domingo, 28 de agosto de 2016

Duas perspectivas sobre o porvir brasileiro

Toda filosofia política que se preze parte de um contraste entre dois extremos da conduta humana. De um lado, o altruísmo generalizado, que leva ao ideal do bem comum postulado por Aristóteles e Santo Tomás de Aquino; do outro, a figura do “homem lobo do homem”, que leva à luta de todos contra todos, ponto de partida da filosofia de Thomas Hobbes.

Na vida real, exemplos do polo altruísta são raros e efêmeros: o que mais se aproxima é o sentimento de unidade nacional que se configurou em função da guerra; a Grã-Bretanha de Winston Churchill talvez seja o melhor exemplo. No polo hobbesiano, os exemplos abundam. O extremo do extremo é o pretorianismo - aquela situação em que a ordem é precária e só se mantém graças à ação de uma guarda assassina e mercenária, ligada diretamente ao soberano. Descontados os elementos de ficção, é o que vemos no filme O Gladiador, esplêndida reconstrução da época do imperador romano Cômodo, 180-192 d.C. Retratando de forma oblíqua a situação que se prenunciava na Itália, o cineasta Federico Fellini focalizou o mesmo fenômeno por um prisma poético em seu belíssimo Ensaio de Orquestra, de 1978.

Descrever os dois extremos é uma tarefa relativamente fácil. Bem mais difícil é tentar entender os deslocamentos num sentido ou noutro que podem acontecer em qualquer país: o que ofereço em seguida é apenas um exercício com vista a tal objetivo. Não me atrevo a especular sobre a extensão do fenômeno, mas dou por assentado que, em certa medida, o Brasil se deslocou para o polo hobbesiano nos últimos 15 ou 20 anos.

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Primeiro, ao liberar as forças sociais represadas desde o rápido crescimento econômico dos anos 1970, as elites políticas vivenciaram o que se pode apropriadamente denominar um embalo de sábado à noite. Imaginaram que a redemocratização e a convocação da Constituinte, resultando numa Carta generosa no que tocava à criação de direitos, reforçadas pelo eventual controle da inflação e a retomada do crescimento, confeririam ao sistema político um alto grau de legitimidade, facilitando a formação de coalizões governativas eficazes.

Mas a realidade subjacente a essa fantasia era bem outra: as instituições eram débeis; a classe política, impedida de se renovar durante os 21 anos do ciclo militar, perdera o pouco de organicidade que tivera em outros tempos; e a sociedade, sacudida por mudanças estruturais aceleradas, tornara-se muito mais difícil de governar. Tornou-se muito mais plebiscitária, quero dizer, atomística e sem identidades grupais estáveis.

Em segundo lugar, ao consumar-se o retorno ao regime civil, era fácil prever que a estrutura partidária dualista (Arena versus MDB) se iria esfacelar, deixando o caminho aberto para uma intensa fragmentação. A reforma partidária de 1979 já dera sinais nesse sentido. Mas a Constituinte e os demais dirigentes políticos relevantes daquele período, em vez de acionar engrenagens institucionais cautelares, “anticíclicas”, fizeram o oposto. Deixaram o processo correr solto e em vários aspectos até o incentivaram. Dessa forma, o “centro”, que em tese poderia reforçar a estabilidade do sistema político, rapidamente se liquefez. Esse quadro deveria ter causado preocupação, mas o que se viu foi outro equívoco.

Tomando a nuvem por Juno, as elites e grande parte das classes médias avaliaram que Lula e o Partido dos Trabalhadores (PT) caminhavam para o centro, com potencial para substituir o centro que se desfizera. Não compreenderam que a ideologia petista não favorecia tal mudança de perfil, ou seja, que o PT permaneceria numa faixa semidemocrática, com um pezinho dentro e outro fora do sistema - ora mais para dentro e ora mais para fora, conforme suas conveniências político-eleitorais.

Contra esse pano de fundo, o governo Fernando Henrique Cardoso deve ser entendido como um interregno de estabilidade e racionalidade. Bem ou mal, conseguiu-se, então, implementar algumas reformas dificilmente reversíveis, por meio do saneamento do sistema financeiro, da privatização de algumas empresas públicas que representavam um peso morto, ou pelo menos não realizavam seu potencial, e o estabelecimento de um regime de política econômica baseado no câmbio flutuante e nas metas de inflação.

