quarta-feira, 19 de outubro de 2016

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O fundo do poço

Para nós, herdeiros da quebradeira lulopetista, o fundo do poço é o teto. É a proposta de emenda constitucional que define até onde o governo pode gastar. Pensando bem, é um ato kafkiano, pois, independentemente de orientação, todo governo que se preza há de ter um limite.

Aceitar um teto é uma ruptura com um sistema no qual o “Estado” tudo podia e cada governo empurrava para o próximo questões cruciais. Se a “República” de 1889 veio para consertar uma sociedade feita de mestiços condenada pela mistura, ela sempre operou imperialmente.

Não é, pois, por acaso que até hoje falar nos limites do “Estado” arrepia certos setores. Um dos argumentos aponta para cortes de investimentos nas chamadas “questões sociais”, como se investir nos direitos fundamentais dos cidadãos não fosse uma formidável questão social, pois é justamente nesta esfera que mais se aplicam critérios gerenciais eficientes e sagrados. Num Brasil de demagogos, estamos todos fartos de Robin Hoods ao contrário, do bando que se elege com os pobres e vira compadre dos ricos.

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O teto vai obrigar a decidir não mais quanto, mas como gastar. É inaceitável concordar que Educação e Saúde sofram constrangimentos. Mas será preciso enfrentar de onde tirar os recursos para que desvalidos sejam salvos da predação das nossas motivações ideológicas de classe média branca e bem posta, cujo projeto básico tem sido o de “arrumar” um emprego numa repartição de prestígio dentro da ordem estatal e, com isso, garantir-se para o resto da vida e mesmo depois dela, pois uma aposentadoria especial vai cuidar de seus descendentes.

A discussão dos limites de gastos vai contra todo o simbolismo do poder à brasileira. Os palácios para morar, as secretárias, os aspones, jatinhos, frotas de automóveis, guarda-costas, passaportes diplomáticos, ajudas infindáveis de custo... Uma ética de favores desenhada para enriquecer graças ao aumento dos gastos públicos e às custas do trabalho da sociedade.

No teto está um ator não convidado. É a consciência do trabalho para todos e para cada um. Num Estado com gastos limitados, será imprescindível saber o que cada um produz e quanto recebe para gerenciar tal ou qual ministério, diretoria, conselho e repartição pública. Será preciso acabar a velha distinção entre trabalho (a ser feito pelos comuns) e emprego, a ser apropriado por nós, de acordo com nossas relações pessoais e jogos partidários. Quem trabalha tem como recompensa míseras aposentadorias; mas já para os funcionários públicos, a aposentadoria é promoção. Limite de gastos implica em competência no cargo estatal Será preciso transformar chefes aparentados ou companheiros em patrões concretos, motivados pelo mercado e compulsivamente competitivos. O emprego não pode mais deixar de implicar em trabalho para o Brasil.

Nada mais brasileiro do que o brasileirismo de ter um Estado politicamente aparelhado, na confirmação da coisa pública como propriedade de um governo eleito. Do mesmo modo que o emprego deve virar trabalho, o governo não pode perder de vista os deveres do Estado e este, os interesses de um Brasil inserido num mundo globalizado.

Um Estado bem gerenciado vai obrigar os ocupantes de cargos públicos a realizar aquilo que mais odiamos: a prestação de contas dos nossos gastos. O teto pode transformar o povo pobre que deveria ser nosso eterno vassalo em patrão.

Mas se existem limites, espera-se que o tão falado “corte da própria carne” venha de cima. O teto é uma vitória indiscutível do governo Temer, mas onde cortar será a prova crítica da sua sinceridade gerencial. Se temos 12 milhões sem emprego, não podemos tergiversar com os velhos nababos instalados no topo do nosso republicanismo.

Nada mais fácil do que receitar para os outros. O caso americano não me deixa mentir. Donald que não é o Duck, mas o Trump, desafia as fórmulas feitas. A primeira é a do ardil burguês nas democracias liberais, pois ele prova que muita grana não compra tudo, muito menos uma Presidência: um cargo que requer um ator capaz de compreendê-lo para desempenhá-lo. A segunda é que somos todos crianças quando se trata de entender nossas coletividades. Como é que de um país com um sistema educacional invejável sai um Trump? Descobrir como esses Donalds são fabricados é o enigma que leio nos jornais e revistas de lá. O grande “The New York Times” disse que o nosso Congresso é um circo e tem até um palhaço, o Tiririca. E o que temos hoje na America fundada por fugitivos do Mayflower e por levas de imigrantes que atualizaram os ideais liberais e igualitários dos seus “pais fundadores”?

