terça-feira, 9 de agosto de 2016

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Hiroshima mon amour

Você está andando pela rua, e, de repente, uma imensa tempestade de luz cai sobre sua cabeça, como o sol despencando do céu. Você não sabe o que é nem vai saber nunca porque você derreteu como um sorvete em dois segundos. Fica um lago de seu corpo em volta de seus sapatos, enquanto a cidade inteira vira um deserto fervente povoado por cadáveres que vagam como zumbis pelas ruas em fogo.

Falo assim para ver se sentimos no corpo o intenso horror do “segundo holocausto” da Guerra: as bombas atômicas no Japão.

Há 71 anos, em 6 e 9 de agosto de 1945, os norte-americanos destruíram Hiroshima e Nagasaki.

Todo ano me repito e escrevo artigos sobre a bomba nesta data, não apenas para condenar um dos maiores crimes da humanidade, mas para lembrar que o impensável pode acontecer a qualquer momento.

Tudo pode acontecer hoje em um mundo onde um psicótico como Trump, um hitlerzinho repulsivo, pode ser candidato a presidente dos Estados Unidos. Isso não podia acontecer e, no entanto, acontece.

A destruição de Hiroshima e Nagasaki, três dias depois, inaugurou a “guerra preventiva” de hoje. O holocausto dos judeus na Segunda Guerra fecha o século XX, ainda no contexto de contradições do século XIX; o espetáculo luminoso de Hiroshima marca o início da guerra do século XXI.


O horror se moderniza, mas não acaba. Vi outro dia um filme de Alain Resnais, “Hiroshima Meu Amor” – é insuportável ver as cenas documentais do bombardeio: não mais a morte por gás ou bala, mas por derretimento.

Auschwitz e Treblinka ainda eram “fornos” da Revolução Industrial, ainda eram massacres da era “fordista”, da linha de montagem do horror, mas Hiroshima inventou a guerra tecnológica, virtual, asséptica. A extinção em massa de 200 mil japoneses no furacão de fogo fez em um minuto o trabalho de meses e meses do nazismo.

O que mais impressiona na destruição de Hiroshima é a morte “delivery”, “de pronta entrega”, sem trens de gado humano, morte “clean”, anglo-saxônica. A bomba norte-americana foi considerada uma “vitória da ciência”. Na época, a bomba explodiu como um alívio, e a opinião pública ocidental celebrou tontamente. Nesses dias, longe da Ásia e da Europa, só havia os papéis brancos caindo na Quinta Avenida, sobre os beijos de amor da vitória. Naquele contexto, não havia conceitos disponíveis para condenar esse crime hediondo. A época estava morta para palavras, na vala comum dos detritos humanistas.

Os nazistas matavam em nome do pavoroso ideal psicótico de “reformar” a humanidade para o milênio ariano. Por outro lado, incrivelmente, as bombas norte-americanas foram lançadas em nome da razão. A bomba A agiu como um detergente, um mata-baratas. A guerra como limpeza, o típico viés norte-americano de tudo resolver, rápida e implacavelmente... A destruição de Hiroshima foi desnecessária militarmente. O Japão estava de joelhos, querendo preservar apenas o imperador e a monarquia. Diziam que Hitler estava perto de conseguir a bomba – o que é mentira.

Uma das razões reais era que o presidente Truman e os falcões da época queriam testar o brinquedo novo. Truman fala dele como um garoto: “Uau! É o mais fantástico aparelho de destruição jamais inventado! Uau!. No teste, fez uma torre de aço de 60 metros virar um sorvete quente...”. Na luta pela democracia, rasparam da face da terra os “japorongas”, seres oblíquos que, como dizia Truman em seu diário: “São animais cruéis, obstinados, traidores”. Seres inferiores de olhinhos puxados podiam ser fritos como shiitakes.

O clima era alucinado e quase “lúdico”, um interessante teste de fogo. Basta lembrar que o avião que largou a bomba A em Hiroshima tinha o nome da mãe do piloto na fuselagem – Enola Gay. Isso. O bombardeiro B-29, que lançou a bomba em Hiroshima no dia 6 de agosto de 1945, foi pilotado pelo coronel Paul Tibbets Jr., que escolheu pessoalmente um quadrimotor B-29, batizando-o com o nome em homenagem a sua mãe. Esse gesto de carinho filial derreteu no fogo 200 mil pessoas. Essa foi a mãe de todas as bombas, parindo um feto do demônio.

