domingo, 25 de setembro de 2016

Charge (Foto: Miguel)

Roubaram o riso

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Procura-se desesperadamente nos dias de hoje, em tudo o que de alguma maneira diz respeito à vida pública, o senso de humor brasileiro. Onde teria ido parar? A capacidade de rir, de si próprios e da vida, que sempre fez tão bem aos brasileiros, anda sumida nestes tempos azedos em que vivemos. Eis aí mais um belo pedaço do patrimônio nacional que foi roubado neste país. Junto com os bilhões saqueados desde janeiro de 2003 da Petrobras, dos fundos de pensão, dos Correios, da Caixa Econômica Federal, do Ministério dos Transportes e de quase tudo o que tem alguma coisa a ver com governo, levaram também a graça do nosso cotidiano. Bem-­vindos, leitores, ao Brasil do impeachment — e da divisão que está ensinando os cidadãos a odiarem uns aos outros por causa de política. Ria-se de quase tudo no Brasil. Hoje praticamente não se ri mais de nada. Tudo é terrivelmente sério. O país parece ter descoberto, de repente, quanto gosta de emoções como o rancor, o despeito ou a mágoa — ou, mais alarmante ainda, quanto é fácil tratar como inimigo aquele que apenas tem uma opinião diferente. Não gostamos mais de rir. Agora preferimos insultar. Perdeu-se a habilitação para perceber o ridículo. Fora, Dilma. Fora, Temer. Fora isso. Fora aquilo. Estamos ficando um país chatíssimo.

No caso de Dilma ainda vai. A presidente deposta tem um talento raro na arte de se tornar malquista — e isso ajuda muito, claro, no culto geral ao mau humor que existe em relação a ela e seu falecido governo. Mas Michel Temer? Nunca houve a menor necessidade de ficar com raiva de Michel Temer. Em mais de quarenta anos de política o novo presidente nada fez para merecer paixões — e muito menos ódio. Ao contrário, é o tipo clássico do perfeito “gente fina”. Um país que consegue ficar com ódio de Michel Temer realmente decidiu viver de péssimo humor. Pior: um país que se queixa porque uma figura como a ex-presidente foi embora parece ter tomado a opção de não rir nunca mais na vida — sim, pois, se até isso é motivo para choradeira, onde alguém conseguirá encontrar algum motivo para achar graça em alguma coisa? É uma grande pena que o mundo esteja assim, porque senso de humor faz falta. E faz falta porque não é, no fundo, uma questão de rir das coisas. É uma questão de entender como elas são. Na vida prática, o senso de humor acaba funcionando como a manifestação mais básica do bom-senso; aliás, trata-se possivelmente da mesma coisa. Como seria viável, sem a ajuda do riso, achar que algo faz sentido no nosso dia a dia? Viveríamos num mundo perfeitamente insuportável.

Parece que o Brasil criado nesses treze anos de corrupção — e no trauma que tem sido o combate legal para tirar a chave do cofre da turma que controlava o governo da República — resolveu ignorar o bom-senso na discussão pública. É virtualmente impossível, por exemplo, ler do começo ao fim um jornal, uma revista ou uma página de noticiário eletrônico e ter vontade de dar um único e apagado sorriso ao longo de toda a leitura; é tudo desespero, choro e ranger de dentes. O mesmo se pode dizer dos telejornais ou dos programas informativos do rádio. Não se encontra um mínimo de humor nem mesmo entre os humoristas — que, no entanto, teriam a obrigação profissional de tentar fazer as pessoas rir um pouco. A maioria dos comunicadores dá uma importância ilimitada às próprias virtudes. Eles usam a soberba para compensar-se pelo muito que imaginam ser e não são; esquecem o senso de humor que deveria compensá-los pelo que são na realidade. Tudo é gravíssimo, mesmo fora da vida pública. O porre espetacular de um nadador americano na Olim­píada do Rio de Janeiro, com certeza uma das melhores histórias de bêbado dos últimos tempos, nunca chegou a ser piada; foi, do primeiro ao último minuto, um insulto mortal ao Brasil. Parece, em suma, que há brasileiros demais ativamente empenhados em ser infelizes. Dedicam tanto tempo e energia a essa tarefa que ficam sem tempo e energia para aproveitar um pouco melhor a vida.

Os leitores do romance O Nome da Rosa se lembram do tenebroso Frei Jorge e do pensamento que serve de alicerce para a sua vida — e, muito pior ainda, que ele quer impor à vida dos outros. O mais maligno de todos os pecados é o riso, acredita esse grande caçador de pecadores. Muda a face das pessoas, afasta a sua mente da virtude e as aproxima do macaco. Ele se esquece, como observa Frei William, que na verdade o homem é o único ser vivo capaz de rir. O Brasil de hoje tem Frei Jorge demais circulando por aí.

