sábado, 10 de setembro de 2016

Presunção, inocência e cadeia

A presunção da inocência decorre do art. 5º, LVII, da Constituição: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. O que, a rigor, não quer dizer muito. No tanto em que, palavras do ministro Fux (nesse ponto sem divergências, no Supremo), “não há um conceito constitucional de coisa julgada ou de trânsito em julgado”. São temas da legislação infraconstitucional. O colega Edward Carvalho, não por acaso advogado de Léo Pinheiro (Presidente da OAS), exalta o tal art. 5º, sustentando que “O réu só pode ser preso depois de decisão final do Supremo”. Não é bem assim, doutor Edward.

O Supremo estará decidindo o assunto por esses dias. E peço vênia para lembrar que a tradição, no Brasil, foi sempre outra. A de que réus devem ser presos depois das decisões de segunda instância. Ninguém nunca reclamou disso. Ocorre que, em fevereiro de 2009, com o HC 84.078 MG, o Supremo converteu em letra morta a execução provisória da pena. Um ponto na curva, considerando sua posição histórica. Precisamente quando empresários, parlamentares e ministros começavam a ser presos no Mensalão (Ação Penal 470). Coincidência, provavelmente.

As divertidas ilustrações de Chow Hon Lam | Designerd:
Chow Hon Lam
Assim se deu até fevereiro de 2016. Quando o mesmo Supremo pacificou a questão com o HC 126292 SP. Só para lembrar, recursos, no Brasil, podem ter caráter suspensivo – caso em que a sentença não produz efeito. Ou ter caráter devolutivo – em que a sentença deve ser imediatamente cumprida. A execução provisória das penas sempre se deu com a decisão colegiada. Antes, com a Lei 8.039/90. E também hoje, com o Novo Código de Processo Civil (art. 995 e 1.029). Nada mudou. A sentença proferida por Tribunal se cumpre, com a execução provisória da pena. E a matéria pode (ou não) ser examinada, em seguida, por STJ e Supremo. Tendo, eventual recurso, efeito apenas devolutivo. Simples assim.

A Constituição jamais pretendeu, com aquela presunção de inocência, manter solto alguém já condenado. Trata-se apenas de um preceito moral. O papel que definiu, para o Supremo, foi outro. Fundamentalmente, o de uniformizar a jurisprudência. Por isso decidiu, em boa hora, que recursos com efeito meramente devolutivo não podem impedir o início do cumprimento de sentença penal. Por larga maioria de 7 votos (Cármen Lucia, Fachin, Fux, Gilmar, Luiz Roberto, Teori, Toffolli) contra 2 (Celso e Marco Aurélio). E o índice de condenações revistas por STJ e Supremo, segundo notícias dos jornais, é de só 1.1%. Quase todos os casos correspondendo à prescrição. Sem implicar, propriamente, no reconhecimento de que o réu é inocente.

Em 193 dos 194 países da ONU, réu condenado vai preso em decisões de primeira instância. Ou, no máximo, de segunda. Fim da conversa. É inconcebível sequer imaginar que sejamos o único país do mundo em que isso tenha que esperar por julgamento em terceira e quarta instâncias. Como bem disse Fernando Pessoa, “Não haverá, enfim/ Para as coisas que são/ Qualquer coisa assim/ Como um perdão?”. A simples ideia de que, no Brasil, ninguém possa ir para a cadeia antes da decisão do Supremo é, com todas as letras, um escárnio. Especialmente num momento em que grandes empresários, e grandes nomes da vida pública brasileira, começam a chegar perto das grades. Perigosamente perto.

Procela agourenta

Os dados do Ideb referentes à educação se juntam aos indicadores econômicos e demográficos para formar uma tempestade perfeita. E é uma borrasca que traz maus presságios, pois os números sugerem que estamos desperdiçando nossas melhores chances de entrar para o clube dos países ricos.

NASCENTES: DEIXA ROLAR
A razão principal é que nosso bônus demográfico está se esgotando. Vivemos hoje no melhor dos mundos populacionais, que é aquele em que o contingente de pessoas em idade de trabalhar é maior que o de dependentes (crianças e idosos). É nessa fase que países reúnem as condições mais propícias ao crescimento e à elevação da renda "per capita". O quadro mais favorável vai mais ou menos até 2030. Depois disso, a proporção de idosos deverá ficar igual à de jovens e por fim superá-la, impondo custos crescentes aos sistemas previdenciário e de saúde.

A megarrecessão que vivemos, cortesia do governo Dilma, é desastrosa porque nos rouba anos preciosos. Estima-se que, se tudo correr bem, a renda "per capita" que tínhamos em 2013 voltará lá por 2021, já perto do fim da janela de bonança.

Como se isso fosse pouco, o Ideb agora mostra que o país não está conseguindo avançar na educação. Numa interpretação benigna, o Brasil estagnou —e num patamar muito ruim. Na principal comparação internacional, o Pisa, nossos alunos ocupam as últimas posições.

Isso significa que também vão ficando menores nossas chances de nos tornarmos um país próspero pela via do aumento da produtividade, que, cada vez mais, depende de um amplo contingente de cidadãos educados o bastante para ter ideias inovadoras e para extrair o máximo das mudanças tecnológicas que vêm do exterior.