Os norte-americanos queriam vingar Pearl Harbour pela surpresa de fogo, exatamente como o ataque japonês três anos antes. Queriam também intimidar a União Soviética, pois raiava no horizonte sombrio a Guerra Fria; além disso, é claro, os norte-americanos queriam exibir para o mundo um show maravilhoso de som e luz, uma superprodução em cores do novo império. O holocausto sujou o nome da Alemanha, mas Hiroshima soa até hoje como uma vitória tecnológica inevitável.

Agora, não temos mais a Guerra Fria; ficamos com a guerra quente do deserto – a mais perigosa combinação: fanatismo religioso e poder atômico. Vivemos dois campos de batalha sem chão; de um lado, a cruzada errada do Ocidente, apesar e além de Obama. Do outro lado, temos os homens-bomba multiplicados por mil. E eles amam a morte. E pior: com o rato do Putin, com o rato Kim da Coreia, com Paquistão, Índia, Israel, volta o perigo atômico, 71 anos depois.

Hoje, já há uma máquina de guerra se programando sozinha e nos preparando para um confronto inevitável no Oriente Médio. Estamos num momento histórico em que já se ouvem os trovões de uma tempestade que virá. Os mecanismos de controle pela “razão”, sensatez, pela “soft power” da diplomacia perdem a eficácia. Como dar conta da alucinação islâmica religiosa com amor à morte, que querem impedir o “perigo da paz”?

Estamos às vésperas de uma bruta mudança histórica. Sente-se no ar o desejo inconsciente por tragédias que pareçam uma “revelação”. Surge a fome por algo que ponha fim ao “incontrolável”, a coisa que o Ocidente mais odeia. Mesmo uma catástrofe sangrenta parecerá uma “verdade” nova.
Vivemos hoje na era inaugurada por Hiroshima.

“There is a shitstorm coming”, disse Normam Mailer uma vez.

A caixa de Pandora (que Truman abriu em 1945 e Bush reabriu 50 anos depois) nunca mais se fechará.

Corrupção versus Brasil

O jogo político não é diferente do futebol. Tem campeonatos municipal, estadual e federal. Congrega times, torcidas organizadas, cartolas e patrocinadores. Há venda de passes de atletas que, mesmo adeptos de um time, jogam pelo outro em troca de vantagens. Muitas vezes, um jogador pode ser suspenso por indisciplina. Há também árbitro, auxiliares e, até mesmo, um tribunal específico, para julgar e punir os que cometem faltas graves.

O público pode ser fiel a um determinado time, mas há registro de fanáticos por um craque que o acompanham na equipe em que estiver jogando. Lembram-se de Jânio Quadros, Ademar de Barros, Paulo Maluf? E há, também, os que não jogam nada, mas são muito populares com a torcida, tipo o Tiririca.

Duas diferenças, entretanto, são gritantes. A primeira é o tempo de carreira profissional. No futebol, é curta; no máximo, uns 20 anos. Já na política, o "atleta" pode superar 60 anos de atividades ininterruptas. Muitas vezes, ainda com uma tremenda fome de bola.

A outra diferença, esta substancial, é que, na política, os jogadores são escolhidos pela torcida para disputar específicos campeonatos, que duram quatro ou oito anos. Já pensou se você tivesse que eleger um centroavante, um meia, um goleiro? Pode até ser uma opção ideológica, escolher um lateral para a direita ou para a esquerda. Indecisos optariam por um beque central, sem medo da pecha de estar "em cima do muro".

Nosso país traz, em seu DNA, o gene da exceção. É uma coisa de origem. Nada aqui foi, é ou será normal. Quando pequeno, já escutava as pessoas comentarem que, se o Vaticano ficasse no Brasil, convidariam o papa para dar pontapé inicial em jogo de futebol. Quem sabe até naqueles entre casados e solteiros de paróquia na periferia.

A única coisa definitiva no Brasil é que tudo é provisório. Desde as medidas governamentais -passando pelas contribuições tributárias, obras públicas- até, felizmente, os períodos de exercício do poder pelos políticos. Muitos deles, é verdade, tentaram ser eternos: Getúlio Vargas ou os militares do golpe de 1964, por exemplo.

O time do mensalão tinha pinta de campeão. Típico caso bem similar ao futebol: elenco, conhecimento e sorte de vencedores. Todavia, sobre essa vitória previamente anunciada pesavam dirigentes corruptos, decisões questionáveis no "tapetão", patrocínios com origens estranhas, facilitações inesperadas em partidas contra adversários sem esperança etc.

