segunda-feira, 12 de setembro de 2016


Mudar ou morrer

A constrangedora pergunta foi disparada ao então candidato à Presidência Eduardo Campos, em reunião de campanha no meio empresarial: “Tendo sido aliado de Lula e Dilma, por que decidiu agora disputar contra eles as eleições?” Campos fulminou, sem pestanejar: “Não é mais possível continuar fazendo política do modo como tem sido feita. Eu disse a Lula que tudo vai mudar. Desde o movimento Diretas Já, não sentia tanta energia nas ruas em favor de mudanças. A Velha Política vai morrer, e quem não mudar vai morrer junto com ela.” O ex-candidato à Presidência e deputado constituinte Guilherme Afif alerta, portanto, Michel Temer: “Não acredito que o presidente tenha condições políticas de fazer as necessárias reformas econômicas com inadequadas práticas de ‘toma lá dá cá’. Se Temer não começar pela reforma política, indo ao encontro das ruas, e não de encontro às ruas, a crise vai consumir seu governo.”
Temer não se pode deixar abater pela “síndrome de ilegitimidade” que atingiu o ex-presidente Sarney, levando-o à busca de uma ilusória popularidade que produziu a tragédia histórica da hiperinflação. Melhor seria se, além da proposta de teto para o gasto público e do ajuste fiscal na Previdência, abordasse também o incontornável tema de uma reforma política. A negligência e a hipocrisia ante a corrupção sistêmica tornam frenética a guilhotina midiática, insaciável a opinião pública e intermináveis as investigações da Lava-Jato.

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Umas poucas cláusulas podem iniciar o aperfeiçoamento de nossas práticas políticas. O bom funcionamento da democracia representativa exige partidos fortes e sustentação parlamentar orgânica. A “cláusula de representatividade”, equivocadamente chamada de cláusula de barreira, melhora o desempenho do sistema removendo partidos de aluguel e seitas ideológicas sem densidade eleitoral. A “cláusula de votação em bloco”, garantindo todos os votos de um partido sobre a matéria em exame após democrática eleição interna, assegura sustentação parlamentar orgânica ou oposição autêntica por representar o posicionamento majoritário de cada partido. Os minoritários derrotados internamente aceitam a posição do partido ou se declaram oposicionistas, perdendo o atual mandato pela “cláusula de fidelidade partidária”.
Paulo Guedes

A invasão dos zumbis

Semana de trabalho na Baixada Fluminense. Tardes quentes e muitas carreatas de candidatos atravancando o caminho, sobretudo no feriado de Sete de Setembro. Não posso fugir de um tema ao falar com as pessoas por aqui. A semana foi marcada por um escândalo nos fundos de pensão. O rombo nas contas de quatro deles, Petros, Previ, Postalis e Funcef, somam mais de R$ 50 bilhões. Como foi possível chegar a essas cifras? Onde estavam todos os mecanismos de controle? Que magia permitiu que uma suspeita que data de mais de 13 anos continuasse nas sombras?

Nos últimos meses, estourou também o escândalo do crédito consignado para funcionários públicos. As mesmas forças que combatem uma reforma da previdência usaram amplamente os recursos dos aposentados para seus projetos políticos. Norberto Bobbio, em seu livro sobre o que é a esquerda, destacava a preocupação com aposentadoria digna, uma proteção na velhice como uma linha divisória. No entanto, acho que hoje há consenso sobre a necessidade do sistema em muitos países. O que se discute, aqui, na França, na Grécia, é sua sustentabilidade. Experimentei no contato com um amigo na Baixada o que é a insegurança quando o sistema entra em pane. Ele é aposentado pela PM, o pai pelo Corpo de Bombeiros e a mãe como professora. São três funcionários estaduais e viveram momentos de pânico pela falta de dinheiro. O pai sofre de Alzheimer, precisa de uma enfermeira. Sem salário, os três não conseguiam mais pagar a enfermeira por sua vez estressada com o perigo de desemprego. É tão sério manter a sustentabilidade e o circo da campanha eleitoral, que com suas bandeiras e carretas parece alheia à realidade cotidiana.

Após invasão de sistema, rede de TV nos EUA anuncia apocalipse zumbi.  A invasão de um sistema de alerta da rede de televisão norte-americana KRTV, afiliada da CBS, permitiu o falso anúncio de um apocalipse zumbi na região de Montana – justamente onde a rede opera. O alarme falso foi durante a transmissão do programa "Steve Wilkos Show", na segunda-feira (11) http://adv.li/6slc    Diga do Leitor Fábio Henrique:

Numa das noites, vi na TV dezenas de funcionários reclamando dos salários. Deveriam recebê-los, por ordem da Justiça, no terceiro dia do mês. Não havia dinheiro para todos. O governo optou por uma escolha de Sofia estatística: 30% ficariam sem o salário. Naquela imagens da TV, os 30% ganhavam rosto e voz, eram pessoas reais com dificuldades comoventes na sua vida cotidiana. O populismo vai garantir sempre que luta pelos “nossos velhinhos”, mas os últimos acontecimentos mostraram: os “nossos velhinhos” é que impulsionam com seu sacrifício os sonhos de poder e riqueza de setores da política. Na propaganda política parece que nada se passou, que não houve as grandes manifestações de 2013. Os candidatos estão sempre prometendo que vão cuidar de você, dos velhos, das crianças, dos transeuntes.

