser verdade — porque as coisas falsas são sempre feias”.

Desta forma, procurando a beleza, deveríamos chegar inevitavelmente à verdade. Ao menos na matemática. Fora da matemática nem sempre é assim, o que, sinceramente, acho uma pena. Imaginem um mundo onde as pessoas fossem tanto mais bonitas quanto mais honestas, simples e sinceras. Tudo seria mais fácil.

Fui um aluno medíocre em matemática, pelo menos até chegar à universidade. Em Agronomia e Engenharia Florestal encontrei, pela primeira vez, bons professores, pelo que melhorei ligeiramente as minhas notas. Recordo que acompanhei algumas aulas de lógica matemática com um sentimento de surpresa e maravilhamento muito semelhante àquele com que li os primeiros livros de Jorge Luis Borges (por um acaso feliz, descobri ambos na mesma altura).

Nos últimos anos voltei a interessar-me por matemática, como resultado de uma paixão mais geral sobre linguagem e comunicação. O grande livro do universo, como lembrou Galileu, lá longe, no século XVII, está aberto diante dos nossos olhos e foi escrito no idioma da matemática. Se um dia a humanidade entrar em contato com alguma civilização extra-terrestre, a linguagem utilizada será, sem dúvida, a matemática. Carl Sagan sugere isso mesmo em “Contato”, livro que serviu de base para o filme com o mesmo nome, dirigido por Robert Zemeckis. No livro (e no filme) a protagonista, Ellie, convence-se que há uma civilização extraterrestre avançada tentando contatar a humanidade, ao capturar uma emissão vinda do espaço com uma sequência de números primos. Mais tarde, essa civilização avançada envia uma série de fórmulas matemáticas, as quais permitem a construção de uma máquina capaz de transportar Ellie até esse mundo remoto.

Resultado de imagem para beleza da matemática gif

A suposição de Sagan faz todo o sentido. Imaginemos que um extraterrestre desembarque no Rio de Janeiro. É altamente improvável que queira tomar uma cervejinha conosco para conversar sobre as propostas de Michel Temer e Marcelo Crivella ou o resultado das eleições americanas, ainda que a inesperada vitória de Donald Trump possa preocupar até mesmo os marcianos. É improvável também que se interesse por futebol, por teologia ou por pornografia. Quero acreditar que esse visitante extraterrestre será sensível à música (pelo menos a alguma música, certamente não ao country), na medida em que esta tem forte parentesco com a matemática. A música é quase uma expressão sonora da matemática. Vários compositores vêm usando no seu trabalho conceitos matemáticos complexos, como, por exemplo, a famosa Sequência de Fibonacci, presente em muitas estruturas e fenômenos naturais.

Do que não tenho dúvida é que os principais temas de conversa entre nós e esses primeiros visitantes vindos das estrelas seriam a própria matemática; a seguir viriam, possivelmente, a física, a astronomia e a biologia. Poucas disciplinas, pois, são tão fascinantes e fundamentais quanto a matemática. Como explicar então o desinteresse da larga maioria dos estudantes pela matemática, não apenas no Brasil, mas em quase todo o mundo?

No meu caso, sei por que foi: até chegar à universidade nunca tive um único bom professor de matemática, ou seja, alguém apaixonado por números, e pelas misteriosas relações entre eles e a mecânica do universo, e capaz de transmitir essa paixão aos alunos.

Este deveria ser um desafio global: formar melhores professores de matemática. Colocar a humanidade inteira a ler em conjunto o grande livro do universo.

José Eduardo Agualusa

Rio já está sob intervenção federal e Pezão não governa mais

Vamos à Constituição e aos fatos, com isenção e sem paixões. Diz a Constituição da República que a União não intervirá nos Estados. Este é o comando geral do artigo 34. No entanto, quando qualquer Estado estiver com a ordem pública comprometida e sem condições de assegurar a observância do princípio constitucional de garantir os direitos da pessoa humana, a União tem o imperioso dever de intervir no Estado, como determina a Carta Magna. E em situação de emergência dispensa-se até mesmo qualquer formalidade ou burocracia para que o presidente da República assine o decreto de intervenção.