Aquele campeonato terminou com a derrota do time da casa, já que algumas poucas punições ocorreram, mas a partida seguiu sem impedimento ou qualquer substituição. Consequência: o resultado foi mais desfavorável ao povo brasileiro que os 7 a 1 para a Alemanha na última Copa do Mundo.

Por outro lado, agora na disputa do petrolão, o time do povo está virando o jogo. A torcida, que já havia se manifestado nas ruas no primeiro certame, agora, nas rodadas finais deste outro campeonato, está unida e vibrando diante da possibilidade de vitória de seu time.

A pátria de chuteiras ainda acredita nas instituições, nos legítimos craques, nos dirigentes capazes e honestos, nos árbitros éticos. Tomara que o time do povo vença! Afinal, já faz um bom tempo que não somos campeões...

Ricardo Viveiros

O epílogo

Acabou o dinheiro. Sem novas fontes de financiamento, Dilma Rousseff se vê obrigada a atropelar o plano feito antes do afastamento da Presidência, interrompendo sua agenda de campanha contra o impeachment.

Agora, atravessa os dias no Palácio da Alvorada entretendo-se com poucos senadores aliados na escrita de uma “Carta aos brasileiros”. Nela pretende repisar a denúncia do “golpe” e a promessa de enviar ao Congresso propostas para convocação de plebiscito e “eleições gerais antecipadas”. Ou seja, afastada e às vésperas da provável deposição, planeja apelar pela salvação aos 81 senadores, propondo-lhes a renúncia coletiva.


Sendo possível, comandaria, então, um inédito suicídio político coletivo (um terço dos senadores, por exemplo, abandonaria os próximos cinco anos de legislatura garantidos em 2014).

Lideraria, também, um autêntico golpe, porque a proposta embute redução à metade — sem consulta prévia — dos mandatos de 513 deputados federais, de 27 governadores e de 1.030 deputados estaduais (desconhece-se o que planeja fazer com os suplentes).

A divulgação da carta está prevista para quarta-feira, 24. Por coincidência, nesse dia completam-se 62 anos do suicídio de Getúlio Vargas, o “pai dos pobres”, como era biblicamente qualificado por sua seção de propaganda, em tentativa de recauchutar-lhe a imagem de ditador.

Se confirmadas as previsões, quando setembro chegar Dilma estará destituída do cargo de presidente. Numa ironia da história, vai à galeria presidencial ladeando Fernando Collor, cujo processo de impedimento (por corrupção) começou numa primavera de 24 anos atrás, embalado pelo PT de Lula que então se apresentava como único partido ético do país.

Há meses, ela alimenta a ilusão de que não poderia ser ser punida com o impeachment. Propaga a honestidade, em contraste, repetindo por onde passa: “Eu não recebi dinheiro de propina, eu não recebo dinheiro de corrupção”. Até agora, ninguém apresentou prova contrária.

A questão central é outra: a criatura Dilma, tal qual o criador Lula, habituou-se a não aceitar qualquer decisão que não seja sua — foi dessa forma que o líder a impôs como sucessora. Por isso, entende o impeachment como “golpe”.

A legislação sob a qual está sendo julgada foi promulgada em abril de 1950, dois anos e quatro meses depois que Dilma saiu da Maternidade São Lucas, em Belo Horizonte. Ela prevê submissão de governantes a processo por crimes de responsabilidade — “ainda quando simplesmente tentados”, 
define —, em atos contra a Constituição “e especialmente contra (...) a lei orçamentária, a probidade na administração, a guarda e o legal emprego dos dinheiro públicos”.

Pode-se argumentar juridicamente sobre conceitos de orçamento, probidade e zelo pelo Erário, como fez na sua legítima defesa de mais de 500 páginas, que hoje devem ser refutadas pelo relator do processo no Senado.

O problema de Dilma continua sendo o fato de que, impondo-se na vida privada uma disciplina quase militar, só admite a hierarquia das próprias decisões. Aparentemente, escapou-lhe a compreensão de que no setor público só é permitido aos servidores fazer aquilo que a Constituição e as leis permitem expressamente.

No epílogo, seria carta fora do baralho até completar 73 anos, em 2022.

O dia em que a toga enterrou o 'golpe'

No futuro se dirá que no dia 9 de agosto de 2016, ao sentar-se para presidir a sessão do Senado destinada a aprovar o relatório que recomendava o julgamento da presidente Dilma Rousseff por crime de responsabilidade, o ministro Ricardo Lewandowski, presidente do Supremo Tribunal Federal, voluntária ou involuntariamente acabou com o discurso do “golpe” usado até então pelo PT.

