quarta-feira, 9 de novembro de 2016

Por que roubei?

Em setembro, escrevi “Detalhes”, uma crônica na qual eu confessava ter roubado giletes. Como foi um furto não planejado, teci considerações em torno dos detalhes e um amigo assinalou que, na minha reflexão-confissão sobre o que fazemos “escondido”, faltava justamente um detalhe capital: o porquê do roubo das tais giletes. Hoje, desejo detalhar minha motivação criminosa.

Ao fazer esse exercício, espero contribuir para desvendar os motivos do “tirar” ou roubar, que nos leva aos elos entre os fins de um dado ato e as suas finalidades. Compreendido o laço, podemos penetrar melhor nas racionalizações ligadas à roubalheira planificada que tanto tem escandalizado a nossa vida pública.

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Começo com o ato. Roubei giletes porque naquele tempo nós, meninos, usávamos lápis. As canetas-tinteiro eram usadas exclusivamente pelos adultos, ao passo que o lápis (como a calça curta) era um dos objetos demarcadores das diferenças entre “gente grande” e “pirralhos”. Eu usava lápis na escola e os usava intensamente em casa, desenhando. Fascinado pelos traços de Hal Foster (Príncipe Valente) Alex Raymond (Flash Gordon) e Burne Hogarth (Tarzan), tentava imitá-los em casa.

(Aliás, por artes do destino, almocei com Hogarth em 1974, em Washington, nas comemorações do bicentenário dos Estados Unidos. Na ocasião, dele generosamente recebi uma litogravura autografada, a qual me lembra o caminho abandonado.)

Roubei giletes porque precisava apontar meus lápis – alguns dos quais igualmente roubados. Hoje, percebo que o meu furto foi justificado pela arte. Mas no confronto com papai ficou a consciência de como os papéis de filho, de irmão mais velho, de menino branco educado e de boa família não deveriam ser manchados pelo de ladrãozinho, um papel indicativo – ao menos naqueles velhos tempos – de um futuro sombrio.

No livro de Manuel Antônio de Almeida, Memórias de Um Sargento de Milícias, publicado no jornal Pacotilha, de junho de 1852 a julho de 1853, e ressuscitado por um texto exemplar de Antonio Candido (Dialética da Malandragem, publicado em 1970), que não foi meu professor, mas de quem eu muito aprendi, há um episódio essencial ligado ao elo entre meios e fins e ao que, no Brasil, dependendo da pessoa, classificamos como malandragem, dever político ou crime. Que o digam as consequências das delações premiadas.

No capítulo 9 deste romance, intitulado “O Arranjei-me do Compadre” ficamos sabendo de como o Barbeiro-Compadre – que assume a paternidade do herói da narrativa, o Leonardo filho, rejeitado pelo genitor a pontapé – fez o seu “pé de meia”.

Tal como o herói, o Barbeiro-Compadre, não tem família. Aprendeu a profissão de um barbeiro que ele mesmo não sabe se era ou não seu genitor. Viveu numa casa na qual era tratado como criado, filho, agregado e enjeitado numa sociedade relacional. Obrigado a pagar pelo que todos temos de graça, ele foge de casa.

Na rua, um tanto perdido e individualizado numa terra onde todos têm família, ele barbeia um tripulante de navio negreiro que o engaja como sangrador. No curso da viagem, ele tem sucesso e passa de sangrador a médico. Próximo à chegada ao Rio, o capitão do navio adoece. Confiante no “médico”, entrega-lhe a herança destinada à filha. O Compadre receba a fortuna, mas “esquecido da promessa, decidiu-se a instituir-se herdeiro do capitão, e assim o fez. Eis aqui – arremata Manuel Antônio de Almeida – como se explica o arranjei-me, e como se explicam muitos outros que vão aí pelo mundo”.

E, digo eu, embora situado “nos tempos do Rei” – ou seja, no início do século 19 e escrito na sua metade, o “arranjei-me do Compadre” não é muito diferente dos “arranjei-me” ou das “arrumações” que têm abusivamente permeado a nossa vida pública contemporânea, moderna, utópica e democrática. O “arranjei-me” pelo golpe e circunstâncias facultadas pelo Estado é um brasileirismo.

Vale terminar, porém, notando que a fortuna obtida por meios ilícitos termina nas mãos do afilhado num final feliz, pois, como tudo indica, se rouba pensando nos filhos e netos que fazem chorar os velhos crocodilos.

