quarta-feira, 12 de outubro de 2016

Sexo, liberdade e etnia

Um mundo globalizado e idealmente igualitário abriu os portões de uma inigualável liberdade. Hoje, a sexualidade e a etnia não são mais papéis irrecorríveis — são papéis adquiridos. Resultam de escolhas individuais que rompem com a determinação que decretava como deveríamos ser. Dissolvemos a ideia estabelecida de dois sexos com o redesenho fundado na liberdade, pois o fisiológico não determina mais nem as práticas eróticas, nem a construção de um grupo familiar. O aparato biológico com o qual nascíamos (e morríamos) foi repensado pela categoria de gênero. Podemos nascer como “homens” ou “mulheres”, mas viver atualizando muitas formas de masculinidade e feminilidade.

O dualismo arcaico constituído de masculino e feminino — de homem e mulher — foi substituído pelo direito de escolher. Aliás, mesmo quando havia somente dois sexos — o ator principal do drama (o masculino) e o seu coadjuvante oprimido (o feminino), como nos revelou Simone de Beauvoir num livro fundacional, “O segundo sexo”, publicado em 1949, o mesmo ano, aliás, em que veio à luz o igualmente clássico “As estruturas elementares do parentesco”, de Claude Lévi-Straus, um estudo que confirmava as mulheres como objeto de trocas matrimoniais realizadas por seus pais e irmãos — sempre existiram homens femininos e mulheres masculinas.

Já sabíamos que certos atributos tradicionais de gênero — virilidade, sensualidade, docilidade, intuição, coragem, persistência, passividade, racionalidade etc... — não estavam em sincronia com ovários e testículos.

Na Natureza Selvagem - Filmes sobre viajantes.:

A possibilidade da reinvenção erótica permitiu redefinir a ontologia exclusiva do macho ou fêmea. Tanto Freud quanto Margaret Mead revelaram como sistemas de crenças marcam e definem o quem é macho ou fêmea, tornando a classificação simbólica mais importante do que que a visão universalista e evolucionista tradicional. Freud, por exemplo, falou em bissexualidade. Mead, por seu turno, descreveu sociedades nas quais os homens eram passivos e as mulheres ativas. Tal variedade, porém, não foi tomada como uma receita. O que se demonstrava era um conjunto de alternativas a serem respeitadas, e não uma outra camisa de força a ser seguida.

Em relação à etnia, ocorreu um processo semelhante. Uma pessoa pode nascer “negra” ou “oriental” e viver e morrer como “branca”: americana ou europeia. Ela pode manejar o seu corpo para nele reproduzir o padrão étnico ocidental ou fazer o movimento inverso, orientalizando-se ou africanizando-se. Ademais, dinheiro e celebrização permitem mais liberdade, bem como, maior legitimidade, mesmo diante de inevitáveis incoerências.

O fato é que neste nosso mundo que oscila entre liberdade e inquietação, podemos escolher o país com o qual queremos nos associar, de tal modo que o nascimento e a descendência não mais determinam nossas consciências e etnias.

Mas se um viés de liberdade centrada no individualismo marca a subjetividade sexual e o pertencimento a algum grupo, tudo muda quando falamos de idade. Porque há na idade uma progressão determinante em contraste com a liberdade. Refiro-me ao fato de que todos nós temos um início e um inevitável fim.

Temos todas as liberdades, menos a liberdade de escapar da decadência biológica que vai nos levar — tenhamos ou não mudado de sexo ou de etnia — para o fim.

Podemos evitar a branquidão que é azeda ou a negritude que significava escravidão; podemos transformar o masculino em feminino (e vice-versa), mas não temos como evitar que nasçamos, passemos pela juventude, entremos na idade adulta, envelheçamos e morramos.

Como assimilar essa inevitabilidade da velhice que nem todos, aliás, experimentam, sem pôr em suspeição as utopias das escolhas individuais ou, como dizia Lévi-Strauss, as ilusões da liberdade? Como, num mundo de liberdade infinita, aceitar essa determinação coercitiva da idade?

Podemos reprimi-la, mas não podemos viver sem um corpo que envelhece e impõe um princípio de suficiência no conjunto de escolhas que reproduzem a onipotência do pós-capitalismo apoiado no consumo e na alta tecnologia. Esse progresso que promete uma vida sem dor nas costas. O envelhecer prova que, tanto como o planeta e o capitalismo, nós também temos limites. É preciso um mínimo de asas para voar.