É verdade que ainda por algum tempo, quando nada à falta de propostas positivas que possam outra vez seduzir parte do distinto eleitorado, o PT insistirá com a ideia de que Dilma foi derrubada por um golpe tramado pelas forças mais conservadoras do país. Mas também será verdade que esbarrará cada vez mais em gente pouca disposta a se deixar enganar.

Onde já se viu um golpe ser presidido em sua fase final pelo representante máximo da mais alta corte de Justiça? Golpe pressupõe um ato de força manifestamente ilegal. Onde já se viu um golpe onde o suposto golpeado, diretamente ou por meio das forças políticas que o apoiam, participa de todas as suas etapas, recorre à Justiça sempre que quer e tem seu direito de defesa assegurado?

Um golpe televisionado durante longos meses e acompanhado por quem quis? Um golpe pontuado por manifestações de ruas a favor e contra que não produziram uma morte sequer, nem mesmo um só ferido? Manifestações garantidas por tropas da polícia e da Força Nacional que não dispararam um único tiro? Enfim, um golpe previsto e regulado pela Constituição?

Por ignorância ou má fé, vozes importantes no exterior engoliram a narrativa do golpe construída pelo PT para explicar o fim dos seus 14 anos de poder. Mas o que elas dirão a partir de amanhã? Que a toga de Lewandowski, ministro do Supremo que deve sua indicação a Lula, rendeu-se à força do golpe? Que o país, distraído pelos Jogos Olímpicos, mal se deu conta do que se passava?

O PT respira aliviado com o desfecho próximo do impeachment. Imagine o peso de sustentar um governo desastroso como o de Dilma por mais dois anos e pouco... A própria Dilma, a essa altura, já respira aliviada. Como conseguiria governar carente de apoio no Congresso? Há meses que ela finge lutar por seu mandato enquanto esvazia dos seus pertences o palácio que habita.

A História não absolverá Dilma. Nem Lula. Nem o PT. Lula já é objeto da Justiça. Dilma será. Restará ao PT reinventar-se se for capaz.

Imagem do Dia

Fernando Pérez Beltrán 

Dilma culpa muitos por impedimento, menos ela

Às vésperas de sofrer nova derrota no Senado, Dilma Rousseff discursou para uma plateia companheira em Curitiba, nesta segunda-feira. A certa altura, perguntou a si mesma quem são os responsáveis pelo “golpe” sem tanques de que se julga vítima. Expressando-se na língua confusa que costuma utilizar, muito parecida com o português, a presidente afastada disse o seguinte:

“Em primeiro lugar, parte da mídia oligopolista. Em segundo lugar, mas não necessariamente nessa ordem, mas com uma certa simultaneidade, uma parte da oposição ao meu governo —a parte, vamos dizer assim, mais programática da oposição ao meu governo, que foi sendo substituída pela parte mais, diríamos assim, mais fisiológica, mais complexa, mas nem por isso menos ávida. É essa parte da oposição que representa hoje o governo provisório e interino, com a participação da outra: partes do PMDB, obviamente o ex-vice-presidente, atual presidente interino, e também o presidente afastado da Câmara Federal, senhor Eduardo Cunha. E toda uma parte do capital especulativo e financeiro. Acredito que outros segmentos podem ter sido atraídos. Mas esse é o núcleo duro.”


Numa tradução livre do dilmês, o repórter suspeita que madame tenha desejado declarar que a culpa é de três setores da sociedade: a imprensa, a oposição que se juntou ao PMDB e a oligarquia financeira. Quer dizer: Dilma responsabiliza muita gente pelo seu fracasso, menos ela. Ou quebraram todos os espelhos do Palácio da Alvorada ou Dilma ficou cega. Uma pena.

Se tivesse olhado para o espelho pelo menos três vezes por dia, Dilma teria testemunhado o ocaso de uma presidente ruinosa. Despreparada, pressunçosa e dissimulada, transformou sua incapacidade pessoal num desastre histórico — um dos piores que o Brasil já viveu.