Mas tais reformas não foram suficientes para sobrestar a recidiva populista que se iria materializar a partir da ascensão de Lula e, como hoje sabemos, na nuvem de gafanhotos que se abateria sobre o Estado e a economia, devorando implacavelmente os ganhos realizados na gestão das contas públicas e na concepção dos principais serviços sociais, como a educação e a saúde.

Arrastando-se por treze e meio longos anos, a dinâmica acima descrita ganhou velocidade, como um processo de fissão nuclear. Atritou entre si os três ramos do governo e dividiu cada um deles num grau jamais visto no País. Atomizada e desprovida de representação partidária adequada do ponto de vista eleitoral, os diferentes setores da sociedade não obstante se organizaram para a defesa de seus interesses, acentuando até o limite o espírito corporativista existente desde havia muito no País.

O resultado está aí, à vista de todos; nada garante que seja uma danse sur place, um país que se mantém num equilíbrio precário, mas sempre no mesmo lugar. Pode ser um país que pouco a pouco desliza para um equilíbrio cada vez pior. E o pior dessa hipótese pessimista é que ao cidadão comum restará apenas o consolo de dizer - com Fellini, mais uma vez - que “la nave và”, mesmo não sabendo para onde vai essa nave tresloucada.

O Estado adequado

O governo interino já anunciou a disposição de promover uma desestatização na gigantesca estrutura do Estado. Trata-se de encaminhar para a iniciativa privada atividades, operações e serviços que não constituem obrigação do Estado, como é o caso de portos, aeroportos, estradas e exploração exclusiva de recursos naturais, entre outros itens. O monumental acervo de áreas que podem ser transferidas ao campo privado terão o condão de deixar Estado brasileiro mais leve, menos paquidérmico e mais apto a desempenhar tarefas, funções e serviços que lhe competem, atendendo a critérios de rapidez, transparência e qualidade. Assim, todo o esforço governamental estaria focado na qualificação de serviços do Estado à população, propiciando o que se pode designar como “democracia da eficiência”.

Pawel Kuczynski:
Pawel Kuczynski
É evidente que a nova feição do Estado não corroerá sua capacidade de intervir no mercado para corrigir distorções, ajustar programas, enfim, dar o tom geral da economia, principalmente em momentos de crise. Nos Estados Unidos, a maior economia liberal do planeta, o Estado pôs seu dedo na vida econômica para administrar a crise que afetou os negócios durante a débâcle financeira de 2008. O fato é que o Estado brasileiro tem sido leniente e mesmo fraco para debelar as mazelas sociais, a par­tir da insegurança social, da deterioração da saúde pública e das deficiências na área da mobilidade urbana, para citar apenas alguns setores. E por conta disso, o governo tem agido no varejo, trabalhando no curto prazo, destinando verbas aqui e ali para atender demandas mais urgentes. Falta ao país um planejamento de longo alcance,

Sob a justificativa de que o Estado precisa agir com mais energia e dureza, o sociólogo e cientista político francês Alain Touraine defende a tese de um Estado forte. No caso brasileiro, isso pode ampliar a esfera do autoritarismo, da arbitrariedade, da ineficiência e do corporativismo. Essa, aliás, foi a visão do petismo, aplicada nos últimos anos, quando o Estado ganhou uma montanha de gorduras. Para ser forte, um Estado não precisa ser paquidérmico, locupletado de corporações, como se viu no ciclo lulodilmista. O que importa é conformar o Estado ao porte adequado para cumprir a contento suas funções. O que importa é evitar o aparelhamento da máquina, atenuar (pois eliminar seria difícil) bolsões corporativistas, conferir maior institucionalização política por meio de reforço às frentes já formadas, adotar a meritocracia em lugar da velha política de grupos.

O fortalecimento do poder de decisão do Estado constitui meta que deve ser perseguida, até para se combater a cultura de interesses in­dividuais e grupais que, entre nós, prevalece sobre as políticas sociais. Mas este é um desafio que ultrapassa décadas, não sendo objeto de consideração de um só governo. O que se viu, nos últimos anos, foi o uso do orçamento público para atrair o sistema político. Não foi isso que gerou, por exemplo, o mensalão, quando grupos de parlamentares e partidos foram cooptados por meio de ajuda financeira?

Os nossos governantes têm sido pouco eficazes em matéria de reformas estruturais. Regra geral, procuram oferecer respostas pontuais aos problemas que surgem sem contemplar o todo. Receiam atacar todas as demandas ao mesmo tempo, primeiro por não terem recursos para tanto, segundo por não contarem com suficiente apoio político-partidário para patrocinar causas como reforma política, reforma fiscal-tributária ou da previdência.