A inexorabilidade da idade deve ser lembrada neste Brasil onde a aposentadoria sinaliza velhice e promoção, livrando-nos do trabalho lido como castigo e estigma escravista, e não como um chamado ou vocação. Entrar nisso, porém, é, como dizia Kipling, uma outra historia...

PS: Dedico essa relfexão à memória de Irma Brant, com o meu afetuoso abraço para Arnaldo e Jaqueline.

Roberto DaMatta
OPI-002.eps

A menina por trás da porta

Dejo que las palabras inunden mi ser (ilustración de Jeannie Phan)
Durante a maior parte da infância, dividi o quarto com meu irmão. Havia duas camas, uma cesta de vime onde guardávamos os brinquedos e um armário pequeno. Jamais brigamos por espaço, porém, mesmo havendo uma convivência amistosa, eu mal podia esperar para ter um quarto só meu. Nunca fui muito otimista quanto a ter meus sonhos realizados: fui daquelas meninas que se achavam meio esquecidas pelos deuses. Tinha uma vida boa, com o básico sendo plenamente atendido (amor familiar, escola, amigos), mas desconfiava que meus desejos secretos continuariam secretos por um tempo indefinido.

Até que aos 11 anos trocamos de endereço e eu tive, afinal, um quarto só pra mim. Impossível descrever meu sentimento naquela primeira noite no apartamento novo, a sensação de poder ficar sozinha comigo mesma, de poder desligar o abajur na hora que quisesse, de colar nas paredes alguns pedaços de poemas e as fotos dos meus ídolos, de escutar meus discos sem que ninguém se sentisse perturbado. Foi o início da minha existência, valendo.

Não era apenas um local para dormir. Era uma sala de visitas. Muita gente entrou no meu quarto, alguns escondidos na mochila, sem que meus pais soubessem.

Os Beatles não só me visitaram: moraram no meu quarto durante anos. Nós cinco cantávamos juntos, enquanto eu me apaixonava por Londres sem ter noção de quão longe ficava.

Gostava também de ópera-rock, tanto que Jesus Cristo Superstar e Tommy não saíam do toca-discos. Eu trancava a porta do quarto para que ninguém me visse em cena com a trupe: o elenco inteiro dançava sobre meu tapete.

Ganhei uma máquina de escrever e através dela recebi outras centenas de convidados: todos os personagens e situações que inventei. Do lado de fora, a casa escutava apenas um tlec, tlec, tlec abafado e inofensivo, mas o barulho que minhas ideias faziam era de quem estava dando uma festa para 500 pessoas.

Não bastasse essa bagunça, o quarto ainda passou a ser compartilhado com Monteiro Lobato, no começo, e mais tarde com Anais Nin, Charles Bukowski, Fausto Wolff, Caio Fernando Abreu e demais visitantes vindos de universos distantes do meu, alguns até do além.

Nunca fui punida nas poucas vezes em que mereci. "Vá para seu quarto e só saia de lá quando eu mandar." Sério, era pra ser um castigo?

Criança deve brincar na rua, praticar esportes, ter contato com a natureza, socializar com a turma. Fazia tudo isso e bastante. Mas ainda lembro da sensação de voltar à tardinha, tirar os tênis, tomar um banho, jantar e então entrar num mundo ao mesmo tempo íntimo e megapovoado. Não, não era um smartphone. Era um troço mais avançado. Imaginação.

Que morda, então!

auto_brum
Para que a PEC dos gastos públicos seja eficaz, ela precisa ter dentes afiados e disposição de morder, preferencialmente para cima
Elio Gaspari

Os novos prefeitos e a agenda das cidades

O debate das eleições municipais deixa latente e visível um dos aspectos mais gritantes da defasagem do Brasil em relação aos países mais desenvolvidos: a maneira com que se discute e se vê as questões das cidades e da gestão pública das mesmas.

O principal ponto é a defasagem do conteúdo dos temas de cidade discutidos no Brasil em relação à pauta mundial. A gestão de cidades se sofisticou muito nos últimos anos e exige uma abordagem profissional e inovadora por parte dos prefeitos. O espaço para o improviso e o voluntarismo se encontram mais reduzidos do que nunca. A pauta populista-generalista, que ainda domina o debate, já está, em sua realidade, totalmente esgotada. Não há mais como as cidades expandirem serviços de saúde, educação e assistência social, por exemplo, no grau de universalização e nos limites que o eleitor médio imagina.