Ora, temos o Trump dos muros, da mente fechada e do machismo à americana. Pior que isso, corremos o risco de ver o país capaz de destruir o mundo com um presidente que pode destruí-lo. Eis o tamanho da inana.

Roberto DaMatta

Aqui d'el rey!

Passam os séculos, mas a opinião popular resiste, soberana. O seu beneplácito favorece ou desgraça candidatos ao governo, parlamentos, togas. Como na Grécia antiga ou no Império Romano, reina quem controla a fantasia das massas. No século 20 regimes totalitários tangiam milhões com propaganda. Goebbels retomou o dito platônico: a mentira repetida se transforma em verdade (Rep., 415d). Mas o que é opinião pública? Segundo Walter Lippmann, a consciência do povo não atinge o juízo lógico e manifesta um ponto de vista estreito. A democracia, diz ele, não objetiva garantir a dita opinião. Esta última deve ser controlada por instrumentos que garantam atos mentais ditados pelo governo: “a fábrica dos consensos será objeto de refinamentos (...) graças aos meios de comunicação de massa”, afiança o mesmo Lippmann no famoso Public Opinion.
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À esquerda de Lippmann, J. Habermas publicou vários textos para explicar o fato. Mas, seguindo hábitos do mundo acadêmico, ele calou sobre escritos anteriores às suas análises. No Brasil, desacostumado à erudição e à ética científica, o volume de Habermas trouxe furor. Teses, artigos, debates discorrem sobre o assunto, na suposta óptica habermasiana. Vários estudiosos, no entanto, o antecederam. Entre muitos, cito Eric Voegelin. Perseguido pelo nazismo, ele se dirigiu aos EUA. Ali produziu teses relevantes sobre o mundo social e político. Não assumo seus pressupostos, mas nele temos diretrizes fecundas para o exame da vida atual. Já em 1937 Voegelin publicou um artigo com título expressivo: Expressão de opinião e formação de opinião. Outro escrito posterior discute a censura e a governabilidade, o segredo de Estado e a imprensa: O que o povo está autorizado a saber? (1937).

No primeiro artigo o teórico enuncia que a opinião pública surge no século 18. Com as Luzes, vence a ficção do homem racional que forma seu intelecto segundo informações científicas, técnicas, filosóficas. O aspecto emocional das massas era quase ignorado, a propaganda não parecia pesar na esfera pública. A ideia do homem racional opinativo, se confrontada com o que aconteceu no mundo após as Luzes, é falsa. Goebbels será a mais evidente prova. Voegelin diz que as referidas opiniões “esclarecidas” vinham de uma gente retratada por Rousseau: o setor intermediário entre pobres e ricos, governantes e populaça. Opinam sobre os problemas da humanidade e do poder os que pertencem aos grupos educados, com vida financeira estável. Opostos aos nobres, eles não pedem muito ao Estado e, à diferença dos miseráveis, exigem lei, autoridade, paz social. Defendem sua propriedade como seres treinados para discutir desde a escola. E assim lhes é permitido ter “opinião”. Diria o reacionário Donoso Cortés: “clase discutidora”...

Seu conhecimento lhes garantiria rigor de juízo, sem tutela de terceiros, Igreja ou mando civil. A imagem sedutora foi quebrada no parlamentarismo, em que se digladiam os partidos que afastam a hegemonia dos “bem-pensantes”. A partir daí “não existe mais opinião pública, apenas opiniões privadas do partido mais forte”. O setor mediano perde sua base e surgem os berros dos ricos e da populaça. Reforçada a censura, brotam “formadores de opinião” que bloqueiam as informações em benefício dos partidos influentes e de seus interesses. “Larga parcela das comunidades europeias passa a ser controlada por um único grupo.” Quem leu Habermas nota uma “afinidade eletiva”, não confessada, no tocante ao “público” na esfera opinativa.

