sábado, 12 de novembro de 2016

Corrupção e pecado original

Roberto Romano acha que falta Lord Acton no PL 4.850/16 (projeto de lei para prevenir e combater a corrupção): “Eu não me preocupo como evitar a corrupção, mas em saber como ela surge”, disse Acton. Mas foi ele que ensinou que corrupção surge da concentração do poder político. E vale lembrar a fórmula de R. Klitgaard: (corrupção = concentração de poder + poder discricionário - transparência).

Tudo começa com o pecado original. Quando Lord Acton escrevia, os governos eram menos de 10% do PIB. Com impostos, estatais, bancos públicos, o Estado brasileiro já compra ou nos obriga a comprar em bens e serviços uns dois trilhões de dólares (60% do PIB em poder de compra). Como não ceder à tentação quando o Estado, investido do poder discricionário, gasta tanto dinheiro? Não surpreende que surja corrupção.

Aprimoramentos legais do PL são essenciais, mas de fraca ação preventiva diante da motivação, criatividade e audácia dos corruptos. A Lava-Jato registrou tantos “mecanismos criativos” que os reuniu numa enciclopédia.

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O combate à corrupção é enfraquecido pela convivência da política com a mentira. “The Economist” reporta que piorou, a verdade é agora ignorada. O importante é se dirigir aos preconceitos ideológicos e xenofóbicos de guetos eleitorais. A revista chama tal fenômeno de política da pós-verdade. Só nos resta diminuir a tentação para prevenir a ação corrupta.

Diminui-se a tentação vendendo as ineficientes estatais, sempre capturáveis pela corrupção e abuso político, como Petrobras, Banco do Brasil, Caixa, Correios, Eletrobras. Todas em recuperação judicial branca. E extinguir o BNDES, essa excrecência que barra a existência de mercado financeiro de longo prazo e política monetária eficiente. E subsidia fabricantes de armas vendidas a tiranos e bandidos. Em serviços e infraestrutura, o setor privado dá conta de quase tudo, desde que o governo não crie regras impossíveis. O governo seria coinvestidor de última instância.

Diminui-se a tentação tornando o ambiente empresarial menos hostil. Somos o sétimo PIB mundial, mas o160º pior ambiente entre 189 países (Banco Mundial). Melhor estão os ex-comunistas China e Rússia. Os três primeiros PIBs (EUA, Japão e Alemanha) estão entre os nove ambientes mais amigáveis. Todos ricos.

Diminui-se a tentação devolvendo poder de escolha aos cidadãos. Possível em previdência (capitalização, e não repartição), educação (cheques complementáveis), saúde (seguros portáteis) e renda mínima. Existe em outros países, mas à meia boca no Brasil. O governo seria o segurador de última instância.

Desestatizar é devolver dignidade ao cidadão. A carga fiscal cairia para uns 20% do PIB com melhoria dos benefícios sociais e aumento da poupança. O restante 20% de tentação se controlaria separando o poder discricionário do poder de pagar, aumentando transparência e liberdade de imprensa. E a PEC do teto de gastos se tornaria amena.

Chamem Lord Acton e a polícia quando empresários pedirem subsídios, desonerações, proteções. Ou quando políticos e burocratas quiserem criar estatais. É daí que surge corrupção. É assim que se concentra renda. Estima-se a “bolsa empresário” sendo 14 a 16 vezes maior do que o Bolsa Família.

O que o cidadão não possa fazer, faça o município. Se o município não consegue, faça o estado. Se não dá para o estado, faça a União. Este princípio federativo cria teto para o poder político.

Odemiro Fonseca

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Rice Fields, Tegalalang, Bali:
Plantação de arroz de Tegalalang, em Bali (Indonésia)

O amanhecer da democracia

Existe em todo o mundo um grande mal-estar com a democracia. Seu fracasso é proclamado todos os dias. Eventos como o Brexit, no Reino Unido, e a ascensão de Donald Trump à presidência dos EUA, além da onda de xenofobia na Europa e na América, são proclamados como indícios de que o sistema está em crise.

Sem dúvida, existe um mal-estar. Existe uma crise. Mas a crise, como o mal-estar, é inerente à democracia. Uma vez que a democracia deve arbitrar decisões que agradam e desagradam, o mal-estar sempre estará posto. Ao arbitrar em desfavor das minorias, a democracia gera desconforto. Gera tensões e crises.

as migalhas da democracia brasileira

No processo de desagradar apresenta-se uma grave dicotomia. Muitas vezes os descontentes não se acalmam. Buscam por meios democráticos, ou nem tanto, expor seu descontentamento. A situação se complica quando segmentos que, embora não majoritários, têm acesso privilegiado à mídia e ganham maior exposição para seus argumentos do que a maioria.

Muitas vezes há uma superrepresentação de determinadas posições. A exacerbação de críticas visando a apontar a falência do modelo é um dos caminhos. Já quando existe convergência com o governo, tudo corre bem. O ex-presidente Lula viveu um momento especial de conjunção de expectativas positivas, com as esquerdas contentes, o sistema financeiro confiante, trabalhadores felizes, mídia próspera (incluída aquela sem leitores e telespectadores) e os pobres ganhando renda.

Mas quando o governo se depara com uma oposição que, mesmo sendo politicamente minoritária, é “midiaticamente” predominante, criam-se graves impasses, que devem ser resolvidos pelo líder. Pois se estabelece outro paradoxo. Apesar de o ideal da democracia buscar a força das instituições, suas contradições extrapolam a dependência de lideranças pessoais fortes. Os EUA precisaram de Roosevelt. Churchill salvou o mundo do nazismo.