Ao mesmo tempo, há uma visão bastante limitada da forma que uma boa administração de cidade pode criar um ambiente atrativo de desenvolvimento e um processo de resiliência econômica. O discurso, por muitas vezes, ainda repete a crença no mito da geração espontânea de “empregos”, e de recursos que são virtualmente infinitos.

O foco, planejamento e visão de futuro são requisitos fundamentais que devem ser evidenciados pelos aspirantes a prefeito, especialmente nas cidades médias e grandes. Ao contrário do senso geral, a falta de direcionamento e organização traz prejuízos mais graves ao interesse público do que eventuais focos de corrupção e clientelismo.

Resultado de imagem para municípios charge

Grande parte das oportunidades de clientelismo e corrupção é gerada pela linguagem e prática assistencialista, e baseada em um governo populista e genérico, que finge tudo dar e proporcionar, em contraponto à visão moderna de que a relação de um governo com o cidadão deve ser segmentada. Ou seja, trazer soluções para a cidade e para as pessoas. Melhorando o ambiente. Prestando bons serviços. Sendo responsável com as finanças públicas. Neste sentido, a Lei de Responsabilidade Fiscal e o entendimento de que não é mais possível continuar a expandir os serviços e as estruturas indefinidamente devem ser predominantes. Que é preciso seguir uma estratégia, e ter prioridades.

Que o eleitor nas cidades que têm segundo turno e os formadores de opinião tenham a sabedoria em entender que o momento das cidades é outro. E a capacidade de protagonismo do prefeito é outra, muito mais ampla do que a mera condição de “zelador” da cidade, ou prestador de favores e soluções pessoais ou localizadas. O foco do gasto público deve ser o ambiente da cidade e os serviços prestados ao cidadão, e não os benefícios individuais. E que os limites de uma cidade dependem sim, também, do padrão e da responsabilidade da gestão, e dos limites de mentalidade de quem a administra.

Gustavo Grisa 

Um Estado insustentável

As manchetes do Estadão de domingo (“Pelo menos 6 Estados e DF não têm dinheiro para pagar 13º salário”) e de segunda-feira (“Das dez categorias mais bem pagas, seis são do serviço público”) e do Globo de domingo (“Retrocesso na economia vai agravar pobreza até 2025”) noticiam fatos que não são isolados. De fato, as verdades que elas registram tratam fundamentalmente da mesma tragédia nacional, aquela que põe em questão a viabilidade de nosso país, levando, necessariamente, à conclusão comum das três: o Brasil é inviável, ou seja, não tem jeito à vista.

Descrita esta evidência de forma tão crua, agora urge desdobrarmos o raciocínio, considerando a realidade. Apenas fatos. O ranking das atividades profissionais que remuneram melhor, elaborado pelo economista José Roberto Afonso, professor do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV), recorreu ao instrumento adequado para medir a traça que mina a capacidade da sociedade de suportar o ônus da máquina pública nacional. Com base em dados oficiais, tornados públicos pela Secretaria da Receita Federal do Ministério da Fazenda, na cobrança do Imposto de Renda da Pessoa Física, o estudo revela que a elite do funcionalismo público, remunerada pelos impostos pagos pelo cidadão, ocupa a maioria das dez profissões mais bem pagas de todas. E o ônus dos privilégios impressiona, além de se mostrar revelador.


A mais bem-sucedida atividade profissional entre nós não depende diretamente de remuneração estatal. No entanto, é o melhor e mais impressionante exemplo do absurdo dos privilégios concedidos pela mão generosa do Estado. Os 9.409 brasileiros titulares de cartórios estão na liderança disparada do ranking, com um rendimento declarado oficialmente ao Fisco de R$ 10,7 bilhões. O cartório não é uma repartição pública, mas o apêndice da burocracia estatal que configura um privilégio histórico de raiz ibérica, analisado com rigor sociológico no clássico Os Donos do Poder, do ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil Raymundo Faoro. A instituição, criada para atestar, registrar propriedades e dar fé, atua como oneroso instrumento de complicação da atividade econômica. Ao longo dos séculos, tem funcionado como uma traça que corrói o patrimônio público, praga que atende pela denominação acadêmica de cartorialismo, cujo símbolo é o carimbo, sucedâneo dos selos de garantia de fidelidade de assinaturas sem cujo peso nada se abre ou se fecha no território nacional.

