sexta-feira, 11 de novembro de 2016

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Por que devemos separar imediatamente a economia da política?

Quando o estado não pode agradar a todos, ele irá escolher quem ele atende melhor
Anthony de Jasay, O Estado (1985)

Durante as discussões da constituição americana e francesa, um tema predominante foi a separação da religião e estado – aliás, este era o tema recorrente há três séculos, quando nobres e religiosos tinham privilégios inaceitáveis pela emergente burguesia. As classes privilegiadas tinham isenção de impostos e uma série de regalias: direito de perceber certos impostos, privilégios honoríficos, prerrogativas judiciárias, monopólio dos empregos da corte e dos cargos diretivos do exército, da marinha e da administração.

No inicio de 1789, foram eleitos para o parlamento francês: 935 deputados, assim distribuídos: Clero (247); Nobreza (188) e Terceiro Estado (500). Desta forma, em 17 de junho de 1789 os deputados do Terceiro Estado, alegando representarem a maioria da nação, proclamam-se Assembleia Nacional, com voto por cabeça e não por classes. Começava a revolução francesa1.

A primeira emenda da constituição americana – 15/12/1791 – define que o Congresso não pode legislar sobre estabelecimento de religião (clausula de estabelecimento) ou proibindo o livre exercício de religião (clausula de livre exercício religioso)2. Estes conceitos mudaram o rumo da humanidade desde então – imaginem como seria o mundo com intervenções do clero e da nobreza na gerencia dos impostos.

Passados quase três séculos, a humanidade se vê diante de demandas que nos posicionam em nova bifurcação: separação de política da economia – ou bloquear acesso de políticos e burocratas aos recursos arrecadados pelos impostos. Parece utopia ou sonho? Imagine as dificuldades para separar politica de religião há quase três séculos e o impacto disto nos rumos da humanidade.

Essa indigesta mistura levou o mundo às guerras, conflitos, corrupção, pobreza e desigualdade, enfim, politica para poucos e não para o povo, ou ainda: poder emana de poucos para beneficiar apenas os ricos. Esta indigesta mistura viabiliza também a economia de compadrio, onde ser “amigo do rei” vale mais do que a competência, aliás, Adam Smith escreveu sua obra master “Riqueza das nações” visando sobretudo mitigar os efeitos do mercantilismo, economia de compadrio da época. Se escrita hoje, a Constituição americana ao invés de começar com “Nós o povo” deveria iniciar com “Nós os ricos”.

Para sua reflexão, vamos focar os conceitos básicos:
• Economia é uma ciência em que os agentes são regulados pela inexorável, impessoal e incontrolável lei da oferta e procura, sempre que não há manipulação do mercado;
• Política é uma arte em que os protagonistas decidem conforme a questionável, circunstancial e personalista vontade humana.

São universos distintos, seguindo regras distintas. A regulação crescente do mercado foi “necessária” porque oportunidades não são oferecidas a todos, referente a nutrição, saúde e educação – estes três setores com as atuais regras não andam sozinhos, o governo precisa bombear recursos para mantê-los operando.

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A intervenção humana no processo econômico mostrou-se ineficaz, sobretudo quando o economista britânico John Maynard Keynes formulou a sua teoria geral em 1936, consolidada na reunião de Bretton Woods em 1944. Com um criativo sistema de torneiras, operadas pelo governo, de crédito, investimentos, poupança, cambio e demais variáveis, Keynes construiu uma proposta de intervenções humanas no processo econômico – tão criativa quanto ineficaz – seu resultado prático ao longo do tempo foi uma combinação de estagnação com inflação – uma ofensa a inteligência humana. Faltou o conceito básico: desenvolvimento só acontece com acréscimo de trabalho humano produtivo, somente este gera capital que nada mais é que trabalho acumulado. Acontece que sistema atual permite colher sem plantar – trata-se de uma impossibilidade sem sustentação.

A história da humanidade consiste no conflito de classes buscando gerenciar impostos arrecadados do povo.

É inútil a tentativa de colocar em campos opostos e conflitantes o trabalho do capital, este é trabalho acumulado, portanto com interesses complementares. O verdadeiro e inconciliável conflito ocorre entre processo produtivo (trabalhadores e empresários) e burocratas/políticos – ou produtores de riqueza e predadores da riqueza gerada, que só será superado pela separação entre governo e economia.

Fortalecer a demanda agregada através de impostos e taxas, apenas transfere recursos sob a invariável lei de mercado para o questionável domínio da vontade humana. Cria-se mais empregos na burocracia de governo, subtraindo aqueles da iniciativa privada, ou ainda, cria-se um grande sistema parasitário, totalmente sustentado com os nossos impostos. Algo como:“tudo pelo povo, mas sem o povo” ou despotismo esclarecido.

Aqueles que defendem manutenção de empresas sob controle do governo não são de direita nem esquerda, são, em minha opinião, ideólogos do atraso.