Sem bônus demográfico e sem educação de qualidade, ficamos na dependência do imponderável para nos tornarmos um país desenvolvido. E o problema do imponderável é que, bem..., ele é imponderável.

Populistas, picaretas e arengueiros ideológicos

Os áugures da Antiguidade romana tentavam adivinhar o futuro observando o voo de certas aves ou examinando as entranhas de determinados animais. Tenho tentado aprender com eles, observo o voo dos tucanos e de outras espécies que vez por outra sobrevoam o Planalto Central. Graças a tais exercícios, inclino-me a crer que cedo ou tarde a ansiada reforma política será incluída na lista de prioridades.

Reformar a estrutura institucional é realmente um imperativo, mas não creio que seja suficiente. Penso que precisamos também nos entender quanto ao próprio conceito de política, quanto à política que gostaríamos de ter e quanto ao que realisticamente podemos esperar que aconteça nessa área.

No Brasil atual, como em muitos outros países, o cidadão médio parece acreditar que o grande problema é o excesso de política e políticos. Creio que se equivoca redondamente; não vejo excesso, e sim falta. O que temos em excesso são picaretas, populistas e arengueiros ideológicos; políticos, temos muito poucos.

Charge O Tempo 09/09/2016

Os arengueiros são os mais fáceis de reconhecer; ouvir a frase inicial de seus bolodórios é o quanto se necessita para prever a vigésima. Hoje em dia, Lindbergh Farias é ao mesmo tempo seu deus e seu profeta, como ficou claro na sessão de 31 de agosto do Senado Federal.

Populistas e picaretas são um pouco mais complicados. Um traço característico dos populistas do mundo inteiro é a gastança, o desatino fiscal. Aí está Dilma Rousseff que não me deixa mentir. Outro traço tipicamente populista, não menos importante, é o desprezo pela ideia de uma ordem normativa impessoal consubstanciada na Constituição e nas leis. Dele decorre o entendimento de que o essencial da vida política é a malícia e o blefe, e, no limite, uma irrefreável propensão a atropelar e subjugar o Legislativo. Essa combinação de malícia e desprezo pelo Legislativo transpareceu com nitidez em 1993, quando o então candidato Lula, com o evidente objetivo de se isolar como líder inconteste do campo populista, afirmou que pelo menos 300 deputados federais não passavam de picaretas.

Longe de mim duvidar da existência de picaretas não apenas na Câmara dos Deputados, como também no Senado e até no Supremo Tribunal Federal (STF), a julgar pela premeditação com que Renan Calheiros e Ricardo Lewandowski executaram o famigerado fatiamento do artigo 52, parágrafo único, da Constituição na sessão final do impeachment. Mas não creio que a Câmara seja majoritariamente integrada por picaretas. Lá, o que mais se vê são políticos que poderiam prestar um bom serviço na esfera dos Estados e municípios, mas acabam descendo de paraquedas em Brasília, transformados em despachantes federais pelo efeito conjunto do gigantismo da Câmara e por nossa capenga Federação, na qual os Estados e municípios sobrevivem numa condição de permanente mendicância.

Seja como for, as observações acima permitem inferir que nem todo detentor de mandato eletivo merece ser visto como político. O arengueiro não o é porque seu objetivo é propagar ideias preconcebidas, e não colaborar com outros integrantes do Congresso no exame de medidas conducentes ao bem comum. Tampouco o picareta de verdade, aquele que ingressa na disputa eleitoral com vista apenas a auferir vantagens pessoais, a receber o salário e as mordomias que o cargo eletivo lhe proporciona, a se promover por todos os meios que fortaleçam seus negócios privados; e até aquele, um tanto simplório, que apenas almeja contentar seu instinto gregário pelo convívio no meio político brasiliense. Nenhum desses enfrentaria as agruras da luta política se dispusesse de alternativas que mais facilmente lhe assegurassem tais vantagens.

Num plano mais geral, sabemos que política é essa luta que existe por toda parte, mediante a qual numerosos indivíduos e grupos tentam se apossar de uma fração qualquer do poder do Estado. Alguns o fazem porque a disputa em si e a eventual vitória lhes trazem recompensas; outros, porque se sentem convocados a colaborar permanentemente na busca de objetivos mais amplos, ligados ao bem comum da sociedade.

Em seu clássico ensaio A Política como Vocação, Max Weber referiu-se a esses dois tipos como aqueles que vivem da e aqueles que vivem para a política. Obcecado pela ideia de uma ciência política isenta de valores, ele não queria saber da expressão “bem comum”. Não se permitindo flertar com Aristóteles, limitou-se a constatar que políticos verdadeiros são os que vivem “para a política”, ou seja, os que a abraçam por vocação, como quem obedece a uma convocação ética ou divina.

Mas, convenhamos, não é em obediência a um chamado divino que populistas, picaretas e arengueiros ingressam na política. Esse é o busílis. Voltando ao início, essa é a constatação que levei em conta ao afirmar que os males do Brasil de hoje não se devem a um excesso, e sim a uma falta de políticos. Por motivos que não posso recapitular aqui, o restabelecimento do regime civil e democrático redundou num crescimento mais que proporcional dos três tipos mencionados relativamente ao político por vocação.