No Brasil a situação é mais séria. O mal-estar é agravado pelo grave problema de representação. A elite não considera adequada, e com razão, a representação política no País. A tensão natural é agravada pelo fato de os mecanismos tradicionais de representação não serem considerados válidos. Em especial, caso o desempenho da política desagrade às elites. A maioria, no entanto, é a vontade soberana da democracia. E, contrariando ou não o senso comum e o bom-mocismo, a vontade da maioria deve prevalecer. É o contrato. Vale o que está escrito.

Minha peroração, até aqui, não explica a crise da democracia. Pelo simples fato de que considero a crise inerente ao processo democrático. Não é uma questão episódica. A democracia existe para arbitrar conflitos e lidar com crises. Decerto, sem crises não teremos um regime plenamente democrático. Pois a democracia pressupõe a existência de diferenças e da prevalência da vontade da maioria. A gênese da crise está no fato de que dificilmente o regime obterá unanimidade. Em sendo assim, o desconforto dos descontentes estará sempre presente. Faz parte do jogo.

Logo, não devemos reconhecer a crise da democracia como uma excepcionalidade ou sinal de fracasso, mas aceitar que é inerente ao processo. E que precisamos buscar o aperfeiçoamento desse processo. Sem crise temos simulacros de democracia ou um regime autoritário. A crise deve nos impulsionar.

Questões como a xenofobia são parte das crises inerentes à democracia. Mas, sobretudo, decorrem da decepção dos governantes em lidar com os desafios que se apresentam. Até em lidar com suas fraquezas e incompetências. Sabe-se que no fracasso dos liberais há uma tendência a buscar no fundamentalismo a solução. Já quando as coisas andam bem, o fundamentalismo é relegado a plano inferior.

Nos picos de crise as lideranças são testadas. Caso a ex-presidente Dilma Rousseff tivesse ouvido vozes sensatas, ter-se-ia salvado do impeachment. Se o ex-primeiro-ministro David Cameron tivesse ouvido vozes sensatas, não teria provocado o referendo sobre a saída do Reino Unido da União Europeia. Ambos foram líderes fracos e incompetentes. Assim como a Europa, por exemplo, se apresenta de forma pouco competente para lidar com o desafio dos refugiados do Oriente Médio.

Não devemos condenar a democracia. Nem acreditar que ela nunca funcionará de modo adequado por causa de suas deficiências ou pela fragilidade do líder de plantão. Por outro lado, é uma expectativa falsa crer que a democracia vá funcionar perfeitamente. Mas, sem dúvida, o processo em que ela se realiza pode ser bastante aperfeiçoado. E, nesse sentido, estamos na infância da democracia.

Por conseguinte, o processo de crescimento da democracia apresenta imensos problemas, tais como a representação desequilibrada, o processo eleitoral desregulado, um Legislativo pouco funcional, a hipertrofia do Poder Executivo, a bagunça partidária, o ativismo judiciário, além da influência nefasta da criminalidade organizada, do terrorismo, da corrupção e do corporativismo exacerbado do funcionalismo, entre outros.

No entanto, a evolução e as inovações estão nos provocando todos os dias. Temos as redes sociais e a maior e mais ampla circulação de informação da História da humanidade. A mídia já não está controlada por poucos. A telefonia celular expande, impressionantemente, a capacidade de interação dos indivíduos. A maior participação da mulher caminha para ser predominante e modificar as agendas.

A judicialização da política, em especial no Brasil, também será decisiva em nossos aperfeiçoamentos. E ainda teremos fatores externos, como a globalização e a transnacionalização do combate à corrupção, impulsionando a qualidade da política.

Tudo o que mencionei já está sendo decisivo para o aperfeiçoamento da democracia nos próximos anos. Se olharmos para trás, veremos que estamos no amanhecer da democracia. Ainda é cedo para desistir. O jogo está apenas começando.

Clima: acordos não faltam,. só soluções

Durante a reunião em Marrocos da Convenção do Clima – ainda em andamento –, o Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas divulgou relatório que mostra os impactos que o País sofrerá com essas mudanças. Serão muitos. Mas ainda são escassos os esforços para mitigá-los. Principalmente porque entre os problemas estão a redução da potabilidade da água, mais consumo de energia, maior risco de catástrofes naturais nas cidades, aumento de doenças e problemas para os sistemas de saúde.

Até 2020 o Brasil terá 90% de sua população nas cidades. E precisará de mais energia – cujo consumo está em 70% nas cidades, onde se produzem 40% das emissões de gases do efeito estufa. Por isso será necessário um esforço ainda maior nas áreas urbanas, que precisarão adaptar-se ao clima. Mas, como lembra a cientista Suzana Kahn, presidente do Comitê Científico do Programa Brasileiro de Mudanças Climáticas, são muito poucos ainda os inventários de gases-estufa. Da mesma forma os estudos em outras áreas, como os relacionados com a potabilidade da água e o consumo de energia – projetado para aumentar 8% além do que foi previsto para 2030, ainda mais considerando que poderá ser menor a geração por hidrelétricas. Da mesma forma também, os estudos sobre danos nas cidades com inundações, desabamentos, etc. – 37,1% dos municípios brasileiros sofreram alagamentos entre 2008 e 2012, 895 foram atingidos por desabamentos. As alterações climáticas têm provocado sobrecarga nos sistemas de saúde e no trabalho do pessoal da área. Mas o que está à vista é pouco.