“Aquele que deseja paz e harmonia nas relações humanas deve sempre lutar contra o estatismo.” Ludwig von Mises

“O arranjo de bens e serviços que o estado atualmente oferta pode ser dividido em dois subconjuntos: aqueles bens e serviços que devem ser eliminados e aqueles que devem ser privatizados.” Murray N. Rothbard

A Decisão de políticos em assuntos de economia são invariavelmente equivocadas, não que seja ligeiramente errada, são erradas em seus fundamentos, trazem profundos impactos na vida das pessoas pois políticos imaginam ser possível gerenciar preços como se isso fosse um número arbitrário passível de manipulação pelo governo sem consequências na vida econômica. A definição de salario mínimo é um exemplo incontestável desta impossibilidade – políticos bem intencionados querem que as pessoas ganhem mais, porém a nefasta consequência disto é a perda de empregos para aqueles sem qualificação, exatamente os que mais precisam.3

Temos que nos curvar a verdade inexorável: economia obedece leis que não podem ser manipuladas e sequer gerenciadas. Esse é o motivo pelo qual regimes ditatoriais geram enorme frustração na sua população, e populistas de toda ordem se elegem propondo milagres inalcançáveis. Reconhecer isto constitui importante passo na busca de soluções: a economia não obedece vontade humana. Ditaduras ou regimes de força só são defendidos por aqueles que gostariam de estar do lado do cabo do chicote; se estiverem do outro lado, defendem a democracia com toda convicção.

Assistimos atualmente, perplexos e impotentes, a atuação do mundo politico em fraudes, abusos, negligência profissional ou crimes contra a economia com profundo impacto na vida de milhões de vitimas inocentes.

Especialistas e intelectuais com muita frequência e injustamente apontam o dedo para os homens de negócios como os responsáveis pela miséria, frustrações e desapontamentos da atual condição humana. Nada mais injusto e longe da verdade. Homens de negocio operando no livre mercado ganham dinheiro satisfazendo a necessidade dos outros, totalmente distinto de políticos e burocratas que não desdenham, em certos casos, parceria com fraude, trapaça e corrupção. Um CEO ou executivo de empresa é apontado pelos méritos e resultado ao invés de promessas inúteis e mentiras de políticos. Enfim, nada mais digno e moral do que manter um nível de vida através de votos dos consumidores que, em última analise, são decisivos na manutenção de empresas operando no livre mercado – cada centavo gasto num supermercado são votos dados e estímulos para planejar a produção e distribuição de bens e serviços. Homens de negócio trazem progresso e empregos, ao contrario de políticos que asfixiam com impostos e paralisam o progresso. Investidor deve ser recebido com tapete vermelho, algo muito importante para a geração de empregos. A liderança empresarial abrange integridade, disciplina e qualidade de caráter ao enxergar e atender as necessidades da comunidade.

A grande miopia que ainda domina a mente obtusa de certos intelectuais é imaginar que economia tem nacionalidade – como se buscar ganhar dinheiro em qualquer lugar que isto seja permitido fosse um problema. Imaginar nacionalidade para economia é semelhante a supor que a lei de gravidade só vale para determinados países!!!

Apenas no livre mercado a democracia se exercita, com interferência de governo o sistema converge para autocracia, onde a sorte de governados depende da virtude de governantes.

Consenso e não coerção é a marca registrada do livre mercado, onde consumidores de forma voluntária podem dizer sim ou não para uma oferta ou troca de bens e serviços, com regras simples: não roubar, não matar e não trapacear, ao contrario do mundo politico. Humildade, honestidade e liberdade são as únicas formas de vencer no mundo competitivo de livre mercado, estrada ética para a dignidade humana e mútua prosperidade.

Vejamos como podemos separar politica de economia:

O trabalho humano é um processo de transformação de energia: para que possa manifestar-se a energia humana: nutrição, saúde e educação devem ser asseguradas a priori e não como pagamento do trabalho executado. Tal como o veículo precisa de combustível e manutenção para trafegar.

Estes três setores constituem a interferência considerada legítima do governo na economia: governos do mundo inteiro, quer socialistas quer capitalistas, precisam subsidiar de alguma forma a agricultura (nutrição), saúde e educação, em outras palavras, são estes setores que igualam oportunidades em qualquer sociedade. Um novo Pacto social onde estes três setores passem a ser de responsabilidade do processo produtivo privado, comprados a livre preço de mercado e com a redução da tributação correspondente. Com isto teremos a almejada separação entre economia e politica, a partir dai, laisser fare, laissez passer – livre mercado agindo de forma ampla, abrangente e livre – pleno emprego produtivo é o fiador deste Pacto Social.

Em 1758, Francois Quesnay, um dos lideres dos fisiocratas, combinando seus conhecimentos de agricultura e medicina apresentou ao rei Luis XV sua tabela econômica mostrando a interdependência e fluxo de bens e dinheiro através dos vários setores da economia: agricultores, proprietários de terras, industriais e comerciantes. De acordo com o Conselho de Quesnay ao rei de França Luis XV: não há necessidade do governo regular preço dos bens e serviços, somente a competição pode regular preço com justiça. Nada mais atual do que seguir este sábio conselho de Quesnay. – deixe o ser humano livre para tomar suas próprias decisões.

A iniciativa privada não apenas é mais competente para produzir automóveis ou eletroeletrônicos, mas também para a gestão de saúde e educação. É uma miopia politica deixar isto nas mãos do governo, pois pela importância destes setores, a iniciativa privada deve ser o mecanismo para produção destes serviços essenciais.