Entre as atividades que absorvem diretamente a poupança (ou melhor, sua falta) nacional no ranking do elitismo pátrio, destacam-se as carreiras de Estado no provimento da justiça: membros do Ministério Público (promotores e procuradores), em segundo lugar; empregados do Poder Judiciário e dos Tribunais de Contas (que são órgãos acessórios do Legislativo), em terceiro; e advogados do setor público, procuradores da Fazenda e consultores jurídicos, em sexto. Em quarto lugar figuram os diplomatas, encarregados de representar o País no exterior. Em sétimo estão burocratas de atividades financeiras públicas, de carreiras: servidores do Banco Central, da Comissão de Valores Mobiliários e da Superintendência de Seguros Privados.. E, por fim, cobradores de impostos: funcionários das carreiras de auditoria fiscal e de fiscalização, os odiados publicanos nas priscas eras do Império Romano, em oitavo.

Os profissionais liberais mais destacados no ranking são os médicos, em quinto. Por incrível que pareça para leigos, habituados a tomar conhecimento das quantias formidáveis pagas a astros do futebol no mercado externo e também no interno, os esportistas e atletas ocupam o décimo lugar, logo abaixo dos mais bem remunerados pilotos de aeronaves, comandantes de embarcações e operadores de máquinas, em nono.

Em média, um craque recebe R$ 219 mil e 400, enquanto um titular de cartório, 1 milhão e 100 mil, ou seja, mais de cinco vezes mais. Na primeira página do Estadão de segunda-feira 10 de outubro, destaca-se, e esse peso aritmético retrata essa desigualdade, o fato de que os integrantes da elite estatal ganham, em média, quatro vezes o que recebem os profissionais da mesma categoria na empresa privada.

No domingo 9, este jornal trouxe a lume no alto da capa outra demonstração nada edificante de como essa elite conseguiu recentemente, sob desgovernos exercidos por um partido que se diz dos trabalhadores e coadjuvantes selecionados na nata dos oportunistas parasitas da política nacional, acrescentar dados mais preocupantes. Na reportagem que faz parte da oportuníssima série de José Fucs sobre “a reconstrução do Brasil” foi relatada a dureza da batalha que há que ser travada contra os privilégios para as contas públicas entrarem nos eixos.

De acordo com pesquisa feita pela Diretoria de Análise de Politicas Públicas da FGV, o total de servidores públicos federais, estaduais e municipais nos três Poderes da República subiu, vertiginosamente, de 5,8 milhões em 2001 para quase 9 milhões em 2014. Ao contrário do que seria lógico esperar, esse aumento de mais de 66% em 13 anos em nada melhorou o desempenho do Estado em seus serviços básicos de saúde, educação e segurança pública. Ao contrário, o aparelhamento político, partidário e ideológico pelos donos do poder neste século 21 desmantelou uma engrenagem que já era enferrujada, injusta e inepta.

Como era de esperar, o resultado concreto é que, conforme revela o jornal, em meio à grave crise fiscal, os governos dos Estados do Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia, Sergipe e Roraima, além do Distrito Federal, enfrentam dificuldades extremas para pagar o 13º salário, um dos mais sagrados direitos trabalhistas em vigor, a 2 milhões de funcionários. O pior é que, considerando a dimensão da crise econômica, financeira, política e moral que se abateu sobre a nossa cabeça como consequência da irresponsabilidade fiscal da tal “nova matriz econômica” das desastrosas gestões federais petistas, é um milagre que ainda haja Unidades da Federação com capacidade mínima para honrar os pagamentos de suas folhas de salários a cada mês.

Por isso tudo, reveste-se de imensa crueldade a sabotagem explícita da oposição de esquerda, esmagada nas urnas no primeiro turno das recentes eleições municipais, às tentativas de remendos e panos quentes com que o atual governo, composto pelos salvados do incêndio da parceria interrompida no impeachment de Dilma Rousseff, pretende calafetar o casco do transatlântico em pleno naufrágio. Sem gastos ajustados à realidade contábil nacional e ajustes que só se poderão manter após reformas profundas, capazes de corrigir essa realidade que torna a capacidade financeira do Estado agonizante, não será possível evitar o quadro drástico desenhado na manchete do Globode domingo. Segundo reportagem de Daiane Costa, ainda que a economia nacional volte a crescer, até 2025 (daqui a nove anos) a população mais pobre será aumentada em mais 1 milhão de famílias além dos 40 milhões que atualmente compõem seu segmento de renda mais baixa. Esse estudo, feito pela consultoria Tendências, complementa outro, do Ibase, segundo o qual a maior preocupação dos pobres é o desemprego.