No torpor de quem trabalhou todo o dia, imagina-os como se fossem médicos correndo de enfermaria em enfermaria, cuidando de todos exaustos. É um discurso anacrônico. As manifestações de 2013 pediam serviços públicos decentes, em troca dos pesados impostos que se pagam. Parece pouco, mas é o desafio do momento. Não creio que as pessoas precisem de um pai. Sobretudo agora que o pai dos pobres e a mãe do PAC acabam de deixar o poder. Acredito que muitos dispensariam pai e mãe no poder se tivessem apenas um bom funcionário público no governo. Mas a força de elementos irracionais, uma visão equivocada do papel do estado, ainda levam muitos à busca de um candidato populista que procura associar à imagem paterna. Fiquei muito impressionado com esses dias na Baixada. Ao cruzar com as campanhas políticas e sua bandeiras, foi como se o tempo não tivesse passado e todos esses últimos anos fossem apenas uma lembrança nebulosa.

De uma certa forma, era uma invasão de zumbis. Não ameaçam a vida mas a própria noção do tempo. Não sei se inflacionei minhas expectativas, mas em quase toda parte vejo campanhas políticas desoladoras. Em alguns lugares, você deixou de ser aquele eleitor que escolhe um candidato e se transformou num especialista em redução de danos, escolhendo a dedo o desastre menos assustador. Aquele processo que construímos a partir da democratização acabou. Sobrevive como um fósforo apagado. Não é preciso ter lembranças para se chegar a essa conclusão. A frieza das ruas mostra que grande parte das pessoas prefere uma distância sanitária das investidas eleitorais. Infelizmente a marcha dos zumbis é tão sofisticada que os próprios doadores também já morreram. Dados do Tribunal Superior Eleitoral registram um grande número de mortos entre os doadores de campanha.

O processo só ficará completo quando produzirem uma grande quantidade de títulos de eleitores dos mortos. O ciclo se fechará. Os mortos dão a grana, votam, os zumbis acenam bandeiras e nos entopem de santinhos. Não creio que isso vá durar muito tempo. Prefiro acreditar que é uma dessas séries de TV que custam a acabar e estou vendo apenas um dos seus últimos capítulos. Vi uma manifestação de rua questionando os gastos do governo. O cartaz dizia: Seropédica acordou. O verbo é bem escolhido. Imaginei milhares de luzes se acendendo no mapa do Brasil e antevi uma reforma política. De baixo para cima

Crônicas de consciência limpa

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Ainda bem que os homens do passado fizeram a crônica dos tempos políticos não com a violência, mas com a graça, o humor e esta extraordinária sensação da consciência limpa e tranquila
Juscelino Kubitschek, em carta a Sebastião Nery

Reforma política é um eterno sonho de noite de Verão

Em entrevista a O Globo, o presidente Michel Temer defendeu a existência de apenas dois ou três partidos, mas acentuou que o problema da cláusula de barreira é exclusivo do Congresso. Prevê-se que não sairá do palácio do Planalto nenhum projeto de reforma política, sequer para juntar-se às centenas de outros que tramitam no Congresso, de origens variadas. Assim tem sido nos governos anteriores, de Fernando Collor a Itamar Franco, Fernando Henrique, Lula e Dilma. Os mais recentes presidentes da República opinaram, geralmente no mesmo sentido, mas na hora de materializar o desejo comum, refluem, lavam as mãos e saltam de banda.

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A conclusão é de que permanecerão no mínimo 35 partidos, sendo 25 funcionando no Legislativo. Nenhum dos chefes do Executivo ousou chamar a si a obrigação de viabilizar o óbvio, pela simples razão de necessitarem de cada voto dos grandes e dos pequenos partidos em apoio a seus projetos. Como resultado, aumentam a confusão e as dificuldades de governar. Não haverá um só filiado a alguma dessas legendas disposto ao suicídio, propondo a própria extinção. Abusam ao máximo do troca-troca, sempre que discordam de seus partidos de origem ou se encontram na ante-sala de sua expulsão.

Mil sugestões têm sido produzidas em série, abrindo-se espaço para a mais recente, que trata da convocação de uma Assembleia Constituinte exclusiva para promover ampla reforma da Constituição, com espaço para mudanças políticas de vulto. Trata-se de sonho de noite de verão, porque mesmo eleitos à margem dos atuais deputados e senadores, os constituintes exclusivos jamais aprovariam mecanismos para mutilar-se.

Sendo assim, continuaremos à mercê da balbúrdia e até da corrupção dos partidos de aluguel e sucedâneos, pois há muitos outros em formação.

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 Magoz 

Brasil, cenário demográfico

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) publicou recentemente a estimativa da população brasileira, na qual aponta que o Brasil tem mais de 206 milhões de habitantes. A cidade de São Paulo, a mais populosa do País, tem 12,04 milhões de pessoas (5,8% do total nacional). Estima-se que de 2015 para 2016 quase 24,8% dos municípios tiveram redução de população.