Ironias ideológicas

Os governos Lula e Dilma castigaram a Petrobrás com suas políticas erradas e prejudiciais à empresa. A Eletrobrás tenta sair do fundo do poço, para onde a desastrada queda da tarifa de energia a empurrou em 2013. O dinheiro do BNDES privilegiou grandes grupos, os chamados campeões nacionais, e o S de Social da sigla foi completamente esquecido. Multiplicar, fortalecer estatais e investir na área social figuram com destaque no discurso político-ideológico do PT. Só que as ações marcham no sentido inverso. Seja por incompetência ou por ímpeto populista, a verdade é que as políticas sociais dos últimos 13 anos não se sustentaram e acabaram canceladas ou suspensas porque o dinheiro acabou. Exceção feita ao bem-sucedido Bolsa Família e ao Minha Casa, Minha Vida, que cambaleia.

É verdade que na gestão de Lula milhões de brasileiros saíram da miséria, mas é verdade também que dois anos de recessão econômica, desemprego e queda na arrecadação desmancharam muitos destes ganhos e a população pobre, mais vulnerável à crise, passou a enfrentar o caminho de volta para a miséria. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a desigualdade social piorou na gestão Dilma: a renda dos trabalhadores mais pobres, que recebem menos de um salário mínimo, caiu 9%, enquanto a renda média total do trabalho se reduziu em menos da metade (4,2%) e a da faixa mais rica aumentou 2,38%.

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Na semana passada a Petrobrás divulgou seu plano de negócios para os próximos 5 anos. Entre itens importantes, como focar em exploração e produção de petróleo e gás e sair de outras áreas, uma surpresa: o plano reduziu de US$ 42,6 bilhões para US$ 19,5 bilhões a venda de ativos da estatal. Desmoronou o mito privatista da gestão pós-PT: a Petrobrás vai desestatizar menos da metade do que pretendia a equipe anterior do governo Dilma.

Também o BNDES anunciou seus planos: vai investir pesado em capital humano, atuando em parceria com governadores, abrindo créditos para saneamento, eficiência energética, iluminação pública e infraestrutura e gestão em educação, com ênfase no ensino médio. Acabaram os privilégios às empresas amigas, aos campeões nacionais, e o banco, enfim, dará sentido e conteúdo ao S do Social que carrega no nome.

Pedro Parente e Maria Silvia Bastos pertencem a um grupo de economistas de pensamento econômico liberal, que os petistas propagam só se preocupar com o mercado financeiro e desprezar o lado social da economia. No Ministério da Fazenda do governo FHC, Pedro Parente ajudou a formular as regras e comandou a maior renegociação das dívidas dos Estados com a União de que se tem notícia. Além disso, administrou com sucesso a saída da crise do apagão elétrico de 2001. Maria Silvia foi diretora do BNDES no governo Collor e, em breve passagem pela Secretaria da Fazenda da prefeitura do Rio de Janeiro (1993-1996), tirou as contas do atoleiro e deixou no caixa US$ 1 bilhão. Foi dirigir a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e, depois, ocupou cargos públicos e privados. Os dois têm perfil técnico, são movidos pelo desafio de vencer obstáculos sem preconceitos ideológicos e nunca pensaram em participar da política ou se candidatar em eleições.

No plano de negócios, Parente tenta corrigir os erros de Lula e de Dilma ao transformarem a Petrobrás num braço das políticas do governo ao congelar o preço dos combustíveis, obrigando-a a apresentar planos de investimentos pomposos e irreais, levando-a a um endividamento que rebaixou sua classificação de risco e reprimiu seu crescimento, a aceitar a absurda posição de única operadora do pré-sal e a comprar plataformas e embarcações da hoje fracassada indústria naval pelo dobro do preço externo. Enfim, arrasaram com a empresa. A saída imaginada por Dilma seria vender seus ativos fatiados, fazer o que o PT sempre acusou FHC de ter a intenção de fazer: privatizá-la.

O mensalão e a vasta corrupção na Petrobrás mostraram que o PT enganava o público ao se mostrar como único partido ético e honesto. Sua passagem pelo poder também vai revelando a farsa de seu discurso ideológico.