Resultado de imagem para pezão charge

A integridade física dos cidadãos não pode esperar. Quando o desastre e a tragédia são iminentes, as medidas preventivas reclamam urgência. Não é preciso esperar que o pior aconteça para que o socorro seja prestado depois. É isso justamente que está acontecendo com o Estado do Rio de Janeiro, mais precisamente na capital, a cidade do Rio.
Ora, convenhamos, o Estado do RJ já se encontra sob intervenção federal. Falta apenas afastar o governador e nomear o interventor. Pezão já declarou, ao presidente da República e à população, que não tem mais condições de garantir a ordem pública. E por causa disso Michel Temer mandou hoje para a capital do Estado do Rio 500 homens da Força Nacional em auxílio à Polícia Militar, na esperança de evitar distúrbios não apenas nos arredores do Palácio Tiradentes, sede da Assembleia Legislativa (Alerj), mas também na região do Palácio Guanabara, que é a sede do governo, no bairro Laranjeiras. A promessa é de que a tropa federal permanecerá no Rio um mês, pelo menos.

“A situação é grave. Pezão está preocupado com a segurança de todos, inclusive a dele”, como noticia a edição de hoje de O Globo. Ainda segundo o jornal, o reforço da Força Nacional foi um pedido feito por Pezão ao Ministério da Justiça. E num documento, o governador alegou “insuficiência de meios e esgotamento dos instrumentos destinados à preservação da ordem pública, da incolumidade das pessoas e do patrimônio”. Que coisa! Que horror!

DE FATO E DE DIREITO – O que mais é preciso para que Michel Temer oficialize a intervenção federal no Estado do Rio de Janeiro? Se a intervenção já ocorre de fato, o que está faltando para lhe emprestar a oficialidade de Direito? Não pense o presidente que a tropa de 500 homens da Força Nacional vai assegurar a ordem pública e os direitos das pessoas, que não são poucos, mas inúmeros, numa extensão e abrangência de longo alcance, porque não vai mesmo.

Todos no Rio estão revoltados. E essas reações multitudinárias se tornam mais e mais perigosas quando as próprias polícias, civil e militar, estão revoltadas também. Tudo de pior está para acontecer com a segurança pública no Rio. E tanto quanto Pezão, Michel Temer passa a ser também responsável.

A omissão de Temer é omissão covarde e nada republicana. Talvez esteja de braços cruzados porque Temer quer porque quer emendar a Constituição Federal e tanto não poderá acontecer caso um dos Estados esteja sob intervenção federal. É o que diz o artigo 60, parágrafo 1º da Carta Magna “A Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio”.

E por causa disso, que se danem a população fluminense e o povo da cidade do Rio de Janeiro. É uma conclusão dura que a cidadania chega a ter do presidente da República.

Diante desse quadro caótico e de pavor coletivo, o governador perdeu a autoridade para governar o que se encontra ingovernável, como ele próprio confessa. Não basta estar no exercício do cargo.
Quando servidores civis e militares se insubordinam, quando a população se revolta e quando o governo central manda tropas federais para a capital de um Estado que não tem mais o poder de garantir a ordem e a segurança publicas, caracterizada e comprovada está a intervenção federal, ainda que inexista decreto presidencial baixado e publicado.

Aliás, nem precisa. Os fatos falam por si só. São eloquentes e desmontam a farsa da não-intervenção. O Estado do Rio de Janeiro já está sob intervenção federal e Pezão não governa mais.

Jorge Béja

O dízimo abençoado

auto_sinovaldo

Político brasileiro tem selo de canonização. Só faz milagre com dízimo

Eis os culpados

Imagine uma empresa ou uma família que estão gastando mais do que arrecadam e, pior, encontram-se numa dinâmica em que as despesas sobem todos os anos acima das receitas. Imagine ainda que uma das despesas represente 60% do total gasto. Segue-se que:

1) a empresa ou a família precisam fazer um ajuste;

2) esse ajuste deve incluir aumento de receita e corte de despesas;

3) o corte deve incidir mais fortemente na despesa maior, certo?