The world on Climate Change.:

Como relatou este jornal (27/10), o aumento da taxa de desmatamento na Amazônia, com crescimento de 3,5% nas emissões de gases-estufa, comparados com as de 2014, segundo o Observatório do Clima, é problema muito preocupante. E no 1,927 bilhão de toneladas equivalentes emitidas pelo Brasil está um dos problemas mais graves na área de mudanças do clima (em 2014 foram 1,861 bilhão de toneladas). A maior taxa de emissão fica com o setor de mudanças no uso do solo, com a agropecuária respondendo por 69% das emissões de gases-estufa no País, diz o Observatório do Clima. Nesses números estão incluídos poluentes emitidos no processo digestivo dos rebanhos, o uso de fertilizantes e o desmatamento. Gases gerados pelo uso da energia contribuem mais que o desmatamento.

No mês de outubro ganhou muito destaque na comunicação o texto da Medida Provisória 735 (para o setor elétrico), que prevê até um programa para modernização e criação de novas usinas termoelétricas movidas a carvão, altamente poluentes – já debaixo de fogo de vários setores da sociedade.

O mês de novembro marcou também a entrada em vigor do chamado Acordo de Paris, com 197 países signatários que querem limitar a 2 graus o aumento da temperatura do planeta até 2100; se possível, baixar ainda mais, para 1,5 grau – para isso o corte adicional terá de ser feito até 2030. Os esforços aí terão de concentrar-se na agropecuária, que responde por 69% das emissões de gases do efeito estufa e tem agentes dispersos na área e resistentes; 11% cabem ao setor de transportes e 9% à indústria (metalurgia, principalmente). A agricultura e o gado já emitiram 1,36 bilhão de toneladas de poluidores em 2016.

O ano de 2015 foi o mais quente na história da Terra, com os níveis de concentração de poluentes ultrapassando pela primeira vez o nível de 400 partes por milhão (ppm). E 2016 baterá o recorde. Por essa e outras razões, os investimentos em eficiência energética atingiram US$ 221 bilhões e subiram 6% no ano passado. Para atingir as metas desejadas serão necessários investimentos de US$ 100 bilhões por ano só nos países “emergentes”. No entanto, ainda que se cumpram todas as metas, muitos cientistas dizem que chegaremos ao final deste século com aumentos de temperaturas entre de 3,9 e 5,4 graus.

Mesmo admitindo, entretanto, que as metas de redução de emissões sejam cumpridas, são muitos os cientistas que dizem não serem elas suficientes – e mesmo que decisões para o longo prazo estejam sendo tomadas por governos, indústrias e setor financeiro (O Globo, novembro): “Mais de 400 empresas globais já aderiram à agenda do desmatamento zero até 2020 na sua cadeia de valor”. São grandes também os avanços na área de transportes, que caminha rapidamente para a eletrificação e automação de veículos. E o BNDES anunciou que não mais financiará usinas térmicas a carvão. Ainda mais quando o desmatamento atingiu o maior nível nos últimos quatro anos.

Teme-se o que possa vir a refletir por aqui no tocante ao comportamento dos Estados Unidos, uma vez que o presidente eleito, Donald Trump, deixou claro em sua campanha eleitoral que não pretende diminuir a dependência de seu país dos combustíveis fósseis. E até cancelaria a assinatura norte-americana nos acordos do clima. Para completar, regras internacionais acordadas preveem vários passos preliminares que ainda terão de ser acertados. E será preciso dispor de US$ 100 bilhões por ano para que países com menos recursos possam cumprir as regras. Diplomatas lembram que o Protocolo de Kyoto, nessa mesma área, levou oito anos para ter efeitos práticos.

De qualquer forma, muitas instituições católicas já estão retirando investimentos da área de combustíveis fósseis; 400 já aderiram à campanha (nãofrackingBrasil, 2/10); 200 países fecharam acordo para reduzir emissões de gases, inclusive em geladeiras e aparelhos de ar-condicionado.

Mas nem tudo é pacífico. Críticos da “economia verde” asseguram que os métodos utilizados para evitar as emissões não têm contido a devastação de florestas nem a poluição: “Os caminhos estão sendo traçados pelo mercado, e não pelos cidadãos”.

Por onde iremos?

República corporativa

O Brasil já teve nomes antes de República Federativa do Brasil, mas nenhum se ajustaria melhor à realidade política atual do que o nome de “República Corporativa dos Brasis”. Somos um país dividido em uma parcela moderna e outra excluída da educação, da saúde, da renda, da participação política; e a parcela moderna é dívida em corporações, sem um interesse nacional comum e sem uma perspectiva de longo prazo que beneficie as futuras gerações.

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Não há um sentimento de nação federativa, cada grupo deseja se apropriar da maior parcela possível dos recursos públicos e da maneira mais imediata. Aliam-se entre eles para forçarem os governos a atenderem a todas as reivindicações e gastarem mais do que os limites possíveis e provocam endividamento, juros altos e inflação. Mas as corporações ganham com isto: a dos bancos, com os juros; dos sindicatos, porque passam a se justificar como o promotores dos periódicos reajustes de salários; os empresários, porque remarcam os preços.

Os empresários não querem abrir mão dos fartos subsídios que recebem; com o argumento de manter os empregos; os sindicatos dos trabalhadores se aliam aos patrões para exigirem mais recursos dos governos, tirando dinheiro inclusive da Educação e da Saúde para investimentos de interesse de empresas. As classes médias reclamam dos impostos elevados, mas não reclamam da má qualidade dos serviços públicos, porque desejam melhorar apenas os serviços privados financiados com subsídios públicos. Magistrados já conseguem recursos públicos para pagar a escola privada de seus filhos; parlamentares dispõem de serviço médico especial. Na República Corporativa, procura-se aumentar os ganhos de cada grupo, não como beneficiar a todos e ao país.