Somos um grande país. Essa é a boa notícia. A queda populacional, acentuada e crescente, é a má notícia. Explico, amigo leitor, a razão de fundo da minha opinião.

Nunca a informação foi tão acessível como agora. Mas ainda continua sendo difícil ver além dos dados. Nossa avaliação é sempre bastante frágil. Por que se dá esse fenômeno? A realidade parece se esconder, trapacear. Talvez a dificuldade de realizar uma reflexão mais profunda esteja no excesso de rapidez com que nos chega a informação.

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Mas não é apenas a falta de distanciamento da informação. Às vezes nos enganamos por anos, por décadas. Por exemplo, especialmente a partir dos anos 1960 veio à tona com grande força a preocupação demográfica. Consolidou-se a leitura unívoca de que o crescimento populacional era um problema a ser combatido. A pobreza e a miséria no mundo estavam de certa forma mais próximas, tornavam-se mais conhecidas. Imagens televisivas dos países extremamente pobres pareciam gritar: o mundo não comporta mais gente, falta alimento! E parecia urgente a necessidade de uma forte guinada. Acrescentava-se a consciência ecológica.

A presença humana gerava - quase como uma lei física - problemas ambientais. O mundo parecia ser uma casa pequena para tanta gente. Diminuir o número de habitantes, ou ao menos não crescer tão rapidamente, apresentava-se como uma questão de sobrevivência.

Era a cultura de uma época. Poucas décadas antes não se via assim. No debate sobre a reconstrução da Europa, no pós-guerra, o crescimento da população não era visto como problema, muito ao contrário. Já nos anos 60, ao avaliar o desenvolvimento dos países latino-americanos, a demografia estava na ordem do dia. Objetivamente, a Europa em 1945 era mais densamente povoada que a América Latina dos anos 60. No entanto, neste lado do planeta, o número de pessoas era encarado como um problema; lá, não.

Essa visão transcendeu os anos 60 e nas décadas seguintes era lugar-comum criticar o crescimento populacional. Chegou até agora; até quase agora, para ser exato. No apagar das luzes da década passada, sem grande estardalhaço, passou-se a falar o contrário. Aparecia na mídia a expressão “janela demográfica”. Ao contrário de todas as visões anteriores, população jovem passou a ser um aspecto positivo, considerada um valioso ativo.

Qual foi a grande mudança? Surgiu uma nova tese acadêmica? Não. Apenas passou a ser evidente demais que os países cuja população ativa, leia-se população jovem, era proporcionalmente maior estavam em crescimento; os outros, não. Na década de 50, nesse quesito a China tinha o tamanho da Europa. Hoje o Velho Continente, limitado na sua capacidade de renovação, está mergulhado numa assombrosa crise. A China, não obstante sua enorme fatura social, é a grande potência do terceiro milênio.

Mas vamos à experiência da Rússia. Um estudo patrocinado pelas Nações Unidas mostrou que a população do país poderá encolher dos atuais 142 milhões de pessoas para 100 milhões até 2050. A sensível queda da população pode ter diversos impactos na economia russa. Economistas estimam que a redução da força de trabalho possa resultar na queda da produção econômica, causando impacto direto no produto interno bruto.

Uma população em declínio também poderá afastar investidores internacionais, interessados no potencial do consumo interno. “Onde o investidor prefere aplicar recursos? Na Índia ou na China, onde a renda per capita cresce junto com a população, ou na Rússia, onde a renda per capita vem crescendo, mas o mercado consumidor vem encolhendo?”, indaga Markus Jaeger, economista do Deutsche Bank.

A previdência social também poderá vir a sofrer com a crise demográfica, afirma Jaeger. “Se a força de trabalho não for renovada, não haverá pessoas suficientes para gerar a renda necessária para pagar as pensões de aposentados. Isso pode prejudicar as políticas fiscais e econômicas e gerar tensões políticas”, estima o economista.

Ainda segundo Jaeger, em termos demográficos a Rússia está na pior posição em relação aos outros países do Brics. Ele detalha que na Índia a população vem crescendo rapidamente, enquanto na China a força de trabalho vai continuar se expandindo. Depois, a população começará a envelhecer, mas não deverá declinar. Já o Brasil, segundo ele, se beneficiará de um aumento de 20% na força de trabalho até 2025. É a força da inércia. Só isso.

Sociedades envelhecidas não têm capacidade de ousar e inovar. Que idade tinha Steve Jobs quando se lançou na fascinante aventura da Apple? Bill Gates não era um cinquentão quando concebeu a Microsoft. Os velhos, carregados de experiência e maturidade, são bons gestores. Mas o motor de um país é a ousadia. E o atrevimento não tem cabelos brancos.

O Brasil, mesmo sofrendo com o caos econômico, tem enfrentado o terremoto fiscal graças à sua janela demográfica: uma população em idade ativa expressivamente grande. O tamanho e a juventude do mercado brasileiro conspiram a nosso favor. Basta um mínimo de seriedade governamental.

Ter tomado consciência apenas agora nos põe em outro problema: conseguir enriquecer como país antes de envelhecer. Estamos numa corrida contra o tempo.