Menos cargos comissionados

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Em junho passado, como parte do esforço para diminuir o desequilíbrio fiscal e aumentar a eficiência da administração pública, o governo federal assumiu o compromisso, por meio do Decreto 8.785/2016, de extinguir 4.301 cargos em comissão e funções de confiança até o final do ano. Agora, quatro meses depois, o Ministério do Planejamento e Gestão anunciou que 3.290 desses cargos já foram desocupados, o que representa 76% da meta proposta.

É certamente uma excelente notícia, tanto pelo empenho do atual governo em reduzir o número desses cargos – é bem conhecido o alto custo político desse tipo de medida – como pela comprovação empírica da possibilidade de reduzir esses cargos. Não raras vezes, pessoas e grupos interessados na manutenção desses postos tentam difundir a ideia de que qualquer redução seria impossível, em clara tentativa de lançar uma cortina de fumaça sobre o assunto. Os números do Ministério do Planejamento mostram outra realidade, bem mais esperançosa – ainda que custoso, é possível diminuir os cargos em comissão.

A redução promovida pelo governo de Michel Temer ocorreu principalmente nos cargos de “Direção e Assessoramento Superiores” (DAS). Foram extintas 2.630 posições nessa categoria. O restante refere-se a 660 funções gratificadas. Segundo a estimativa oficial, o corte gerará uma economia anual de R$ 176,2 milhões.

Com a redução realizada, o número atual de cargos comissionados ocupados é o menor da administração pública federal desde 2005. No momento, existem 19.363 cargos DAS no Poder Executivo federal. Em 2014, ano em que se atingiu o número recorde, eram 22.926 cargos DAS.

Atualmente, 14.726 cargos DAS são ocupados por pessoas concursadas e 4.637 por quem não tem qualquer vínculo com o governo. Este último dado tem grande relevância, pois são cargos de livre nomeação e, portanto, com maior possibilidade de aparelhamento ideológico. Recentemente sancionada, a Lei 13.346/2016 também colabora nesse empenho ao limitar a ocupação de cargos no governo por pessoas que não fizeram concurso público. Entre outras disposições, a nova lei converteu 10.462 vagas de DAS em cargos exclusivos de servidores concursados.

Tanto pela economia gerada como pelo simbolismo que comporta, é de grande relevância para o País a diminuição de cargos comissionados. Nos anos em que o PT esteve no governo federal, houve um irresponsável aumento desses cargos. Além dos conhecidos efeitos para as finanças públicas, o aumento de quase 25% do número dos cargos DAS entre 2002 e 2014 foi ocasião para a implementação de um sistemático aparelhamento estatal, no qual o poder público parecia assumir a estranha função de servir a um partido.

O número de cargos comissionados no País – por exemplo, os quase 20 mil cargos DAS – contrasta com a realidade de países desenvolvidos. Estima-se que nos Estados Unidos existam 4 mil cargos similares aos cargos de confiança e comissionados brasileiros. Na Alemanha, seriam 600.

Com imenso atraso, o Brasil começa agora a seguir os mesmos passos adotados por outros países após a crise econômica de 2008. De acordo com a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), todos os países da União Europeia, com exceção da Suécia, reduziram o tamanho do funcionalismo público entre 2008 e 2013. Outro estudo, da entidade Initiative for Policy Dialogue, com sede na Universidade Columbia (EUA), revelou que, desde 2010, quase 100 governos reduziram o valor gasto com o funcionalismo. Aqui, o gasto com o funcionalismo em 2015 representou 5,3% do Produto Interno Bruto (PIB). Foi o pior resultado desde 1995.

A recente redução de cargos comissionados deve ser estímulo para o governo atingir a meta de corte de 2016, sabendo se tratar apenas de um primeiro passo. Há ainda um longo e necessário caminho de reformas para que o funcionalismo esteja de fato a serviço do País – e não o inverso.

Editorial - Estadão

O homem certo

Hoje, numa época em que se misturam todos os discursos, em que profetas e charlatães usam as mesmas fórmulas com mínimas diferenças, cujo percurso nenhum homem ocupado tem tempo de seguir, num tempo em que as redações dos jornais são constantemente incomodadas por gente que acha que é um gênio, é muito difícil ajuizar do valor de um homem ou de uma ideia. Temos de nos deixar guiar pelo ouvido para podermos perceber se os rumores, os sussurros e o raspar de pés diante da porta da redação são suficientemente fortes para poderem ser admitidos como voz da polis. A partir desse momento, porém, o gênio passa a outra condição. Deixa de ser matéria fútil da crítica literária ou teatral, cujas contradições os leitores que qualquer jornal deseja ter levam tão pouco a sério como a tagarelice de uma criança, para aceder ao estatuto de factos concretos, com todas as consequências que isso tem. 