Uma disposição pessoal a lutar pelo poder é uma parte importante do conceito do Homo politicus, mas não o expressa em sua totalidade. Outro elemento importante é a “arte da associação”, ou seja, a capacidade dos membros de uma coletividade de se relacionarem entre si com o mínimo possível de blefe e malícia. Por último, mas não menos importante, com a devida vênia de Max Weber, é entender que o chamado (calling, vocação, Beruf) divino tem que ver com a busca do bem comum. Para os populistas, picaretas e arengueiros ele será sempre um ruído distante.

Atrás do 'Fora, Temer!'

Temer era o vice escolhido pela presidente deposta, é seu sucessor constitucional e não foi eleito pela oposição ao governo Dilma. Grosso modo, há dois tipos de articuladores do movimento “Fora, Temer!” – os espertos e os ingênuos. Os espertos são aqueles que utilizam essa palavra de ordem como biombo para ganhar tempo e reagrupar suas forças, depois de apeados do poder pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff. Os ingênuos são os que acreditam sinceramente na narrativa do golpe e veem o afastamento definitivo da ex-presidente Dilma Rousseff como uma ameaça à democracia.

Do ponto de vista prático, porém, ambos convergem na mesa direção: desestabilizar o governo de transição. Temer era o vice escolhido pela presidente deposta, é seu sucessor constitucional e foi eleito pelos espertos e pelos ingênuos. Não foi eleito pela oposição aos governos petistas.

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Antes que espertos e ingênuos vejam essa introdução como uma provocação, vamos examinar os possíveis desdobramentos da proposta pelas vias institucionais.

Suponhamos que o objetivo fosse realmente a volta de Dilma Rousseff ao poder. Isso só seria possível se o Supremo Tribunal Federal (STF) anulasse todo o rito cumprido pelo Congresso para afastar a petista, o que seria um absurdo, pois foi estabelecido pelo plenário da Corte. A única fricção foi o fatiamento do impeachment em duas votações, uma decisão monocrática do presidente do STF, Ricardo Lewandowski, que comandou o julgamento pelo Senado. O máximo que poderia ocorrer seria o STF anular a votação.

Alguém imagina Dilma de volta ao comando do país, depois de seu discurso pós-cassação do mandato? Ou seja, teríamos mais uma rodada de barganhas, mas Dilma seria afastada definitivamente na nova votação. É que ninguém a quer de volta, nem o PT.

Descartada essa hipótese, como diria o Barão de Itararé, a outra poderia ser pior. Vamos supor que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) resolva julgar o processo de impeachment impetrado pelo PSDB contra Dilma e Temer. A jurisprudência da Corte sinaliza que a cassação do mandato de Dilma extingue o processo. Mas há controvérsias.

Em caso de julgamento e cassação de toda a chapa Dilma-Temer, haveria de novo duas possibilidades: uma seria a convocação de eleições diretas, se o julgamento ocorrer ainda esse ano, o que é improvável a essa altura do campeonato, por causa das eleições municipais; a outra, a realização de eleições indiretas, na Câmara, que seria uma roleta russa, na qual o primeiro a morrer seria o PT.

Os espertos estão falando em convocação de eleições gerais, os ingênuos acreditam. Nesse caso, estaríamos diante de uma situação de flagrante inconstitucionalidade, pois os mandatos dos senadores e deputados não podem ser cassados, a não ser individualmente, pelo próprio Legislativo, nos casos previstos em Lei. É cláusula pétrea da Constituição, nem o Congresso pode modificá-la. Mesmo em caso de hipotética renúncia coletiva, os suplentes assumiriam os cargos vagos de direito.

A única maneira de convocar eleições gerais seria através de uma ruptura institucional, com a tomada do poder pela força. Quem tem bala pra isso? Ora, os militares, que estão quietos no seu canto e que não querem se meter nessa roubada.

Então, o que é o “Fora, Temer!”? Uma tática evasiva. A palavra de ordem que serve para os petistas apeados do poder unir as forças adversárias do novo governo e tentar mobilizar o povo contra o presidente Temer, em razão da recessão e de sua baixa popularidade.

Também é uma maneira de fugir à responsabilidade pelas crises ética, política e econômica nas quais o país foi lançado após 13 anos de governos petistas. Não reconhecer o próprio fracasso evita a discussão sobre o esgotamento de um projeto político que misturava nacional-desenvolvimentismo, populismo e patrimonialismo. Ou seja, trata-se de um biombo atrás do qual os espertos se escondem e comandam os ingênuos.

No poder, o PT foi capturado pelo corporativismo, pelo fisiologismo e pelo patrimonialismo, as três pragas seculares da administração pública brasileira. O seu maior erro, porém, foi confundir as próprias forças com as do governo, que agora lhe fugiu das mãos. Se cada esperto dissesse o que fazia antes do afastamento de Dilma Rousseff, teríamos um microcosmo dos interesses contrariados ou frustrados pelo impeachment, que não são pequenos, porque o PT operou com muita desenvoltura o aparelho de Estado para tecer alianças, fazer negócios, acomodar corporações; cooptar artistas, intelectuais, sindicalistas e ativistas sociais.
Luiz Carlos Azedo

Sob o império da vaia

O prazo de validade do governo Temer continua improvável. O perfil conciliador, tíbio, do presidente contrasta com as exigências do momento, que impõem enfrentamento ostensivo à velha (des)ordem.