Dilma fez sumir os brasileiros humildes que enchiam os aeroportos e divertiam Lula por deixar a “elite incomodada”. As companhias aéreas estão no chão. A conta de luz barata tornou-se pesadelo. O setor elétrico entrou em curto-circuito. Os juros de um dígito, que eram feitos de saliva, revelaram-se uma mágica fugaz. O investment grade que as agências de avaliação de risco deram ao Brasil, virou lixo. O “pleno emprego” deu lugar a quase 12 milhões de desempregados. O pré-sal não levou o Brasil à OPEP, mas à roubalheira da Lava Jato. E a ‘Pátria Educadora’ não passava de um slogan de marketing criado com verba do caixa dois.

Dilma não gosta de reconhecer os próprios erros. Para ela, quem deve uma autocrítica ao país é o PT. A legenda precisa explicar por que aderiu aos métodos dos cleptopartidos. Seria ótimo. Mas a diversão só ficaria completa se madame explicasse, com seu quase-português, por que diabos abandonou a noção de responsabilidade fiscal para tocar o país na base do vai ou racha. Rachou. O caso de Dilma não é de impeachment. Madame está prestes a ser mandada mais cedo para casa porque cometeu suicídio político.

Amizade, impunidade, desigualdade

Três decisões relevantes poderiam adequar o Estado Democrático de Direito “à brasileira”, como diria o presidente do Comitê Olímpico Internacional COI), Thomas Bach, a valores fundamentais da democracia burguesa, sem necessidade de ajustes, plebiscito ou reforma constitucional.

A primeira delas depende de convocação do plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) para tornar súmula vinculante providência, adotada em fevereiro por maioria de sete a quatro, de jogar no lixo da História uma jabuticaba azeda e venenosa, o chamado “trânsito em julgado”. A jabuticaba (fruta que só dá em território nacional) permite a quaisquer condenados recorrerem dessas condenações até sentença final, que pode ser tomada em última instância, ou seja, muitos anos depois da condenação. Os sete vencedores – Gilmar Mendes, Cármen Lúcia, Dias Tofolli, Luiz Fux, Luís Roberto Barroso, Teori Zavascki e Luiz Edson Fachin – decidiram limitar esse prazo de recorrer em liberdade à segunda instância. Ou seja, eventual falha de sentença por um juiz de primeiro grau já poderia ser corrigida no primeiro recurso (em segunda instância) por decisão colegiada (de mais de um juiz). Magistrados, advogados e promotores cobram do STF uma posição definitiva sobre o assunto com expectativa oposta à dos defensores de milionários suspeitos de corrupção, que contam com uma inversão da posição adotada pelo STF em fevereiro, sendo, para tanto, necessária a mudança de pelo menos dois ministros, o que inverteria o placar para seis a cinco.

Essa votação seria fundamental para determinar o destino de alguns dos mais abonados infratores do Código Penal em nossos dias: os condenados em primeira instância pelos juízes Sergio Moro, Paulo Bueno de Azevedo e Ricardo Leite, titulares de varas federais criminais em Curitiba, São Paulo e Brasília, respectivamente. Se confirmada a medida adotada há meio ano, os 75 condenados pelo paranaense (enquanto nenhum com foro privilegiado foi apenado pelo Supremo), entre eles o dono da maior empreiteira do País, Marcelo Odebrecht, o ex-ministro petista Paulo Bernardo e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, teriam reduzida a perspectiva de responder em liberdade a julgamentos de turmas ou plenários dos Tribunais de Justiça dos Estados ou dos Tribunais Regionais Federais da 5ª (Porto Alegre), da 2ª (São Paulo) ou da 1ª (Brasília) Regiões.

As bancas advocatícias que representam esses denunciados, acusados e condenados, ao contrário da Justiça, do Ministério Público e da população, que enxerga no caso uma grande oportunidade de diminuir a impunidade em nossa sociedade, contam com uma virada no placar ou com a insistência com que os votantes vencidos tentam desautorizar votos vencedores. Normalmente o fazem alegando que a sessão de fevereiro não proclamou uma súmula vinculante, o que é verdade. Ou, então, que determinado réu, condenado em algum TJ ou TRF, teria sofrido “constrangimento ilegal”.

Justicia chiste:
Dos quatro vencidos – Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Celso de Mello e Marco Aurélio Mello –, só a primeira não tomou, pelo menos até agora, nenhuma atitude para contrariar frontalmente alguma confirmação de prisão de condenado em segunda instância. Marco Aurélio Mello chegou a agendar um processo de que é relator, mas, advertido pela possibilidade de ser derrotado pelo mesmo placar de sete a quatro na ocasião, alegou doença e suspendeu a sessão plenária prevista.