Resultado de imagem para estados falidos charge
Pois é essa a situação dos governos estaduais. No ano passado, gastaram R$ 542,5 bilhões (despesa primária, não financeira). Desse total, a parcela maior (60%) foi para o pessoal. Como o nome diz, trata-se aqui de todos os pagamentos a pessoas, incluindo funcionários ativos e inativos, civis e militares, do Executivo, Legislativo e Judiciário. Aqui tem de salários a benefícios, de aposentadorias a todos os tipos de auxílio, de horas normais e extras a gratificações.

Esse gasto com pessoal aumentou quase 40% de 2012 a 15, conforme estudo da Secretaria do Tesouro Nacional. A receita líquida dos estados cresceu bem menos, na casa dos 26%. A inflação ficou por aí, e a economia cresceu quase nada

Só no ano passado, quando a crise econômica já era evidente, e as receitas de impostos estavam em queda, essa despesa de pessoal subiu mais de 13% em relação a 2014.

Não tem como dar certo. O Rio de Janeiro é o exemplo limite do que pode acontecer, mas quase todos os estados caminham para o mesmo buraco.

Logo, o ajuste não é nem necessário. É fatal. Será feito por bem ou por mal.

Como seria por bem?

Deveria partir de dois consensos. Primeiro, que o ajuste tem que começar o mais rapidamente possível. Segundo, todo mundo terá que pagar a conta, inclusive o pessoal. Reparem: se a maior despesa é com o pessoal, não tem como fazer o ajuste sem reduzir essa despesa.

Servidores na ativa e aposentados dizem que não têm culpa do descalabro e que, por isso, não devem pagar nada.

Deixemos esse argumento de lado por um momento e vamos especular: então, de quem é a culpa?

Todas as contratações, reajustes de salários e concessão de benefícios passam pelo Executivo estadual e pelas assembleias legislativas. Logo, já temos aí dois grupos de culpados. No primeiro, governadores, ex-governadores e suas turmas na administração. No segundo, os deputados estaduais.

Além disso, essas despesas passam também pelos tribunais de contas, que, aliás, têm promovido interpretações marotas para enquadrar determinados gastos. O mais comum é tirar certos pagamentos a inativos e, assim, reduzir artificialmente o tamanho da folha.

Logo, o terceiro grupo de culpados está nos tribunais de contas.

O quarto está no Judiciário. Por todo o país, juízes torturam leis para reinterpretar, por exemplo, o conceito de teto. Assim, o teto nacional do funcionalismo é de R$ 33 mil, mas isso, interpretam, só se refere ao vencimento básico. Auxílios alimentação, educação, “pé na cova”, auxílio-lanche, diferente de alimentação, não contam para o teto, assim perfurado várias vezes.

Vai daí que o ajuste no pessoal deveria começar pelos salários mais altos, com o corte nas chamadas vantagens pessoais. Dizem, por exemplo, que um senador ganha R$ 27 mil mensais.

Falso. Começa que são 15 salários por ano. Tem casa ou apartamento funcional ou mais R$ 3.800 por mês. Tem carro com motorista. Tem gasolina e passagem de avião. Correspondência e telefone na faixa. Vai somando...

Vale igualzinho para deputados.

Mas, mesmo atacando essas despesas claramente ilegítimas, ainda que legais, a conta não fecha.

Será preciso procurar um quinto grupo de culpados, o pessoal. Não cada pessoa em particular — e sabemos quantas ganham mal no serviço público. Estas, aliás, já estão pagando a conta faz algum tempo. Ganham mal porque outros ganham muitíssimo bem. Há aí uma forte desigualdade.

Mas as associações, os sindicatos de funcionários, com amplo apoio de suas bases, estão o tempo todo forçando reajustes e benefícios. E agora, recusam qualquer tipo de ajuste. Claro que é direito do trabalhador buscar melhorias, mas é preciso ter um mínimo de bom senso.