Portanto, a caminhada do País na estrada das mudanças é lenta. Os passos no caminho da modernização são vagarosos. Demos um avançado salto por ocasião da implantação do Real e, de lá para cá, o edifício da estabilidade tem sido mantido a duras custas. A atual crise econômica abala alicerces. Por isso mesmo, o desafio que se apresenta ao Governo Michel Temer é o de andar em ritmo mais apressado. Claro, re­formar o Estado não é tarefa para um só governo, ainda mais quando esse governo disporá de pouco tempo para consertar os estragos feitos no ciclo petista. Maquiavel já lembrava que nada é mais difícil de executar, mais duvidoso de obter êxito ou mais perigoso de manejar do que iniciar uma nova ordem de coisas. O reformador tem inimigos na velha ordem, que se sentem ameaçados pela perda de privilégios, e defensores tímidos na nova ordem, temerosos que as coisas não dêem certo.

A análise sobre o nosso sistema político e a possibilidade de avanços haverá de contemplar a complexa dialética das mudanças. Como fazer o Estado adequado no cipoal das pressões partidárias e corporativas? Como aparar as desigualdades sociais, com programas liberais, que dão vazão a climas concorrenciais? Como deixar de atender a um parlamentar dos grotões, que sem atender sua clientela será expur­gado da política? Enfim, como contemplar gregos e troianos? Como governar com um olho nas demandas sociais e o outro enxergando as pressões do Congresso Nacional?

O conceito de Estado adequado, nem gordo nem magro, nem portentoso nem esquelético, deve entrar na mesa do debate nacional. Encontrar a dimensão exata do Estado para que possa cumprir suas tarefas e aperfeiçoar os serviços – eis o desafio que se apresenta ao novo governo. Por isso mesmo, é absolutamente imprescindível que se aplique a lição dos bons modelos de gestão pública: não gastar além do que se arrecada; dimensionar um teto para os gastos nos três níveis da Federação (União, Estados e Municípios); promover a urgente reforma da Previdência, sob pena de inviabilizar o sistema e ameaçar o futuro de milhões de brasileiros; enxugar a máquina, eliminando quadros em excesso e nomeados por indicações políticas; promover a desestatização de áreas que terão melhores condições de operar sob a égide da iniciativa privada; e fechar as torneiras de grupos acostumados a mamar nas tetas do Estado. A vaca (o Estado e suas tetas), o vampiro (que suga o sangue do Estado nas emboscadas noturnas) e Pinóquio (com as mentiras de campanha) são os três entes que precisam ser combatidos noite e dia.

A História descarta canastrões

Renan Calheiros acertou: o Senado virou um hospício. Não se trata mais de apreciar o impeachment de Dilma Rousseff, cujo placar foi antecipado pelos julgadores ao longo do processo e, com mais precisão, na sessão de pronúncia. Durante essa fase de julgamento, iniciada na quinta-feira, o que se quer é holofote e, se possível, escrever o nome na História. Nem que seja no rodapé.

Para tal, não se medem esforços e muito menos palavras. A maior parte delas não recomendável para menores. Bate-bocas sem fim, xingamentos, baixarias vexaminosas.

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Ensandecidos, acusadores e defensores do mandato da presidente afastada se engalfinharam em troca de acusações que nem de longe se aproximavam do mérito da questão. E muitos deles escancararam o desapreço que têm pelo Parlamento e pela própria democracia, em que a chave é o contraditório.

Agrediram-se ao vivo na televisão, foram fotografados por todos os ângulos, e manchetados nos jornais impressos e noticiosos da internet. Brigaram pela audiência, não pelo país.

Aguerridos, os defensores de Dilma protagonizaram cenas que não são capazes de mudar um único voto em prol da presidente afastada, mas asseguraram o papel de coadjuvantes – e até com algum destaque -- no filme que está sendo preparado para o pós-impeachment. Com direito a cenas ao lado do ícone maior, o ex Lula, algumas delas, dizem, já rodadas.

Estrela da produção, Dilma Rousseff pretende que a História a reconheça como quem defendeu a democracia contra golpistas. Seu script começou há meses, quando iniciou a bateria de entrevistas para a mídia internacional. E terá como ponto alto o pronunciamento de amanhã, no Senado, em que pretende repisar no mesmo soalho.

A tática serve ao público cativo. Difícil será convencer historiadores sérios quanto a um golpe perpetrado contra os ditos da Constituição, com direito amplo de defesa, julgamento no Senado sob a batuta do presidente da Suprema Corte, e até pronunciamento da acusada.