A tese de Rousseau, citada por Voegelin, vem de Platão: “Numa cidade (…) não pode existir extrema pobreza ou riqueza excessiva, pois ambas produzem grandes males. Cabe ao legislador determinar os limites da pobreza e da riqueza”. Vários pensadores do século 16, ao propor a razão de Estado, buscam os grupos que mais ganham ou perdem com a conservação do poder. Os primeiros o príncipe coopta e os segundos reprime. E daí surgem consenso e legitimação. O governante, afirma Botero, diminui o poder dos fortes e promove interesses medianos. Já os pobres são “perigosos à paz pública pois sempre aderem às novidades”. Logo, “deve o rei estar seguro deles, o que fará os expulsando do Estado (...) ou os obrigando a fazer algo na agricultura e nas artes para se manter”. Arremata: “Razão de Estado é pouco além de razão de interesse” (La Ragion di Stato, 1589). “Os príncipes governam os povos, o interesse governa os príncipes” (duque de Rohan). A obediência segue os interesses. No setor médio, o alvo é manter ganho moderado, sem os riscos dos nobres ou dos sem propriedade.

No Brasil, pobres são tangidos por demagogos sedentos de poder e dinheiro, numa reiteração obscena da teatrocracia denunciada por Platão em As Leis. O setor médio não acata os requisitos para emitir juízo abalizado. Ele se divide em setores opostos, mas complementares: a direita reativa e a esquerda idem. Nelas, o maniqueísmo impede os matizes do pensamento e a misologia domina lideranças e militantes. A suposta classe média, empobrecida econômica e espiritualmente, não assume debates polidos, informações ou autonomia de juízo. Ela apenas alterna os papéis de massa de fuga ou de perseguição (Elias Canetti). Os lados emotivos da alma a dominam. As redes sociais exalam preconceitos à direita e à esquerda. Censura e propaganda – sobretudo desde o DIP varguista – ainda hoje andam soltas.

Deixemos para outra vez o exame de Voegelin sobre a censura. Recomendável o brilhante livro de L. Catteeuw Censures et Raison d’État (2013). No Brasil, magistrados proíbem informações de jornais em nome de interesses dos muito ricos e poderosos. É o que se passa com O Estado de S. Paulo, constrangido a esconder do público informações vitais sobre a Operação Boi Barrica. Ainda vivermos no Antigo Regime, conhecido como o mais corrupto da História moderna, em todos os segmentos: Executivo, Legislativo, Judiciário. Aqui d’el rey!

Violão brasileiro

Meu pai, o que é liberdade?

Meditação:
– Meu pai, o que é a liberdade?

– É o seu rosto, meu filho,
o seu jeito de indagar
o mundo a pedir guarida
no brilho do seu olhar.
A liberdade, meu filho,
é o próprio rosto da vida
que a vida quis desvendar.
É sua irmã numa escada
iniciada há milênios
em direção ao amor,
seu corpo feito de nuvens
carne, sal, desejo, cálcio
e fundamentos de dor.
A liberdade, meu filho,
é o próprio rosto do amor.

– Meu pai, o que é a liberdade?

A mão limpa, o copo d’água
na mesa qual num altar
aberto ao homem que passa
com o vento verde do mar.
É o ato simples de amar
o amigo, o vinho, o silêncio
da mulher olhando a tarde
– laranja cortada ao meio,
tremor de barco que parte,
esto de crina sem freio.

– Meu pai, o que é a liberdade?

É um homem morto na cruz
por ele próprio plantada,
é a luz que sua morte expande
pontuda como uma espada.
É Cuauhtemoc a criar
sobre o brasileiro que o mata
uma rosa de ouro e prata
para altivez mexicana.
São quatro cavalos brancos
quatro bússolas de sangue
na praça de Vila Rica
e mais Felipe dos Santos
de pé a cuspir nos mantos
do medo que a morte indica.
É a blusa aberta do povo
bandeira branca atirada
jardim de estrelas de sangue
do céu de maio tombadas
dentro da noite goyesca.
É a guilhotina madura
cortando o espanto e o terror
sem cortar a luz e o canto
de uma lágrima de amor.
É a branca barba de Karl
a se misturar com a neve
de Londres fria e sem lã,
seu coração sobre as fábricas
qual gigantesca maçã.
É Van Gogh e sua tortura
de viver num quarto em Arles
com o sol preso em sua pintura.
É o longo verso de Whitman
fornalha descomunal
cozendo o barro da Terra
para o tempo industrial.
É Federico em Granada.
É o homem morto na cruz
por ele próprio plantada
e a luz que sua morte expande
pontuda como uma espada.