+ - O artigo abaixo foi escrito por Richard Wagamese, membro da nação Ojibway do Canadá: Sou fanático pela ciência, e tento manter-me atualizado com tudo que é novo, e impressionante, e interessante.  Assim, foi fascinante para mim ler que descobriram água em Marte.  Como alguém que sempre observa as estrelas, esse tipo de notícia capta …:

Certos fanáticos insensatos ignoram a necessidade desesperada de idealismo que se esconde por detrás de tal situação. O mundo dos que escrevem porque têm de escrever está cheio de grandes palavras e conceitos que perderam a substância. Os atributos dos grandes homens e das grandes causas sobrevivem ao que quer que seja que lhes deu origem, e é por isso que sobram sempre muitos atributos. Foram criados um dia por algum homem importante para outro homem importante, mas esses homens há muito que morreram, e os conceitos que lhes sobreviveram têm de ser utilizados. Por isso andamos sempre à procura do homem certo para um determinado adjectivo. A "portentosa plenitude" de Shakespeare, a "universalidade" de Goethe, a "profundidade psicológica" de Dostoiévski e muitas outras imagens que uma longa tradição literária deixou atrás de si andam às centenas nas cabeças dos que escrevem, e essa sobrelotação de reservas leva-os a dizer hoje que um estratega do tênis é "insondável" ou um poeta em moda "grandioso". É compreensível que se sintam gratos quando conseguem aplicar sem desperdício a sua reserva de palavras. Mas terá sempre de se tratar de um homem cuja importância já é um fato aceite, de maneira a que se compreenda como as palavras se ajustam bem a ele, ainda que não se diga exatamente a que qualidades. (...) Uma parte significativa da importância de um homem reside na sua capacidade de se fazer compreender pelos seus contemporâneos».
Robert Musil (1880 - 1942)

Um 9/11 que equivale a um novo 11/9

O recomeço que se esconde sob o penteado exótico de Trump é um prenúncio do quê? Seja o que for, o mundo não será melhor do que já foi.
 
Um presidente dos Estados Unidos que diz não acreditar no aquecimento global e que guindou à condição de prioridade a construção de um muro na fronteira com o México pode resultar em qualquer coisa, menos em coisa boa
Josias de Souza

O juízo final

Queridos leitores, hoje o mundo pode acabar. No duro. Hoje se resolve a disputa política mais espantosa que já houve nos Estados Unidos, a divisão mais óbvia entre o bem e o mal, esta dualidade meio confusa, misturada.

Esse pavoroso ser chamado Trump (verbo que em inglês quer dizer “acusar alguém falsamente”, de onde sai o substantivo “Trumpery” – “exibição sem valor”) não podia ter acontecido na vida norte-americana.

Ou melhor, podia, sim, mas ninguém sabia. Os americanos se sentiam nestes tempos de crise como o país onde a “democracia sagrada” era um oásis político no mundo conflagrado. Tudo funcionaria bem, como funcionou o governo do Obama, que superou a crise de 2008 e tornou o país mais progressista e inteligente. Pensam que isso adiantou para a massa? Nada. Por isso, um elemento como Trump, uma espécie de homem-bomba americano, está sendo votado hoje por mais de 60 milhões de pessoas. Como pode? Os Estados Unidos se revelaram uma “super banana republic”, apoiando fortemente uma das piores pessoas que já apareceram no mundo político. Ele é o auge sinistro de uma psicopatia narcísica transformada em espetáculo, ele é um fruto podre da “cultura da celebridade”, das comunicações transformadas em “info-entertainment”, ou seja, a mistura de espetáculo com informação. Até suas mulheres são um show careta programado – todas são iguais, louras, cabelos de chapinha, sorridentes e submissas peruas do mal.


Charge do dia 09/11/2016

Esse palhaço surgiu na TV, e sua fama se dá justamente pela absurda personalidade e pela grossura sem peias. Creio que essa boçalidade até agrada ao cidadão médio, rancoroso por sua vida de fracassos.

Sua figura repugnante não assusta seus eleitores; pelo contrário, há um fascínio pela estupidez que é confundida com uma espécie de “liberdade” de pensar o impossível. Só o simplismo mais raso impressiona nesta época tão complicada no mundo. As mentiras colam porque a verdade está insuportável.

Se bem que o Trump não mente apenas. Ele criou um novo tipo de sordidez: inventa fatos sem comprovação, como dizer que o Obama não era americano, que a Hillary fez surgir o Estado Islâmico, que as mulheres que ele arrastaria pela vagina são pagas pelos democratas, que vai fazer uma parede contra o México, que vai acabar com a Otan, em suma, quanto maior o absurdo, mais impacto para a multidão de burros que assola o país.