Só um desavisado ou um mal intencionado acharia possível usar tanta lei para golpear a lei.

Pouco importa. A balela serve para animar a torcida – que também está no filme – e tentar um espacinho na História, ainda que com intelectuais de ocasião.

Fazer História, recheando a biografia, deve também ser a inspiração do presidente do STF, Ricardo Lewandowski, que, no afã de dar ares de Corte ao Senado, importou regras descabidas para o mundo da política. Como a de encarcerar testemunhas em hotéis, tornando-as incomunicáveis sobre um tema que há meses o país inteiro comunica e opina. Ou de proibir que, nesta fase, senadores se pronunciem sobre o mérito do crime. Algo só aplicável a advogados e promotores em um tribunal, ainda assim porque sobre eles paira a possibilidade real de punição em caso de desacato às ordens da Corte.

Sem a autoridade imaginada, à Lewandowski sobrou o recurso de cortar o microfone. E o extremo de suspender a sessão quando a temperatura sobe além da fervura, queimando as instituições.

A loucura que impera entre aqueles que se lixam para os males que causam ao país acaba por turvar a importância do processo. O impedimento de um presidente da República é fato que impacta o cotidiano. Tem lugar assegurado na História.

Mas o filtro da História é implacável.

Quem mesmo presidia o Senado quando Fernando Collor foi cassado? Quais foram os três senadores que votaram pela permanência dele? Como foram as sessões? Quantas horas duraram? Quem disse o quê? Informações difíceis de serem encontradas até mesmo nos anais do Senado.

Sábia, ainda quando demora, a História costuma ser cruel para os que acham que conseguem trapacear com ela.

Escada e alavanca deveriam estar na raiz da educação

O atleta olímpico recebe a medalha para si, mas leva a bandeira de seu país. O reconhecimento a seu esforço e talento permite-lhe futuros benefícios pessoais, mas, na vitória, é também uma reverência a todos os seus compatriotas. O pódio é uma escada ao sucesso pessoal do medalhista e também uma alavanca ao prestígio de seu país.

O ensino superior deveria seguir regras parecidas: ser escada social para os jovens e alavanca para o progresso. Graças ao curso, o aluno formado receberá prestígio e remuneração por toda a vida e, com seu conhecimento, ajudará a formar uma sociedade desenvolvida e justa. A universidade deve ser gratuita para aqueles que tiverem talento para a profissão e escolherem um curso que sirva ao progresso econômico e social.

O aspirante na academia militar estuda gratuitamente porque aprende a defender a nação; o aluno da carreira diplomática estuda para estreitar nossas relações internacionais; da mesma forma, o jovem que deseja ser professor do ensino médio estuda para formar cidadãos e construir o Brasil. São cursos e carreiras de interesse nacional e, por isso, devem ser financiados pelos governos.


Mergulhando na educação | Diving in education  #educaçao #education #escola #school (Davide Bonazzi):
Davide Bonazzi
O critério para a gratuidade ou o pagamento deve ser o interesse nacional, não a renda pessoal ou familiar do estudante. Não há razão para uma família rica ter de pagar os estudos de um filho se ele quer ser cientista, para ajudar a conhecer o mundo e até encontrar o mistério da cura para doenças; ou se quer ser médico para atender a saúde pública; ser filósofo, historiador, matemático ou artista, para enriquecer o mundo culturalmente.

Da mesma forma, quando há limites de recursos públicos, a sociedade não precisa pagar cursos que servem apenas como escada social, sem a característica de ser alavanca do progresso. Mesmo que a carreira seja apenas do interesse privado, o Estado não tem o direito de impedir uma pessoa de seguir o curso para o qual tem vocação, mas não deve ter obrigação de financiar esse curso com recursos públicos que devem atender outras prioridades, como a educação de base.

O atleta que não carrega a bandeira de seu país deve ter direito de se preparar, mas não há razão para exigir investimento público em seu treinamento. Para atender o gosto apenas do atleta que não carrega a bandeira ou do aluno que não tem compromisso com o desenvolvimento e o bem-estar da nação, o país e seu povo não precisam pagar. Para ser gratuito, o curso universitário deve ser ao mesmo tempo escada pessoal e alavanca social ao progresso socioeconômico.