O instrumental de que dispõe, a começar pela qualidade, técnica e moral, de seu ministério e de sua base parlamentar, é bem inferior à magnitude dos desafios que tem diante de si.

Temer é acusado de autor da herança que recebeu, a maior crise econômica e social desde que a Nova República se estabeleceu, há 31 anos. Não haveria exagero em dizer de todos os tempos, mas fiquemos nesse período, de que é possível dar testemunho.

Acusam-no de conspirar contra as conquistas sociais, mas delas o que restou foi um contingente de 12 milhões de desempregados, acrescido da falta de verbas – surrupiadas e/ou mal aplicadas - para tocar os programas assistenciais.

O déficit de R$ 170 bilhões no orçamento fala por si, sobretudo quando, em meio às manifestações contra o novo governo, vem à tona algo que parecia inconcebível: um escândalo ainda maior que o do Petrolão - o saque aos fundos de pensão das estatais.

Além do dano financeiro, o peso simbólico de se tratar de dinheiro do trabalhador, em nome do qual o partido chegou ao poder.

Se os R$ 42 bilhões da rapina à Petrobras, já constatados pela Lava Jato, foram considerados pelo The New York Times “o maior escândalo financeiro da história da humanidade”, que dizer deste, que, numa primeira abordagem, já monta a R$ 50 bilhões? E da soma dos dois, acrescida à do Mensalão?

Tudo se deu sob o comando incontrastável do partido e de seus satélites, alguns já presos (como José Dirceu e dois ex-tesoureiros petistas), outros réus (como Lula) e ainda outros denunciados (como Dilma e alguns de seus ministros).

Convém não esquecer que o amaldiçoado Eduardo Cunha, prestes a ser cassado, trabalhou lado a lado com os que hoje o demonizam. Eduardo Cunha faz parte da herança petista; é, na verdade, um elo entre os que saíram e os que entraram.

Mas há mais, muito mais. O TSE constatou, por exemplo, fraude nas contas da eleição de Dilma, em 2010, e já tem elementos para proclamar o mesmo em relação à de 2014, cujo próprio resultado ainda é duvidoso, dada a soma de evidências de urnas fraudadas e contagem secreta dos votos. O TSE se pronunciará.

Numa síntese, o PT, após 13 anos, entregou um país bem pior que o que recebeu. Minou os seus fundamentos morais, que já não eram grande coisa; levou a política a um grau de descrédito sem precedentes, o que induz alguns (minoria, felizmente) a considerar até a hipótese de uma intervenção militar. Não apenas o Legislativo apodreceu: também o Judiciário politizou-se no pior sentido.

Com tal legado em mãos, por que o governo Temer não reage à sinfonia de vaias que deveriam estar sendo direcionadas a quem as emite? Simples: porque ele e seu partido, o PMDB, têm algo a ver com tudo isso. Foram parceiros, beberam nas mesmas fontes – e, por isso, são também reféns da Lava Jato. Sérgio Moro é um pesadelo que de algum modo compartilham.

O jeito é tentar ignorar as vaias e buscar soluções rápidas para as demandas econômicas. Temer conta com a boa vontade do mercado, que anseia por estabilidade, mas não há ainda sinais de que isso seja, por si só, suficiente. A bagunça nas ruas, até aqui restrita a meliantes ativistas, corre o risco de se expandir, na medida em que o governo não fornece à sociedade esclarecimentos da natureza e extensão do legado que lhe coube. E por que não o faz?

Temer tem maioria parlamentar, mas parte dela tem também contas a acertar com a Justiça – e quer proteção. Faz parte do custo do apoio. A demissão, esta semana, do advogado geral da República, Fábio Medina, ilustra isso. Ele decidiu cumprir seu papel, promovendo ações contra empreiteiros envolvidos na Lava Jato – e foi demitido.

O ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, que faz a interlocução com o Congresso, deu-lhe a canetada. Em circunstâncias normais, Medina deveria estar sendo aplaudido e apoiado, já que defendia a União, lesada em R$ 12 bilhões pelas empreiteiras. Mas, dentro disso, sabe-se lá o que respinga na base do governo. Melhor evitar.

O comando da militância petista conhece esses limites do sucessor. E lhe convém promover a bagunça, que, em tese, ajudaria a diluir culpas e confundir o público, zerando o jogo.

Não se sabe aonde isso levará. O que se sabe é que, nesse contexto adverso, o governo precisa empreender reformas de envergadura – trabalhista, previdenciária, tributária – e cortes de gastos que seus antecessores, mesmo como titulares de mandato, ou evitaram ou fracassaram diante delas.

A lei, na república das bananas, dobra-se aos imperativos da velha ordem

"O Senado era quem tinha a palavra final sobre esse julgamento quanto ao mérito e o mérito envolvia também essa questão do fatiamento; portanto, entendo que isso não deve mais ser revisto". Fábio Medina Osório, o advogado-geral da União, não precisava emitir opinião sobre o tema, mas escolheu fazê-lo –e de modo incisivo. "O impeachment é página virada e não deve ser remexido pelo STF", declarou à Folha, enviando uma mensagem do governo a quem servia até a demissão, que se deu por outros motivos. Você ainda acredita que Temer não sabia da tramoia articulada entre o PT e o PMDB de Renan Calheiros e aplicada pelo operador Lewandowski?