– Meu pai, o que é a liberdade?

A liberdade, meu filho,
é coisa que assusta:
visão terrível (que luta!)
da vida contra o destino
traçado de ponta a ponta
como já contada conta
pelo som dos altos sinos.
É o homem amigo da morte
Por querer demais a vida
– a vida nunca podrida.
É sonho findo em desgraça
desta alma que, combalida,
deixou suas penas de graça
na grade em que foi ferida…
a liberdade, meu filho,
é a realidade do fogo
do meu rosto quando eu ardo
na imensa noite a buscar
a luz que pede guarida
nas trevas do meu olhar.

Moacyr Félix

Imagem do Dia

Tang Yau Hoong: Ilustras com Forma e Contra-Forma
Tang Yau Hoong

Nunca antes na História deste e de país nenhum

A manchete do Estadão de domingo – Dezoito ex-ministros de Lula e Dilma são alvo de investigação por desvios – é a constatação factual do principal pecado do chamado “presidencialismo de coalizão” e da distinção entre a corrupção corriqueira de antes e o saque sistemático e completo de todos os cofres disponíveis da República.

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O pacto da “governabilidade”, eufemismo caridoso para justificar a ocupação dos ministérios por grupos de políticos profissionais que controlam o Congresso Nacional, não resulta de uma parceria de programas partidários para uma gestão de qualidade, atendendo a interesses republicanos, mero pretexto retórico. Mas, sim, da divisão de verbas orçamentárias para subvencionar interesses grupais e paroquiais de chefões de legendas, interessados apenas na permanência no poder, nos melhores casos, ou no enriquecimento pessoal, nos mais deletérios deles.

Na embriaguez da popularidade inesperada, o primeiro presidente eleito pelo povo depois da ditadura, Fernando Collor, confrontou esse paradigma e deu com os burros n’água por não aceitar dividir com os dirigentes partidários o butim dos cofres da “viúva”, chegando a perder a Presidência na metade do mandato. Seu vice e sucessor, Itamar Franco, beneficiário de um acordão multipartidário, saiu de seu mandato-tampão ileso e ilibado, já que impôs a um Gabinete dos que apoiaram o impeachment do titular da chapa a execução de uma gestão austera dos negócios de Estado. Se não o fizesse, não teria deixado para a posteridade a maior revolução social da História, o Plano Real, baseado na responsabilidade fiscal. Esta não resistiria à dilapidação patrimonial da poupança pública, lema que elegeu o ministro da Fazenda que a planejou e realizou, Fernando Henrique Cardoso, para dois mandatos, legitimados por vitórias no primeiro turno. Mas ele perdeu a legitimidade ao forçar a barra da aliança parlamentar formada para gerir a gestão compartilhada na luta, eivada de suspeitas de corrupção, para obter a reeleição.

O desgaste causado pelas dúvidas sobre o segundo mandato ajudou a alçar o Partido dos Trabalhadores (PT) ao poder. Nele ex-dirigentes sindicais, “padres de passeata”, “freiras de minissaia” (apud Nelson Rodrigues) e ex-guerrilheiros, doutrinados por Marx a desafiar a ganância capitalista, justificando a “apropriação” da “mais-valia”, aproveitaram-se das vantagens do acesso aos cofres da República. A propina dos corruptos de antanho foi, então, substituída pelo método do saque, mais premeditado e planejado do que propriamente organizado, do patrimônio público. Para realizar essa mudança contaram com uma oposição omissa, a prerrogativa de foro e a camaradagem no Supremo Tribunal Federal.