Trata-se de uma ridícula mas perigosa revolução: criar a divisão da América em “nós e eles”, como, aliás, nosso Trumpinho Lula fez tão bem e como agora o Trumpinho zumbi evangélico vai fazer no Rio. Mesmo que ele perca (o que creio que acontecerá), ele já causou um mal pavoroso: a democracia americana foi humilhada diante do mundo, virou uma chacota, um vexame.

É inconcebível que a América possa ser governada por um psicopata. Ele não é nem “de direita”, nem fascista, como se diz em nosso vocabulário simplista – ele é o mal. Ele buscou todas as faces do mal e reuniu-as em um programa, um boletim para o fim do mundo. E os imbecis adoram essas dualidades: o mal e o bem claramente divididos.

Hillary disse uma frase assustadora mas verdadeira: “Eu sou o último obstáculo contra o apocalipse”. E é mesmo. Trump me lembra o filme “Dr. Fantástico”, no qual um general enlouquece e ataca a Rússia, que hoje é o feudo do outro canalha supremo, seu amigo Putin, que arrasa a Síria com o carniceiro Assad e protege aquele traidorzinho escroto do Snowden. Já imaginaram seu dedinho sinistro nos botões da guerra nuclear?

Como ele passa incólume por essas afirmações? Por quê? Porque o país está descobrindo tardiamente que tem uma população de idiotas alfabetizados, ativos e militantes, diferentes dos pobres latinos, que não sabem ler e moram na miséria extrema. Se não for eleito (porque Deus é grande), terá prestado um serviço involuntário à sociologia norte-americana: vão estudar e tentar entender como metade do país não é democrática, pois a democracia não pode ser pressuposta, mas é uma eterna vigilância, como já disseram os velhos udenistas.

Outra coisa que ajudou o rato foi o tradicional “democratismo” americano: o medo da mídia de tomar posições, equiparando bobagens irrelevantes, como os tais e-mails da Hillary, com os crimes contábeis do bilionário do mal. Agora, com a positiva reavaliação do FBI, acordaram para o perigo, mas é um pouco tarde.

A “ditadura da maioria”, que Tocqueville previu, ganhou presença. Dominada por um demagogo, todos os conceitos totalitários irrompem: racismo, violência, moralismo, negação da ciência. Ele declara que o país está quebrado, apesar de ter melhorado muito depois de 2008. O povo engole a mentira, mesmo com a opinião de 370 economistas do mundo que fizeram um manifesto contra a visão econômica do rato.

A existência desse sujeito deve-se também à ausência de qualquer proposta programática na agenda dos republicanos de hoje. Em todo o governo Obama, os vapores do “Tea Party” pautaram o bloqueio sistemático a tudo – seu único programa era impedir a governança, mesmo que quebrasse o país, como quase aconteceu quando provocaram o calote da dívida pública, que Obama conseguiu reverter na última hora. Eles não têm mais escrúpulos como no tempo do Reagan. Hoje, seus canalhas máximos são o Giuliani e o Newt Gringuich, com um claro apoio da KKK.

Mesmo que perca (“Álah u Akbar!”), ele já é vitorioso. Isso. Como você se sentiria se fosse um narcisista psicótico e tivesse virado uma ameaça ao mundo e à democracia? Um triunfo. Já há bandos de doentes mentais que querem virar milícias e atacar Washington armados, como, aliás, o Trump sugeriu, se a regulamentação de armas passar. É incrível, mas é verdade.

O grande poeta T.S. Eliot escreveu o célebre verso: “É assim que o mundo vai acabar – não com um estrondo mas com um gemido”.

Se esse pavoroso ser ganhar, o mundo acaba não com um estrondo, mas com um mugido.

Um pouco de piano

Lei para todos... lá


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Se você é presidente dos Estados Unidos e comete um crime, você será julgado por um juiz distrital, como eu
Juiz distrital americano, Peter Mussite

A tal reforma política

Volto outra vez a este tema.

O que mais me preocupa é que o brasileiro em geral – mesmo a elite mais culta – é muito mal-informado sobre o funcionamento de nossas instituições. Por isso, quando se fala em reforma política, quase todo mundo só se refere ao sistema eleitoral, em si tema complicadíssimo a ser enfrentado. É que não há modos perfeitos capazes de organizar uma sociedade com representação política. E nem mesmo a democracia direta nos livraria de males e distorções. Que o digam os estudiosos do auge da democracia ateniense!