“Ninguém gasta o dinheiro dos outros com tanto cuidado como gasta o seu próprio. Se quisermos eficiência e eficácia, se quisermos que o conhecimento seja bem usado, isso precisa ser feito por meio da iniciativa privada.”Milton Friedman
Com iniciativa privada atuando, estudantes e famílias deverão ter total liberdade de escolha da profissão, agregando uma conexão indispensável – empresário só vai investir na formação de profissionais que interessam ao processo produtivo.

A volta do populismo

A eleição de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos não foi um acidente. Resultou do fracasso do establishment político e econômico em mitigar o mal-estar daqueles que se sentem ludibriados e preteridos na distribuição dos benefícios gerados pela globalização e pela inovação tecnológica.

ZIRALDO!:
Esses milhões de americanos – e, como eles, bilhões de pessoas em todo o mundo – acreditaram nas promessas de prosperidade global, mas agora se consideram explorados por um sistema incapaz de lhes dar perspectivas de ter uma vida melhor que a de seus pais. Desencantaram-se com a democracia representativa e desejam ser conduzidos por um líder forte e ostensivamente desvinculado desse sistema.

Essa massa se vê descartada pelos que conduzem o Grande Jogo da globalização, do mesmo modo como a classe média se viu descartada nos anos 20 e 30 em vários países da Europa, a ponto de se transformar na multidão de ressentidos que alimentou os movimentos radicais nacionalistas de caráter totalitário.

Hoje, assim como naquela época, imigrantes e minorias em geral são vistos como os símbolos da frouxidão liberal. Na visão dos eleitores de Trump, essas minorias estariam se beneficiando da mentalidade multiculturalista e da diluição das barreiras nacionais para ganhar o espaço que deveria ser, em primeiro lugar, deles, os verdadeiros “americanos”. Nesse cenário, a violência não é exceção, mas regra. O recurso à força bruta passa a ser visto como legítimo se o oponente representa o establishment. A segregação e o racismo se tornam naturais.

A abertura de fronteiras e a livre circulação de pessoas e ideias são vistas como instrumentos de dominação de uma plutocracia transnacional, que estaria interessada em diluir os verdadeiros valores pátrios e em minar o poder das autoridades nacionais. Esse sentimento se espalha. Por exemplo, o voto pela retirada britânica da União Europeia foi alimentado pela sensação de que o Reino Unido perdera a autonomia para tomar decisões segundo seus próprios objetivos, submetendo-se à agenda das autoridades europeias.

Antes de Trump, outros demagogos perceberam a oportunidade de explorar o ressentimento das pessoas que, embora de classe média, se consideram excluídas da repartição da riqueza e da definição dos destinos do país. O presidente da Turquia, Tayyip Erdogan, e a dirigente da ultradireitista Frente Nacional francesa, Marine Le Pen, são exemplos ruidosos do movimento populista.

Mas o triunfo de Trump levará esse cenário para outro patamar. A inclusão dos Estados Unidos no clube do populismo indica que o solapamento dos pilares da globalização deixou de ser um fenômeno restrito a países periféricos ou a movimentos marginais em países desenvolvidos. Os Estados Unidos sempre foram o símbolo dos ideais democráticos e um modelo de dinamismo político, social e econômico. Agora, com a chegada à presidência de um homem que transformou a truculência em trunfo eleitoral, que não tem compromisso com a verdade e que ameaça abertamente desmontar a estrutura sobre a qual se assenta a própria democracia, fica parecendo que os Estados Unidos passam a ser modelo para todos os que nutrem projetos ultranacionalistas, xenófobos e isolacionistas mundo afora. Nada mais falso, uma vez que a sociedade norte-americana, mais de uma vez, provou ser extremamente resistente aos males que periodicamente acossam a democracia.

Trump chega ao poder com um discurso de ódio a tudo o que não seja “americano”, uma idealização sem conexão com a realidade, uma vez que os EUA são historicamente um país de imigrantes. Mas a realidade é irrelevante para Trump, que, a exemplo dos populistas europeus nos anos 30, promete restabelecer a todo custo a “era de ouro” dos Estados Unidos – uma era imaginária que vincula a prosperidade americana à negação violenta de seu espírito democrático. Resta esperar que o mentiroso seja apenas isso: um mentiroso – que minta também sobre o que disse que faria uma vez no poder.

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Pretendia escrever hoje sobre Abraham Lincoln. Mas como, pergunto, se os americanos resolveram eleger Donald Trump? Vamos focar no presente então; Lincoln fica para outra ocasião.

Muitos se declaram surpresos, decepcionados e até revoltados com a grande nação do Norte. As elites no mundo todo, inclusive no Brasil, estão dando os proverbiais arrancos triunfais de cachorro atropelado. As elites brasileiras, diga-se de passagem, cultivam um profundo complexo de vira-lata e têm nos Estados Unidos uma referência insubstituível. Como vou explicar a meus filhos, perguntam alguns? Em certos casos, a revolta chega perto, muito perto de questionar o sufrágio universal.