Os outros dois agiram autocraticamente. Lewandowski mandou soltar o prefeito de Marizópolis (PB), José Vieira da Silva, acusado de ter desviado verbas do Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação (FNDE) e da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e condenado em2014 pelo TRF5, do Recife. Com a suspensão da liberdade garantida pelo trânsito em julgado ficou solto até este ano, quando teve a prisão aprovada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) após o julgamento exemplar de fevereiro. Sua defesa recorreu ao STF e o processo foi sorteado para Fachin. Com o relator em recesso e o presidente de plantão, este mandou soltá-lo alegando que o réu não tinha sido julgado duas vezes, mas apenas uma. Claro: gozava de foro privilegiado e não passou pelo primeiro grau, mas seguiu direto para o segundo. Ao voltar de férias, contudo, Fachin contrariou Lewandowski e mandou prendê-lo novamente.

Caso similar ocorreu com o decano dos ministros do Supremo, Celso de Mello, que tirou da cadeia o empresário mineiro Leonardo Coutinho Rodrigues Cipriano, que matou o sócio numa boate, fez uma festa na casa noturna, onde havia escondido o cadáver, com familiares do morto entre os convidados, mas terminou descoberto, preso e condenado pelo Tribunal de Júri a 16 anos de prisão. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) reduziu a punição a 14 anos e após a decisão do STF em fevereiro mandou prendê-lo. A defesa perdeu ao recorrer ao STJ, mas Celso de Mello mandou soltá-lo. Neste caso não houve prisão posterior.

A anulação da permissão de um condenado poder recorrer em liberdade até percorrer todo o trânsito em julgado está à espera de se tornar súmula vinculante para se tornar histórica, mesmo com a transformação por uma eventual maioria de sete a quatro do plenário do Supremo não é a única polêmica ali travada. Assim como as decisões de Lewandowski e Celso de Mello, a ordem de soltar o ex-ministro Paulo Bernardo pelo antigo auxiliar no Partido dos Trabalhadores (PT), o ministro Dias Toffoli, também nomeado por Lula, causou espécie entre profissionais do Direito preocupados com sentenças polêmicas, que revelam desarmonia no STF.

Dias Toffoli mandou soltar o marido da senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) alegando o mesmo “constrangimento ilegal” pretextado por Celso de Mello e Lewandowski. Para fazê-lo, contudo, não pediu a opinião do Ministério Público Federal nem esperou que a defesa requeresse habeas corpus ao TRF1. Na prática, Sua Excelência transformou o STF de última em única instância e, com isso, provocou uma reação dura do procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Este recomendou ao STF que devolvesse o ex-ministro do Planejamento de Lula e de Comunicações de Dilma a uma cela da Polícia Federal (PF), em São Paulo. Antes de o Supremo aceitar, ou não, o despacho de Janot, o juiz Paulo Bueno de Azevedo tornou o beneficiado por Toffoli réu pelo crime de se haver beneficiado de propina paga à força e sem autorização em forma de descontos mensais nos vencimentos dos funcionários a ele subordinados no Ministério do Planejamento e que reivindicassem um empréstimo consignado. A prática teria resultado em R$ 100 milhões ao Partido dos Trabalhadores (PT) e R$ 7 milhões a Bernardo.

Crimes hediondos como esse estão à espera de providências como a anulação do foro privilegiado, pedido por Bernardo por causa do privilégio seletivo a que a mulher do réu tem direito. O juiz Sergio Moro foi à Câmara dos Deputados pregar sua extinção, afirmando que abria mão do próprio foro. Nenhum deputado presente à sessão da comissão especial que debate as dez medidas anticorrupção na Câmara discordou dele. Mas também ninguém concordou.

O silêncio generalizado não deixa dúvida de que, apesar da popularidade do magistrado, a igualdade de todos os cidadãos perante a lei no Brasil continuará sendo uma utopia por muitos e muitos anos. Para resumir essa maldição a que parecemos eternamente condenados é possível adotar o lema “amizade, impunidade, desigualdade”, contrário ao “liberdade, igualdade, fraternidade” da Revolução Francesa. O lema seria o de George Orwell em A Revolução dos Bichos: “Todos são iguais, mas alguns são mais iguais do que os outros”.