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A lei, na república das bananas e das caxirolas, dobra-se aos imperativos da ordem – ou melhor, da velha ordem ameaçada. Medina Osório repetiu orações patéticas, mas cunhadas para funcionarem como teses jurídicas respeitáveis: "Se violou ou não a Constituição, é uma matéria interna corporis. O Senado tem o direito, em tese, de errar por último." Tradução: o Planalto enuncia o paradigma de que a Constituição é "matéria interna corporis" da elite política. Os destinatários do recado são os ministros do STF. Senhores juízes, não subvertam a ordem em nome da lei!

O fatiamento da Constituição obedece a dois propósitos. O primeiro é a lenda petista de que o Senado reconheceu a natureza golpista do impeachment ao preservar os direitos políticos de Dilma. Seus arautos, pensadores em missão partidária, zombam da inteligência do público, obliterando o fato de que a maioria dos senadores votou pela inabilitação da ex-presidente. Bem mais relevante é o segundo: subordinar o texto constitucional a arranjos parlamentares de ocasião. Dezenas de figuras notórias de diversos partidos, na situação ou na oposição, acalentam planos de reciclagem política amparados no paradigma de Medina Osório.

Creio que Temer, um suposto notável constitucionalista, tem pouco com que se preocupar. Nas suas calculadas entrevistas em off, docemente constrangidos, os ministros do STF confessam que subscreverão o esbulho. De olho nas próprias biografias, registram que Lewandowski passou a Constituição num triturador de papel usado. Porém, de olho numa ordem que prezam mais que a lei, advertem para a precedência do "direito do Senado". Um observador atento, mas ingênuo, anotará a contradição: esses são os mesmos juízes que interferiram nos detalhes arcanos dos trâmites regimentais do processo do impeachment, sem nunca invocar o "direito da Câmara". Já um observador cínico concluirá que, para o STF, acima da Constituição, encontra-se o Palácio.

Manifestantes, palavras de ordem, vidraças partidas. O ruído nas praças confunde os sentidos, sugerindo uma ilusória radicalização. De fato, eles não querem "Diretas, Já!", mas um discurso de campanha –ou, nas franjas, uma reunificação da militância à esquerda do lulismo. O governo pende no fio do TSE, cujos juízes arrastam às calendas o processo sobre o financiamento eleitoral da chapa Dilma/Temer, protegendo os interesses vitais do Palácio. Significativamente, os tribunos das ruas permanecem calados diante da infinita procrastinação. É que Temer oferece, afinal, um produto em alta demanda: a restauração da ordem.

Definindo a transição em curso, FHC selecionou uma metáfora certeira, mas plena de implicações ambíguas. "A situação atual é como se fosse uma pinguela. Não é uma ponte, é uma pinguela. Mas, se quebrar a pinguela, cai no rio." Ok: "pinguela" é o governo Temer e "rio", a tal da catástrofe. Mas quem, exatamente, "cai no rio" caso a ponte precária não resista? "A nação" –eis a resposta clássica, que identifica a sociedade inteira à sua elite política. No altar dessa "nação", o STF sacrificará o contrato constitucional, declarando-o "matéria interna corporis" do Senado. Bananas. Caxirolas.

A soma de dois mais dois é quatro

Dia desses li um interessante texto sobre um efeito denominado Inverno da Fome Holandês” - que me levou a meditar sobre a simplicidade de diversos conceitos simplesmente esquecidos por uma sociedade a cada mais conflituosa como é a nossa.

Nos idos de 1944 houve um grande surto de fome na Holanda, por conta da Segunda Guerra Mundial - segundo consta, os alemães carregaram toda a comida disponível para seu país, deixando toda a população à míngua. Milhares morreram. Logo depois, com o fim do conflito, rapidamente o país retomou sua normalidade.

Décadas depois, médicos das universidades de Utrecht e de Amsterdam analisaram os dados de 7.845 mulheres que viveram naquela época de escassez. Constataram, em mães e filhos, um sensível aumento dos índices de doenças cardíacas e obesidade. Repito, para máxima clareza: pessoas que ainda eram fetos durante o período da fome apresentaram, quando adultas, claras “cicatrizes”, na forma de diversas doenças.

Eleições 2014!:

Este estudo me conduziu a um outro, realizado por pesquisadores da Universidade McGill, de Montreal, no Canadá. Após análise dos cérebros de 24 crianças vítimas de suicídio, constatou-se que os daquelas submetidas a abusos apresentavam claras deformações a nível genético.

Ainda mais conclusiva foi uma pesquisa realizada na Nova Zelândia, ao longo de vinte anos, sobre milhares de pessoas. Constatou-se que pessoas submetidas a graves abusos durante a infância eram mais propensas a ações violentas na idade adulta.