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A unanimidade da turma da bufunfa neste assunto dá o que pensar, leitor. Não é fácil entender o que aconteceu, é verdade. Mas uma coisa salta aos olhos: o povo americano se recusou a seguir os alertas e recomendações da mídia, do establishment político e dos economistas. Cada vez mais, o povo foge como o diabo da cruz das recomendações dos bem pensantes. Nesse ambiente, nada pior para um candidato do que receber o endosso da plutocracia financeira e seus numerosos asseclas.

Certo padrão vai se configurando. Há crescente insatisfação, não só nos EUA, como em diversos outros países desenvolvidos, com os rumos da economia e a concentração da renda, da riqueza e do poder político. Isso se expressa na eleição de um outsider nos EUA, na vitória do Brexit no Reino Unido e no crescimento de partidos nacionalistas de direita na Europa.

Como explicar essa crescente insatisfação? O aspecto econômico parece fundamental. Atravessamos nas décadas recentes um período de aceleração dos fluxos econômicos internacionais, particularmente os financeiros — a chamada globalização —, conjugada com e fomentada por uma revolução tecnológica na área da informática e das telecomunicações — a chamada digitalização. Essas transformações têm tido impacto devastador sobre muitos setores da economia.

É o que Schumpeter denominava “destruição criativa” — típica do capitalismo. Um exemplo marcante dessa destruição é o cinturão industrial do Meio Oeste americano — “TrumpLand”, segundo o cineasta Michael Moore. Com a integração internacional da economia e as mudanças no modo de produzir, entram em decadência fábricas, empregos e, com eles, bairros e até cidades. As estruturas físicas vão sendo substituídas por estruturas virtuais. E, junto com as estruturas físicas, desaparece o modo de vida de segmentos inteiros da sociedade.

As rápidas transformações econômicas e os violentos deslocamentos delas decorrentes geram insegurança e constituem campo fértil para a radicalização política. Um elemento central dessa radicalização tem sido a ascensão de um nacionalismo defensivo e xenófobo, que inclui a hostilidade ao imigrante, uma tendência ao protecionismo e a rejeição dos valores proclamados pela elite internacionalizada.

A credibilidade do establishment, especialmente da plutocracia financeira, nunca se recuperou do abalo provocado pela crise de 2008-2009 e da subsequente revelação das práticas criminosas amplamente disseminadas nos meios financeiros dos EUA. Wall Street apoia Hillary? Ponto para Trump. Economistas renomados assinam carta aberta a favor de Hillary? Ponto para Trump. Líderes republicanos preferem Hillary? Ponto para Trump. Grandes empresários temem Trump? Ponto para Trump.

Era uma escolha de Sofia. Triste cenário para quem já teve um Abraham Lincoln.

Paulo Nogueira Batista Jr.

Ombros com estrelas

Em 2007, o tenente-coronel Paul Yingling publicou no Armed Forces Journal contundentes críticas ao generalato dos EUA que ajudam a entender os motivos das derrotas americanas do Vietnã e no Iraque. Sua contextualização sobre o momento atual na segurança pública pode explicar o risco que enfrentamos no Brasil, em particular no Rio de Janeiro.

Derrotas não devem ser atribuídas a erros individuais, mas a uma crise nas instituições.

Se há metas pequenas, políticos podem levá-las adiante sem pedir sacrifício à sociedade. Mas é o povo que dá o sangue para as mudanças profundas esperadas. O maior erro dos políticos é envolver o povo sem ouvi-lo nem apresentar transparência nas metas.

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No Estado do Rio de Janeiro, os decretos equivocados do Executivo, como desproporcionais isenções fiscais, e o Legislativo, sem um debate público sobre o que vai ser aprovado ou rejeitado, oprimem covardemente o povo. O Judiciário também não é imune a erros, pois, se fosse, não teria corregedoria ou órgãos fiscalizadores internos.

Nossa enorme crise financeira deriva de diversos fatores, porém a corrupção e o descalabro nas contas públicas estão no DNA dessa falência múltipla de órgãos (financeira e ética). O petróleo anestesiava o estado, que vinha sendo dissecado por operadores sem jaleco branco.

Essa crise não foi criada pelos aposentados, policiais, bombeiros, professores e tantos que não têm verbas indenizatórias, recessos, férias de mais de 30 dias ou que não assinam ponto. Não há dúvida de que o grave problema da previdência precisa ser enfrentado, mas as supérfluas despesas dos três Poderes, evidentes no Portal da Transparência, devem ser revistas prioritariamente.

Os servidores públicos, com seus salários reduzidos de forma sistemática e covarde, foram às ruas e atravessaram as portas do Palácio Tiradentes. Houve confronto, envolvendo irmãos, não irmãos e agitadores.

Contra uma insurreição, a liderança no comando nas forças de segurança é fundamental. Não é um líder isolado, civil ou militar, que vem causando o atual fracasso da gestão pública. Atribuir a culpa a indivíduos é insuficiente. E, se querem um xerife do Velho Oeste que vai botar os bandidos para correr e ao mesmo tempo resolver a complexidade das manifestações, sejam elas legítimas ou não, pacíficas ou belicosas, podem tirar o cavalo da chuva.