Tudo isso é líquido e certo. Tudo é de uma evidência cristalina. Por que, então, providências como o teto dos gastos públicos, a reforma da deficitária Previdência e a redução dos vencimentos de servidores em início de carreira a partir das próximas contratações (por concurso, por favor!) ainda são consideradas impopulares? Até quando nosso povo se deixará enganar pela cantilena das sereias do populismo sedutor, que tapam o sol da verdade com os véus diáfanos de suas patranhas? Até quando queimar pneus, quebrar vidraças e depredar automóveis nas ruas manterá o País na sarjeta do mundo, afundando a Pátria amada idolatrada, salve, salve, no poço de pré-sal da corrupção desenfreada e da miséria anunciada?

E, pior ainda, até quando os barnabés (funcionários públicos que recebem uma merreca de vencimentos) serão confundidos com esses marajás do desserviço público? Eles, coitados, nem sequer gozam nenhum dos benefícios e privilégios usufruídos pelos apaniguados dos dirigentes políticos, que reservam os melhores empregos e suas prerrogativas para áulicos, assessores e familiares! Os interessados confundem essa elite com tais servidores modestos e muito mal pagos. Por causa disso, estes deveriam ser os primeiros a se rebelar, pois correm risco de não receber os caraminguás a que têm direito quando os cofres públicos estiverem completamente esvaziados.

Bossa Nova com a Musa

Nara Leão e Roberto Menescal na televisão japonesa

Entre o fim do mundo e o que o PT chama de 'emenda do fim do mundo'

No último fim de semana mais de 27 mil habitantes da província argentina de Mendonza enfrentaram um engarrafamento de cerca de 7.500 carros para vencer a passagem Los Libertadores, o longo túnel que atravessa a Cordilheira dos Andes e que separa Mendonza do Chile.

De um bom tempo para cá tem sido assim todo fim de semana. O que antes se fazia em 30 minutos agora se faz em até oito horas. Feitas as contas, vale a pena. Os preços do outro lado da fronteira são incrivelmente mais baixos do que os pagos pelos argentinos em seu país.

Roupas, produtos eletrônicos e utensílios domésticos, segundo o jornal espanhol El País, chegam a custar do lado chileno três vezes menos. O Chile vai bem, obrigado. A Argentina tenta se recuperar do desastre econômico produzido pelo governo de Cristina Kirchner.

Isso lembra alguma coisa por aqui?

Resultado de imagem para fome brasil charge
Vez por outra, governo Maduro permite que venezuelanos possam ir às compras na Colômbia. Eles atravessam a pé a fronteira entre os dois países. A situação econômica da Colômbia é estável. A da Venezuela, um inferno.

E não se trata de um país qualquer, mas de um dos maiores produtores de petróleo do mundo.. E a Venezuela não quebrou por que o preço do petróleo caiu. Foi a condução da economia por Hugo Chávez e por seu sucessor que levou o país à falência.

A inflação naquelas bandas é das mais altas do mundo. A miséria extrema, que Chávez prometera acabar antes do fim do seu primeiro governo, aumentou deste então. Em agosto último, o secretário-geral da ONU ofereceu ajuda à Venezuela. Maduro recusou.

Pouco antes da queda da ex-presidente Dilma Rousseff, seu então ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, defendeu mais uma vez um duro ajuste fiscal e falou em estabelecer um teto para os gastos do governo.

Não sei se Dilma bancaria a ideia de Barbosa caso não tivesse sido deposta. Só sei de duas coisas: que a proposta de Barbosa era parecida com a proposta da emenda aprovada, anteontem, em primeira votação pela Câmara dos Deputados. E que por falta de apoio político, Dilma dificilmente conseguiria que o Congresso a aprovasse.

Ao se eleger presidente pela primeira vez, Lula teve a sabedoria de não querer reinventar a roda na economia. Governou como Fernando Henrique Cardoso havia governado. Aproveitou os bons ventos que sopravam no exterior para socorrer os mais pobres. Esse foi seu maior mérito. Depois cedeu aos conselhos de Dilma e o mais é história conhecida.

Não existe gestão econômica de direita e gestão econômica de esquerda. Existe uma boa ou uma má gestão. Sob pena de aumentar a pobreza via inflação e juros altos, governos não podem gastar além do que arrecadam. O que os ricos perdem com a inflação compensam com os juros altos. Os pobres só perdem.

Os governos do PT gastaram muito além do que podiam – e o pior: gastaram mal. O que o PT chama hoje de “emenda do fim do mundo” parece ser a única maneira de evitar o fim do mundo.