Nenhum tipo de corrupção deve ser perdoado. Se a denúncia do empreiteiro da Engevix José Antunes Sobrinho à Advocacia-Geral da União (AGU) for comprovada, os receptadores de comissões nas gestões estaduais paulistas dos tucanos José Serra e Geraldo Alckmin receberão com justiça tratamento penal igual ao dado a réus da Lava Jato. A notícia, publicada pela revista Época, revela o acerto da distinção feita no parágrafo anterior e põe por terra o mantra, exaurido pela esquerda pilhada em flagrante delito de furto, de que há delação premiada seletiva contra seus larápios de estimação. Da mesma forma, se não é aceitável a ladainha usada pelo PT e seus aliados de que as gorjetas dadas aos partidos configuram doações legais consignadas na lei eleitoral, idêntica desculpa amarelada não serve para tucanos de mãos leves pilhados.

Como também as citações de dirigentes do PSDB (o morto Sérgio Guerra e o vivo Aécio Neves) na Lava Jato não podem servir de pretexto para a fanfarra parlamentar, militante ou acadêmica da esquerda “delinquentófila” usá-las como justificativa para a ação deletéria de seus ícones do socialismo, cujos delitos causaram a maior crise da História do País.

Há defensores de pobres e oprimidos que falam e agem como cúmplices dos gatunos. A Associação dos Engenheiros da Petrobrás e os sindicatos do setor nada disseram contra o desmanche da estatal pelo superfaturamento de contratos em troca de “adjutórios” para petroleiros, políticos e legendas receptadoras de doações.

Nenhum sindicato de bancários cobrou explicações sobre os financiamentos bilionários, investigados na brasileira Lava Jato e na Operação Marquês, portuguesa, para a obra da hidrelétrica de Cambambe, na Angola do ditador comunista José Eduardo dos Santos, pai de Isabel dos Santos, a mulher mais rica da África. Aliás, a juíza Maria Priscilla Ernandes Veiga, da 4.ª Vara Criminal paulista, processou o ex-presidente da cooperativa dos bancários (Bancoop) João Vaccari Neto por ter usado o patrimônio da entidade para financiar o PT e bancar apartamentos na praia para petistas ilustres, entre eles Lula. E a Central Única dos Trabalhadores (CUT) não deu um pio em contrário.

Dos 18 ex-ministros de Lula e Dilma citados neste jornal no domingo, dois foram da Fazenda. Um, Guido Mantega, é acusado de ter achacado empresários no gabinete. E Paulo Bernardo responde por ter cobrado propina de servidores do Ministério do Planejamento, sob seu comando, que pediram empréstimos consignados. Algum socialista reclamou?

Que nada! O PT, a defesa de Lula e parte da intelligentsia comparam Sergio Moro, da Lava Jato, ao dominicano Savonarola e dizem que, por ser moralista e intolerante, ele “persegue” o três vezes réu. Só que este também responde por corrupção, lavagem de dinheiro, tráfico de influência e organização criminosa, e não por crime político, a outro juiz, Vallisney Oliveira, de Brasília.

Nunca antes na História houve nada igual. É hora de aceitar a realidade, processar e punir os responsáveis. E sanar as distorções que desempregaram ou subocuparam 16,4 milhões de brasileiros (16% da força de trabalho). Não dá mais para perdoar ignomínias desse jaez.

Esfumaçando-se


Jamais esqueceremos Dilma. Ela jamais deverá ser esquecida
Ricardo Noblat 

Barbárie não se combate com barbárie

As hegemonias, como as unanimidades, são burras. E míopes.

Burras porque, para se perpetuarem, abusam das armas disponíveis para eliminar pontos de vista ou culturas diferentes. Às vezes, até admitem alguma influência externa ou de grupo minoritário, desde que possam absorvê-la sem se comprometer. As hegemonias assumem o papel de gendarmes do bem, reservando o papel do demônio às vozes dissonantes. Julgam-se paladinas da justiça e a distribuem de acordo com o interesse e a conveniência da hora, sem se importar com a coerência de seus atos.