Suely Caldas

Imagem do Dia

Enchanting woods:
Mata "encantada" de Brufe, em Portugal

Mantega, o homem da mala, sabe tudo

A Lava Jato acertou na veia prendendo Guido Mantega, mas, infelizmente, movido por sentimento humanitário, o juiz Sergio Moro revogou a prisão do ex-ministro da Fazenda de Lula. É uma pena, pois Mantega, que ficou quase dez anos no cargo nos governos petistas, tem muita coisa para falar sobre a corrupção do partido e o dinheiro que ele desviou das empresas públicas para a candidatura dos ex-presidentes. Mantega, como se sabe, foi o responsável pela derrocada econômica do Brasil e um dos principais lobistas da indústria automobilística. Além disso, atuou diretamente no perdão das dívidas de bilhões de reais de grandes empresas sonegadoras da Receita Federal.

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Eike Batista, ao depor para os procuradores da Lava Jato, não deixou dúvidas sobre a participação de Mantega nas mutretas petistas. Disse, com todas as letras, que Guido Mantega solicitou que ele colaborasse com 5 milhões de reais para a campanha da Dilma. Mais da metade dessa fortuna, segundo Eike, chegou às mãos do marqueteiro João Santana e da sua mulher Mônica, no exterior, a pedido do ex-ministro no período pós-eleitoral.

O depoimento de Eike levou Guido para a prisão, mas ele não chegou a testar o chão frio da cela nem dormir numa cama de cimento porque o juiz Sergio Moro compadeceu-se do fato da mulher dele está se submetendo ao tratamento de câncer no hospital Albert Einstein.

Mais uma vez, os ministros do STF divergiram quanto a prisão. Gilmar Mendes, o contestador, falou que o ato foi “constrangedor”. Já Celso Melo não viu exagero na decisão de Sergio Moro de pedir a prisão do ex-ministro. Segundo o decano do STF, um dos mais respeitados do tribunal, mandado de prisão não escolhe local ou hora para ser executado, portanto, nada foi ilegal, tudo constitucional, como reza a lei.

Apesar da divergência dos dois ministros do STF, o fato é que a prisão de Mantega já deveria ter acontecido há mais tempo, desde que a PF provou a sua participação na operação Zelotes que tinha como objetivo “anistiar” multas bilionárias de empresários sonegadores. Mantega e também Palocci foram ministros da Fazenda danosos à nação, irresponsáveis, incompetentes e intermediários de dinheiro sujo para as campanhas do Lula e da Dilma. Palocci, inclusive, foi denunciado por um caseiro por promover bacanais em uma casa de luxo em Brasília, alugada com dinheiro público. Nas duas vezes em que deixou o ministério foi por envolvimento em atos de corrupção.

Os petistas, mais uma vez, estão indignados com as decisões dos procuradores da Lava Jato. No caso da prisão de Mantega, o presidente do partido, o fundamentalista Rui Falcão, falou em um ato desumano, seguido por Lula que trilhou o mesmo caminho para condenar a prisão. Ora, sejamos menos hipócritas: ao decretar a prisão de Mantega ninguém sabia que a mulher dele no mesmo dia estaria fazendo exames pré-operatórios, portanto, nem os procuradores nem a Polícia Federal cometeram algum ato de truculência. E a reparação foi imediata: Moro, por compaixão cristã, revogou a prisão do marido quando soube da enfermidade da mulher.

A prisão de Mantega pode levar a Lava Jato a puxar o fio do novelo que falta para esclarecer a ligação de Lula com Eike. O ex-presidente virou lobista de luxo do empresário e foi visto várias vezes na companhia dele depois que largou o governo. Em uma dessas aparições, ele viajou no avião de Eike para vistoriar seus empreendimentos financiados com dinheiro subsidiados do BNDES. Lula também ajudou o bilionário a conseguir grandes obras da Petrobrás com contratos e licitações fraudulentas. No depoimento aos procuradores, Eike deixa claro que contribuiu para as campanhas do PT. Citou apenas os R$ 5 milhões. Falta revelar o montante das propinas distribuídas nos mais de dez anos para alimentar o PT no poder. Os procuradores esperam que o Eike abra o jogo se não quiser passar o resto dos dias na cadeia.

Agora, como evangélico, o empresário precisa confessar seus pecados se quiser alcançar o reino do céu.

Quem seria o verdadeiro responsável pelo acervo?

Você, leitor, já se interessou em saber qual o protocolo que rege o recebimento e a guarda de presentes ofertados por autoridades estrangeiras às nossas autoridades?

Cada terra com seu uso, cada roca com seu fuso, como bem sabemos. Mas há uma regra comum à maioria dos países: os presentes recebidos de visitantes estrangeiros – a troca de presentes é cerimônia tradicional da vida diplomática – devem ser muito bem inventariados, pelos mais sensatos motivos.