José  Nêumanne

Ser humano é sagrado

As necessidades de um ser humano são sagradas. Sua satisfação não pode estar subordinada a razões de estado, ou por qualquer consideração de dinheiro, nacionalidade, raça ou cor, ou quanto a moral ou qualquer outro valor atribuído ao ser humano em questão, ou a qualquer outro tipo de consideração 
Simone Weil

Está na hora de Lula decidir entre ser preso ou pedir asilo a uma embaixada

O círculo apertou-se intensamente no final da semana passada com a denúncia do Ministério Público Federal que diretamente sustentou – reportagem de Cleide Carvalho e Renato Onofre, O Globo de sábado – a participação ativa do ex-presidente Lula no crime de corrupção que invadiu o país. Lula e integrantes do PT, acentuou o documento, formavam uma só organização para desviar recursos da Petrobrás. Dentro desse clima, ampliado pela reportagem de Thiago Bronzatto na revista Veja que está nas bancas, a situação tornou-se extremamente crítica para o ex-presidente da República. Sua prisão, ao que os fatos indicam, está para ser decretada nos próximos dias.

Sobretudo, porque temos que acrescentar o impacto enorme se confirmada a delação premiada de Marcelo Odebrecht. Este episódio apresenta-se como iminente, tanto assim que foi publicada a notícia de que a maior empreiteira do país encarregou um grupo de pessoas para preparar um documento a ser divulgado nos grandes jornais, tentando separar o passado do que aconteceu e dos rumos futuros da empresa. As evidências contra Lula são tão múltiplas e fortes que ele não será capaz de resistir às explosões políticas que inevitavelmente virão na sequência.

Charge O Tempo 8.8.2016

Some-se a tudo isso, nesta altura dos acontecimentos, o afastamento definitivo de Dilma Rousseff do Palácio do Planalto. No mesmo ritmo, a cassação do mandato de Eduardo Cunha pela Çâmara dos Deputados. O cenário, portanto, é de tempestade absoluta, acrescido da denúncia da mesma Odebrecht contra Michel Temer, acusando-o de ter participado de reunião com o presidente da empresa, na qual foram destinados 10 milhões de reais para a caixa 2 da campanha do PMDB em São Paulo nas eleições de 2014. Está na Veja a denúncia, reportagem de Daniel Pereira, que envolve também o presidente da FIESP Paulo Scaff que perdeu o governo estadual para Geraldo Alckmin, do PSDB.

Portanto, se a Odebrecht partiu para denunciar frontalmente o atual presidente da República, por que não poderia denunciar, da mesma forma, Lula, que não se encontra mais a frente do governo? Adensam-se assim as nuvens ameaçadoras que antecedem os relâmpagos e as trovoadas. Tudo assim conduz à certeza de que o espaço de Lula se estreita e diminui de forma acelerada, mesmo em tempo de Olimpíada.

Dessa forma, presume-se que os juízes brasileiros vão bater um triste recorde na história do país. As condenações se aproximam. E Lula é o principal alvo de todas as convergências. Terá que decidir rapidamente aquela que será a maior opção de sua vida. Entre a prisão e o asilo não escapará do julgamento da história.

Lula é um homem que começou na política empunhando a bandeira da reforma, mas acabou cometendo todos os atos que condenou, até se transformar num mero conservador do passado que ele se propunha a destruir.

Na irrelevância, PT volta às vacas magras de 1996

Vocês certamente já leram a notícia de que levantamento preliminar feito pela Direção Nacional do PT evidencia que a legenda terá 1.135 candidatos a prefeito nas eleições municipais de outubro. O número representa uma redução de 35,5% em relação aos 1.759 candidatos do partido que disputaram prefeituras em 2012.

É a menor número dos últimos 20 anos. Em 1996, eram 1.077. A cúpula petista aponta três motivos para essa diminuição: o sentimento antipetista amplificado pelas revelações da Operação Lava Jato; a proibição das doações empresariais e o processo de impeachment de Dilma Rousseff, que distanciou o PT de aliados tradicionais e restringiu as alianças.

Pois é…
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Sobre o peso que têm o petrolão e o impeachment de Dilma, há pouco a dizer, não é? Alguns aliados do PT preferiram guardar distância do partido. Andar ao lado de petista queima o filme.

Agora, engraçado mesmo é ver a legenda apontar como um dos fatores da diminuição o fim da doação de empresas a campanhas eleitorais. A tese é do PT. Na prática, a legenda a patrocinou.

De todo modo, essa justificativa é cascata. Afinal, a proibição de doações vale para todo mundo.

Talvez seja o caso de colocar isso de outro modo: o PT, mais do que qualquer outra legenda, mergulhou no caixa dois. As empresas, não é segredo pra ninguém, estão assustadas. Ainda que as doações fossem permitidas, boa parte iria querer guardar distância das eleições.