"Somos uma nação e uma sociedade violenta, não, violentíssima para ser mais exato. O estereótipo de somos historicamente um povo nascido e criados em um berço de esplendor na qual a índole brasileira se formou pela miscigenação adorável e amável na qual as raças aqui se encontraram é uma falácia dolorosa desmentida todos os dias no cotidiano pelos atos de barbárie que assolam a nossa sociedade.":

Como tudo que é humano, as hegemonias um dia terminam. As mais perigosas são justamente as mais bem sucedidas, aquelas que se impuseram de modo mais amplo. Quando desabam, e sempre acabam desabando, deixam um vazio de opções e, em seu rastro, a desorientação ou o caos. Após a queda do Império Romano, sucederam-se mil anos de estagnação, conhecidos por Idade das Trevas, em que o mundo ocidental viveu um misticismo desastroso e as fogueiras queimaram algumas das melhores cabeças. A civilização reencontrou o caminho em boa parte graças aos muçulmanos que recuperaram, reproduziram e reintroduziram na Europa textos oriundos das antigas Grécia e Roma banidos pelos cristãos. Surgiu então o Renascimento.

As hegemonias são míopes, porque não enxergam um metro além do quintal. Acreditam que a vida de um de seus cidadãos equivale à de dez dos estrangeiros – ou mil, como se depreende dos discursos mais inflamados. Condenam o assassinato de seus próprios inocentes, porém matam inocentes alhures e, com cinismo, propalam que distribuem a morte com justiça. Se entendem que seus interesses foram contrariados, ameaçam meio mundo com a vingança e o dies irae. Ignoram decisões de fóruns mundiais que desagradam seus aliados, porém efetivam a toque de caixa as que atingem os desafetos. Quem não está a favor está contra: de que prática democrática extraíram tamanha arrogância?

As lições de vida que aprendi com Oliver Sacks


O neurologista britânico Oliver Sacks, o "Poeta da Medicina", segundo o jornal The New York Times, morreu em Nova York, de câncer, em agosto de 2015, aos 82 anos de idade.

Sacks ficou conhecido no mundo por seus vários bestsellers, entre eles, O Homem Que Confundiu Sua Mulher com um Chapéu, Um Antropólogo em Marte e Tempo de Despertar (estrelado em versão para o cinema por Robert De Niro e Robin Williams).

Em novembro de 2014, poucos meses antes de ser diagnosticado com câncer em fase terminal, Oliver Sacks foi entrevistado pela repórter da BBC Brasil Mônica Vasconcelos.

A entrevista está incluída no documentário apresentado por Mônica Losing My Sight and Learning to Swim (Perdendo a Visão e Aprendendo a Nadar, em tradução livre), que será transmitido para o mundo, em inglês, pelo BBC World Service.

No depoimento a seguir, a repórter conta como foi seu encontro com Oliver Sacks - e as lições que aprendeu com ele.

Por que você está aqui? - perguntou-me Oliver Sacks, um pouco confuso.

Minha entrevista com o neurologista e escritor britânico Oliver Sacks teve um começo um pouco tenso. Ela aconteceu em novembro de 2014, no lindo apartamento onde ele vivia, em Nova York, com grandes janelas que se abriam para uma praça.

Como jornalista, minha missão era capturar a maneira única como Sacks via a diversidade da vida humana. E tentar mostrar como, ao ser confrontado com pessoas às voltas com doenças ou síndromes congênitas incuráveis, esse médico respondia de um jeito diferente.

Sim, ele percebia os enormes desafios que seus pacientes enfrentavam. Mas também se maravilhava com a inventividade, a variedade de respostas que nós, humanos, criamos quando certas portas, por uma razão ou outra, se fecham para nós.

Parece pouca coisa mas, ao descrever as experiências dos pacientes por esse prisma, Sacks ia, aos poucos, mudando a forma como nós, leitores, pensávamos as chamadas "deficiências". Vendo por aquele ângulo, não havia mais vítimas ou figuras de pena.

A Mônica jornalista queria, então, levar aos quatro cantos do mundo, por meio de um documentário de rádio do BBC World Service, o pensamento libertador desse médico.

Mas secretamente, uma outra Mônica naquela sala queria dizer a Oliver Sacks que ele tinha feito uma diferença enorme na vida dela.

Eu tenho uma distrofia degenerativa na retina chamada Retinose Pigmentar. Isso quer dizer que as células fotossensíveis na minha retina estão, aos poucos, morrendo. Não existe cura e não sei onde isso vai parar - mas minha visão já está bem ruim. E é possível que eu fique cega.

Pouco depois de ouvir esse diagnóstico, há uns 18 anos, uma pessoa colocou um livro na minha mão. Era A Ilha dos Daltônicos, de Oliver Sacks.