Em quase todos os países há um limite máximo tanto para o presente a ser oferecido quanto para o presente a ser recebido.

Na Alemanha, por exemplo, presentes muito caros são considerados ofensivos. Dão a impressão que há alguma intenção oculta por trás da ostentação.

Na Inglaterra, os presentes cujo valor ultrapasse £140 não podem ser guardados por quem os recebeu.

Nos EUA, se o valor ultrapassa U$375,00, o presente pertence ao governo americano que o conservará nos Arquivos Nacionais, a não ser que o presenteado decida comprá-lo pelo valor de mercado, o que é permitido.

Comum à maioria dos países, no entanto, é a publicação de um inventário meticuloso dos presentes recebidos, qualificados como emblemas duráveis da cooperação e amizade internacionais.

Já o inventário dos presentes oferecidos é registrado no departamento competente mas não é divulgado “para que os presenteados não saibam quanto custou seu presente”, é a explicação formal.

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Pois foi ao me interessar pelo assunto que descobri que, ao contrário do que a declaração do senhor Paulo Okamoto dava a entender, nós também temos leis e regulamentos sobre esse assunto.

Para começo de conversa, temos um Código de Conduta Ética dos Agentes Públicos (Decreto 4.081/2002). Como presentes de até R$100,00 não entram na proibição do Código de Ética, era importantíssimo que fosse publicado, quanto antes melhor, a lista minuciosa dos bens que lotavam os 14 contêiners que saíram de Brasília para São Paulo levando os presentes que o ex-presidente Lula recebeu no exercício do cargo.

Será que tudo merece ser guardado? Quem fez a avaliação? Quem separou o que pode ser considerado pessoal do que é obrigatoriamente um bem pertencente ao Brasil? Tudo que está nesses contêiners é presente recebido pelo Lula?

Por que ainda não foi publicado um inventário completo do conteúdo dos tais 14 contêiners que carregavam, segundo Okamoto, parte integrante do patrimônio cultural brasileiro, bens de interesse público?

Se é do interesse público, não devia ser do Governo Federal a responsabilidade pelo transporte, guarda e conservação?

Quando li que foi a OAS quem pagou um total de 1,3 milhão de reais pela guarda e conservação do acervo, não acreditei: então o Brasil não tem um lugar oficial e público para abrigar e expor os presentes recebidos por nossos presidentes da República? Foi preciso apelar para que uma empreiteira bancasse os custos do armazenamento num depósito de uma empresa privada?

Por tudo isso, penso que é nosso direito, como cidadãos, ver publicado o inventário do conteúdo dos 14 contêiners. Quanto mais cedo melhor.

Com quem está a cópia do inventário?

Alegria no Domingo



Balé "Zorba, o Grego", baseado no romance homônimo de Nikos Kazantzakis, com a música de Mikis Theodorakis criada para o filme de mesmo título dirigido por Michael Cacoyannis com Anthony Quinn e Alan Bates

Ensino mais flexível

Pareceu-me correta a linha geral da reforma do ensino médio proposta pelo governo Temer. A medida provisória aposta na flexibilização das disciplinas, com o objetivo de reduzir os absurdos níveis de evasão registrados nessa etapa, e na ampliação da carga horária, o que tende a ter impacto positivo sobre a qualidade, hoje estacionada em níveis muito abaixo dos aceitáveis. Há, porém, várias dúvidas e uma série de problemas.

O primeiro diz respeito ao método escolhido para introduzir a reforma. É esquisito fazer uma remodelação dessa magnitude e importância através de uma medida provisória e não de um projeto de lei, mais democrático e aberto a aprimoramentos. Se o governo não é capaz de mobilizar sua ampla base parlamentar para votar com rapidez uma proposta tão fundamental para a educação, então não tem muito a oferecer ao país.

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Também me parece estranho propor, neste momento, um grande aumento da carga horária, que passaria das 800 horas anuais para 1.400. Mesmo considerando que a ampliação seria gradual, isto é, distribuída ao longo de vários anos, estamos, numa conta de guardanapo, falando de uma majoração de custos operacionais da ordem de 75%. Não é crível que isso possa ocorrer num contexto em que muitos Estados estão quebrados e as verbas federais para a educação também deverão experimentar um longo período de restrições. Teria sido mais honesto deixar o projeto de ensino médio em tempo integral para outra hora.

Para não ficar apenas em aspectos negativos, achei muito bacana eliminar a obrigatoriedade de quase todas as matérias. É claro que a própria flexibilização seria impossível se as 13 disciplinas hoje obrigatórias permanecessem nessa condição, mas gostei de ver alguém finalmente colocar a autonomia dos alunos à frente dos interesses corporativos. Vamos ver se essa mudança vai resistir à força dos lobbies.

