quarta-feira, 20 de julho de 2016

Anos de desperdício

O Brasil não aproveita adequadamente seu capital humano, aponta estudo do Fórum Econômico Mundial. Entre 130 países, o Brasil ficou na 83.ª posição do Índice de Capital Humano, que mede como cada nação desenvolve e cultiva o potencial de seu capital humano.

Criado em 2013 para ser uma ferramenta de análise da dinâmica entre educação, emprego e força de trabalho, o índice tem a finalidade de auxiliar a tomada de decisões do poder público e dos agentes privados. Como lembra o Fórum Econômico Mundial, um adequado desenvolvimento do capital humano é decisivo não apenas para a produtividade de uma sociedade, mas também para o funcionamento de suas instituições sociais e políticas.


O estudo analisa a situação de cinco faixas etárias da população – menores de 15 anos, entre 15 e 24 anos, entre 25 e 55 anos, entre 55 e 64 anos e mais de 65 anos – a partir de indicadores de ensino, capacitação e emprego. Em 2015, o foco principal foi estudar os fatores que contribuem para o desenvolvimento de uma adequada, produtiva e saudável força de trabalho. Em 2016, o estudo concentrou seus esforços na busca por melhorar o desenho das políticas educacionais e o planejamento da força de trabalho do futuro.

O cenário global do capital humano está cada vez mais complexo e com evoluções mais rápidas, lembra o Fórum Econômico Mundial. Calcula-se que, até 2020, a cada dia entrarão 25 mil novos trabalhadores no mercado de trabalho, e, em todo o mundo, 200 milhões de pessoas estarão desempregadas. Ao mesmo tempo, estima-se que na próxima década haverá escassez de 50 milhões de trabalhadores altamente qualificados. Desafiador, o cenário impõe aos países repensar tanto a educação ofertada como a gestão do mercado de trabalho.

No topo do índice está a Finlândia, que, entre outros aspectos, conta com uma população jovem altamente qualificada, oferece a melhor educação primária e tem a maior taxa de ensino superior completo na faixa de 25 a 54 anos. Logo abaixo vêm Noruega e Suíça. Na quarta posição está o Japão, que se destaca como primeiro colocado nas duas faixas etárias mais altas – entre 55 e 64 anos e maiores de 65 anos. De acordo com o estudo, 19 países aproveitam ao menos 80% do potencial de seu capital humano.

Com o 83.º lugar no índice, o Brasil ficou em pior posição que Uruguai (60.º), Colômbia (64.º), México (65.º), Bolívia (77.º) e Paraguai (82.º). Aparece na frente de Arábia Saudita (87.º) e Venezuela (89.º), por exemplo.

Ao comentar os resultados brasileiros, o relatório destaca o contraste de ser a maior economia da América Latina e ter índices educacionais tão deficientes. O estudo lembra também que, na percepção dos empresários sobre a disponibilidade de mão de obra qualificada, o Brasil ocupa uma das piores posições. Entre as 130 nações, ficou em 114.º lugar nesse quesito.

Quando se olham os resultados por faixa etária, constata-se que o pior resultado brasileiro se dá entre os menores de 15 anos. Nessa faixa, obteve a 100.ª posição. Dessa forma, sem uma significativa mudança na educação básica, os resultados nacionais tendem a piorar ainda mais com o tempo, já que em relação aos outros países o Brasil desenvolve menos as novas gerações que as faixas etárias mais velhas.

O relatório do Fórum Econômico Mundial afirma que, entre os fatores que propiciam a longo prazo o desenvolvimento de uma nação, o capital humano talvez seja o mais importante. Pode-se, portanto, ver o Índice de Capital Humano também como uma comparação do real investimento de cada país em seu futuro.

Sob essa ótica, não surpreende a posição brasileira no ranking. Os anos de lulopetismo no governo federal foram tempos de desperdício de oportunidades, nos quais se viveu – por deliberada opção política – com os olhos atados ao presente. Característico do populismo, tal imediatismo tem um alto preço social. A população brasileira conhece bem essa conta.

Tragédia e omissão

Há nove anos, às 18h50 do dia 17 de julho de 2007, o Airbus-A320 da TAM saiu da pista do aeroporto de Congonhas e explodiu ao colidir com um prédio do outro lado da avenida. Cento e noventa e nove pessoas perderam suas vidas e o Brasil se chocou com a maior tragédia aérea de sua história.

Acidentes ocorrem por falhas humanas e de equipamentos. E as circunstâncias para o voo 3054 eram totalmente desfavoráveis: chovia, a pista estava escorregadia, faltavam ranhuras para produzir mais atrito entre as rodas e o chão e evitar derrapagens.