Querendo atender à corporação a qual pertence e da qual depende na sua reeleição, cada parlamentar faz acordos concedendo tudo o que as corporações pedem, pressionando nos corredores do Congresso. Por isso, no Brasil, a inflação não é apenas um fenômeno econômico e monetário, é um fenômeno cultural e moral, devido à formação política de uma República Corporativa, sem controle, nem prioridades.

Os Brasis não aceitam a ideia de um limite para os gastos públicos porque isso exigiria que alguma corporação perdesse para outras — ou para os que não têm corporação. Elas fogem da disputa, se oferecem mutuamente benefícios, preferindo a ilusão do aumento ilimitado de recursos com o falsificado dinheiro da inflação.

A proposta de emenda à Constituição que define um limite nos gastos traria o realismo na política, forçaria uma disputa entre grupos com o sentimento mínimo de nação. Entretanto, por mais necessária que seja para frear a voracidade corporativa dentro da democracia, a PEC poderá fracassar por falta de uma liderança que consiga convencer os brasileiros corporativizados a fundarem uma República Federativa de um só Brasil. Condição básica para o realismo fiscal.

Cristovam Buarque
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Faltam à reestruturação do PT quadros e ideias

A surra eleitoral ajudou a expor o tamanho da crise pela qual passa o PT. É proporcional a dois fenômenos que grudaram na estrela vermelha: a ruína econômica e a degradação ética. Os petistas dividem-se entre a evasão e a falta de rumo. Quem optou pela fuga busca a melhor oportunidade. Os outros adaptam-se às circunstâncias. Os céticos avaliam que o partido, como está, não tem futuro. E os cínicos fingem que não há um passado.

Em fase de reorganização interna, o PT marcou o seu 6º Congresso Nacional para os dias 7, 8 e 9 de abril de 2017. Será o encontro da virada, anunciam os líderes do grupo de Lula, ainda majoritário. Será? Faltam três coisas para a reestruturação da legenda: desconfiômetro, quadros e ideias.

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A ausência de desconfiômetro impede o PT de reconhecer os seus erros. A escassez de quadros mantém a legenda acorrentada a Lula e sua rotina penal. A inexistência de ideias dá ao partido uma aparência de cachorro que acaba de cair do caminhão de mudança. Não é que os petistas tenham dificuldades para encontrar soluções. Em verdade, eles ainda não enxergaram nem o problema.

No documento de convocação do Congresso partidário, o PT anuncia que fará “oposição implacável” ao “governo usurpador” de Michel Temer. Critica a emenda constitucional do teto dos gastos federais, a reforma da Previdência e a reformulação do ensino médio. As críticas são natimortas. Falta-lhes nexo.

Henrique Meirelles, o ministro da Fazenda de Temer, serviu à gestão Lula como presidente do Banco Central. Só não virou ministro de Dilma porque a criatura rejeitou o conselho do criador. Nelson Barbosa, último titular da Fazenda no governo Dilma, também flertou com um modelo de teto de gastos. Madame caiu antes que ele pudesse inplementá-lo. A reforma da Previdência também compunha o cardápio anticrise de Dilma.

Quanto à reforma do ensino médio, o PT poderia acusar Temer de plágio. Dilma fez da modernização do ensino médio bandeira da campanha presidencial de 2014. Há vídeos disponíveis na internet. Neles, a então candidata prega o mesmo modelo sugerido sob Temer: definição de um currículo comum e enxugamento do número de disciplinas. Madame chegou mesmo a insinuar que matérias como filosofia e sociologia seriam dispensáveis. É como se agora, apeado do poder, o PT assumisse o papel de Narciso às avessas. Acha feio o que é espelho.

O Congresso do PT é vendido como um “instrumento de reorganização, renovação, revitalização e retificação de nossas práticas internas, mas também de nossas relações com a sociedade.'' Ai, ai, ai.

Não há reorganização sem um mínimo de unidade. Num partido cujos filiados só conseguem citar o nome de três grandes líderes —Lula, Lula e Lula— a renovação é utopia irrealizável. Impossível revitalizar um agrupamento que trata os hóspedes do PF’s Inn de Curitiba como ''herois do povo brasileiro.'' Sem uma expiação dos pecados, a retificação de práticas é o outro nome de conversa fiada.

O Brasil é pródigo na oferta de opções partidárias. Submetido a três dezenas de partidos, basta ao eleitor decidir se quer ser de esquerda, meia esquerda, um quarto de esquerda, direita dissimulada, direita Bolsonaro… Com tantas alternativas, o PT optou por liderar a bloco dinheirista do espectro político. Adotou a ideologia do ''quanto eu levo nisso?''

No seu esforço para voltar a seduzir o eleitorado, o PT terá de superar um paradoxo: a legenda acha que é uma coisa. Mas a soma dos palavrões que inspira nas esquinas e nos botecos indica que sua reputação é outra coisa. Ou a renovação começa do zero ou o novo será apenas o cadáver do velho. Será facilmente reconhecido pelos vermes.

Reação da Lava Jato não estava no radar dos políticos

Talvez uma das coisas mais positivas da convulsão política pela qual o Brasil passa desde 2013, com a eclosão das jornadas de protestos de junho, seja o fim da passividade de cidadãos e de instituições como Ministério Público e Poder Judiciário.

O sucesso da Lava Jato e o impeachment de Dilma Rousseff são os resultados mais palpáveis dessa nova institucionalidade. O que parece alentador é que, mesmo passado o momento agudo da crise, ela parece se manter sólida para reagir a movimentos regressivos como o colocado em curso pelo Congresso desde a troca da guarda no Palácio do Planalto.