O governo deve bancar o estudo de todas as crianças porque cada uma delas representa em si um potencial; também deve dar-lhe, na escola, a chance de ser um atleta. A partir de certo momento deve concentrar os recursos nos mais talentosos e nos cursos que levem o país e seu povo a um futuro eficiente e justo e carregue nossa bandeira.

Até quando?


O ipê rosa que enfeitava a rua já não tem flores. Agora, é um entrelaçado de galhos nus, e assim será até que brotem novas folhas, muito tenras e intensamente verdes. Ele é a prova viva da passagem do tempo, dos ciclos que se renovam, ano após ano. E me ensina que, apesar das perdas, há sempre um recomeço. Brincam na memória velhos ditados – nada como um dia após o outro, depois da tempestade vem a bonança, vão-se os anéis, ficam os dedos… Mas para onde terá ido a tal felicidade?

Andamos todos abatidos. Governo interino que age como titular, administrações desastrosas, infraestrutura deficitária e promessas eleitoreiras de candidatos opacos a prefeituras e câmaras medíocres. Por alguns dias, nos distraímos com as Olimpíadas, mas, agora que voltamos à rotina, sentimos o peso da ressaca, não dos jogos, mas de tantos desmandos.

Falando em ressaca, para piorar as coisas, nas cidades litorâneas, o mar e os ventos fizeram muito estrago, comprometendo a qualidade de vida dos cidadãos. Orçamentos já defasados antes disso não oferecem qualquer garantia de que reparos e indenizações acontecerão em breve. E assim, tensos por vários motivos, abrimos brechas para a instabilidade emocional e, consequentemente, fragilizamos a saúde.

Depois da festa esportiva, voltou a ser ruim folhear os jornais ou assistir aos noticiários, pródigos em violência e pessimismo. Ainda sobra um pouco de orgulho de quem somos, efeito residual do evento olímpico, mas é pouco, diante do constrangimento das malandragens internas, da carência de justiça e seriedade que nos acompanham desde sempre.

O ipê rosa, lá pelo meio de 2017, voltará a florir, como todos os anos. Até quando resistirá nossa alma tão ferida de desenganos?

Madô Martins

Imagem do Dia

Eduardo Salles

Editorial francês à moda PT

O jornal francês Le Monde bem que podia não ter incluído em sua história o editorial "Queda de Dilma é golpe de Estado ou é farsa". Aceitar as "verdades" do texto é para quem não conhece nada de Brasil, ainda mais do que acontece aqui. A afirmativa de que "o impeachment, previsto pela Constituição brasileira, tem toda a roupagem da legitimidade", sugerindo uma legislação travestida. é impensável. O redator francês põe em xeque a legalidade no país. 

Ilustraciones que nos muestran la dolorosa realidad humana:
O editorial até mesmo parece escrito por um petista, ou sugerido por algum. Nem falta aquele velho chavão, logicamente travestido, de "abaixo a Rede Globo". E os franceses engoliram direitinho. Dilma seria vítima de golpe "fomentado por seus adversários, pela mídia, e em especial pela Rede Globo de televisão, que atende a uma elite econômica preocupada em preservar seus interesses supostamente ameaçados pela sede de igualitarismo de seu partido, o Partido dos Trabalhadores (PT)".

Tão surrado, velho, desgastado pelo tempo, o grito de guerra petista ficou estampado no jornal francês como uma estupidez tupiniquim engolida pelos franceses.

Nos tempos de redes sociais, de tanta intercomunicação, o domínio político da mídia é infinitamente diluído. Os franceses do Le Monde tropeçaram na própria inteligência ou, quem sabe, quiseram sugerir que o Brasil é uma republiqueta de cobras, lagartos e bananas.

O editorial é uma peça de desinformação digna de figurar nos anais jornalísticos. Ainda mais que se refere a Petrobrás como um "grupo petroleiro" que sofreu uma corrupção em grande escala aumentando a crise. Em momento algum informa que a empresa é estatal e a corrupção foi institucionalizada pelos partidos liderados pelo PT.

Ainda deixa de lado que há dez anos a mesma Petrobras viveu sob as garras de Dilma, como ministra da Energia, chefe da Casa Civil e presidente.

Resta-nos parodiar o Le Monde: Se esse não é um editorial sério, é no mínimo uma farsa (com sabor petista). E as verdadeiras vítimas desse destrambelhado texto são infelizmente os franceses e os brasileiros que ainda acreditam em lorota estrangeira.

E Viva a Farofa

Saia do prostíbulo!