A eleição do enfado, da desesperança e da descrença

Domingo que vem, com exceção dos que vivem no Distrito Federal, o eleitorado estará votando para prefeito e vereador. Houve tempo em que as atenções se voltavam para os candidatos a prefeito das capitais dos estados, pois nelas despontavam lideranças capazes de nos anos seguintes virarem astros de primeira grandeza, disputando os governos estaduais e até a presidência da República.

Dessa vez, a safra é reduzida, para não dizer inexistente. Dos favoritos a ganhar no Rio, São Paulo, Belo Horizonte e Porto Alegre, entre outros, não se encontra um só em condições de ascensão. Claro que surpresas sempre acontecem, mas o conjunto não anima ninguém.

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Começa pela falta de embasamento partidário. A ausência de programas e de ideologia nos postulantes às prefeituras mais importantes faz a eleição um deserto de homens e de ideias, diria Ruy Barbosa se estivesse por aqui. Entre veteranos e jovens, não se aponta quem possa despertar entusiasmo.
Claro que as capitais andam pela hora da morte em se tratando de recursos para empreender seu desenvolvimento. Só estão em situação de penúria um pouquinho superior aos respectivos estados.

Tome-se São Paulo. Nem Russomanno nem João Dória, muito menos Marta ou Haddad, este já se despedindo de um sofrível primeiro mandato, conseguirão levar os paulistanos a acreditar em dias melhores. No Rio, Crivella inspira bocejos. Em Belo Horizonte, assiste-se a uma disputa restrita aos atleticanos. E assim por diante.

Foi-se o tempo em que Jânio Quadros, Ademar de Barros, Carlos Lacerda, Negrão de Lima, Miguel Arraes, Leonel Brizola e outros faziam de suas capitais trampolins para Brasília.

É preciso atentar para o índice de abstenções, apesar de o voto ser obrigatório. Mesmo em se tratando dos que comparecerão às urnas, o sentimento parece de enfado, desesperança e descrença.

Ele não tem nada com isso

Talvez seja muita pretensão achar que Deus, com tantos problemas graves para resolver no mundo, vai dar atenção às nossas eleições municipais, ainda mais sabendo que elas transformaram a fé em moeda de troca de votos.
Zuenir Ventura 
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Afundou o país e foi à praia

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Não há PowerPoint que consiga explicar a pedalada de Dilma Rousseff na Praia de Ipanema. Tranquila, sem contratempos, ela foi até o Leblon e voltou. Numa boa. No dia seguinte, seu ex-ministro da Fazenda foi preso.

Como a torcida do Flamengo já sabia, Guido Mantega era mais um despachante da companhia. Vejam como a senhora das pedaladas é honesta, conforme um pedação do Brasil adora acreditar: Mantega, Paulo Bernardo, Fernando Pimentel, Gleisi Hoffmann, André Vargas, Erenice Guerra, João Vaccari... Chega. Já sabemos que a cada enxadada corresponde uma minhoca. Todo o estado-maior de Dilma, e o menor também, está enrolado com a polícia. E ela está na praia.

Com a saga de Guido Mantega no governo popular — que vai sendo revelada pela mulher do marqueteiro, por Eike Batista e outros inocentes torturados pela Lava-Jato, — o farol de Curitiba começa a apontar para as catacumbas do BNDES. As negociatas de Fernando Pimentel, amigo de Dilma e governador de Minas (nesta ordem), somadas às tramas de Lula com suas empreiteiras de estimação, já indicavam que as paredes do gigantesco banco público têm muito a contar. Agora vai.

Mantega foi um dos peões de Dilma no colossal esquema da contabilidade criativa, que o Brasil só notou quando foi apelidado de pedalada, e mesmo assim não acha muita graça. É um enredo impressionante envolvendo BNDES, Tesouro, Caixa e Banco do Brasil, para esconder déficits e liberar dinheiro público para os companheiros torrarem em suas olimpíadas eleitorais. Isso aconteceu por mais de uma década, e foi um par de flagrantes desse assalto que despachou a presidenta mulher para Ipanema — o famoso golpe.

Se Lula é o sol do PowerPoint, Dilma é, no mínimo, a lua. Guido Mantega deu sequência às obras dela na presidência do Conselho de Administração da Petrobras, sob o qual foi montado e executado, nos últimos 13 anos, o maior esquema de corrupção da República — se é que há algo de republicano nesse populismo letal. A literatura obscena da Lava-Jato, e em especial a denúncia do Ministério Público contra Lula (que o Brasil não leu, porque é muito longa), mostra tudo. Lula e Dilma cultivaram os ladrões camaradas nos postos-chave para manter a dinheirama irrigando os cofres partidários.