O roteiro do impeachment previa, como bem disse o delator Sérgio Machado, uma certa acomodação posterior à posse de Michel Temer: viriam medidas no Congresso e um certo suporte no STF para tentar circunscrever a Lava Jato ao que já se sabia e seguir o jogo.

Foram abertas inúmeras frentes de ação nesse sentido. As mais visíveis são as reiteradas tentativas de anistiar o caixa 2 eleitoral, sob a “ingênua” justificativa de que ele passará a ser considerado crime e, portanto, o que foi praticado anteriormente não pode ser punido, a proposta do Senado de apertar a Lei de Abuso de Autoridade para intimidar juízes e procuradores e, agora, a ideia de tornar mais lenientes os acordos de leniência de empresas pegas em corrupção.

O que não estava no radar dos políticos, que repetem o movimento que cerceou a Operação Mãos Limpas, na Itália, é que viria uma reação imediata, clara e em bom som dos procuradores da Lava Jato.

Ao denunciar e chamar pelo nome que têm as manobras para coibir as investigações, o juiz Sérgio Moro e os procuradores jogam um holofote gigante onde deputados e senadores gostariam de operar no escuro. Resta saber se os movimentos de combate à corrupção, que foram às ruas e bateram panelas pelo impeachment, estão suficientemente atentos e mobilizados para se juntar aos agentes da Lava Jato na outra “perna” fundamental para impedir que a operação abafa prospere: a gritaria nas ruas.

Lições de Trumplândia

1 - O candidato que aparece mais – não importa como – está sempre em vantagem. Ao contrário do Brasil, onde ao contribuinte sobra a fatura, na Trumplândia, a propaganda eleitoral na TV é paga pelas campanhas e custa caro. Espaço de graça na mídia é mais do que objetivo, é necessidade. Nunca um candidato conseguiu tanta exposição grátis quanto Trump. Não importa que ele mentisse descaradamente e cultivasse o ultraje como programa de governo.

Quanto mais absurdas as declarações, mais Trump aparecia. Os meios tentaram tratar coisas diferentes como iguais e acabaram potencializando a celebridade do republicano. Só deu Trump. Mas se engana quem acha que ele foi apenas um clown.

2 - A globalização da economia não marginalizou apenas países. Parte das populações de potências como os Estados Unidos e a Grã-Bretanha ficou pelo caminho, perdeu seus empregos e seus status. Enquanto o noticiário enfatizava suas patetices, Trump vendia uma mensagem clara aos desempregados do meio-oeste dos Estados Unidos: “Vou trazer seus empregos de volta e vou assegurar os que sobraram com medidas protecionistas”.

O localismo do seu discurso criou empatia com um eleitor ignorado pelas elites metropolitanas, desempregado pela China e desprezado por Washington. Em comparação a 2012, o republicano virou Michigan, Pensilvânia, Ohio e Wisconsin. Como previu o cineasta Michael Moore quatro meses antes da eleição, Trump foi o coquetel molotov jogado contra os defensores da globalização. Esse eleitor votou pragmaticamente em seus interesses.
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3 - O eleitor engajado vale por dois. Não só ele se abstém menos de votar, como se dispõe em arrastar outros consigo. Trump cultivou uma militância dedicada, combativa e às vezes violenta. Um candidato que não empolga, como Hillary Clinton, motiva muito menos gente a enfrentar filas e dificuldades para votar, além de dar poucos argumentos para seus cabos eleitorais. O “melhor” para poucos pode valer mais do que o “menos pior” para muitos.

4 - A mídia tradicional não elege presidentes. Mesmo com o apoio declarado por quase todos os jornais importantes, Hillary fracassou. Talvez porque a penetração dos jornais seja cada vez menor. Publicações do interior – onde Trump ganhou de lavada – estão desaparecendo ainda mais rapidamente do que o resto. Menos repórteres na rua, menos antenas com a sociedade.

5 - As mídias sociais desintermediaram a relação do candidato com o eleitor. Sua ligação é direta desde 2008. Jornais e telejornais insistem em repetir o que o candidato diz e caem na armadilha do trumpismo: quanto mais absurda a frase, mais espaço ela ganha. A mídia se esquece que, em se tratando de políticos, aquilo que dizem sempre importa menos do que aquilo que fazem.

6 - As pesquisas erraram? Menos do que se pensa, mas erraram em cascata. As nacionais previram que Hillary teria mais votos do que Trump, e ela teve (embora menos do que o previsto). O erro na margem nas nacionais não teria causado espanto se não tivesse se repetido nas pesquisas nos Estados decisivos – com o agravante de estas terem apontado vantagem apertada para a perdedora.

As pesquisas não coletaram a intenção de voto da parte do eleitorado de Trump que entrou na espiral do silêncio (quem se envergonha de declarar o voto ou se recusa a responder). A esse erro se sobrepuseram os modelos estatísticos de previsão. Apesar de parecer o contrário, eles somam incerteza em vez de subtrair.

E o Brasil, qual lição pode dar à Trumplândia?

Em um país rachado, se o eleito renega seu discurso de campanha, ele se arrisca a perder quem tinha, não ganhar quem não tinha e ficar perigosamente isolado. Trump é escravo de sua boca.

Esse o tempo não apagou

Apocalipse now

Quem não se lembra do filme "Apocalypse Now", um clássico dirigido por Francis Ford Coppola retratando a Guerra do Vietnã? Nela, o exército norte-americano lutou ferozmente durante dez longos anos, perdendo 58.198 soldados. Enquanto isso, só no ano de 2003, o pacífico Brasil perdeu 51.043 filhos assassinados pelas suas ruas.

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Banksy
Há também a Segunda Guerra Mundial, reputada o maior conflito da história. Nesta guerra, que durou uns cinco anos, os Estados Unidos perderam 291.557 soldados em combate. Enquanto isso, entre 2002 e 2006, 243.232 brasileiros morreram assassinados em nossas cidades.