Juarez Machado - Vinoarti:
Juarez Machado
Alguém já disse que a política é a segunda atividade mais antiga do mundo, mas ela hoje se parece muito com a primeira. E como a gente sabe que não há democracia sem política, é urgente tirar essa atividade tão nobre do prostíbulo

Comida desperdiçada. E a pobreza crescendo

Nas últimas semanas têm sido muito frequentes na comunicação e nas cartas e artigos de leitores manifestações sobre uma foto estampada em jornais de um menino brasileiro sentado numa cadeira, com o rosto ensanguentado e as roupas rasgadas, após haver ficado debaixo das ruínas de sua casa que desabara – a própria imagem da desolação e da impotência. Nos mesmos dias, outra notícia informava (O Popular, 19/8): a milhares de quilômetros, na Colômbia, autoridades de Bogotá “disseram que a chuva torrencial que caiu na cidade na madrugada de ontem arrastou ao menos 30 moradores de rua que dormiam em duto de esgoto” – a morte nas cloacas, no mundo povoado de pobreza e de notícias tristes.

Que fazer? O Brasil precisa (Estado, 18/5) de mais US$ 7,2 bilhões ou R$ 25 bilhões extras por ano para acabar com a pobreza até 2030. O mundo precisará de US$ 10 trilhões (ou mais de U$S 600 bilhões por ano) para a mesma tarefa, em 15 anos. Mas não há recursos disponíveis, lá e cá, para prover os direitos sociais, criar emprego e renda, etc. O Brasil está em sexto lugar entre os países que mais precisam de recursos para tarefas como essas (em primeiro lugar, a Índia, com US$ 61 bilhões anuais; em segundo, a China, com US$ 37 bilhões; em terceiro, a Nigéria, com US$ 36 bilhões; depois, a Etiópia e a Indonésia).

Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), “a pobreza nos países em desenvolvimento está aumentando”, em 1950 viviam com menos de US$ 1,90 por dia cerca de 47% da população mundial, em 2012 eram 15%. “Mas o progresso é frágil: 40% dos africanos vivem na pobreza; e nos próprios países ricos a pobreza também aumentou; 30% da população mundial tem apenas 2% da renda total”. No Brasil, segundo o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), a proporção de pobres caiu de 23,4% em 2001 para 7% em 2014; 26,3 milhões de pessoas saíram da linha de pobreza: eram 40,5 milhões e baixaram para 14,2 milhões em 12 anos E para assegurar US$ 3,1 por dia seriam necessários 0,3% do produto interno bruto; para garantir renda diária de US$ 5 a todos o Brasil precisaria ampliar os gastos sociais para US$ 23,2 bilhões anuais, ou 2% do PIB nacional.

Pawel Kuczynski-Pawel Kuczynski is a Polish artist that specializes in satirical illustration. Born in 1976 in Szczecin, Poland, he graduated with a graphics degree from the Fine Arts Academy in Poznan. Pawel has been focusing on satire since 2004 and has garnered nearly a hundred prizes and distinctions since then. Much of his artwork deals with serious themes such as poverty, greed, politics and mortality. While his subject matter is stark, his illustrative style is whimsical and cartoonis...:
Pawel Kuczynski
Estamos longe, com a taxa de desemprego em 11%, com possibilidade de aumentar até o fim de 2016. Menos de 40% da renda da camada mais pobre da população vem de trabalho remunerado, lembra Guy Ryder, diretor da OIT (Estado, 19/5). Mas no ano passado 343 mil famílias deixaram o programa Bolsa Família por haverem aumentado sua renda (MDS, 12/5); 261,3 mil reduziram o benefício, pela mesma razão; 467,1 mil não se recadastraram. A bolsa contempla 14 milhões de famílias com renda média de R$ 163,57, que significa no total R$ 2,3 bilhões mensais. Entre os beneficiados, 10 milhões de pessoas, ou 5% da população (Estado, 28/4) . Apesar de nossos problemas sociais serem muito maiores que os de países “desenvolvidos”, nossos gastos sociais são menores (edivanbatista@yahoo.com.br, 21/7). Aplicamos 21,3% do PIB em 2013, por exemplo, quando a Alemanha aplicou 27,1% e a Suécia, 29,8%.