Esse foi o meu primeiro contato com o "olhar" do neurologista. E desde então, sigo pela vida com a voz sã e encorajadora desse homem no meu ouvido.

Sacks não entendeu, à primeira vista, por que a entrevistadora estava contando a história da família, do irmão que também tinha Retinose, do pai que sofria para aceitar a deficiência visual dos filhos.

Mas a atmosfera mudou - e a conversa passou a fluir - quando eu expliquei o efeito que A Ilha dos Daltônicos tinha tido na minha vida.

O PT nunca foi tão marxista

A invenção da imprensa trouxe facilidades e dificuldades ao conhecimento objetivo dos fatos históricos. Com ela, multiplicou-se tanto o acesso à informação quanto à desinformação. Desde então, a mentira, como corrupção da verdade, segundo diferentes níveis de perversão e sofisticação, parasita os meios de comunicação, em maior ou menor grau.

Acabo de ler pequeno ensaio sobre "O 18 de Brumário de Luís Bonaparte", livro escrito por Karl Marx em 1851/52, considerado por muitos como obra prima da moderna historiografia. Para analisar o golpe perpetrado naqueles dias por Luís Napoleão coroando-se rei da França (1851), Marx introduziu o conceito que vinha desenvolvendo sobre a luta de classes como motor da história. O jovem cujo ensaio li, não poupou elogios à precisão do critério concebido por Marx, convicto de que graças a ele, e a partir dele, se tornara possível fazer uma ciência da História. Vejam a encrenca em que se meteu o conhecimento a respeito do que já aconteceu. E do que está acontecendo. Sempre haverá um relato que serve e outro que não serve.

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À luz dessa convicção, fica fácil entender como a natural curiosidade dos seres humanos é substituída, em tantos intelectuais, por uma arrogância rebelde. Eles não apenas sabem o passado. Eles conhecem o futuro e - até mesmo! - o futuro do pretérito, ou seja, sabem como o futuro deveria ter sido caso os fatos se desenrolassem do modo cientificamente adequado. Se você traz no bolso do paletó a chave de leitura dos acontecimentos, essa chave se torna mais importante do que eles mesmos e sua atividade para conhecer a real natureza de quaisquer evento se resume a compatibilizá-los com sua chavezinha.

Na prática da sala de aula, se a luta de classes é o melhor e mais turbinado motor da história, o relato histórico, independentemente dos fatos em si, é uma forma de intervir na história que se conta. Daí a disputa pela narrativa e o assédio aos que a produzem.

Para exemplificar. Quando um professor de História diz que Michel Temer é um presidente sem voto, ilegítimo, ele está ocultando o fato de que Dilma jamais seria eleita sem os votos e sem o trabalho político do PMDB dados à chapa em virtude da presença de Michel Temer. E está ocultando, também, que a República já foi presidida por vários vices, a saber: Floriano Peixoto (vice de Deodoro da Fonseca), Nilo Peçanha (vice de Afonso Pena), Delfim Moreira (vice de Rodrigues Alves), Café Filho (vice de Getúlio Vargas), João Goulart (vice de Jânio Quadros), José Sarney (vice de Tancredo Neves) e Itamar Franco (vice de Fernando Collor). Curiosamente, o único golpe envolvendo um vice-presidente ocorreu para impedir sua posse. Foi o que aconteceu quando, em virtude da enfermidade que acometera o general Costa e Silva, foi negado a Pedro Aleixo, por ser civil, o direito legítimo de assumir a presidência.

A Executiva Nacional do PT, poucos dias após as eleições do dia 2 de outubro passado, emitiu nota oficial contendo elementos para extravagantes relatos históricos. Ali se leem, por exemplo, coisas assim: "... a ofensiva desferida contra o PT pela mídia monopolizada e os aparatos da classe dominante, desde a Ação Penal 470..."; "...a criminalização do PT e a ação corrosiva da mídia monopolizada..."; "... a escalada antipetista da Operação Lava Jato, que nos trinta dias anteriores às eleições desencadeou ofensivas fraudulentas...", "...as medidas então adotadas serviram de pretexto para que a classe dominante e os partidos conservadores impusessem...". E por aí vai.

Não estranhe. Na concepção que inspira o mencionado documento, isso é fazer História. O PT nunca foi tão marxista.