E que dizermos da Primeira Guerra Mundial? Em uns quatro anos de conflito, 53.402 soldados norte-americanos foram mortos em combate. Enquanto isso, só no ano de 2005, a população brasileira assistiu a 47.578 homicídios!

Verifiquei quantos soldados norte-americanos morreram em combate na Guerra do México, Guerra Hispano-Americana, I Guerra Mundial, II Guerra Mundial, Guerra da Coréia, Guerra do Vietnã, Guerra do Golfo, Guerra do Iraque e Guerra do Afeganistão. Cheguei a 666.056 baixas ao término de uns 34 anos de batalhas terríveis. Enquanto isso, em apenas 16 anos (1990 a 2006), 697.668 civis brasileiros morreram assassinados no Brasil.

Constatei algo assustador: o Exército dos EUA, em guerra, perde uma média de 53,67 soldados por dia. Já o Brasil, em paz, perde 119,46 habitantes assassinados por dia - mais do que o dobro!

Descobri que nos cerca de cinco anos da Segunda Guerra Mundial, a pior de todos os tempos, o número de soldados mortos em combate dos exércitos da Bélgica, Bulgária, Canadá, Tchecoslováquia, Dinamarca, Grécia, Holanda, Noruega, Austrália, Índia, Nova Zelândia e África do Sul somados foi de 166.914. Nós não precisamos de cinco anos de guerra para tanto - só entre 2000 e 2003 assassinamos 193.925 compatriotas!

Durante aqueles cinco anos de guerra a França, invadida pelos nazistas, perdeu 201.568 soldados. A Itália, sob Mussolini, 149.496. E o Brasil, durante cinco anos de paz e sossego (2001 a 2005), viu serem brutalmente assassinados 244.471 civis.

Escrevi as linhas acima em 2009. Mês passado li nos jornais que o Brasil registrou mais mortes violentas entre 2011 e 2015 que a Síria, um país em guerra. Que vergonha, instituições brasileiras! Que vergonha!

Pedro Valls Feu Rosa

Aos sem-voto, resta a mazorca

Bem que Guilherme Boulos, o notório líder do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), avisou que iriam “virar rotina” os bloqueios de avenidas e estradas como forma de protesto por parte dos “movimentos sociais” que perderam seus privilégios depois do impeachment da petista Dilma Rousseff.

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É espantoso que sobre esses grupelhos, que agem evidentemente como marginais, ainda não tenha recaído o peso da lei. Em países onde vigora o Estado de Direito, o direito à manifestação é respeitado, mas a baderna e a desordem, não. A falta de pulso para lidar com delinquentes que decidem infernizar a vida dos cidadãos comuns quando lhes dá na veneta, sem que por isso sejam devida e legalmente reprimidos, alimenta a sensação de que tudo podem.

Portanto, o que aconteceu ontem em São Paulo e em diversas cidades do País, onde manifestantes impediram milhares de pessoas de chegar aonde pretendiam e atender a seus compromissos diários, vai mesmo “virar rotina” – pelo menos até que o poder público resolva cumprir seu papel de guardião da segurança e dos direitos de todos, sem concessões.

O mote do tumulto de ontem foi a chamada PEC do Teto, a Proposta de Emenda Constitucional que visa a colocar um fim na gastança desenfreada que quebrou o País durante o mandarinato lulopetista. O motivo, claro, é o de menos. Para a tigrada, o que importa é criar problemas para o governo de Michel Temer, na presunção de que, se as medidas tomadas pelo presidente fracassarem e se for criado um clima de confronto social, o eleitor voltará para os braços do PT e seus associados.

Feitas as contas, é apenas isso o que restou aos petistas e companhia: promover a mazorca. De uma hora para outra, o outrora robusto capital eleitoral do PT derreteu, em meio às evidências de envolvimento de seus principais dirigentes em cabeludos escândalos de corrupção e depois que o País afundou numa brutal crise econômica causada pelas irresponsabilidades de Dilma Rousseff, criatura inventada pela soberba do chefão Lula da Silva. O eleitor, enfim, cansou-se do engodo petista, negando-lhe os votos de que o partido se julgava dono e que pareciam lhe garantir o poder eterno.

É claro que, por não terem nenhuma vocação democrática, os petistas, em lugar de admitir seus erros, preferiram criar toda sorte de teorias para justificar sua queda. A principal delas é a de que existe um complô – ou um “pacto diabólico”, conforme definiu Lula – das “elites” para erradicar o PT e acabar com os direitos dos trabalhadores. Para denunciar essa tal conspiração, os petistas resolveram colocar a tropa na rua, prejudicando principalmente os trabalhadores que eles dizem defender.

O movimento de ontem, chamado de Dia Nacional de Greves e Paralisações, foi liderado pela Central Única dos Trabalhadores (CUT), pela Frente Povo Sem Medo, pela Frente Brasil Popular e outros tantos grupelhos inconformados com a democracia. Sem representarem nada além de seus chefetes e privados do acesso às tetas estatais em que mamaram durante os anos de bonança lulopetista, eles investem na confusão. Apresentam-se como defensores dos trabalhadores e atribuem ao governo Temer a pretensão de fazer o ajuste fiscal à custa dos mais pobres, o que tornaria legítimo o movimento paredista.