Duas constantes nas forças armadas regulares são que os comandos de unidades não devam ultrapassar quatro anos e que antiguidade é posto, não garantia para comandar.

Substituir o comandante de uma tropa por uma questão política externa à corporação foi uma gravíssima violência na história do Rio, algo que há uma década não ocorre, e que continue assim.

As estrelas de oficiais superiores não caem em suas ombreiras vindas do céu, precisam ser conquistadas para poderem legitimar sua liderança diante da tropa.

Em função dessas tristes constatações, ofereço essas reflexões.

Big Grande Irmão

Não sei se eu preciso afirmar categoricamente aqui que também não sou trumpista. Sou um publicitário. Como tal, percebo cada dia mais intensamente o buraco mais embaixo em que andamos nos metendo. Provavelmente fruto da imensa tolerância com a burrice generalizada que nos acossa impunemente, Trump é mais uma das muitas soluções simplistas e erradas, onde embarcam todos aqueles que não têm mais de cinco minutos de paciência e compreensão com qualquer assunto que se apresente. É a “decadence”.

Da gritaria no Senado brasileiro ao “gópi” que assistimos na televisão avermelhada de véspera, o certo é que nada está certo, no reino da hipocrisia bruta. Sou testemunha, neste nobre espaço de contendas, que este democrático condomínio permitiu que a gente sempre se manifestasse com total liberdade, dando nome aos bois, às vacas e a outros animais da fauna que nos importuna, há tanto tempo e de forma tão insistente. Penso que Trump é a resposta. A resposta jogada no ventilador. A resposta na Geni. O bosque encantado, com que sonham todos aqueles que só enxergam o mundo pelos extremos.

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O grande problema que vejo, no entanto, é que outros antes dele também prometeram o tal céu de brigadeiro com cajuzinho, só que pelo outro lado. Destes, no entanto, a esmagadora maioria da “mídia” não foi capaz de descrever, com palavras tão certeiras quanto as usadas aqui neste potente desabafo, o que vinha ocorrendo por debaixo dos lençóis macios. Aí está o resultado. Eu lamento que muitos aqui não entendam o quanto a sociedade é reacionária e plebe rude. O quanto está com o saco na lua. O quanto é capaz de se revoltar e escoicear a realidade até que esta se pareça uma massa disforme e disfuncional, capaz de se amoldar a qualquer picaretagem que se apresente. O quanto todos estamos de esgotados desse amontoado de discursos rasos como um pires.

Alguém pendurado na esquerda disse que “os Estados Unidos ainda não estão preparados para uma mulher no poder”. Não entendeu nada, certo? O Brasil estava preparadíssimo para uma mulher no poder. Justo aquela, de tantas. Aquela que mereceu cada pescoção que levou, muitos deles daqui mesmo. Pois eu acho que faltam pessoas que falem com essa clareza. Que assumam posições. Que assumam riscos. Que se tornem referências. E que trabalhem, principalmente. Se não tem ninguém para assar o bolo, vamos dividir a sobremesa com essa pobreza toda de que jeito? Taí uma pergunta que os ilustres políticos, de todos os matizes, deveriam responder primeiro. Estão todos ocupados demais, penteando os próprios topetes. Vão pentear macacos.

Fanfarra ao gosto americano


Abertura de "Vendedor de ilusões" ("Music Man"),de 1962,
com Robert Preston e Shirley Jones, dirigido por Monrton DaCosta

9/11

Em 9 de Novembro aconteceram coisas importantes. Em 1799, o 18 de Brumário de Napoleão – na Revolução Francesa. Em 1888, Jack, O Estripador, fez sua quarta vítima – Mary Jane Kelly. Em 1919, estreou no cinema o personagem Gato Felix. Nesse dia nasceram, em 1888, o pintor Jean Monnet. Em 1934, o astrônomo Carl Sagam. No Brasil, em 1911, a escritora Diná Silveira de Queiroz. Em 1919, a atriz Eva Todor. Em 1944, o poeta Torquato Neto – em honra de quem, depois de seu suicídio, Caetano escreveu “Cajuína”, se perguntando existirmos, a que será que se destina? Morreram também nesse dia, em 1918, o escritor Guillaume Apollinaire. Em 1970, o general Charles de Gaulle. E, em 1964, a divina Cecília Meireles, Fiz uma canção para dar-te;/ Porém tu já estavas morrendo (“Canção póstuma”).

Dois acontecimentos se distinguem, nesse conjunto de eventos. Por serem começo de ciclos. O primeiro, em 1989, foi a queda no muro de Berlim. Com jovens levando para casa, como lembrança, pedaços de muro que foi responsável por 138 mortes. Um momento de diástole. De abertura. E não se tratou de evento apenas alemão, mas do mundo inteiro. A guerra fria findava ali. Um momento simbólico e icônico em que a globalização parecia definitiva, eterna e bela. O Século XXI começou naquele dia.
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O outro momento foi a eleição de Donald John Trump. Ao contrário do 9/11 anterior, a globalização sofreu agora enorme golpe. Um momento de sístole. De contração. A voz da classe média americana gritando que não quer ser solidária com o resto do mundo. Que prefere viver para dentro de suas fronteiras. Com menos estrangeiros à sua volta. Especialmente latino-americanos e do Oriente Médio. Pior é que nem foi algo isolado. Antes dele tivemos o Brexit, com a Inglaterra saindo da Comunidade Europeia. Ou a derrota de Angela Merkel, na Alemanha. São manifestações similares.