Estava quase escrevendo um mínimo de patriotismo, de noção de serviço público, mas reconheço que é demais pedir isso no momento em que a Lava-Jato escancara o modo como políticos trataram essa coisa pública.

Mas o bom senso vale. Por uma questão de interesse próprio. Invadir assembleia não cria dinheiro. Não seria mais sensato se as lideranças dos funcionários se reunissem com os outros e principais culpados para buscar uma solução, um corte bem distribuído?

Os números estão aí: os estados estão quebrados ou quase. Ou se faz um ajuste por bem ou será feito por mal. Aliás, já está sendo feito: atrasos de salários e interrupção de serviços essenciais à população.

Aliás, podemos incluir aqui o sexto grupo de culpados, os eleitores que escolheram mal tantas e repetidas vezes. Mas nem precisava: o público é o que sempre paga a maior conta.

Carlos Alberto Sardenberg

Inovação e clima

Após a ratificação do Acordo de Paris, celebrado por muitos, ocorre até sexta-feira, em Marrakech, a 22ª Conferência das Partes sobre Mudança do Clima (COP22), que discute a implementação do referido acordo e o plano de ação dos países signatários. Apesar da incerteza gerada com a eleição de Donald Trump, as delegações continuam negociando as regras que nortearão o Acordo, baseando-se na suposição de que não há espaço para retrocesso.

O Brasil apresentou suas metas de redução de emissão de gases de efeito estufa, que possivelmente cumprirá com facilidade. No entanto, o que se almeja não é simplesmente a redução das emissões, pois uma recessão é capaz de dar conta de nosso compromisso, mas, sim, o desenvolvimento sustentável do país.

Shahram Rezaei 
Uma das formas é através de inovação da indústria, aumentando seu valor agregado, gerando empregos qualificados e expandindo a receita, devido à maior independência tecnológica. É importante destacar que a inovação deve ser entendida como um processo com três fases fundamentais.

A primeira está associada ao avanço do conhecimento científico e a segunda, à transformação da ciência, fase de laboratórios, protótipos, experimentos, ainda na órbita dos institutos de pesquisa e universidades. A última fase é a de produção de algo inovador, incluindo projeto básico de engenharia, testes de verificação e validação, design, licenciamento e colocação no mercado. É exatamente aí que o Brasil estaciona.

Há uma grande distância entre inovação na indústria e conhecimento científico. Nossas universidades e centros de pesquisa têm toda a capacidade de chegar à segunda etapa do processo. Dessa forma, o primeiro passo para desenharmos o plano de ação do cumprimento do Acordo de Paris é criarmos um canal entre os “produtores de ciência” e aqueles que devem “consumi-la”.

Apenas para ilustrar este ponto, tomemos a energia eólica, que aumenta sua participação em todo o mundo, inclusive no Brasil. Isso ocorre por causa do desenvolvimento tecnológico, ganho de escala e valorização das renováveis em substituição aos combustíveis fósseis. O Brasil atraiu inúmeras indústrias de aerogeradores, mas que são, em geral, montadoras com produção local apenas de algumas partes predominantemente pesadas ou de grande volume, como pás e torres. Com isso, essas indústrias atendem a critérios de índice de nacionalização baseados em peso, mas não em valor. As demais partes, com maior valor tecnológico agregado, ainda são importadas, criando forte dependência tecnológica.

Vale lembrar que uma das metas do Brasil no Acordo de Paris é o aumento da participação de renováveis em nossa matriz energética, o que sinaliza o crescente mercado nacional para essa indústria. Inúmeros eixos de desenvolvimento de uma indústria inovadora são possíveis e estratégicos para o país, independente de nossas metas de redução de emissão.

Como na COP22 se inicia o processo para desenhar um plano de desenvolvimento de longo prazo para o país, é oportuno que haja uma sincronia de políticas nacionais visando à construção de uma ponte entre as competências das universidades e dos empreendedores, pequenos ou grandes. Só assim, para além de Marrakech, por volta de 2030, poderemos ser um país com menor emissão de carbono, desenvolvido e com indústria inovadora.

Além das metas, almeja-se o crescimento sustentável do país.