No entanto, como os eleitores deixaram claro nas urnas, essa patranha não cola mais. Mesmo os antigos simpatizantes do PT perceberam que a atual aflição dos trabalhadores resultou da funesta experiência desse partido no poder federal, replicada em maior ou menor grau em quase todos os Estados. Foi o gasto público irresponsável que condenou o País à recessão, ao desemprego e, pior, à falta de perspectiva. O mínimo a fazer, como esperam todos aqueles que têm de trabalhar para viver, é interromper essa sangria e recuperar as contas públicas, de cujo equilíbrio dependem a manutenção dos serviços essenciais para os mais pobres e a retomada da geração de empregos. E, não menos importante, é também obrigação dos governos, em todos os níveis, não permitir que os derrotados nas urnas se tornem senhores das ruas.

Mesmo se não escapar ninguém

Apesar de nenhum funcionário público do Judiciário, Legislativo e Executivo ou das estatais poder receber mais do que 33 mil reais por mês, quantia devida aos ministros do Supremo Tribunal Federal, a verdade é que na administração direta e indireta existem montes de marajás beirando os cem mil reais.

Irritado com esse descumprimento da Constituição, o presidente do Senado, Renan Calheiros, instalou uma comissão para, em vinte dias, relacionar todas as distorções e seus beneficiários.

Trata-se de um absurdo, disse o parlamentar alagoano. Poderia ter dito, também, de um crime. Em especial por atingir integrantes do Judiciário. A Associação dos Juízes Federais denuncia que os maiores salários estão entre os servidores da Câmara e do Senado.

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Seria bom repetir o mote que de quando em quando refere-se à atividade pública no país: “esteje todo mundo preso!” Pelo menos, que se aplique prisão domiciliar a quem ultrapassar o teto máximo devido aos funcionários do estado. E com o adendo de que todos deveriam repor aos cofres públicos as quantias recebidas indevidamente. Não sobraria ninguém. Ou muito poucos.

Se um ascensorista da Câmara recebe mais do que um piloto de avião a jato, também é verdade que um servidor de cafézinho no palácio do Planalto ganha mais do que um professor universitário. Em oportunidades sem conta, acima dos ministros do Supremo.

Conseguirá Renan Calheiros chegar a esse “listão” de horrores, e, mais ainda, obter que algum intérprete da Constituição sentencie todos os privilegiados?

Tem gente supondo que a iniciativa do presidente do Senado deve-se à reação contra a iminência dele ser processado no Judiciário. Tanto faz, mesmo se não escapar de sua participação na Operação Lava Jato e sucedâneos.

Carlos Chagas

Paisagem brasileira

Denise Storer, O coreto 

Fred, o último petista

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O ano é 2019.
Fred é o último petista.
Mora num apartamento em São Caetano do Sul, que ganhou numa rifa para pagar a fiança do José Dirceu.
Fred é filiado ao partido desde sua fundação.
Militante daqueles que dedicaram a vida aos ideais petistas.
Sua vida e suas referências se alternam entre ideologia e amor.
Sonha em se mudar para São Bernardo.
– Ah…preciso explicar por quê? – encabulado sorri da vontade secreta de viver no berço do partido.
Quer trabalhar numa fábrica de peças de automóvel, torneiro formado no SENAI depois de velho.
As paredes do apartamento são repletas de fotos da militância, misturadas com fotos de seus ídolos, Lula p, o patriarca, Rui Falcão e Dilma, a pura.
A foto de Dilma está cheia de rabiscos, chifrinho e um bigodinho feito a caneta.
– Esses rabiscos eu fiz num momento de loucura. – confessa
A raiva é justificada.
O PT acabou logo depois de Dilma mudar para o PMDB dizendo que queria se cercar de gente honesta.
Todos os dias quando acorda, Fred veste sua camisa vermelha, puída, reminiscência da época em que o PT estava no poder.
– Bons tempos aqueles – olha para o canto da sala, melancólico.
Fred ainda é contratado do partido.
Apesar de não existir mais partido, ele se recusa a aceitar publicamente que o partido acabou. Ou simplesmente acredita que não acabou.
Difícil dizer.
Recebe seu salário religiosamente ao final de cada mês porque foi programado para depósito automático pelo último tesoureiro.
O dinheiro vem diretamente do BNDES, ele supõe, ou da Petrobras.
Fred desvia do assunto.
Seu trabalho hoje consiste em administrar um blog de notícias sobre o PT.
O “Diário da Esquerda do Mundo”.
O site anda meio abandonado.
Faz tempo que não acontece nada de novo.
Mesmo assim, Fred passa o dia respondendo a uns poucos comentários ofensivos ao PT, que ainda aparecem nas redes sociais.
É verdade que seu trabalho diminuiu muito nos últimos anos.
Sinal de que o PT está lentamente se tornando uma distante memória.
Mas a interpretação de Fred é outra.
Não tem mais tanta gente criticando o PT, como acontecia há alguns anos, acho que finalmente entenderam que tudo que queremos é um Brasil melhor, mais justo – comenta orgulhoso, certo de que sua colaboração foi importante.
Fred se levanta e desembaraça a bandeira vermelha com a estrela branca na janela.
No passado, atiravam ovos, as manchas ainda estão no tecido.
Hoje nem isso. Fred virou um personagem pitoresco, conhecido no bairro.
O computador emite um alerta sonoro.
– Olhai…alguém comentou…
Fred tem um aplicativo que monitora referências ao PT nas redes sociais.
Alarme falso.
Alguém procurou por “pterodartilo” no google.
Fred não consegue esconder a decepção.
Às vezes passa dias sem que ninguém fale do PT.
Confessa que nesses dias ele mesmo posta alguma ofensa ao PT só para poder responder.
Geralmente numa página de muita visibilidade como a da apresentadora do Mais Você. Gabriela Pugliese.
Fred faz uma pausa melancólica.
O alarme toca de novo.
Seus olhos se enchem de esperança.
Nada.
É só o Suplicy cantando Bob Dylan.
De novo.