Volto os olhos para nosso Brasil. E me pergunto se essas eleições de outubro teriam (ou não?) seguido na mesma trilha. As explicações mais óbvias, para a derrota do PT, atribuem o fato a uma espécie de fadiga de material. No movimento pendular da política, e depois de 16 anos, chegou a hora do poder trocar de mãos. Sem contar ser também reação ética, contra uma corrupção que comprometeu todos os personagens importantes do partido. Todos. Alguns, porque enriqueceram. Outros, por serem operadores. Sem contar os que, mesmo não tendo posto grana em seus bolsos, sabiam de tudo. Concordavam com tudo. E eram peças, de alguma forma, nessa corrupção amplíssima.

A dúvida é se foi só isso. Porque talvez seja parte de uma conspiração que teve, em Trump, seu melhor exemplo. Talvez, no Brasil, tenha sido também um basta aos protestos que fecham ruas e estradas, atrapalhando a vida de quem precisa trabalhar. De tantas greves insuportáveis, para todos nós contribuintes, embora cômodas para funcionários públicos que não aparecem nas repartições mas continuam com seus salários intocados. Ou essas ocupações nas escolas, por razões as mais disparatadas, infernizando a vida dos que desejam estudar. E que têm, como efeito prático, apenas deteriorar, ainda mais, a educação brasileira. Talvez tenha sido, também, um silencioso basta a esse conjunto de práticas. É cedo para ter certeza. Faltando lembrar que em um 9/11, de 1889, Ruy Barbosa publicou seu célebre artigo “Plano contra a Pátria”, em que disse: Há quase sempre alguma coisa impalpável e misteriosa no seio dos acontecimentos, que conspira contra as conspirações.

A besta e o apocalipse local

Não é, ainda, o fim do mundo. Mas certamente estamos livres da massacrante cobertura das eleições americanas como nunca se viu no Brasil. Afinal está na hora de se pensar em não consumir, em doses tão cavalares, essa idiota paixão pelos States.

Donald Trump não é bicho papão como se pintou lá e aqui. Pode ser um desvairado candidato, forasteiro político e narcisista à última potência, mas não poderá sair muito da forma presidencial. Também os Estados Unidos não são a Rússia, onde impera Valdimir Puchikin, perigo bem maior com sua ideologia KGB.

Nem suas ideias serão inquestionáveis mesmo para os republicanos ou até para os mega-empresários. Não pintará o sete com o diabo no corpo. Poderá causar muita intranquilidade no mercado e certamente assustará muita gente. Bolsas e mercados também deverão se adequar aos humores de Trump, esbanjando seu topete protecionista. Os Estados Unidos podem ser a grande potência, mas são um e o mundo tem mais a oferecer aos americanos do que receber em troca.

De resto, a vitória de Trump, com o aval da maior democracia, reforça no mundo as políticas nacionais-populistas e o reacionarismo. Perigo para tempos nebulosos e inconstantes. Mas este início de século está sob um tsunami de transformações. E essa onda americana faz parte do jogo e não há outro planeta para aonde os intranquilos se mudarem.

Resta aqui, na terrinha, tratar ligeirinho de acertar as contas da Justiça, arrumar o desarranjo financeiro, resultando da roubalheira institucionaliza, fazer marcação cerrada sobre os políticos, cobrando honestidade, para aprenderem o que é, e rezar para que baixe nos céus brasileiros melhores ares éticos.

Há mais, e bem mais desesperador, com que se preocupar aqui do que com o topete do novo presidente americano. O novo presidente pode ser a besta apocalíptica, mas o apocalipse está aqui abaixo do Equador. Que se cuidem os da Terra de Santa Cruz, pois devem arrumar a casa e as cabeças para evitar que a depressão seja maior quando Trump ficar histérico.

Luiz Gadelha

Cármen Lúcia: Preso custa mais que estudante

A ministra Cármen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal, participou nesta quinta-feita de um encontro sobre segurança pública, em Goiânia. Ao discursar, lamentou que o Estado no Brasil gaste 13 vezes mais com os presos do que com os estudantes. Evocando o antropólogo Darcy Ribero, ela declarou que falta dinheiro para construir presídios hoje porque, no passado, negligenciou-se o investimento em educação.

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“Um preso no Brasil custa R$ 2,4 mil por mês e um estudante do ensino médio custa R$ 2,2 mil por ano. Alguma coisa está errada na nossa pátria amada”, disse Cármen Lúcia. “Darcy Ribeiro fez, em 1982, uma conferência dizendo que, se os governadores não construíssem escolas, em 20 anos faltaria dinheiro para construir presídios. O fato se cumpriu. Estamos aqui reunidos diante de uma situação urgente, de um descaso feito lá atrás.”

Entre as pessoas que ouviram a presidente do Supremo estava o ministro Alexandre Moraes (Justiça). Ele apresentou no encontro um Plano Nacional de Segurança Pública. Para Cármen Lúcia, as mudanças devem ser estruturais e o esforço precisa envolver Estados, municípios e União.