Lembrei-me em seguida de Devin Moore. Trata-se de um jovem norte-americano que viciou-se em um violento videogame cujo objetivo é roubar carros e matar policiais. Passados alguns anos, em um dado dia, sem o menor motivo, saiu pelas ruas decidido a roubar um carro. Acabou preso. Na Delegacia, conseguiu pegar uma arma e matou três policiais. Condenado à morte, declarou que “a vida é como um videogame: em alguma hora você morre”. Enquanto isso, diversos estudos concluíram que 80% das crianças norte-americanas se divertem com jogos similares - aliás, descobri até um cujo objetivo é estuprar mulheres. Vamos aos resultados: segundo a Escola de Medicina de Nova York, estas crianças são onze vezes mais propensas a apresentarem comportamentos agressivos.

Recordei-me, então, de um alerta da Associação Americana de Psicologia, no sentido de que antes de completarem o 1º grau as crianças norte-americanas já viram 8.000 assassinatos e 100.000 atos de violência na TV.

Encerrei minhas divagações recordando um excepcional editorial do jornal The Japan Times: A urbanização e o colapso da convivência familiar privaram as crianças de espaços físicos e sociais onde eles se sentiam queridos e onde podiam desenvolver amizades. E os pais estão tão preocupados com o tempo e perturbados pelo trabalho que já quase não interagem com seus filhos. Muitas crianças que se tornam violentas carregam um profundo sentimento de terem sido negligenciadas ou ignoradas”.

Diante disto tudo, pense agora nas escolas - de ontem e de hoje. Aguce sua memória e converse com algum professor idoso. Descubra a chocante queda no nível de civilização das salas de aula, independentemente de elas se situarem em locais pobres ou ricos.

Agora simplesmente olhe para sua rua. Perceba nela uma sociedade a cada dia mais violenta e desigual, angustiada pela falta brutal de, em uma expressão, espiritualidade.

Pois é. Será que temos ignorado a boa e velha matemática?

Pedro Valls Feu Rosa

Imagem do Dia

Serra dos Órgãos National Park - Rio de Janeiro, Brazil:
 Serra dos Órgãos, (RJ)

Vitória e derrota

Um traço do caráter dos black blocs é a coragem. Ela se manifesta na valentia com que dão aquelas voadoras e se atiram contra as portas das lojas. E no destemor com que quebram vidraças indefesas, ateiam fogo em sacos de lixo que não reagem e vandalizam pontos de ônibus que se atrevem a estar no seu caminho. Sempre em grupo, destroem caixas automáticos, viram carros e assaltam estabelecimentos. Por fim, sacam os sprays e assinam a lambança, pichando paredes, fachadas e monumentos com suas palavras de ordem. Imagino o orgasmo coletivo que tudo isso lhes dá.

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As camisetas, máscaras e os óculos com que se disfarçam fazem parte dessa coragem. Destinam-se a impedir que as mães deles os reconheçam pela televisão e lhes cortem a mesada. Ou que os vizinhos os identifiquem e não queiram mais papo com eles. O conteúdo de suas mochilas também obedece a um plano: paus, pedras, estilingues, bolas de gude, máscaras contra gases e, principalmente, celulares — para filmar a violência policial ou chamar os advogados que virão defendê-los em caso de detenção.

Detenção esta que é chamada de cerceamento da liberdade de expressão e, daí, revogada por juízes. O saldo de tal expressão é visível na manhã seguinte: cidades em ruínas, cidadãos consternados e uma sensação de impotência diante da boçalidade em nome da ideologia.

Enquanto isso, no Rio, 4.350 atletas de 176 países começaram nesta quinta (8) a disputa de 528 provas de 23 modalidades esportivas. A esses atletas faltam mãos, braços, pernas, a mobilidade ou a visão, mas sobra-lhes tudo mais. É a Paraolimpíada. Cada uma de suas provas será uma vitória, não do corpo, mas do espírito humano.

Em contrapartida, no pior dos pesadelos futuros, os black blocs podem até tomar o poder. Mas o ser humano terá irremediavelmente perdido.

Sanguessugas

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O Congresso é uma assembleia de interesses, e não de ideias
Murillo de Aragão

O PT dá uma canseira!

Milicianos petistas desfilam em grandes centros aos gritos de "Fora Temer!". Aparentam grande descontentamento, como se lhes houvessem tomado algo muito valioso, tipo assim, digamos, uma presidente como Dilma Rousseff. Naquelas mentes, o Brasil, sem Dilma, sem o PT e com Lula dando explicação para delegado, será tomado pelo caos. Sob o novo governo, supõem, irromperão escândalos na Petrobrás, nas obras federais, nos programas sociais. Os fundos de pensão dos trabalhadores serão dilapidados. A inflação alcançará dois dígitos, o país entrará em recessão e cairá em descrédito, o desemprego se abaterá sobre milhões de famílias. Cairá a renda do trabalhador. Receiam que, com Temer, negocistas reunidos em torno do poder farão transações danosas ao Brasil, comprarão sucatas no exterior e entregarão patrimônio nacional a países de direita. Então, diante desse cenário desolador, as milícias se impacientam e, vez por outra, partem para a ofensiva.