Queremos sucumbir ao inverno demográfico ou estamos dispostos a abrir a janela da renovação? Gente não é problema. É solução.

Procura-se, desesperadamente, um líder que possa governar este país

As pessoas já estão comentando que deveríamos voltar às ruas e praças deste Brasil varonil para gritarmos “Fora Temer”, evidentemente não atrelados à turma daqueles que sufragaram nas urnas eletrônicas a candidata Dilma Rouseff. Devemos reconhecer que a falta de cidadania, nacionalismo e organização da sociedade brasileira permitiu que tenhamos essa corja inescrupulosa e desclassificada de políticos que se dizem representantes dos anseios do povo brasileiro, que se dizem administradores das coisas públicas. Na verdade, trabalham em função dos próprios interesses e dos grupos a que estão ligados.

Devem existir exceções, mas a regra dessa classe abjeta de políticos é mesmo o desprezo aos interesses nacionais. Estreme de dúvida essa torpe mentalidade tem que acabar.

 A propósito, destaque-se a opinião de Haroldo Maia, que foi de uma exuberante felicidade ao discorrer em O Globo sobre a diferença entre os eleitores que votaram contra e a favor da chapa Dilma/Temer na eleição de 2014:
“Muitos brasileiros não votaram em Michel Temer, mas torcem para que ele faça um bom governo. Petistas votaram em Temer, mas torcem e farão de tudo para que ele faça um péssimo governo. Muitos brasileiros querem que Temer tenha sucesso em seu governo, para o bem do Brasil. Petistas querem o seu fracasso, para o bem do seu partido. Entenderam a diferença?”
Não votei em Michel Temer, porque jamais votei em candidato do PT. Logo, não sufraguei Dilma Rousseff nas urnas eletrônicas. O PMDB é o partido político mais fisiológico que temos em nossa amada pátria Brasil, adora o poder. Lembrem que o PMDB está no governo ou apoiado nele desde 1985, com a morte do presidente eleito Tancredo Neves, assumindo em seu lugar o vice José Sarney, rei do Maranhão.

Com um Congresso Nacional dessa qualidade, em que aproximadamente um terço de seus membros está arrolado na operação Lava Jato ou em outras similares, como poderemos sair dessa crise institucional, dessa crise ética e moral, financeira e social?

Discute-se agora se devemos defender o impeachment de Michel Temer, pela inequívoca proteção da Casa Civil a políticos e empreiteiros envolvidos na Lava Jato, procedendo exatamente igual ao governo anterior.

Com Temer impichado também da Presidência da República, teríamos então novas eleições, cabendo a seguinte pergunta: quem seria o nosso líder a ser sufragado? É aí que está o problema.

Não existe outro horizonte?

Vamos tentar olhar à frente, por favor? Parar de ficar batendo nas mesmas teclas? Começar a procurar de fato alguma coisa realmente nova?

Fui contra o impeachment desde o início, escrevendo inclusive artigo sobre o assunto na “Folha de S. Paulo”. Ao mesmo tempo, sei que nenhum “fora Temer!” seria possível, se antes Dilma e o PT não tivessem dito, enfaticamente: vem, Temer!

Que passem noites, horas e dias o próximo  horizonte será meu guia nos principais momentos  de agonia:
Mas cansei. Evito turmas de um lado e do outro. Não aguento mais de tantas empulhações, esquecimentos, sectarismos, etc. De tanta estupidez supostamente verocêntrica. De tantos decretos fulminantes rotulando os outros (de um lado ou de outro, repito), num país ontologicamente dividido entre mortadelas e coxinhas.

Não, não vou embora para Pasárgada alguma. Não sou amigo de nenhum rei. Não vou desistir de nada. Nem virar as costas ao nosso Brasil.

Mas o que mais me interessa, neste momento, é outro lance. É a questão: quais serão os novos caminhos da política e da sociedade brasileiras? Como pensar o assunto de forma ao mesmo tempo aberta, rigorosa e generosa?

Mesmo que quisesse (e não quero), sei que não tenho a menor vocação maniqueísta. E muito menos aceito a atual propensão brasileira, vigente na mídia e nas redes sociais, de baratear o debate, com uma legião de semiletrados agressivos se achando donos absolutos da verdade.

O indiano Amartya Sen fala uma coisa bem interessante sobre o tema/problema, em seu livro “Identity and Violence”. Vou repeti-lo aqui.

Se lembra que uma mesma pessoa pode ter várias identidades, simultaneamente. Digamos: ser bissexual, falante do português, católico, amigo e estudioso do mundo muçulmano, professor de arquitetura, torcedor do Fluminense, defensor dos direitos das mulheres, etc.

Diante desse quadro múltiplo, um adversário seu seleciona e absolutiza apenas uma dessas identidades: ser amigo de muçulmanos, por exemplo.

Ao fazer isso, o sujeito “miniaturiza” (para usar a expressão cara ao próprio Amartya Sen) seu adversário. Faz uma caricatura dele. Reduz o indivíduo a somente uma de suas almas.

Pois bem. Eis aí uma atitude que acabou tomando conta, de forma avassaladora, do cenário brasileiro. Estamos todos nos miniaturizando uns aos outros – triste e burramente.