Reforma política não é apenas mudar o sistema eleitoral: envolve o funcionamento das instituições internamente e uma em relação à outra. Desde que se estabeleceu a distinção (que nem sempre houve) entre Judiciário, Legislativo e Executivo, o cipoal de interferências chega a pôr um cristão de joelhos. Você não imagina, leitor, o que custou nos Estados Unidos o controle da constitucionalidade de leis. Os “founding fathers” tiveram de rebolar, e foi graças a uma matreiríssima interpretação do Justice John Marshall que a coisa acabou consagrada e depois copiada por nós, dentre outros. Quem quiser adentrar o espinhoso tema pode consultar na biblioteca virtual do Senado Federal a dissertação intitulada “O princípio da moderação e a legitimação do controle de constitucionalidade das leis”, de Thales Chagas Machado Coelho.
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Vou citar outros problemas: no Brasil, um parlamentar, sem deixar de sê-lo, pode ocupar cargo no Executivo (o que é expressamente proibido nos EUA) e depois, caso seja de interesse do próprio Executivo, esse parlamentar retoma sua cadeira no Legislativo apenas para votar algo de interesse do governante. No impeachment de Dilma, isso aconteceu: ministros voltaram à Câmara para votar a favor dela.

Na quinta-feira da semana passada, houve outro excelente exemplo da mixórdia entre Poderes. Foi a julgamento no pleno do STF a possibilidade de alguém da linha sucessória do presidente da República continuar à frente de seu cargo se é réu no próprio STF. Sem explicar o porquê, o ministro Barroso se declarou impedido. Faltaram ao julgamento os ministros Gilmar Mendes e Lewandowski e, para culminar, Dias Toffoli pediu vista. Isso significa jogar para as calendas gregas o fim do julgamento, embora já haja maioria formada em torno do entendimento no sentido de afastar o réu de seu cargo. O caso interessava diretamente ao presidente do Senado, Renan Calheiros.

Vejo nos jornais que o senador Randolfe Rodrigues apresentou substitutivo sobre a escandalosa questão do foro privilegiado. A proposta dele é ridícula. Por ela, continua valendo a prerrogativa de foro para crimes hediondos, contravenções e crimes de responsabilidade. Continuo sustentando que a exceção só deveria abranger os chefes dos Três Poderes (a linha sucessória do presidente da República).

Espero ter exemplificado algumas questões que precisam ser enfrentadas na tal da reforma política. Mas há outras, muitas outras: como punir para valer os responsáveis por desastres ambientais?

Sandra Starling

Um desmanche na privataria

O ministro Gilberto Kassab anunciou que o governo estuda a edição de uma medida provisória para intervir na Oi. Ela é a maior operadora de telefonia fixa do país, com 70 milhões de clientes em 25 estados, deve R$ 65,4 bilhões e está com um pé na falência. Em 1998, quando foi arrematada por uma “telegangue” num memorável lance da privataria tucana, chamava-se Telemar. Veio o comissariado petista, a operadora mudou de nome, chamou-se Oi, vulgo Supertele, e foi uma das “campeãs nacionais” do BNDES de Lula. Na lona, deve R$ 9,5 bilhões aos bancos da Viúva.

Aos 18 anos, a Oi poderá voltar para o colo da Boa Senhora, embalada numa medida provisória que se destina a tapar os buracos abertos na privataria tucano-petista. O que se cozinha no Planalto não é apenas a intervenção na Oi, mas um novo desenho para as negociações com os concessionários de serviços públicos. A fila é enorme, com seis aeroportos que não pagaram R$ 2,3 bilhões de aluguéis contratados, mais portos, rodovias e ferrovias que pretendem espichar os prazos das concessões, encolhendo suas obrigações contratuais.

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Desde maio, quando começou a choradeira dos aeroportos, os empresários apresentaram argumentos estapafúrdios. Atribuíram seus maus resultados à crise econômica, como se retrações da demanda não fossem um risco do negócio. Fariam melhor se olhassem para as relações incestuosas que mantinham com o governo petista quando ofereceram ágios milionários pelas concessões. A Odebrecht levou o Galeão; a OAS, Guarulhos; a UTC, Viracopos; a Engevix, Brasília. E todos acabaram em Curitiba. Mal começou, o governo de Temer deu um refresco aos concessionários que não pagavam os aluguéis. Disse que eles deveriam pagar em dezembro. Era lorota.

Seja qual for o problema, seja qual for a concessão, o remédio é sempre o mesmo: vem aí uma medida provisória que se propõe milagrosa mas produzirá a próxima rodada de ruínas. O programa do aeroporto que não paga o aluguel da concessão nada tem a ver com o de uma rodovia que pretende rediscutir seus investimentos ou com a ferrovia Transnordestina com seus seis anos de atraso.