Vivesse entre nós, Miguel de Cervantes não faria o indômito D. Quixote de la Mancha direcionar suas investidas a inocentes moinhos de vento, mas o faria arremeter contra as novas lixeiras. Só um conservador ordinário como Sancho Pança não percebe nelas o potencial reacionário a exigir destruição total. Eu sempre soube que as lixeiras seriam as primeiras vítimas de uma reação esquerdista no Brasil. É muito simbolismo para passarem incólumes. Logo a seguir, pelo estardalhaço que causam e pela transparência que sugerem, viriam as vidraças. Fogo nas lixeiras! Abaixo as vidraças! E, claro, "Fora Temer!".

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Tenho encontrado pessoas que depois de desfilarem entre milhões, nas ruas e praças do Brasil, se deixam impressionar pela gritaria dos esparsos grupelhos esquerdistas. Ora, meus caros, nos últimos 30 anos, não houve nem há governo, municipal, estadual ou federal que, tendo o PT como oposicionista, cumpra mandato sem escutar alarido semelhante. O "Fora quem não seja nosso!" faz parte do pujante e rico arsenal retórico do partido. E quando o grito sai de um peito com estrela nada há nele de golpista. É simples manifestação de justificada "repulsa cívica".

Então, o que estamos assistindo não pode causar surpresa. O sentimento que essas manifestações me inspiram é de perplexidade pela contradição formal entre os milicianos de rostos expostos e os de rostos encobertos. Como entender condutas tão diferentes num mesmo evento? Enquanto estes últimos têm consciência da própria incivilidade e falta de compostura, os primeiros parecem orgulhar-se do que são e do que fazem. Pois prefiro os que tapam a cara. Parecem-se mais com seres humanos. Em algum lugar pulsa uma consciência. Os outros, ou deixaram a vergonha de lado em ressaca ideológica, ou, o que é bem pior, seja a soldo, seja como voluntários, querem restaurar o caos que o petismo produziu. E que o país se exploda.

Percival Puggina

Sobre vitórias que são fracassos

Quando estava no ginásio do Colégio Bandeirantes fui instado por um colega de classe a esperá-lo na saída. Demorou para que eu passasse por aquela situação comum a todos, mas confesso, naquele dia, tremi. Tanto pela novidade, como pelo fato do meu oponente ser uma vez e meia maior que o meu talhe.
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A prática de lutas ginasianas tinha uma ética própria. Depois que batia o sinal de saída, a dupla devia dirigir-se a um terreno baldio nos fundos da escola e, com um grupo de testemunhas, bater-se usando mãos e pés. Não era permitido dedo no olho, chute nos países baixos e uso de próteses – pedaços de pau, pés de carteira ou cintos objetivando enforcamento do contendor. Um companheiro colocava-se entre os pugnadores e avisava o momento de iniciar o bom combate.

Na minha primeira participação como pugilista, tudo aconteceu como descrevi acima. Com um pequeno, mas não desimportante detalhe: antes do “árbitro” declarar que a contenda devia começar, o meu adversário acertou meu queixo de vidro com um violentíssimo pontapé. Saiu vencedor e eu dali para a enfermaria do Bandeirantes.

O fato me faz recordar um dito italiano mencionado no ensaio “A hora das negociações é perigosa” de Montaigne:

“Fu il vincer, sempre mai laudabil cosa, Vincasi o per fortuna o per ingegno” (”É sempre glorioso vencer, deva-se a vitória ao acaso ou ao engenho).

A questão se aplica ao momento presente – e infelizmente também ao pretérito – do Brasil. Em especial à nossa cada vez mais combalida e envergonhante política. Merecem ser comemorados com status de glória êxitos atingidos através de uma roubada no jogo?

O famoso tratado do pensador francês relata que Alexandre, o Grande respondeu assim a um auxiliar que o instava a valer-se da escuridão da noite para atacar Dario: ”Não me parece digno roubar vitórias”.

Sim, há louros e desdouros. Uma medalha olímpica nos 100 metros rasos ganha com os próprios méritos físicos é bem diferente de outra auferida atracando-se a um competidor e aplicando-lhe uma cama de gato.

Desafortunadamente, a segunda alternativa é o que mais se vê por esses quintais. É necessário vencer a qualquer custo. E, para atingir o fim, é lícito até usar como meios a rasteira, o tapetão, a mentira e o deplorável fatiamento. Porque quem não vence, nem vencimentos merece.

Talvez por isso nunca conheci quem tivesse levado um bico nas fuças feito eu. Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

Pois é, Pessoa, é o que temos para o momento em terras de Santa Cruz e alhures: um poema em linha reta, sem nenhuma retidão.

E o mais aterrador é que o estádio, com lotação completa, parece esquecer-se rapidamente das fragorosas faltas na competição e vai se satisfazendo em apenas presenciar o espetáculo.

Apesar dos pesares, ainda sou mais o que o senhor de Montaigne nos escreve em sua reflexão, citando Quinto Cúrcio: “prefiro queixar-me da sorte a envergonhar-me da vitória”.

Carlos Castelo

Reina a esculhambação no país do futuro, onde a lei só vale para pobres

Para que essa esculhambação toda não acontecesse, bastaria obedecer à Lei… Com esses tipos de parasitas que infestam o comando do país, não precisamos de inimigos externos para impedir que sejamos uma nação. Como cupins, nossos governantes têm destruído o país de dentro para fora; do miolo para a casca. Quando a árvore apodrecer e cair, fazem como fez o Shigeaki Ueki, o “China” da Petrobras, e voam para algum paraíso, onde regurgitam e ruminam com a família a riqueza que daqui roubaram.