E não quero saber disso. Não busco nunca o reducionismo. Mas – sempre – a complexidade e a riqueza das pessoas e das coisas. Logo, não me convidem para o “foda-se Dilma”, nem para o “foda-se Temer”. Fodam-se ambos. Quero outros caminhos. Outros papos. Outras palavras.

Dormir de conchinha com a ignorância

Garimpando Imagens:
Você acorda e o debate sobre a conjuntura não lhe deixa gastar sequer a religiosa ereção matinal, desculpa, baby, foi mal...

O debate do racha das esquerdas ferve antes da chaleira e aquele café da manhã dos campeões, quem dera, nunca mais... Só resta mascar o frio sucrilho da política... Haja polêmica, haja sustança para um embate por minuto, haja saco.

Depois da passeata, amor, quem sabe, mesmo com todo aquele excitante gás-pimenta da PM, é hoje, tomara... Ela grita “Diretas já” e você, democraticamente brocha, salta de banda, comete mais um textão no Facebook contra vento, mídia e maré... Agora é fazer plantão nos comentários...

Isso não significa que o amigo não seja um cara decente, preocupado com o país, não que você não tenha sido um eterno fofo com a moça, mina que também não dá mole pra coxinha ou golpista... Nada disso, a campanha que este cronista —envelhecido em barris de carvalho e dialética— lança é apenas para salvar a sanidade e o romantismo entre os casais militantes. Se você estiver solitário, capturando por aí o frio Pokémon do desespero, também vale.

Como diz a amiga Jô Hallack, em estado de assembleia permanente, precisamos dormir de conchinha com a ignorância uma vez por semana. Precisamos fazer nem que seja um papai-mamãe com a alienação. Pelo menos um beijo na boca da leseira e um dengo no “zen-bodismo” —a arte de meditar em uma rede nordestina.

Uma siesta, no mínimo, de costelas grudadas com o tô-nem-ai etc. E, por favor, um passeio ao fim da tarde assobiando aquela dos Mutantes, “ando, meio desligado, eu nem tenho, os pés no chão...” Tudo é válido, pelo menos até o próximo “Fora Temer”.

Todo cuidado, porém, é pouco: não confunda dormir de conchinha com a ignorância com o acabar na cama com um coxinha que ignora. Pode ser apenas um banal jogo de palavras, mas que rebordosa. Não há engov ou chá de boldo para ressaca ideológica!
Os sonhadores

Ora, até os maoístas de maio de 68 na França tinham esse direito sagrado... Os comunas existencialistas que andavam com o enfezado Jean-Paul Sartre idem, ibidem. Mirem-se no exemplo daquela garotada que praticava a mais revolucionária ménage à trois durante as mesmas barricadas de Paris, como os jovens do filme “Os Sonhadores” (2002), de Bernardo Bertolucci.

Pelo direito de esquecer a política do dia-a-dia, não a história, pelo menos em uma bela noite de amor e sexo. Relax, meu rapaz, pelo menos hoje, domingo voltamos com tudo contra os golpistas e os vampiros das conquistas sociais brasileiras.

Pelo direito de uma noite do mais alienante e recompensador dos gozos. A pequena felicidade de acordar mais atrasado (em termos factuais) do que jornal impresso, longe dos memes da hora e colado nos mimos urgentes da moça...

Vou pedir um café pra nós dois, te fazer um carinho e depois... Pé sobre o pé da amada ou futura desalmada, você comendo aquelas coisas saudáveis para impressioná-la... Cafa! Você mostrando que, talvez, todo amor comece com pequenas mentiras e desabe com as malditas e grandes verdades...

Pelo direito de dormir de conchinha com a ignorância pelo menos uma vez por semana. Pelo prazer de seguir a borboleta amarela da crônica do Rubem Braga e não o protesto que segue o mesmo itinerário pelo centro do Rio agora mesmo.

Xico Sá

Pra começar o dia


Edward William Elgar (1857 - 1934)

Orai, irmãos

Gritos do inferno - YouTube:
Com as devidas escusas, a sociedade brasileira poderia anotar, neste momento, frustradas, todas as esperanças que lhe eram oferecidas pela saída definitiva do comando da nação da presidente Dilma Roussef. Vivemos o mais baixo estoque desse sentimento – o da esperança por dias melhores –, e nossa chance estava na possibilidade de que o atual governo aceitasse outras marcas ditas claras, forjada tal ação num projeto que teve tempo para se construir.

Temer, seu partido e seu grupo sabiam do Brasil que os aguardava.

Inflação em marcha, dólar de câmbio favorável, mas apenas para se honrarem compromissos de endividamento do Tesouro e das empresas tomadoras de empréstimos corrigidos pela taxa do dólar. Efetivamente, o Real supervalorizado não favorece as exportações, porque com tal valor não se remuneram os custos de produção no Brasil.

Decididamente, não há porque alimentarmos grandes esperanças.

O presidente Michel Temer regressou da China, para onde partira levando na sua bagagem grandes expectativas, mas nessa semana o assunto que maior dimensão alcançou no noticiário nacional foi a votação que se espera para hoje, a da cassação do mandato do deputado federal Eduardo Cunha, já que não mais lhe pertence o bastão de presidente da Câmara dos Deputados. Eduardo Cunha está reduzido à importância de seu mandato, o de deputado federal.