Mas Dilma diz que não tem conta na Suíça como Eduardo Cunha. Vamos esclarecer as coisas: Eduardo Cunha é um mendigo perto do esquema bilionário que sustenta Dilma, a mulher honesta.

O que também sustenta Dilma, e todos os delinquentes do bem, é a ação corajosa dos progressistas de butique. Eles não se importam que as bandeiras de esquerda tenham sido usadas para roubar o país. O papo do golpe é uma mão na roda: Dilma, a revolucionária, foi massacrada pelos velhos corruptos do PMDB. Todos sabem que estes viraram ladrões de galinha diante da ópera petista, mas lenda é lenda. Ser contra o golpe dá direito a ser contra a ditadura militar, a violência policial, o racismo e o nazismo. É um pacote e tanto.

Também dá direito a ir à posse de Cármen Lúcia no Supremo Tribunal Federal — o mesmo STF que presidiu o impeachment de Dilma. Deu para entender? Vários heróis da resistência democrática contra o golpe foram lá, pessoalmente, festejar a nova presidente da corte golpista. Contando, ninguém acredita.

Teve até show de MPB — a mesma que ouviu da própria Cármen Lúcia o famoso “cala a boca já morreu”, contra aquele projeto obscurantista de censurar biografias. Alguém já disse que é proibido proibir. Mas debochar da plateia está liberado.

Nem é bom citar esses acrobatas da ideologia. Vários deles são artistas sensacionais, que colorem a vida nacional. Melhor esperar que desembarquem de suas canoas furadas a tempo, e parem de alimentar essa mística vagabunda — porque, atenção, comprar o barulho do governo destituído e seus genéricos não tem nada a ver com ser de esquerda. Ao contrário: além de destruir a economia popular, essa gangue fraudou as bandeiras da esquerda. Adaptando Millôr: desumanizaram o humanismo.

Foi uma dessas turminhas de humanistas desumanos que hostilizou uma jornalista de TV com seu bebê de 1 ano numa calçada da Gávea. São jovens simpatizantes de um desses candidatos bonzinhos que incentivam a porrada. Eles são contra o sistema (seja lá o que isso signifique) e contra a mídia burguesa. Assim morreu o cinegrafista Santiago Andrade. No dia 2 de outubro, os cafetões da criançada ignara vão às urnas buscar seus votos progressistas.

Os heróis da resistência ocuparam o Canecão. Ótima ideia. Melhor ainda se tivesse sido executada há quase dez anos, quando o PT fechou esse templo da música — fingindo que estava defendendo a universidade pública de empresários gananciosos. Onde estavam vocês quando aconteceu esse golpe hipócrita contra a arte?

Vamos falar a verdade, queridos cavaleiros da bondade. Antes que a praia vire passarela de quem devia estar vendo o sol nascer quadrado.

Guilherme Fiuza

Ainda existe esquerda no Brasil? Que esquerda? A do PT?

Vamos, numa série de artigos, dar um passeio pelo cenário político-partidário do País, para saber onde estão os personagens da verdadeira Esquerda. 

Comecemos pelo PT, que se diz “de Esquerda”. No Brasil, quando falamos de Esquerda, lembramos do PCB, de 1922, comunistas marxistas-leninistas de Astrojildo Pereira e, depois, Prestes, hoje de Ivan Pinheiro, e suas históricas dissidências e linhas; no PSB de João Mangabeira, depois do contraditório Arraes; nos Trabalhistas-Nacionalistas, a Esquerda Democrática do PTB do Getúlio eleito em 1950, de Jango e Brizola, depois PDT; nos trotskistas dissidentes do PCB de 1962, que criaram o PCdoB, de Grabois, depois de Amazonas, no partido agora em falência nas mãos do PT; nos Socialistas cristãos discípulos de Maritain, defensores do Dom Hélder Câmara pós-64, habitantes de vários partidos; no MR8 próximo do antigo MDB, por ele acolhido; do saudoso PSDB de Covas e Montoro; e em outras vertentes populares e progressistas.
Tem-se falado muito, nos atuais estertores do PT, que a Esquerda sofreu um duro golpe, mortal, com o Petrolão e a Lava-Jato. Insistem: E, agora, com o PT desmoralizado, moribundo, considerado antes, ainda no Mensalão, “uma quadrilha” pelo Judiciário; o Lula, segundo o Ministério Público, comandante da “propinocracia” que aparelhou o Estado, saqueou a Petrobrás e vários órgãos públicos, incluindo os “Fundos de Pensão”; o Zé Dirceu alquebrado, condenado, em reclusão, pairando o risco de uma delação “laureada”, cartártica, dele para ele mesmo, com um gravador camuflado na cela; com os esquálidos e minguados “líderes” e ex-ministros processados; parlamentares, presidentes e tesoureiros da sigla na cadeia – o que será da Esquerda? Pergunto: E o que tem a ver o PT com a Esquerda Brasileira? Nada. Ou quase absolutamente nada.