Poço sem fundo

Náufrago da Utopia: AS CONCLUSÕES A TIRARMOS DO MENSALÃO E DO PETROLÃO...:
Onde você destampa tem alguma coisa errada. Nós criamos uma delinquência generalizada no País. E com um contágio que ultrapassa tudo o que seria imaginável
Ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal

A farra institucional promovida pelos interesses corporatiistas

A cidadania deve ficar muito atenta às reações contra a PEC do Teto dos Gastos (PEC 241) que tramita no Congresso Nacional. Por trás de um discurso cheio de boas intenções como esse dos adversários da medida, existe apenas o interesse específico de garantir que as corporações continuem obtendo reajustes acima da inflação e permaneçam ganhando muito mais do que o cidadão comum.

Para o brasileiro alvo da crise, o que importa é o seguinte: o Brasil quebrou nas mãos do trio Dilma Rousseff, Guido Mantega e Arno Augustin, felizmente já afastados. Em um país mais sério, os três já estariam respondendo nos tribunais por sua imperícia. O importante, agora, é que a conta chegou e é muito alta. Se alguém tiver ideia melhor e votos suficientes para aprová-la, assuma, então, a responsabilidade. É disso que se trata.


Mesmo sem dar aumentos ou aumentar gastos, a despesa do governo cresce de forma vegetativa cerca de 3% do PIB por ano. Ou seja, se o Brasil parar, a despesa vai continuar aumentando de qualquer forma. Evidentemente, isso é insustentável. Qualquer chefe de família sabe que sua casa não pode funcionar assim.

Qualquer pessoa com conhecimentos rudimentares de aritmética sabe que ninguém pode gastar mais do que ganha, principalmente se estiver endividada. Ou seja, é imperativo gastar menos e, assim, conseguir uma sobra de caixa para alcançar as condições de reduzir sua dívida. A proposta de estabelecer um limite para a despesa pública não impede que ela seja reajustada, desde que isso ocorra dentro do teto.

A educação e a saúde podem ter gastos a mais se o total não for acima do teto. Mas é inadiável enfrentar o problema, recuperar o tempo perdido no adiamento dessa decisão e nos erros de política econômica cometidos em nome da busca de solução. Tudo aquilo que conspira contra tal urgência é algo que faz oposição não apenas ao governo, mas a todos os brasileiros.

A campanha contra a PEC 241 significa que existem setores que não querem que o Brasil ajuste as contas a partir de uma interpretação “flex” da Constituição. O Ministério Público emitiu nota dizendo que a proposta do teto dos gastos é inconstitucional, pois o MP e o Poder Judiciário têm independência para gastar o que quiserem e como quiserem.

Então, dane-se o país! Dane-se a própria Constituição, que impõe limites ao gasto público. Dane-se tudo o mais. O MP e o Judiciário são livres para viajar de “business class” à custa do erário. Manter a caixa-preta de seus salários e benefícios. E, no limite, permanecer, em geral e com honrosas exceções, um dos Judiciários mais caros e ineficientes do mundo.

Cabe àqueles que têm olho, em uma população majoritariamente cega à realidade dos fatos, atentar para o fato de que nem tudo o que reluz é ouro. Que o discurso pró-cidadania está encobrindo o resguardo de privilégios e benefícios daqueles que querem tutelar, com a melhor das intenções, um povo que deve ser livre e soberano na proteção de seus interesses.

Reflita, cidadão, contribuinte e eleitor. No resto do mundo, a boa prática é apoiar o ajuste fiscal e cobrar transparência e eficiência na administração dos gastos públicos. Inclusive do Judiciário e do Legislativo. Gastam muito para o que fazem e, mesmo quando estamos prestes a virar uma Grécia, insistem em manter suas mordomias. O ajuste não é inconstitucional. Inconstitucionais são a farra com o dinheiro público e a submissão da cidadania aos interesses corporativistas.

Imagem do Dia

Desnutrição severa cresce na Venezuela

Saraí Díaz improvisou um nó na calça para ajustá-lo à cintura. Há dois meses – quando vestia quatro números a mais –, essa mulher abandonou a frenética busca por alimentos nos supermercados para se confinar no hospital José Manuel de los Ríos, em Caracas porque seu filho, Aarón, adoeceu. “Tinha febre, diarreia, vômitos e não comia. Achei inicialmente que era um vírus”, diz. Entretanto, o diagnóstico clínico – o mesmo dado a outras 79 crianças neste ano no hospital – foi de desnutrição severa. Aarón, um bebê de quatro meses e quatro quilos, entrou para uma estatística que reflete as consequências da fome na Venezuela.