Mas não. Há meses, quase um ano, que nossa Câmara dos Deputados consome seu tempo, o trabalho de parlamentares, muitos deles até sérios e respeitáveis, para discutir a cassação do mandato de um deputado que responde a 11 inquéritos e processos, alguns sobejamente provados de sua culpa e responsabilidade e outros dependendo de despachos meramente burocráticos para afirmarem, da forma mais exposta, a sua indignidade como cidadão e deputado, seu abuso, seu desrespeito às normas mais comezinhas de postura e decência.

Eduardo Cunha, um tipo forjado no que há de pior da ação política, espera confortável o que lhe poderá vir; para decidir sua vida valendo-se dos recursos que amealhou, largamente provados onde se encontram depositados, com suas mais censuráveis estratégias.

Isso tudo está dito, demonstrado e provado. O que nos resta, brasileiros, é nos atentarmos ao cenário que temos. Se dependermos desse atual Congresso, presidido por Renan Calheiros, composto de senadores e deputados que conhecemos, com o dever que esses últimos têm, de julgar um cidadão (nem digamos de um deputado federal) com as responsabilidades constitucionais que se juraram respeitar, resta-nos rezar.

Black blocs e desonestidade intelectual

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O que você realmente deve buscar, em um mundo que sempre nos confronta com surpresas desagradáveis, é a integridade intelectual: a predisposição de encarar os fatos, mesmo quando eles estão em desacordo com as suas ideias, e a capacidade de admitir erros e de mudar de rumo
Paul Krugman, Prêmio Nobel de Economia.
Recentemente, escrevi um artigo no GLOBO, intitulado “Lula e Trump”, em que comparei a esquerda brasileira com os conservadores americanos, e afirmei que esses grupos, tão díspares ideologicamente, têm algo em comum: ambos perderam a integridade intelectual. A esquerda brasileira, disse eu, porque se recusa a aceitar as incontestáveis evidências de que Lula e o PT operaram uma quadrilha que desviou bilhões de dólares dos cofres públicos (e de que Dilma sabia). E os conservadores americanos, acrescentei, porque se recusam a aceitar o fracasso da “economia de oferta” e porque encamparam as loucuras de Donald Trump. Argumentei que, para defender essas posições, ambos os grupos foram forçados a construir narrativas fantasiosas da história e a usar uma série de estratagemas “intelectuais” que têm como objetivo varrer para baixo do tapete fatos que refutam as suas ideias. No tal artigo, disse que fazer isso é ser intelectualmente desonesto.

Não se trata, evidentemente, de terminologia nova. Debates acerca da honestidade e da desonestidade intelectual, e o que as caracteriza, são recorrentes na epistemologia e na filosofia da ciência. Estão presentes no trabalho de filósofos como Bertrand Russell, Imre Lakatos, Karl Popper e Paul Feyerabend, além de inúmeros filósofos e cientistas contemporâneos, como Daniel Dennett e David Deutsch. E, no entanto, até mesmo pessoas que conhecem esses autores ficaram chateadas comigo, como se tivessem lido essas duas palavras juntas pela primeira vez na vida. Por que será que o uso do termo “intelectualmente desonesto” ofende tanta gente na esquerda brasileira?

O motivo me parece óbvio. Tem muita gente na esquerda brasileira que preza a honestidade intelectual e que sabe que teve que abrir mão dela para defender Lula, Dilma e o PT. Essas pessoas raciocinaram assim: a direita brasileira é pior do que a esquerda, e os políticos que julgaram Dilma são tão ou mais corruptos do que ela. Melhor ficar com a quadrilha do PT do que com a quadrilha do PSDB. Partindo dessa premissa, colocaram-se em uma posição muito difícil, porque se viram forçadas a adotar uma de duas estratégias: ou assumiam a defesa de políticos que sabiam ser corruptos por razões ideológicas que supostamente se sobrepõem à ética, ou fingiam que esses políticos não eram corruptos e abriam mão da própria honestidade intelectual.

Entendo, portanto, que essas pessoas tenham ficado chateadas comigo quando abordei seu dilema de forma explícita. O que não entendo, todavia, é como não percebem o tamanho do erro que estão cometendo. Como disse Imre Lakatos em uma aula que proferiu na London School of Economics, o problema da honestidade intelectual não é uma questão abstrata de filosofia, é uma questão de vida ou morte.

Os debates acerca da honestidade intelectual se centram em duas questões: a primeira diz respeito ao que caracteriza a honestidade intelectual, e a segunda diz respeito a sua função social e evolutiva. Essas duas questões são complexas, de forma que serei superficial e sucinto.

No que tange à primeira questão: quase todas as caracterizações de honestidade intelectual em filosofia analítica afirmam, de uma forma ou de outra, que uma pessoa é intelectualmente honesta quando ela está disposta a abandonar as suas ideias caso fique demonstrado que:

1) Elas são internamente inconsistentes (logicamente contraditórias).

2) Elas são incompatíveis com enunciados que reportam fatos (estão em contradição lógica com os enunciados de base).