No passado, antes de o Lula ser revelado apenas como um hábil, sagaz, vitorioso negociador e líder sindical; depois, político fisiologista, ladino, oportunista e arrivista, ideologicamente oco, dono pragmático de um “partido”; demagogo sem ideias, sem rumos, sem posições, hoje réu por corrupção e outros crimes em mais de um processo – pensou-se até que o PT, filosoficamente e na práxis premonitória, fosse um partido de Esquerda. Nem todos.

Muitos lembraram que o PT votou contra o passo democrático que foi a eleição de Tancredo, que não assinou a “Constituição Cidadã”, foi contra o Plano Real e a Lei de Responsabilidade Fiscal. Entretanto, muita gente, verdadeiramente de Esquerda, bem intencionada, além dos pato-oposicionistas a qualquer governo, dos ingênuos, dos tolos e dos esquerdistas (estes na pior acepção que Lênin definiu), embarcou no PT.


Antes de o PT ser governo já se exibia, ética e politicamente, muito mais como hordas tontas e oportunistas de pelegos sindicalistas e de grêmios estudantis do que um partido político.
O primeiro sinal de que não havia seriedade foi a hopozissão burra e cega, bem como a decisão de não apoiar Brizola, um líder com história política e consistência ideológica, após a sua volta do exílio e a sua natural candidatura à Presidência. Consequência: a humilhante derrota para Collor. E mais duas derrotas.

Com a eleição e posse de Lula configurou-se o embuste, a fraude, uma gestão para remunerar sindicalistas sem jornadas e candidatos derrotados, intelectuais sem cérebros, esquerdistas profissionais (como havia e ainda há os “estudantes profissionais”), uma estrutura de milhares de cargos comissionados para pessoas despreparadas que os assumiram avidamente; e mais: cabides de empregos destinados a párias sem ofício a viver do filantrópico Fundo Partidário, dispostos a tudo. Quais os sintomas, os sinais dessa realidade distante dos valores e dos ideais socialistas? Foram muitos, inúmeros.

Em menos de trinta dias no Planalto, Lula começou a rasgar as bandeiras do PT que empunhava por mais de vinte anos e confirmou os caminhos neoliberais de FHC, com destaque para a continuidade da política econômica, a elaboração do orçamento com superávits primários em desfavor do País, para pagar juros da dívida, pela consolidação dos programas que os petistas chamavam de privataria, a taxação dos aposentados etc.

Além de adotar e ampliar os programas sociais do PSDB, que tanto criticavam e combatiam, logo, iniciou-se o aparelhamento total do Estado e, em seguida, o Mensalão. O Bolsa-Família, sêmen de Cristóvam Buarque, sistematizado e aprimorado por FHC, teoricamente um programa de inclusão e promoção social, ao invés de ser uma alavanca contra a fome e a miséria, condicionada à Educação e à Saúde, tornou-se uma caridade institucional eleitoreira permanente, lugar de desvios e corrupção, onde uma porta é aberta aos miseráveis para um curral de gado apascentado paternalisticamente, sem saída, reproduzido geometricamente, objetivando a perpetuação do “partido” no poder.

Nos governos do PT, quem ganhava três salários mínimos o IPEA e o IBGE transformaram em classe média. Eis a falsa inclusão. Vamos gastar, fazer prestações, comprar automóveis. Os bancos nunca se fartaram tanto. Vamos endividar as famílias. Vejam onde e como estamos!
Mostrava-se, então, através de várias decisões demagógicas, populistas e dissimuladamente “de esquerda”, atitudes tortas, coxas, antinacionais, de suicídio em médio prazo, como se comprovou adiante, na gastança criminosa, na orgia administrativa orçamentária e fiscal, que o PT estava longe da Ética e dos programas tradicionalmente da Esquerda, de igualdade, distribuição de riquezas; da justiça social responsável, das posições nacionalistas e universalistas; da participação popular, de rédeas e regulação do capital; do controle, fiscalização e intervenção estatal na economia, na vida do País, visando à igualdade; serviços públicos de qualidade e a oportunidade para todos. Ao final do segundo governo Lula, os desmandos, a ineficiência e a corrupção já eram os principais agentes e programas da era petista.