“São necessárias mudanças estruturais. É necessária a união dos poderes executivos nacionais, dos poderes dos estados, e até mesmo dos municípios, para que possamos dar corpo a uma das maiores necessidades do cidadão, que é ter o direito de viver sem medo. Sem medo do outro, sem medo de andar na rua, sem medo de saber o que vai acontecer com seu filho.''

Na opinião da ministra, o país se encontra em estado de guerra. “A cada nove minutos, uma pessoa é morta violentamente no Brasil. Nosso país registrou mais mortes em cinco anos do que a guerra da Síria. Estamos, conforme já disse o Supremo Tribunal Federal, em estado de coisas inconstitucionais. Eu falo que estamos em estado de guerra. Temos uma Constituição em vigor, instituição em funcionamento e cidadão reivindicando direitos. Precisamos superar vaidades de detentores de competências e, juntos, fazer alguma coisa.”

Da Doutrina Monroe à Doutrina Trump

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O Pato Donald e o Tio Patinhas assumirão juntos a presidência dos Estados Unidos? Um estrilando e vociferando contra o mundo, outro empenhado em fazer de cada cidadão americano um bilionário associado à característica de só ganhar dinheiro. Essa união dificilmente deixará de dar errado, mas foi o resultado das eleições presidenciais nos Estados Unidos.

Indaga-se das consequências na América Latina e, em especial, no Brasil. O muro prometido na fronteira com o México não isolará apenas esse país, mas deixará em situação de crise tudo o que existir de lá até a Terra do Fogo.

Vivermos sem a presença dos Estados Unidos será impossível, ainda que a convivência com o egoísmo enunciado pelos irmãos do Norte possa resultar em nossa carta de emancipação. E na necessidade de seguirmos apoiados em nossas próprias forças.

O pior nesses novos tempos não seria a suspensão de eventuais benesses americanas em nosso favor. Na balança do deve e do haver temos recebido muito mais promessas e enganações. Só que agora, salvo engano, receberemos mais cobranças. Voltará a chantagem de que a Amazônia é o pulmão do mundo, pertence ao planeta inteiro e deve ser internacionalizada? Ou de que precisamos pagar primeiro para depois auferirmos o lucro de nossos investimentos? Criar empregos nos Estados Unidos prevalecerá sobre a importância de reduzir os doze milhões de desempregados em nosso território?

Vem por aí, pelos braços do novo presidente americano, tempos ainda mais amargos de relacionamento com Washington. Depois da Doutrina Monroe vem por aí a Doutrina Trump. Teremos que pagar também uma parte das despesas com o muro?

Carlos Chagas

Paisagem brasileira

Leitura na varanda (1890), Benjamin Parlagreco

Sob suspeita 87% dos projetos da lei Rouanet

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Foram encontradas “graves irregularidades” em quase 30 mil dos 34 mil “projetos culturais” que desde 2009 receberam financiamentos com base na Lei Rouanet de Incentivo à Cultura. Ou seja, há graves irregularidades em 87,7% do total de projetos financiados, segundo mostram os dados do Salic (Sistema de Apoio às Leis de Incentivo à Cultura), que reúne informações sobre beneficiados da Lei Rouanet.

As quadrilhas que se organizaram para se aproveitar da Lei Rouanet estão sob investigação da Polícia Federal e da CPI criada na Câmara.

Para seu presidente, deputado Alberto Fraga (DEM-DF), a CPI objetiva aprimorar a lei de incentivo à cultura, blindando-a de corrupção.

Ao assumir, o ministro Marcelo Calero (Cultura) encontrou 20.654 projetos incentivados pela Lei Rouanet sem prestação de contas.

No desespero, Lula cospe fogo contra a Lava-Jato

Quem ainda liga para Lula?

A imprensa, de quem ele se diz vítima, ainda liga, seja por se achar obrigada a divulgar tudo o que possa interessar a parcelas dos seus leitores, seja para driblar a acusação de que persegue Lula.

Os devotos de Lula ainda ligam para ele, mas tais devotos escasseiam à medida que o tempo corre e que os fatos se sucedem. Condenado ou não, Lula é carta fora do baralho. Como Dilma.

Tornou-se um fardo até mesmo para o PT. Parte do PT quer mais é livrar-se dele, refundar o partido e ir em frente. Outra parte, a que de fato manda, admite Lula por perto desde que ela siga mandando.


Quem tem mais votos para eleger uma nova direção do PT e ditar os rumos do partido? Os que atualmente mandam nele. Lula não tem. Nem os que advogam a refundação.

Ainda se empenham em ligar para Lula os que sempre viveram à sua sombra e a custa de sinecuras. E também as figurinhas carimbadas que comparecem a atos em defesa dele.

Foi para tais figuras, as mesmas que subscreveram manifestos denunciando o “golpe” que derrubou Dilma e se cansaram de gritar “Fora, Temer”, que Lula falou, ontem à noite, em São Paulo.

O que Lula disse em sua defesa? Acusou o juiz Sérgio Moro, os promotores das Lava-Jato e a imprensa de comprometimento político e ideológico. Afirmou que é alvo de “um pacto diabólico”.