Havia outros agravantes: 10 meses antes, um acidente envolvendo um Boeing da Gol, escancarou uma crise no sistema aéreo do país que obrigou o Congresso Nacional a criar a CPI do Apagão Aéreo. Houve greve e prisão de controladores de voo, a falta de comando do governo ficou evidente e o despreparo das companhias parece ter se tornado constante.

Na época, dirigentes sindicais, pilotos e comissários declararam que o acidente “não deve e não pode ser visto como uma fatalidade e sim como um resultado do descaso das autoridades, na regulação e na fiscalização do setor aéreo, e da corrida das empresas do setor por redução de custos”.

Lula, então presidente da República, se omitiu e demorou 73 horas para se dirigir a nação e falar sobre o acidente.

Passados nove anos, o que mudou?

É mais do que evidente que não muita coisa. Na época da tragédia do Airbus da TAM, o governo Lula, numa operação de puro marketing, anunciou mundos e fundos. Que seria construído um terceiro aeroporto em São Paulo, que faria expansões e tantas outras medidas. A maioria não saiu do papel.

Nestes nove anos os aeroportos acumularam problemas.

Movido por seu ranço estatista, o governo Dilma Rousseff pouco avançou nas privatizações que poderiam levar à modernização da infraestrutura aeroportuária.

Em qualquer lugar do planeta, os investidores empregam seu capital onde estejam asseguradas duas condições: regras claras e possibilidade de retorno do investimento.

Um dos graves erros do governo Dilma foi querer definir por decreto taxas de retorno nas concessões, além de impor, em muitos casos, um sócio compulsório aos investidores: o Estado. No caso das privatizações dos aeroportos, a Infraero se transformou em sócio incômodo e, para agravar, o governo mudava as regras do jogo a toda hora.

Tudo isso para não falar na falta de investimentos na integração destes aeroportos com um sistema de transportes urbanos confortável, capaz de prestar serviços de qualidade aos brasileiros e aos milhões de turistas que virão ao Brasil para assistir as Olimpíadas.

Com a crise econômica, as turbulências no setor aéreo recrudesceram. Desequilibradas, as empresas aéreas adotaram medidas duras: corte de rotas e de número de voos, revisões e adiamentos da chegada de novos aviões já comprados, demissões e fim de licenças remuneradas a pilotos.

A lista de problemas está longe de chegar ao fim. Após mudanças das normas de inspeção impostas pela Agência Nacional de Aviação Civil-ANAC, nesta terça feira, passageiros foram obrigados a enfrentar filas enormes. Remarcaram voos ou simplesmente perderam suas viagens, principalmente em São Paulo e no Rio de Janeiro.

Caos renovado nos aeroportos brasileiros.

Sem informações, treinamento e o devido aumento de funcionários ou de postos de controle na inspeção, a única recomendação das autoridades foi a de que os passageiros deveriam chegar com mais de duas horas de antecedência de seus voos. E os que seguiram o conselho à risca e madrugaram em Congonhas e no Santos Dumont encontraram balcões vazios, já que o atendimento das companhias aéreas não recebeu as mesmas instruções.

Passados nove anos da tragédia que não podemos, não queremos e nem temos o direito de esquecer, a infraestrutura e os procedimentos para o transporte aéreo de passageiros continuam na pré-história.

É preciso anexar às más lembranças do passado a presidente que tentou dinamitar o futuro

A perda do poder, a deserção dos aliados, a diáspora dos áulicos, o sumiço dos convites e das cerimônias oficiais, a interrupção da farra aérea, os buracos na agenda agora sem serventia, a falta do que fazer no palácio assombrado — esse clima de velório que precede a queda de um governante costuma abalar o mais equilibrado dos estadistas. Era inevitável que a mente nada brilhante de Dilma Rousseff sofresse danos consideráveis, mas ninguém imaginou que o estrago chegaria às dimensões que alcançou.

Só uma cabeça severamente avariada poderia parir o falatório que atribuiu a decretação do impeachment pelo Congresso a uma conspiração urdida por deputados e senadores para submeter o Brasil a uma ditadura parlamentarista — um singularíssimo regime totalitário controlado por parlamentares eleitos diretamente pelo povo. Parece mentira? Pois releiam a sopa de letras que custou a Dilma mais uma internação no Sanatório Geral:
“Por trás desse golpe, tem uma ambição muito forte pelo parlamentarismo. No Brasil, todas as transformações ocorreram pelo voto majoritário para presidente. No voto proporcional, há uma imensa quantidade de filtros, oligarquias regionais, filtros de segmentos que fazem com que, na maioria das vezes, o Parlamento no Brasil seja mais conservador que o Executivo”.
Como constatou o comentário de 1 minuto para o site de VEJA, o palavrório reafirma que Dilma deveria ter sido demitida já no primeiro dia do primeiro mandato, no momento em que abriu a boca para tentar juntar sujeito e predicado. Não pode ser presidente da República quem não sabe falar a língua oficial do país. Tampouco se pode entregar o Brasil a uma incapaz capaz de tudo. Assassinar a História, por exemplo. Ou torturar os fatos com perturbadora selvageria.