Os poucos homens e mulheres verdadeiramente de Esquerda deixaram o PT. Foram cuidar de suas vidas ou, em erro, se abrigaram em outras siglas – PSOL e Rede – desgraçadamente, hoje, forças auxiliares do PT. Onde estão as pessoas de Esquerda do PT? No PCB, no PCLCP – Pólo Comunista Luiz Carlos Prestes, minguadamente dispersos em alguns partidos, na academia, de pijamas, na Literatura, na Ensaística, no Jornalismo.

Alguns desistiram, se ocultaram, viraram apicultores, recolhidos às suas resignações, percorrendo suas vocações apolíticas, entre outros destinos. Não há gente de Esquerda no PT. Permanecem no PT, ainda e incrivelmente, inocentes inúteis, bobocas de crachá, dogmáticos sem dogmas, sem saber por quê, carreiristas sem escadas… mas Socialistas de ideias e de fato, sérios, retos, de doutrina, convicção e militância, nenhum. E o País? Ainda é cedo. Ainda não sabemos.

Belos, cálidos dias

A gente nasce sem querer, numa família não escolhida (ou cada alma escolhe a sua?), com uma bagagem de genes que nem Deus sabe direito no que vão dar — lançados no grande mundo, ainda por cima tendo de desempenhar direito nosso papel.

Que papel? O que a família exige? O que a sociedade espera? O papel que cobramos de nós mesmos enquanto corremos entre acertos e trapalhadas, dor e graça, tateando num nevoeiro de confusões, emoções, razões e desesperos – ou contentamento? Atores sem preparo, sem roteiro, sem papel e sem alguém que nos sopre nossas falas, nesse palco desmesurado e instável. Se for difícil demais, nos matamos de tristeza, de tédio, de medo, de solidão e vazio, ou por vingança por algo demais cruel. É quando não conseguimos desempenhar papel nenhum: escolheremos então o nada, se é que a morte é nada.

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Mas em geral gostamos da vida, não nos matamos, até nos sentimos bem. Não que eu ache que somos farsantes ou falsos. Apenas fomos aqui plantados, em geral desejados, quase sempre amados, algumas vezes desamados, mal criados e erradamente educados. A gente comparece do jeito que dá, desde quando começa a ter consciência – acho que isso também ninguém ainda determinou (o Google não me deu muita certeza): quando começa a consciência de existir, e das coisas ao redor?

Minhas memórias se iniciam aos dois anos e pouco, deitada no assoalho claro da casa, espiando embaixo de um móvel grande e escuro, admirando bolinhas de poeira que dançavam segundo minha respiração: para mim, eram seres vivos. Ou sentada no assoalho da casa da avó que costurava, eu espiando alfinetes cintilantes entre as frestas das tábuas. Tudo era mágico naquele tempo, e eu não precisava ser nenhum personagem.

Mas a vida se impõe, com chamados, deveres, conselhos, promessas, agrados, punições, por mais brandas que fossem: havia uma ordem em tudo. E a gente tinha de se adaptar, para que os castigos (não ganhar sorvete, não poder brincar com as amigas) não fossem mais numerosos do que as alegrias. Na verdade, os castigos eram poucos, quase bobos, mas eu me assustava: alguma coisa chamada "des-ordem" existia, eu me enredava com ela. Todo mundo devia ser calmo, acomodado, pressuroso, obediente, não lembro mais todas as qualidades que nos faziam boas meninas e bons meninos naquele tempo quase remoto.

E as perdas: amados e amigos se vão, jovens ou já velhos, a gente soltando pedaços. Ou os afetos simplesmente empalideceram. Mas há os que chegam: maravilhosamente chegam filhos, netos, novos amigos, velhos amigos permanecem, os livros, os filmes, os quadros, as músicas, a montanha, o mar, as horas de encantamento, as viagens – e voltar para casa, doce "zona de conforto". Acolhimento, segurança dentro do possível neste mundo em que o crime compensa, o cinismo floresce, a autoridade fracassa, a confusão impera, a mediocridade se impõe. Seja como for, vamos desempenhando ou reinventando nossos papéis, ou não os cumprindo e levando rasteira. Não é ruim, não é bom: é a vida.

Belos, cálidos dias de primavera. O país, quem sabe, começando a se mover para se recompor. Aquela criaturinha chamada esperança canta no peitoril da minha janela. Quem sabe, quem sabe?

Lya Luft