Resultado importante é o que mostra (Pnad 2014) que vem caindo desde 2003 o número de famílias da zona rural em situação de pobreza e pobreza extrema (renda mensal até R$ 77), abaixo da meta dos Objetivo do Desenvolvimento Sustentável, que é de 3% (MDS, 20/11/15). Dado preocupante, porém, é o de que a taxa de desemprego entre jovens da Grande São Paulo está em 36% (Estado, 27/6), quando o desemprego médio na área está em 16%. O desemprego total no País anda pela casa dos 11%; e quase metade desses desempregados é constituída de jovens (Estado, 27/6). A concentração da renda é evidenciada pelo fato de os 10% mas ricos da população deterem, em 2014 (O Popular, 7/5), 38% da renda tributável e 39% dos bens e direitos líquidos totais. A vulnerabilidade dos mais pobres é apontada pelo professor Ladislaw Dowbor: 19% da renda familiar é destinada ao pagamento de dívidas (terra.com.br).

Em abril último a Assembleia-Geral da ONU decidiu criar (FAO, 4/4) o Decênio de Ação sobre a Nutrição, já que 800 milhões de pessoas no mundo passam fome e mais de 2 bilhões sofrem com deficiência de nutrientes; 159 milhões de crianças com menos de 5 anos têm déficit no crescimento; 50 milhões estão abaixo do peso recomendável, enquanto na população geral 600 milhões são obesos. Nesta mesma hora, diz o site Oxfam (21/1) que a concentração da renda continua a aumentar; 62 pessoas têm tanto capital quanto a metade mais pobre da população mundial. Mas há dados diferentes. O Departamento de Informação Pública da ONU relata que 13% da população mundial vive em extrema pobreza e 2,4 bilhões não dispõem de saneamento adequado – embora as pessoas em pobreza extrema tenham diminuído mais de 50% desde 2002 e a mortalidade materna tenha diminuído 44%; a mortalidade de crianças baixou mais de 50%.

Com tantos problemas, tanta fome, a América Latina continua desperdiçando até 348 mil toneladas por dia de alimentos (FAO, 30/2). Cerca de 36 milhões de pessoas (mais que a população do Peru) poderiam suprir suas necessidades com o que é perdido nos pontos de venda direta ao consumidor. A Argentina perde 12% do que produz. A Unicef alerta (28/6) para o risco de 60 milhões de crianças com menos de 5 anos de idade morrerem até 2030 de doenças que poderiam ser evitadas. E 167 milhões viverão na pobreza, apesar de 36% dos cereais, 20% das sementes, carnes e laticínios, 35% dos peixes, 40% a 50% dos vegetais e frutas irem para o lixo ou outros formatos desperdiçadores (Folha de S.Paulo, 20/7). Os Estados Unidos desperdiçam um terço do que plantam. O paradoxo maior talvez seja o da África, que, juntamente com a fome, tem 65% das terras férteis não cultivadas do planeta e 10% da água doce (Eco-Finanças, 22/8).

A rotina do absurdo

Há algum tempo resolvi fazer uma experiência. Durante dez dias acompanhei o noticiário policial brasileiro, arquivando apenas aquelas notícias verdadeiramente absurdas, que causariam comoção em qualquer lugar razoável.

Logo no primeiro dia li que uma granada, uma pistola, três revólveres e quase 100 projéteis foram aprendidos durante uma revista de rotina realizada em uma prisão. É chocante, mas esta incrível notícia, tão comum que é, habitou meramente um canto de página do jornal.

No dia seguinte li que traficantes impuseram toque de recolher em um morro, decretando luto por causa da morte de um deles, ocorrida durante um tiroteio. Todo o bairro obedeceu, sem discutir. Este horror, também corriqueiro, foi apenas mais uma notícia daquelas que duram 24 horas, dada a falta de repercussão.

Terceiro dia: um ônibus com 40 passageiros foi saqueado à luz do dia por ladrões armados, que ainda ameaçaram incendiar tudo com um galão de gasolina que carregavam. Este não é um crime comum - é o retrato da falência do Estado. No entanto, não ensejou sequer um discurso, de tão usual.

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Quarto dia, e li sobre o drama de 30 funcionários de uma loja que ficaram duas horas em poder de criminosos, durante um assalto realizado no centro de uma capital. Acredite: sequer na primeira página esta notícia estava, de tão comum que é!

No quinto dia noticiou-se que um policial fardado foi sequestrado por quatro homens armados com metralhadora e levado para um cativeiro. Metralhadoras! Um policial fardado! E esta notícia não durou 24 horas! Zero de repercussão na sociedade. Rotina, pura rotina!