Se, como informa um trecho do pronunciamento de hospício, existe “uma ambição muito forte pelo parlamentarismo” por trás dos procedimentos constitucionais que Dilma insiste em chamar de golpe, a declarante está obrigada a identificar os ambiciosos fantasiados de representantes do povo. Eduardo Cunha é carta fora do baralho. Renan Calheiros é um bom companheiro da Assombração do Alvorada. Rodrigo Maia foi apoiado pelo PT no segundo turno da eleição na Câmara. Como FHC foi senador há muito tempo, Dilma acabou de inventar o complô sem comandantes.

Desde a Proclamação da República, o Executivo só não controlou o Legislativo durante os períodos de crise que precipitaram o fim de governos sem sustentação no Congresso. Foi assim com Getúlio em 1954, com Jânio Quadros em 1961, com Fernando Collor em 1982 e com Dilma Rousseff desde o início do segundo mandato. Abstraídas tais exceções — além do Estado Novo e da ditadura militar —, quem sempre deu as cartas no Brasil republicano foi o inquilino do gabinete presidencial.

O presidencialismo imperial vigorou até mesmo entre setembro de 1961, quando o Congresso aprovou a instauração do regime parlamentarista para remover o veto dos chefes militares à posse do vice-presidente João Goulart, e janeiro de 1963, quando um plebiscito devolveu a Jango os poderes desmaiados. Formalmente, o país teve três primeiros-ministros em 17 meses. É até possível que Dilma lembre que um deles foi Tancredo Neves. Perderá dinheiro quem apostar que o neurônio solitário guarda na memória os nomes de Brochado da Rocha e Hermes Lima.

O tedioso velório da mulher condenada pelo povo à morte política é o derradeiro tapa na cara do país que ela quase destruiu. As delinquências que amparam juridicamente o impeachment são quase irrelevantes se confrontadas com as anotações em tons de cinza na alentada folha de desserviços à nação. A pior chefe de governo desde o Descobrimento conseguiu o aparentemente impossível: expandir a herança maldita que Lula legou.

O legado ampliado por Dilma inclui, entre incontáveis abjeções, o aparelhamento da máquina administrativa por liberticidas gatunos, a infestação de ladrões e ineptos disfarçados de ministros, a transformação de amigas quadrilheiras a servidoras da pátria, a entrega da chave do cofre a parceiros fora-da-lei, a inflação sem controle, o mundaréu de obras abandonadas, os 12 milhões de desempregados, a política externa da canalhice, o sistema de saúde em frangalhos, o sistema de ensino reduzido a usina de idiotas com diploma, a economia putrefata, a roubalheira institucionalizada e a agonia da Petrobras devastada pelo maior esquema corrupto de todos os tempos, fora o resto.

Dilma fez o que pôde para desonrar o cargo que ocupou e dinamitar os caminhos do futuro. É preciso abreviar os gemidos da alma penada, e anexá-la o quanto antes às más lembranças do passado.

A violência por toda parte

Qualquer um que leia jornal, ouça rádio ou assista à televisão está, com certeza, apavorado com o aumento da violência no Brasil. Assim como não se passa um dia sem novo desdobramento da operação Lava Jato, também não há instante algum em que não se depare com um caso de violência contra mulheres, furtos, roubos e homicídios, praticados inclusive por menores, ou contra estes. Cresce o tráfico de drogas nas cidades – e não apenas nas grandes.

No curto período em que fui secretária executiva do Ministério do Trabalho e Emprego, no primeiro governo Lula, escutei relato que, à época, me espantou: o então secretário do Trabalho no Rio de Janeiro me confessou sua impotência para desenvolver um programa estadual de primeiro emprego porque a verba de que dispunha significava apenas poder oferecer R$ 150 a um jovem, enquanto o tráfico lhe dava facilmente R$ 1.000.

Leio agora no excelente “Cadernos IHU”, da Unisinos, instigante texto do professor Luis Flávio Sapori, publicado no dia 8 do corrente mês, o qual recomendo a quem se preocupa com o tema. Apenas gostaria de acrescentar, ao que ele aponta, a crítica que muitas pessoas fazem aos governos do PT sobre o fato de que toda a inclusão social promovida se deu pela via do consumo individual, e não pelo provimento de equipamentos sociais.