Assim como a Oi nasceu errada quando a “Telegangue” arrematou a concessão, outras privatizações foram encrencadas por erros na arquitetura dos contratos, na concessão de financiamentos e, sobretudo, pelos contubérnios de empresários com os poderosos. Nesse hospital, o pior remédio é o da medida provisória milagrosa, enfeitada com expressões salvadoras. Fala-se, por exemplo, em “modernização dos contratos”. A repórter Alexa Salomão mostrou o que há de moderno na iniciativa. Há dias, o artigo 26 dava à Agência Nacional de Aviação Civil o poder de “repactuar e realinhar o cronograma de pagamento da outorga” (leia-se aluguéis) dos aeroportos. Se há alguém interessado em atrair investidores sérios, é assim que se consegue espantá-los.

Temer e sua caravana mostram um certo fascínio pelas medidas provisórias. Com a “modernização” das privatizações, certamente mobilizarão o maior exército de jabutis já visto em Brasília. Passado algum tempo, quando as coisas começarem a dar errado, virá outra medida provisória com outro projeto de anistia para capilés de políticos.

Elio Gaspari

Imagem do Dia

Waterfall Beach    Most amazing in the world:
Monterrey, México

Geração de empregos e empresas inovadoras

A geração de empregos e renda está diretamente atrelada ao processo de retomada do desenvolvimento. Por isso, devem ser estimuladas iniciativas que permitam oferecer empregos "duráveis" e que propiciem salários que assegurem a qualidade de vida e o bem-estar.

Evidentemente, isto dependerá da recuperação de programas de grande envergadura, como os de construção civil, principalmente na habitação, e de infraestrutura, porque viabilizam outras atividades que também são geradoras, em larga escala, do emprego e da renda.

Ideias (Foto: Arquivo Google)

Entretanto, considerando as expressivas mudanças no cenário internacional, trazidas pela sociedade do conhecimento e pela globalização, torna-se importante apoiar as iniciativas que permitam o crescimento das empresas inovadoras, ainda muito raras no Brasil, e dependentes, por exemplo, de centrais analíticas, que facilitam os dispendiosos ensaios de laboratórios, de centrais de insumos, que viabilizam a aquisição de materiais e reagentes importados, e dos quadros de pesquisadores e técnicos que irão iniciar o processo que dará origem à inovação.

No século XX duas iniciativas foram igualmente relevantes para a inovação.

A primeira foi o nascimento dos parques tecnológicos, fruto do pioneirismo de Frederik Terman. Sua visão privilegiada para a importância das relações entre universidade e empresas de base tecnológica e para a necessidade de transformar as teses de mestrado e doutorado em meios para o aumento da competitividade, o levou a apoiar, entre outros, a dupla Bill Hewlett e David Packard, fundadores da HP, uma das maiores organizações mundiais no domínio da eletrônica e da computação. Alugou terrenos da universidade, a preços módicos, para a HP, para General Eletric e a Lockheed.

Nos anos 50, quando reitor de Stanford, Terman viabilizou o primeiro dos “parques”, conhecido como “Vale do Silício”, referência mundial, que oferece meios de apoio às empresas inovadoras, e contribui fortemente para o desenvolvimento local, aglutinando cadeias produtivas e de fornecedores que se beneficiam dos resultados dessas empresas.

No Brasil, os parques são muito recentes, do final da década de 80, quando foi instalado o Polo de Biotecnologia, no campus da UFRJ. Na UFRJ também surgiu o “Parque do Rio”, que permitiu a transformação de inúmeros projetos de pesquisa, em geral teses de doutorado, em produtos e processos que aumentaram a competitividade de nossas empresas.

Hoje o país conta com 94 parques tecnológicos, abrigando mais de 950 empresas, e que respondem por mais de 35 mil empregos.

As incubadoras, criadas também nos anos 50, visam a apoiar os empreendedores na consolidação de seus negócios, por meio de ações que permitam adquirir conhecimentos técnicos e boas práticas na gestão empresarial.

Dados da Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos Inovadores (ANPROTEC), assinalam a existência de 2300 empresas incubadas, em 939 incubadoras, e de outras 2800 empresas já graduadas. Elas geram mais R$ 21 bilhões na produção nacional e outros R$ 12 bilhões na renda, além de 53 mil empregos diretos e outros 330 mil indiretos. Portanto, estamos falando de números bastante expressivos.