Um rápido exame desse critério revela que se trata de um critério negativo. Segundo ele, a honestidade intelectual não requer que alguém adote ideias, requer apenas que alguém esteja disposto a abandonar as suas ideias em certas circunstâncias.

E por que a adoção de um critério desse tipo é uma questão de vida e morte?

Em primeiro lugar, evidentemente, porque contrariar fatos pode ser fatal. Pense em todas as pessoas que morreram de câncer no pulmão porque se recusaram a abandonar a crença, propagada pela indústria do tabaco, de que cigarro não faz mal à saúde. Mas há um outro motivo, igualmente sério: quando pessoas que defendem ideias incompatíveis não dispõem de algum critério lógico que lhes permita decidir quem tem razão, e nenhuma delas está disposta a dar o braço a torcer, as disputas entre elas podem se tornar violentas. Por isso, uma sociedade habitada por pessoas intelectualmente desonestas tende a ser uma sociedade cheia de conflitos.

O respeito à racionalidade e à honestidade intelectual é valor muito mais importante e fundamental para uma sociedade do que qualquer ideologia. O erro fundamental de parte da esquerda brasileira, um erro que talvez fira de morte as ideias socialistas no país, é não entender isso. E a direita, diga-se de passagem, está indo pelo mesmo caminho. No caso, não em nome da ideologia, mas em nome da economia. É evidente que Temer não poderia ocupar as posições que ocupou sem saber e sem participar do petrolão. Temer foi eleito na mesma chapa da Dilma duas vezes... Defender Temer também é ser desonesto intelectualmente.

Não sei, não, amigos. Se o Brasil continuar descendo a ladeira da irracionalidade, vamos ter, cada vez mais, “black blocs” enlouquecidos vagando pelas ruas de São Paulo.

É disparate sugerir que impeachment é equivalente à repressão da ditadura

Após um processo de impeachment que durou cerca de nove meses, a presidente Dilma Rousseff teve que deixar o governo. Esse é um fato de grande importância, pois assinala o fim da hegemonia política do Partido dos Trabalhadores e de seu líder, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Deve-se observar, ainda, que a deposição de Dilma importa igualmente ao fim do regime populista no Brasil, a exemplo do que aconteceu na Argentina e ameaça ocorrer também na Venezuela, na Bolívia e no Equador. A identificação desses governos ficou evidente durante o tempo em que o PT governou o país. E mais evidente se tornou, agora, após o impedimento de Dilma Rousseff, quando os governantes populistas retiraram seus embaixadores do Brasil, como protesto à deposição da presidente petista.

Esse é um fenômeno tipicamente latino-americano, de que o exemplo mais notável é o socialismo bolivariano inventado por Hugo Chávez. O populismo de esquerda surgiu em decorrência do fim do regime comunista em escala mundial, como uma alternativa encontrada pelos movimentos radicais que nasceram inspirados na revolução cubana. Uma opção, até certo ponto, coerente.

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No caso brasileiro, Lula, ao assumir a Presidência, deu início a uma série de programas visando melhorar as condições de vida de setores mais carentes da população, e disso resultou a ampliação de sua popularidade, possibilitando que se reelegesse e, em seguida, elegesse Dilma Rousseff, que nunca havia sido sequer vereadora.

Acontece, no entanto, que a adoção por programas populistas inevitavelmente conduziu os países que o adotaram à crise econômica, uma vez que, enquanto aumentam os gastos do Estado com os programas sociais, pouco ou nada investem no crescimento econômico do país.

O populismo lulista oferece-nos alguns exemplos da ineficácia desse procedimento, que visa, na verdade, conquistar os votos dos setores carentes da sociedade para se perpetuar no poder.

Outro fator agravante dessa política populista é a ampliação do consumo, pelas camadas mais pobres, de bens como aparelhos de televisão, geladeiras e até mesmo automóveis. Para viabilizá-lo, o governo reduziu os impostos e emprestou dinheiro público a empresas, a juros abaixo do valor de mercado. A consequência inevitável de tal política era, sem dúvida, a crise econômica. E ela veio.

Dilma Rousseff, ao depor na segunda-feira, 29 de agosto, sugeriu que o processo a que respondia no Senado Federal era equivalente à repressão que sofreu na época da ditadura militar. Trata-se evidentemente de um disparate, uma vez que o processo atual baseou-se num dispositivo constitucional. Por outro lado, as acusações que lhe foram feitas tiveram a confirmação objetiva de técnicos do Tribunal de Contas da União.

Não obstante, tanto no pronunciamento inicial como nas respostas que deu aos senadores favoráveis ao impeachment, afirmou repetidamente que era vítima de um golpe parlamentar. Por isso, segundo ela, o que estava em jogo ali, naquele julgamento, era o regime democrático brasileiro.

Tratava-se, sem qualquer dúvida, de uma afirmação descabida, uma vez que não apenas o crime de responsabilidade que cometeu foi atestado por autoridades de indiscutível isenção, como, no curso do processo, pôde ela se valer de todos os recursos em sua defesa, como é facultado aos réus no regime democrático.