No José Manuel de los Ríos, o principal hospital público especializado em pediatria na Venezuela, foram atendidas em média 30 crianças por ano com desnutrição grave em 2012 e 13. “A cifra se elevou. Acreditamos que o aumento se deve à crise do país”, diz a médica Ingrid Soto, chefa do serviço de Nutrição do hospital.

Arte sobre consumismo e globalização 6:
Brusk
Não há indicadores oficiais atualizados sobre a desnutrição na Venezuela. A Unicef (agência da ONU para a infância) revelou num relatório publicado recentemente que 3,4% das crianças deste país caribenho sofriam de desnutrição em 2013, o último ano refletido nas estatísticas que o Governo do presidente Nicolás Maduro ofereceu ao organismo internacional.

A erradicação da desnutrição foi uma promessa do sucessor de Hugo Chávez. Em outubro de 2013, seis meses depois da sua posse, ele jurou que no final do seu mandato, em 2019, a desnutrição e a pobreza teriam desaparecido do país. A pobreza extrema atingia na época 5% da população, mas o Instituto Nacional de Estatísticas admitiu que aumentou para 9,3% em 2015. A crise econômica impactou desenfreadamente a dieta dos venezuelanos, segundo a empresa de análises Datos – de acordo com suas pesquisas, 90% dos venezuelanos reduziram a compra de mantimentos. Na mesma linha, um estudo elaborado pela Universidade Católica Andrés Bello, de Caracas, indica que 1 em cada 10 venezuelanos comia duas ou menos vezes por dia no ano passado.

O bebê de Lorena Sarmientos, assim como o de Saraí, depende de duas fórmulas lácteas (Alfaré e Althéra) para se recuperar da desnutrição severa. Mas a crise provocou escassez desses produtos, a tal ponto que 63% dos serviços pediátricos da Venezuela não os têm.

O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, ofereceu ajuda ao país sul-americano diante do que considera uma crise humanitária, dadas as dificuldades do Estado venezuelano em cobrir as necessidades básicas dos cidadãos. Mas o Governo a rejeitou. “Temos problemas, mas não estamos em uma crise humanitária”, afirmou Rafael Ramírez, embaixador da Venezuela na ONU, em agosto.

Sacrifícios inúteis

Devemos preparar-nos. Quando os ponteiros se reunirem, à meia-noite de sábado para domingo, quem estiver acordado na metade mais populosa do país, do Mato Grosso ao Rio Grande do Sul, deverá adiantar seu relógio em uma hora. No mínimo cem milhões terão sido roubados em sessenta minutos. Para quê? Para nada. Melhor dizendo, para confundir-nos. Porque o sol nascerá na mesma hora. Apenas, quem acorda às sete horas verá que são oito. Uma hora de sono foi-se com o vento.

O pior é que o novo horário vale para metade do território nacional. A outra metade seguirá como antes. Um baiano que trabalha em Minas atravessará a ponte certo de que iniciará sua jornada na hora certa, mas já estará descontado em sessenta minutos. Em compensação, ao voltar para casa, ficará sem ter o que fazer por uma hora, esperando o jantar que o estômago reclama mas a mulher levará igual tempo para servir.

Multiplique-se a situação para a ida e volta das crianças à escola, entre mil outras atividades, e se terá a receita de como o horário de verão perturba e irrita a população inteira, lá e cá.

Quase 150 milhões de reais serão economizados nas contas de luz de meio Brasil, porque não haverá necessidade de acender as lâmpadas quando a noite chegar. Ainda vai demorar uma hora. No reverso da medalha, será madrugada quando formos escovar os dentes e tomar café, de luz acesa, gastando outros 150 milhões…

Imaginava-se que em meio a tantas reformas anunciadas, o governo Temer se esquecesse do horário de verão, mas não teve jeito. Chega à meia-noite de sábado para domingo, prolongando-se até março.

O relógio biológico dissocia-se do calendário. Quando nos tivermos acostumado, será hora de atrasar os ponteiros, para nova temporada de sacrifícios inúteis. Povo rico é assim mesmo…

FHC e Lula se portaram como 'faraós', erguendo tumbas à custa da dívida pública

Nova sede do STJ com uma versão moderna da pirâmide

Já dissemos aqui na “Tribuna da Internet” que um dos maiores problemas do Brasil foi a perda da simplicidade. Em algum ponto fora da curva nós saímos do caminho correto e mergulhamos num vale de ilusões, em que as pessoas bem sucedidas se internacionalizaram, é preciso viajar sempre para o exterior, ter casa em Miami, Nova York, Londres ou Paris, abrir conta na Suíça ou em paraíso fiscal. Nesse delírio tropicalista, as elites brasileiras passaram a viver num mundo do faz-de-conta ou na terra do nunca-jamais, imitando o genial personagem Peter Pan.