As incubadoras e os parques dependem fundamentalmente da articulação direta entre as universidades, onde se gera o conhecimento e são formados os quadros técnicos e científicos (a mais importante missão da universidade), as empresas, onde se produz a inovação, e os governos, que devem priorizar o fomento às atividades de investigação e de inovação ( a “hélice tripla”).

O governo decidiu quebrar uma pá da hélice, extinguindo o Ministério da Ciência e Tecnologia, e incorporando-o ao Ministério das Comunicações e diminuindo o status das principais agências de fomento. Tal medida pode por a perder todo o esforço de décadas, que gerou uma cultura do desenvolvimento cientifico em nosso país, fortaleceu a pós-graduação, e permitiu avanços notáveis em algumas áreas.

É urgente e necessário levar outra vez a ciência e a tecnologia à condição de prioridades nacionais, determinantes para a concretização de um projeto de nação.

As leis, sempre elas

Se a natureza tivesse tantas leis quantas as possui o Estado, nem Deus poderia governá-la
L. Borne

CNJ 'pune' com aposentadoria juíza aposentada

Em votação unânime, o Conselho Nacional de Justiça decidiu punir a juíza Olga Regina de Souza Santiago, do Tribunal de Justiça da Bahia, por beneficiar um narcotraficante colombiano chamado Gustavo Duran Bautista. Aplicou-se a pena máxima prevista na Lei Orgânica da Magistratura: a aposentadoria compulsória.

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Ou seja, a juíza foi condenada ao suplício de continuar recebendo seus vencimentos. Sem o dissabor de ter que trabalhar. Além de ter uma aparência de premiação, a pseudopunição do CNJ é inócua. Olga Santiago já está aposentada. Pendurou a toga em 2008, depois de ter sido afastada de suas atividades pelo Tribunal de Justiça baiano, nas pegadas de uma investigação da Polícia Federal.

Gustavo Bautista comanda uma organização crimiosa que se especializou no tráfico de cocaína da América Latina para a Europa. Em 2001, foi preso pela Polícia Federal numa fazenda por suspeita de explorar o trabalho escravo. A prisão foi em flagrante. Mas a juíza Olga Santiago o inocentou. Foi nessa época, há 15 anos, que começou sua relação imprópria com o traficante, anota a decisão do CNJ.

Em 2006, o traficante depositou R$ 14,8 mil em favor da juíza. Era parte de um pagamento maior. Que não foi concluído porque o traficante foi preso. Em 2007, uma operação da Polícia Federal batizada de São Francisco comprovou, por meio de interceptações telefônicas e de mensagens eletrônicas, a relação da doutora e do companheiro dela, Baldoíno Dias de Santana, com o criminoso.

Apenas em 2013 o CNJ abriu processo administrative contra Olga Santiago, àquela altura já afastada e aposentada. Decorridos três anos, sobreveio, finalmente, a punição-premiação da aposentadoria compulsória. A juíza também responde na Bahia a uma ação penal em que é acusada de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, entre outros crimes. Sabe Deus quando esse processo terá um desfecho.

Também na sessão desta terça-feira, o CNJ manteve punição que havia imposto a Júlio César Cardoso de Brito, desembargador desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região, sediado em Goiânia. Pilhado num relacionamento com membros da quadrilha do célebre contraventor Carlinhos Cachoeira, o doutor amargara a “pena” de aposentadoria compulsória. Recorreu. E o CNJ indeferiu o recurso. Significa dizer que o desembargador continuará recebendo normalmente os seus vencimentos —sem molhar o paletó.

Quer saber quanto você muda o clima?

Will Artes: Escultura:
Cada vez que você viaja de avião de ida e volta para a Europa, você derrete três metros quadrados de gelo no polo Norte. A cada 4.000 quilômetros que você roda com seu carro a gasolina, você derrete três metros quadrados de gelo no Ártico. A cada dois meses comendo bife uma vez por dia, você derrete três metros quadrados de gelo no Ártico. Como há muita gente como você que viaja de avião, anda de carro e come bife, nesse ritmo o gelo do Ártico não tem mais muito tempo de vida. E uma dupla de cientistas da Alemanha e dos Estados Unidos acaba de calcular quanto.

Dirk Notz, do Instituto Max-Planck de Meteorologia, em Hamburgo, e Julienne Stroeve, do NSIDC (Centro Nacional de Dados de Gelo e Neve), em Boulder (EUA), estabeleceram a primeira correlação direta entre emissões de gases de efeito estufa por hábitos pessoais e derretimento da camada de gelo marinho que cobre o Oceano Ártico – que abriga polo Norte, o proverbial lar de Papai Noel.