E nem adianta trabalhar mais para gerar mais impostos e fazer o país crescer. Nem, muito menos, aumentar a carga tributária para que tenhamos alguma retribuição. Não há quantidade de dinheiro que seja suficiente para satisfazer o apetite desses tipos de parasitas e das suas aristocráticas larvas que os substituirão nos gabinetes… Se dependesse de impostos já estaríamos desenvolvidos, ora!


No frigir dos ovos, todos não passamos de jecas tatus acocorados no eterno atraso e se nutrindo apenas da esperança de que, daqui a outros vinte, trinta anos, a economia melhorará, teremos uma vida digna e moraremos em um país decente. Assim como o Jeca, morreremos antes?

Até hoje a trajetória do brasileiro continua igual à vida desse personagem do Monteiro Lobato, publicado lá em 1918 (a Alemanha foi destruída e construída duas vezes nesse período) no livro “Urupês”: desnutrido, amarelo, sem qualquer educação e alheio a tudo o que acontece pelo mundo da política. Só mudou a geração dos parasitas que nos governam e o título de eleitor…

Nesta terra onde as leis foram feitas para os cidadãos pobres e os honestos, ninguém sabe se o PSDB é de direita e o PT é de esquerda. Então, é bom conferir o que disse o Farol de Alexandria sobre a ideologia dessas duas quadrilhas, ainda em 2004, ao petista e entrevistador Cristovam Buarque:

“Ainda é possível uma aliança PT-PSDB?”, indagou Cristovam.

E Fernando Henrique Cardoso respondeu: “Acho que sim. Porque a luta é política, não é ideológica.(…) Não discutimos nem disputamos ideologia. É poder, é quem comanda. Minha idéia para o Brasil é a seguinte: você tem uma massa atrasada no país, e partidos que representam esse atraso, clientelismo. Os dois partidos que têm capacidade de liderança para mudar isso são o PT e o PSDB. Em aliança com outros partidos. No fundo, disputamos quem é que comanda o atraso. O risco é quando o atraso se comanda. É um pouco o negócio do pacto com o diabo, do Fausto, não é? Você pode perder a sua alma nesse processo, porque o atraso pode te comandar.

No ritmo atual, Brasil atingirá meta de ensino com décadas de atraso

No ritmo atual, o Brasil pode levar décadas para atingir metas de educação estipuladas para daqui a seis anos, segundo levantamento do Instituto Ayrton Senna ao qual a BBC Brasil teve acesso.

O levantamento foi feito com base nos dados do Ideb 2015 (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), divulgados na quinta-feira pelo Ministério da Educação (MEC).

O Ideb mostrou que o Brasil está avançando acima do previsto na etapa que vai da 1ª à 5ª série (etapa inicial do ensino fundamental) e, mantida a tendência atual, deve até mesmo superar a meta prevista pelo MEC para 2021.

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O problema começa nas etapas seguintes. Nos anos finais do fundamental (6ª à 9ª série), o ensino avança devagar e deve bater a meta, no atual ritmo, apenas em 2027, com seis anos de atraso.

No ensino médio, considerado a etapa mais problemática da educação básica brasileira, a questão é ainda mais grave: o índice obtido pelos alunos está estagnado há quatro anos, sem evoluir, no patamar de 3,7, segundo medição do Ideb 2015. A meta era de 4,3.

Mantida a tendência atual, o país deve pontuar apenas 3,9 nessa etapa em 2021, segundo os cálculos do Ayrton Senna - muito distante da meta de 5,2.

"Avançamos apenas 0,3 ponto em dez anos nessa etapa, que não está saindo do lugar. Se nada for feito e esse ritmo se mantiver, levaremos décadas para bater a meta (de 2021)", explica à BBC Brasil Paula Penko, economista do Instituto Ayrton Senna, que calculou as projeções.

O Instituto destaca que as projeções são feitas com base no histórico do Ideb e que se houver melhorias no desempenho, as estimativas podem mudar.

O Ideb mede, em escala de zero a dez, o desempenho e as taxas de aprovação de estudantes das redes pública e privada em Língua Portuguesa e Matemática. É o principal indicador da qualidade do ensino no país. As metas foram estipuladas pelo MEC com base no desempenho educacional de nações desenvolvidas em 2003.

"São índices absolutamente vergonhosos para o Brasil", reconheceu na quinta-feira o ministro da Educação, Mendonça Filho, no anúncio do Ideb. "É uma tragédia para a educação do país."

A meta do Brasil é alcançar a média de 6,0 da 1ª à 5ª série no Ideb que será medido em 2021 (e apresentado em 2022, ano do bicentenário da Independência). Essa média, segundo a projeção do Ayrton Senna, deve ser superada: a previsão é de que cheguemos a 6,6.

Para os três anos do ensino médio, a meta é de 5,2 mas a tendência atual é de que cheguemos apenas à nota 3,9.

"Com isso, vai se agravando a diferença (de desempenho) entre as etapas iniciais e finais de ensino", explica Penko.