Tanto ela quanto os dirigentes do PT sabem disso. Não obstante, insistem em se colocar, diante da opinião, como vítimas de um golpe arbitrário e, portanto, antidemocrático. Desse modo, tanto ela quanto eles, que nunca morreram de amor pela "democracia burguesa", tentam apresentar-se como seus defensores agora, quando as bandeiras que empunhavam já não empolgam muita gente.

A política dos bordões

Virou modinha. Mudou o soluço. Engasgou? Fora Temer. Bateu o pé na quina da mesa? Fora Temer. Vai lançar algum produto? Não se esqueça de levar a plaquinha Fora Temer. Procurava algo para estampar sua camiseta? Fora Temer. Estava passeando na rua e teve vontade de gritar? Fora Temer. Acabou o papel? Fora Temer. Poesia? Amar sem temer.

Creio que esse seja agora o novo mantra, a senha que se deve dizer para circular em alguns meios – se o evento é grande, se for relacionado à cultura melhor ainda, se junta mais de dez, plaquinhas e jogral, pode até chegar a virar notícia na tevê. Ajuda na divulgação. Por exemplo, dizem até que o filme é ótimo, mas onde quer que esteja passando Aquarius haverá alguém falando as palavras up to date e isso vem animando bastante a bilheteria.

São milhões de citações na internet, centenas de memes. O negócio, admitamos, pegou. E o nome do cara ajuda: temer, temor, tremer, tramar.

Outro dia fui bisbilhotar uma passeata de protesto dessas já rotineiras, tranca-rua. Quem me conhece sabe que adoro um protesto – oposição sempre, si hay gobierno soy contra. Me preocupou ver a mélange de temas, difusos, tanto como ocorreu em 2013 e que acabou dando em nada – ninguém sabia se era por centavos, por passe livre ou contra o governo de então, ainda Dilma versão 1.
Num bolinho de gente vi Fora Temer – claro; e Volta Dilma, mais uns Não vai ter Golpe (?!?); mais Diretas Já. Ultimamente mais uma palavra de ordem se aboletou: “Pelo fim da PM”, em geral jogada direta e provocantemente aos policiais que até trincam os dentes.

Muito vermelho, a forma era uma só, quase homogênea, uma maioria de estudantes se divertindo, paquerando, tomando muita cerveja (agora os ambulantes acompanham o movimento), caminhando e se imaginando lutando pelo país. Beleza. Na frente, outro grupo – esse com roupas escuras, munidos com escudos (!) de madeira, pedaços de tapumes, lenços e toucas ninja escondendo o rosto, um arremedo de guerreiros do apocalipse, os tais black blocs. Garotos e garotas mirradinhos, 
desmilinguidos com cara de mau. Podiam ir ser punks de verdade, fazer música, produzir algo de bom.

Volitando em torno disso tudo, centenas de policiais e nas imediações, prontos a entrar em ação, mais carros de choque e patrulhas especiais. Maior climão.

Um chiquê, diriam blogueiras de moda: muitos com máscaras presas em volta do pescoço, máscaras de respirar tipo de guerra, impressionantes, sabe aquelas? A imprensa também usa, assim como capacetes, umas tentativas de blindagem contra a repressão.

Capítulo especial, coitada da imprensa, acaba tendo que se blindar melhor mesmo, porque apanha e é atacada tanto pelos manifestantes quanto pelos policiais. Jovens repórteres que, animados, sentem-se em uma verdadeira cobertura de guerra. Gás para tudo quanto é lado, bombas, quebração, fogueiras de lixo das ruas, material que aliás não falta em lugar nenhum aqui em São Paulo.

Já vivi para ver tudo isso e muito mais e saber que um fósforo se torna muito mais inflamável nesse caldo, e essa expectativa fica no ar durante todos os protestos. Um infiltrado maluco pode direcionar todas essas energias para promover o mal e outras intenções debaixo de bandeiras das torcidas organizadas por eles lá no meio.

Tem coisa mais banana do que defender um governo, seja lá de quem for? Muito menos um que já era, já foi. Que detonou o país, fez tudo errado. Caiu no rastro de rabo, as tais pedaladas, o álibi caído do céu para nos livrar mais rápido do abacaxi.

Falando sério: o Temer veio no pacote junto com esse abacaxi, não adianta tentarem omitir isso dando a ele a pecha que parece título de novela mexicana – O Usurpador. O cara era a única saída institucional. Aceita.

Fora Temer, ok. E aí? Pergunto isso não porque goste da pessoa, mas porque ando vivendo na realidade, torcendo para que as coisas melhorem, e o que vejo não é nada animador. Se as contas da campanha forem rejeitadas, ele cai – e mesmo já caprichosamente jogadas para o ano que vem qualquer hora essas contas serão julgadas.

Alguém acaso tem alguma ideia brilhante, avista algum quadro político que poderia ser a mão libertadora, pacificadora, a nos levar para a luz?

Eu não vejo, ao contrário. Por favor, se souberem de algo, de alguém, avise os outros! Parece que o Papa, entre as poucas unanimidades, não quer se mudar para o Brasil.

Um bordão sozinho não faz nem nossa primavera, vocês verão. Pode é sobrar bordoadas para todo mundo.

Marli Gonçalves