Para variar, bravateou. “Mexeram com a pessoa errada”, disse em tom de ameaça. Para acrescentar:

- Não tenho problema em prestar quantos depoimentos forem necessários. [...] Tenho preocupação é quando vejo um pacto quase diabólico entre a mídia, a Polícia Federal, o Ministério Público e o juiz que está apurando todo esse processo.

Por fim, proclamou: “Não tenho que provar minha inocência, eles é que tem que provar a inocência deles na acusação".

De fato, Lula não tem que provar que é inocente. Cabe aos seus acusadores provar que ele é culpado. Mas, ao contrário do que Lula disse, não cabe a eles provarem a própria inocência.

Somente Lula e sua reduzida turma acusam Moro e os procuradores de “comprometimento político e ideológico”. E não se preocupam em provar o que dizem. Simplesmente dão por provado.

Triste performance, essa, a de um líder decadente derrotado por sua própria ambição.

Aves marinhas engolem plástico atraídas por seu odor

Uma das maiores perguntas sobre a poluição por plásticos dos oceanos é por que os animais comem esses resíduos. Até agora, a resposta mais aceita era que confundem visualmente com comida. Mas é difícil explicar como espécies adaptadas a seus ambientes durante milhares de anos de evolução podem se enganar com algo tão básico como o alimento.

Um novo estudo publicado hoje oferece uma resposta um pouco mais complexa, pois demonstra que os plásticos cheiram exatamente como a comida de que se alimentam as aves marinhas. O trabalho se concentrou no grupo das procelariformes, que inclui albatrozes, petréis e pardelas. Essas espécies têm um olfato afiado para que o dimetilsulfureto (DMS), um composto bioquímico que segrega o fitoplâncton em decomposição e que lhes indica o ponto em que há alimento. O composto é um dos principais responsáveis pelo cheiro de mar e tem um papel chave no clima.

Uma equipe de pesquisadores da Universidade da Califórnia em Davis (EUA) demonstrou que, depois de menos de um mês flutuando em águas marinhas, os plásticos mais comuns começam a emitir dimetilsulfureto. Também demonstrou que esse composto está diretamente relacionado à ingestão de plástico por parte das aves marinhas. Seu estudo, publicado na revista Science Advancesmostra que as espécies analisadas são cinco vezes mais propensas a engolir plástico do que outras que não conseguem cheirar o DMS.


Todo ano, os seres humanos jogam ao mar oito milhões de toneladas de plástico. A maioria chega ao mar vinda da Terra, em parte pela falta de reciclagem. Mais de 200 espécies de mamíferos, peixes, aves e tartarugas consomem esses resíduos que obstruem o trato digestivo dos animais e são tóxicos em alguns casos. Por exemplo, um estudo publicado este ano afirmava que os microplásticos estão intoxicando alguns peixes do Báltico e poderiam explicar o declínio de algumas espécies de interesse pesqueiro. No ritmo atual de contaminação dos mares, 99% das aves marinhas terão ingerido plástico em 2050, ressalta o novo estudo.

“Os tipos de plástico que analisamos são usados em muitos dos produtos que consumimos, garrafas de água, isqueiros, escovas de dentes e muito mais”, explica Matthew Savoca, coautor do estudo. O pesquisador ressalta que “as aves marinhas não são as únicas que usam o DMS como sinal olfativo para se alimentar, também há peixes, incluindo o tubarão baleia, e tartarugas que fazem isso”, afirma. Em mamíferos está menos claro, apesar de “haver evidências de que algumas focas podem detectar o DMS”, acrescenta Gabrielle Nevitt, coautora do estudo, “e sabemos que esses animais têm um olfato excelente” , ressalta.

Um dos casos mais evidentes é o dos albatrozes das ilhas Midway, no Pacífico, que engolem os plásticos acidentalmente ao mergulhar na água para capturar suas presas. “A situação é especialmente crítica nessas aves, porque os filhotes são incapazes de regurgitar a comida dada por seus pais e acabam morrendo com o estômago cheio de plástico”, explica Jacob Gonzáles-Solís, pesquisador da Universidade de Barcelona. O fotógrafo Chris Jordan documentou o problema com fotografias impressionantes de corpos de filhotes com o estômago cheio plástico.

Em 2014, González-Solís publicou uma análise do consumo de plásticos nas três espécies de pardelas endêmicas do Mediterrâneo, incluída o balear, a ave mais ameaçada da Europa. “Os dados mostram que entre 60% e 80% das aves têm plástico em seus estômagos”, explica o cientista. Para o biólogo, o próximo desafio é verificar “qual é o impacto real dos plásticos nos organismos marinhos”.

O novo estudo demonstra que a intoxicação é mais complexa do que se pensava (não se trata tanto da visão, mas do olfato) e que é mediada por sinais bioquímicos que as aves evoluíram para conseguir captar inclusive em pequenas concentrações. “É um engano ecológico”, resume o biólogo da UB. Depois de algumas semanas no mar, os plásticos se cobrem de organismos microscópicos que começam a produzir dimetilsulfureto e assim atraem as aves. Não é que confundam com comida: é que é comida, mas contaminada.