Ódio ideológico contra um homem honrado

É triste constatar como a visão ideologicamente viciada e torpe da realidade política conduz determinadas pessoas, mesmo as mais respeitáveis, a falar e cometer desatinos. O escritor Fernando Morais, numa demonstração de falta de educação, má-fé política e infantilidade alardeou que irá devolver ao ex-governador Cristovam Buarque o prêmio “Manoel Bomfim” que recebeu anos atrás pela obra “Chatô – O Rei do Brasil”.


Fernando Morais incorre em erro básico ao fazer tal declaração. O prêmio não lhe foi concedido pelo ex-governador Cristovam Buarque, mas pelo Governo do Distrito Federal, a partir da indicação de um júri formado por vinte intelectuais brasileiros, entre os quais Nelson Werneck Sodré, Hélgio Trindade e Joel Rufino dos Santos. Além de descortês, Fernando Morais evidenciou não distinguir a diferença entre partido, governo e estado. É compreensível, pois todos que confundem política e ódio, inteligência e bloqueio ideológico, razão e irracionalismo, tende a cometer erros dessa ordem e defender, em nome de valores universais, como a democracia, o aparelhamento do Estado, a corrupção e a inépcia administrativa, traços dos governos petistas que o escritor apoiou e quer de volta.

Não vou defender o ex-governador Cristovam Buarque, a quem tive a honra de, como secretário de Ciência e Tecnologia, propor a criação do prêmio “Manoel Bomfim”, que outorgou a figuras como Darcy Ribeiro, Jorge Caldeira e Fernando Novais, a honraria, que, hoje, Fernando Morais despreza e ameaça devolver.

O orgulho que sinto de ter Cristovam Buarque como um amigo talvez seja o mesmo que Fernando Morais tenha pelo falecido governador paulista Luiz Antonio Fleury, que ordenou o massacre do Carandiru, justo na época que o autor de “Olga” era seu secretário da Educação. Outros tempos, sem dúvida, pois Fernando Morais tão indignado e vexado com o impeachment de Dilma, a ponto de ofender um homem decente e correto como Cristovam Buarque, não demonstrou o mesmo durante o episódio do Carandiru, pois permaneceu no cargo por mais de um ano, como se a matança 111 detentos fosse algo tolerável e trivial.

Tudo bem. Caso Fernando Morais queira, de fato, dar dimensão ao seu gesto, que devolva ao Governo do DF (não ao ex-governador Cristovam Buarque) não apenas a placa de prata como os dez mil reais que recebeu do prêmio “Manoel Bomfim”, na época equivalente a dez mil dólares.

Gesto pomposo pela metade sugere apenas inconsequência ou picaretagem.

Humanidade esgota recursos da Terra em 2016

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Igor Morski

A cada ano, a Global Footprint Network, um think tank internacional que trabalha em parceria com mais de 90 organizações, calcula o chamado "Dia da Sobrecarga da Terra", uma data que marca quando já usamos mais recursos da natureza do que a Terra é capaz de repôr no ano inteiro. Pense em algo como uma conta bancária que indica recursos disponíveis e o total de saques. Neste 8 de agosto de 2016, a humanidade entrou no vermelho - mais cedo do que nunca.

Hoje a humanidade consome os recursos de 1,6 planeta Terra. Desnecessário dizer que existem grandes diferenças regionais: se toda a humanidade vivesse e fizesse negócios como os alemães, seriam necessários 3,1 planetas; já o "American Way of Life" requereria 4,8.

A queima de combustíveis fósseis e de lenha é responsável por 60% da nossa "pegada ecológica" (a quantidade de recursos naturais necessários para manter nosso estilo de vida). Em números absolutos, China, EUA, União Europeia e Índia são os maiores emissores mundiais de CO2. O consumo per capita, no entanto, coloca essa estatística em perspectiva. Em termos puramente matemáticos, cada um de nós tem duas toneladas de CO2 em sua conta se quisermos manter o aquecimento global abaixo de 2 graus celsius.

Florestas fornecem CO2, madeira e matéria-prima para papel. Elas previnem a erosão do solo, retêm água e são indispensáveis para o funcionamento do ciclo ecológico como reservatórios de CO2. Ainda assim, 3,3 milhões de hectares de florestas são perdidos por ano. Na Alemanha, as áreas com floresta cobrem meros 15% da emissão anual de CO2.