Sexto dia: traficantes determinaram o fechamento de 177 lojas até as 13 horas. Tratava-se de luto pela morte de um deles, morto durante um tiroteio com um bando rival. A reação da sociedade surpreendeu: o medo foi tamanho que a maioria das lojas não voltou a abrir, indo muito além do “ordenado”. Este retrato do abandono da população não deu margem a nenhuma CPI, discurso, ou seja lá o que for. No dia seguinte já não se falava mais nisso.

No sétimo dia três marginais armados saquearam um ônibus com 50 passageiros, à luz do dia, no meio de uma via movimentada, e fugiram andando pela rua. Andando. Nem precisaram correr.


Oitavo dia. Noticiou-se que traficantes estavam ameaçando metralhar e incendiar uma Companhia da Polícia Militar, em represália contra a prisão de um deles. Policiais declararam serem recebidos a tiros todos os dias ao chegarem para trabalhar. Parece incrível, mas esta notícia não mereceu sequer uma chamada de capa.

Nono dia, e anunciou-se o alívio para os Policiais Militares acima referidos. A Justiça soltou o traficante que estava preso, e toda a quadrilha comemorou com um alegre churrasco exatamente em frente à Companhia da Polícia. Os policiais, humilhados, não puderam fazer nada senão contemplar a comilança. E ficou tudo por isso mesmo!

No décimo dia, noticiou-se que os corpos de sete adolescentes foram encontrados dentro do porta-malas de um carro, e que uma quadrilha invadiu uma Universidade Federal para roubar as armas dos vigilantes. E tudo isto foi rotina. Mera rotina, nada mais do que rotina.

Comentei sobre os resultados desta experiência com diversas pessoas. De todas ouvi a expressão “é assim mesmo”, seguida de uma tentativa de mudança do tema da conversa para outro mais alegre. Pois é. Talvez seja a hora de nossas instituições começarem a discutir isto!

Pedro Valls Feu Rosa

Qual deve ser o impacto da Olimpíada para a economia do Rio?

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Apesar da atração de mais de 1 milhão de turistas que movimentaram, segundo a Riotur, cerca de R$ 4,1 bilhões durante os Jogos Olímpicos, os impactos econômicos do megaevento para a cidade e o Estado do Rio de Janeiro devem ser mínimos ou até mesmo negativos, de acordo com especialistas ouvidos pela BBC Brasil e o próprio governo.

Além disso, eles apontam para a possibilidade de que o Rio peça mais ajuda à União para pagar parte dos R$ 40,1 bilhões gastos com a Olimpíada em meio à crise econômica.

Em balanço divulgado pelo prefeito do Rio, Eduardo Paes (PMDB) e pelo ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, na terça-feira, os Jogos foram avaliados como um "enorme sucesso".

Segundo os dados apresentados, 1,17 milhão de turistas passaram pelo Rio, sendo 410 mil estrangeiros, que gastaram em média R$ 424,62 por dia, e 760 mil brasileiros, com gasto médio diário de R$ 310,42.

A maioria dos estrangeiros veio de Estados Unidos (17%), Argentina (12%) e Alemanha (7%). Entre os locais, a maior parte dos visitantes é de São Paulo (43%), Rio Grande do Sul (9%) e Minas Gerais (7%). O movimento de bares e restaurantes, segundo os dados, cresceu 70% na Zona Sul do Rio, e a taxa de ocupação hoteleira fechou em 94%.

Apesar dos números, especialistas avaliam que o impacto econômico pode ser pequeno ou decepcionante.

"Para o país, apesar das cidades que receberam jogos de futebol, o efeito econômico positivo é muito marginal. Já no Rio pode haver um aumento de arrecadação de impostos com os gastos de turistas, mas são apenas duas semanas (de Olimpíada), é algo muito localizado e pouco significativo", diz Otto Nogami, professor de economia do Insper.

Já Pedro Trengrouse, especialista em Gestão, Marketing e Direito no Esporte da FGV, que foi consultor da ONU para a Copa, considera um erro buscar retorno econômico na Olimpíada.

"Procurar indícios de retorno econômico para justificar a realização dos Jogos é um equívoco, já que são impactos muito superficiais ou até negativos. Houve quatro feriados no Rio, com efeito brutal sobre a atividade econômica. Quanto a indústria e comércio perderam com isso? Na Copa registramos perdas no comércio e indústria com as paralisações", avalia.

Para ele, o megaevento deve ser encarado como uma grande festa.

"A festa foi feita, e gastamos para organizá-la. Agora, procurar retorno econômico da realização de uma grande festa é um equívoco, porque ele é muito marginal diante do que foi gasto", avalia.