Em estudo publicado nesta quinta-feira no site do periódico científico Science, eles mostram que cada tonelada de CO2 emitida pela humanidade – cada atividade listada acima emite uma tonelada de gás carbônico – causa o derretimento de 3 m2 de gelo no Ártico. Com essa correlação em mãos, eles conseguiram produzir uma resposta plausível para uma questão que tem tirado o sono dos cientistas do clima: quando o polo Norte estará livre de gelo no verão?

O Ártico está numa trajetória de derretimento muito mais acelerada do que o previsto pelos modelos climáticos. Em 2012, a extensão mínima do mar congelado no verão, medida em setembro, foi o equivalente à metade da média verificada entre 1979 e 2000. Embora haja enorme variação natural de ano a ano, a tendência é de redução global, e o recorde de 2012 de derretimento pode ser batido a qualquer momento (em 2016 o degelo foi o segundo maior da história, estatisticamente empatado com 2007).

O glaciologista Mark Serreze, diretor do NSIDC, chamou esse movimento de “espiral da morte”: quanto mais gelo se perde, mais área de oceano fica exposta, o que aumenta a absorção de radiação solar, causando ainda mais degelo. Alguns cientistas chegaram a prever que já em 2016 o Ártico fosse estar descongelado no verão, o que tornaria possível navegar do Canadá à Rússia através do polo Norte. O IPCC, o painel do clima da ONU, estimou em 2013 que o gelo fosse durar até o meio do século. Serreze e outros pesquisadores têm apostado que o degelo total acontecerá antes disso, dado que o Ártico real tem derretido mais depressa que o dos modelos computacionais usados pelo IPCC.

Em seu estudo, Notz e Stroeve espertamente saltaram a polêmica. “Achamos importante comunicar que não há um ano específico no qual o gelo some, mas apenas uma quantidade específica de CO2”, disse Notz ao OC. E essa quantidade específica foi estimada em algo em torno de 1 trilhão de toneladas –o mesmo que a humanidade ainda pode emitir neste século para evitar que o aquecimento global ultrapassa 2oC.

“Não podemos dar um ano concreto, já que não sabemos quais serão as trajetórias de emissão no futuro”, prosseguiu o cientista alemão. Para os níveis de emissão atuais, de 35 a 40 bilhões de toneladas de CO2 por ano, nosso estudo sugere que o gelo marinho desapareça por todo o mês de setembro em menos de 30 anos.”

Para chegar a esse número, a dupla olhou as séries de dados dos modelos climáticos do IPCC, na tentativa de entender por que estes não conseguem replicar o comportamento real do gelo e como chegar a uma previsão mais acurada.

Eles se deram conta de que, em todas as simulações dos modelos, o gelo no Ártico estava relacionado de forma linear ao aumento da temperatura. “Como nós sabíamos pelo último relatório do IPCC que a média de temperatura global está relacionada linearmente às emissões de CO2, tivemos a ideia de testar a relação entre o gelo e o CO2”, conta Notz. Cientistas costumam ter um momento de “eureca!” quando esbarram em uma nova boa ideia. Para Notz e Stroeve, estava mais para um momento de “doh!” “A relação era muito óbvia depois que nós a estabelecemos”, relata.

A conta é simples: 1 tonelada de CO2 por 3 metros quadrados igual a 100 mil quilômetros quadrados por 35 bilhões de toneladas de CO2 – é mais ou menos a perda verificada anualmente no Oceano Ártico. A dupla alerta que trata-se de um número conservador, já que ele se refere às médias mensais para todo o mês de setembro. Isso ocorrerá muito depois do primeiro verão sem gelo no polo.

O estudo tem um porém, que Notz admite ainda não entender: a quantidade real de gases de efeito estufa emitida por ano pela humanidade (52,7 bilhões de toneladas de CO2 equivalente em 2014) é bem maior que as 35 bilhões de toneladas computadas pela dupla. Este último número equivale apenas às emissões de CO2, por energia, que é o que a maior parte dos modelos captura. Segundo o cientista, por razões que ainda não estão claras, esses fatores adicionais de emissão não fazem grande diferença no comportamento do gelo.

O outro lado da moeda é que o estudo também mostra que o polo Norte pode ser mantido gongelado: basta reduzir emissões. “Para emissões cumulativas totais compatíveis com alcançar a meta de aquecimento de 1,5oC [do Acordo de Paris], ou seja, para emissões significativamente menores do que 1 trilhão de toneladas, o gelo marinho no Ártico tem uma chance de sobrevivência no longo prazo, ao menos em algumas partes do Oceano Ártico”, escreveram os autores.
Claudio Angelo, do Observatório do Clima