Trump leva populismo de direita à Casa Branca

O populismo é a ideologia da ignorância. Confunde esquerda e direita, mistura promessas na mesma sopa. O populismo se sustenta em líderes carismáticos e se alimenta da manipulação da massa. A História tem exemplos com resultados dramáticos. Qual a diferença entre ser populista e popular? A quem serve o populismo, cuja retórica costuma ser o “nós contra eles”?

Donald Trump, o presidente eleito dos Estados Unidos, contra todos os prognósticos, é o mais exorbitante populista no momento no mundo. Quanto mais esbravejou, mais conquistou a audiência e eleitores nesta campanha agressiva nos Estados Unidos. Conquistou a Casa Branca, apesar dos palavrões. Ou os palavrões ajudaram? Porque a retórica agora é "tornar a América (os EUA) grande de novo". And f..... the rest.

Trump é antes de tudo uma celebridade, com seus livros, hotéis e cassinos. Ele fica “confortável diante das câmeras, fala como demagogo contra imigrantes ilegais, especialmente mexicanos”, e faz parecer simples combater o Estado Islâmico e os terroristas. A definição é de Michael Kazin, professor de história da Universidade de Georgetown. Como muitos populistas, diz Kazin, “Trump gosta de reduzir a política a um conjunto simples de polarizações” porque o “populismo é um dispositivo para mobilizar o povo contra as elites”.

Na França, a populista mais popular é Marine Le Pen, com discurso social e nacionalista de direita, contra a imigração – ela foi uma das primeiras políticas a felicitar Trump "e o povo americano" oficialmente. Na América Latina de populistas de esquerda como Juan Perón e Getúlio Vargas, o movimento tem caído em desgraça – na Venezuela, no Equador, na Argentina, na Bolívia e no Brasil.

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“O populismo, quando surge, permite acentuar o que a democracia tem de positivo e de negativo. Se o populismo se consolida, é um sintoma de que havia gente que não se sentia representada. Pode criar, assim, fenômenos de inclusão social importantes”, disse ao jornalista Silio Boccanera, da GloboNews, o uruguaio Francisco Panizza, professor de política da London School of Economics e autor do livro Populismo e o espelho da democracia. “Mas também há populismos extremamente destrutivos que levam a uma completa polarização social e a um conflito social muito difícil de resolver.”

Na manhã desta quarta-feira (9), despertamos na crista da onda do populismo de direita. Vamos ver como o mundo surfará esse desejo de separatismo, protecionismo e rejeição da política tradicional. Porque até as minorias, de uma certa maneira, apoiaram Trump, o que mais deve ter desapontado Barack Obama e Hillary Clinton foi ver que muitos pobres, negros e latinos se bandearam para os republicanos. Há, no eleitorado, mundialmente, um receio arraigado em relação à esquerda e à social-democracia, e há também uma certeza: o que rege sua ideologia é a promessa de emprego e economia forte.

A desilusão mundial com os políticos, pela corrupção e pelas mentiras, leva o eleitor a mandar um recado claro, com voto oculto não detectado pelas pesquisas eleitorais. Ele prefere apostar no desconhecido, por mais arriscado que possa ser. O desconhecido ainda não o decepcionou. O desconhecido com uma história pessoal de sucesso é um chamariz de voto. Não é por acaso que 23 milionários tenham sido eleitos no primeiro turno prefeitos no Brasil - e que, em São Paulo e no Rio de Janeiro, os vitoriosos tenham sido um empresário e um pastor, ambos para lá de ricos.

Para o eleitor comum, a maior bandeira é seu trabalho, sua chance de mobilidade social. Sua família é a maior preocupação. Saúde, segurança e o futuro de seus filhos são o que lhe tira o sono. O futuro do planeta, a ecologia, a paz, nada disso guia a maioria silenciosa na urna. É sua felicidade e a dos muito próximos o que comanda seu voto. Não vivemos tempos de compaixão ou de solidariedade com imigrantes e refugiados, ou com vizinhos de prédio ou de fronteira, ou com menores carentes ou delinquentes.

Um dos votos mais surpreendentes, recentemente, foi o do referendo na Colômbia. Era dado como certo que o povo colombiano aprovaria o acordo de paz com os guerrilheiros das Farc, depois de mais de 50 anos de guerra civil e 260 mil mortos. Mas o povo disse “não” no referendo. Rejeitou a anistia aos guerrilheiros.

Na Hungria, 95% rejeitaram em referendo abrigar cotas de refugiados de guerra e imigrantes. Na Grã-Bretanha, o povo decidiu pela Brexit a saída da Europa. Na Espanha, nenhum partido consegue formar maioria em eleições, e o povo está há quase 300 dias sem um governo nacional – e feliz com isso. “Sem governo, sem ladrões”, dizem os espanhóis.

Nos Estados Unidos, Donald Trump, ídolo dos nacionalistas, ganhou mesmo sendo classificado como um fenômeno de ódio, racismo, xenofobia, machismo. Inexplicável?

Ao chegar a Nova York há um mês, eu peguei no aeroporto um táxi dirigido por um jovem de Bangladesh, que foi com a família há 20 anos para os Estados Unidos. Perguntei em quem votaria para presidente. “Ainda não sei”, disse com sotaque forte. “Não gosto de nenhum dos dois. Será um voto difícil (tough). Mas, no último dia, vou escolher Trump ou Hillary.” Fiquei boquiaberta. Tive a sensação de que o rapaz de Bangladesh já se decidira por Trump. Um voto oculto e envergonhado, como tantos que acabaram por decidir esta eleição.