Mas a vida real é muito diferente, não se pode viver como Alice no País das Maravilhas, nem adianta morar num bairro sofisticado como Ipanema, se as balas perdidas já se instalaram lá, junto com moradores de rua e crianças abandonadas.

O fato concreto é que não pode haver convivência pacífica entre a miséria absoluta e a miséria total, são situações que não devem se misturar, mas o capitalismo à brasileira persiste nesse erro, que somente cabe ao governo resolver, porque o famoso mercado não se preocupa com esse tipo de problema, o importante é o lucro, não há tempo a perder com detalhes, a liberdade democrática só tem sido usada como argumento na hora de acumular dinheiro, sejamos francos.

Na verdade, o Brasil nem pode ser considerado um país capitalista ortodoxo, pois vivemos sob um sistema muito louco, no qual foi montada uma máquina estatal gigantesca e inútil, que explora a população e o empresariado, como se essa prática fosse possível e viável.

Brasília é o grande retrato da distorção nacional. Tornou-se uma espécie de versão moderna do Vale dos Reis, onde os faraós egípcios construíram as pirâmides. Tudo no planalto central é grandioso e inoperante. São prédios gigantescos e suntuosos, construídos com recursos públicos que não foram fruto de arrecadação tributária, mas oriundos do crescimento da dívida pública.
Há cerca de 15 anos eu frequentava muito o Tribunal Superior Eleitoral, fiz amigos entre seus auditores, acompanhava as prestações de contas dos partidos, escrevia reportagens sensacionais, acabei processado pelo Partido Verde por denunciar as falcatruas de sua direção, que ainda é a mesma, tanto tempo depois. Fui defendido pelo grande advogado paulista Luiz Nogueira, que venceu em todas as instâncias, mas o PV não mudou nada.


O prédio do TSE era modesto, hoje é um palácio imenso (foto acima), repleto de funcionários muito bem remunerados que não têm o que fazer. O mesmo fenômeno expansionista ocorreu no Tribunal de Contas da União, no Superior Tribunal de Justiça, no Supremo Tribunal Federal, na Procuradoria-Geral da República, nos órgãos ligados a ministérios civis ou à própria Presidência, como a Advocacia-Geral da União, que funcionava no anexo do Planalto e ganhou um prédio enorme para chamar de seu.

Essa gastança desenfreada, que contaminou os três poderes, ocorreu nos governos do PSDB e do PT, que consumiram recursos oriundos da dívida pública para bancar esses delírios de grandeza e aumentar o número de funcionários, de cargos comissionados e de empregados terceirizados.

O Congresso Nacional é uma piada de mau gosto. Os gabinetes dos deputados são mínimos, apenas duas salas e um banheiro privativo. Os senadores têm mais conforto, mas sem exagero. Então, por que cada senador passou a ter direito de contratar 55 assessores? Não há explicação. Como não é possível alojá-los no gabinetes, onde só cabem 12 funcionários, no máximo, o Congresso então criou os escritórios externos, que cada parlamentar (deputado ou senador) tem direito de montar em seu Estado de origem, à custa do Tesouro Nacional, vejam que esculhambação.

O Brasil é pobre, até mesmo paupérrimo, mas nos Três Poderes a administração pública é rica e farta, , seja federal, estadual ou municipal, porque todas elas – direta ou indiretamente – acabam sendo alimentadas pela crescente dívida pública, a fonte luminosa que abastece o desperdício e a corrupção.

A perda da simplicidade é uma deformação que ninguém discute, embora seja o maior problema nacional. Esse injustificável gigantismo é um buraco de sugar recursos públicos, porque os prédios imensos têm de ser ocupados e mantidos. E esse superdimensionamento se reproduziu nas sucursais do TCU (a subsede de Goiânia é suntuosa), do Banco Central (confiram as instalações de São Paulo) e foi seguido pelos governos estaduais e municipais no país inteiro.

Não adianta fingir de rico, gastando verbas que não existem e se transformam em dívidas, a serem pagas no futuro, como fizeram Fernando Henrique Cardoso e Lula da Silva, os dois presidentes roedores que corromperam as finanças de um país que seria altamente viável, mas determinados políticos parecem fazer questão de inviabilizar.