Todos devem se recordar de Lula, gabola, afirmando que tudo que o operário quer é ter seu carrinho e poder tomar sua cervejinha no fim de semana. Dilma foi pelo mesmo caminho. Hoje, aponta o professor Sapori, até casas do programa Minha Casa, Minha Vida entraram na rota dos traficantes. Equipamentos de uso coletivo, certamente, não produziriam essa consequência nefasta do estímulo ao consumismo que aparece como responsável pelo aumento do tráfico em várias partes do país. O adolescente que quer ter objetos de consumo individual – que vão desde o tênis de marca até eletroeletrônicos, e mesmo carro ou moto – faz do ganho que logra com o tráfico manter-se como usuário de droga e como indivíduo consumista. Então, segundo o professor, não se pode mais afirmar que a violência é fruto apenas da miséria em que vivem as pessoas.

Dá, então, para prever como esse quadro vai se agravar com a aplicação do ajuste fiscal. Acrescente-se a isso a herança maldita das obras das Olimpíadas no Rio, como de resto já vem acontecendo com as inúmeras arenas, padrão Fifa, que a Copa do Mundo de 2014 gerou país afora.

Além disso, causa um impacto grande na cabeça de todo mundo o conhecimento dos milhares de crimes resultantes do entrelaçamento entre empreiteiras (mas não apenas estas) e os políticos. E também não se pode esquecer o lucro exorbitante dos bancos em confronto com o endividamento generalizado das famílias.

No geral, o que se pode constatar é que os tempos andam pesados para todo lado: não apenas o Brasil, mas o mundo inteiro, passa por uma crise moral que só tem precedência em momentos históricos graves: o fim do império ateniense, o fim do Império Romano e as duas guerras mundiais. Como tudo isso dói!

Reformas de mentirinha

Funcionando no Congresso, são 27 partidos. Autorizados a existir, mesmo a título precário, somam 35. Não há quem possa citá-los todos, uns e outros. Mesmo assim, certeza não há de que a cláusula de barreira venha a ser aprovada. Já sofreu duas derrotas, uma no Legislativo, outra no Supremo Tribunal Federal. A redução do número de partidos é unanimidade no país inteiro, mas na hora de aprovar projeto nesse sentido, a maioria pula fora, por solidariedade a quantos seriam punidos pela supressão de suas legendas.

Quando vier, se vier, a reforma política será pífia.

Muito menos para a reforma previdenciária e a reforma trabalhista. A reforma fiscal, só se for para aumentar impostos.

Em suma, não vai mudar nada, em termos de alterações de vulto nas regras do jogo político-partidário. O país seguirá com virtudes e defeitos em sua legislação.

A razão é simples: não são essas as preocupações do cidadão comum, infenso a enxugar gelo. Para acoplar a ação administativa com os anseios nacionais seria preciso escalonar prioridades: combater o desemprego através da criação de frentes públicas de trabalho, por exemplo.

Do que necessitamos é de iniciativas capazes de minorar os efeitos da crise que nos assola. Jamais de perfumarias.
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A primeira sondagem da Datafolha a respeito da próxima sucessão presidencial, divulgada esta semana, revela o Lula na frente, no turno inicial. O companheiro bate, em sucessivos arranjos, Aécio Neves, Marina Silva, José Serra e Geraldo Alckmin, além de outros menos falados. Quando os dois primeiros vão para o segundo turno, o jogo dá empatado.

O que significam esses números? Que por enquanto prevalece a natureza das coisas, em momento algum revelando preferências, mas a simples constatação impossível de ser negada.

Que futuro?

Miran
Quando se considera que o produto do trabalho e das luzes de trinta ou quarenta séculos foi entregar trezentos milhões de homens espalhados pelo globo a cerca de trinta déspotas, a maioria ignorante e imbecil, cada um dos quais é governado por três ou quatro celerados às vezes estúpidos, o que pensar da humanidade e o que dela esperar no futuro?
Sébastien-Roch Nicolas de Chamfort (1740 - 1794)

Consciência de Lula virou latifúndio improdutivo que medo de Moro ocupou

Num instante em que Dilma Rousseff começa a levar seus pertences do Alvorada para o apartamento de Porto Alegre, Lula já não fala em “correr o país” para denunciar o “golpe”. Hoje, a mais aguda preocupação do pajé do PT, seu mais exasperante problema é Sérgio Moro. Lula vive esperando que o juiz da Lava Jato o lace e o recolha à “República de Curitiba”.

A morofobia de Lula levou sua defesa a encenar uma esperteza. Atravessou no caminho do presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski, uma liminar tóxica. Pedia-se na peça que o Supremo retirasse novamente das mãos de Moro os grampos telefônicos que desnudaram conversas vadias de Lula com políticos e autoridades de Brasília. A Corte está em férias. Cabe a Lewandowski responder aos pedidos de Liminar durante o plantão. Nesta segunda-feira (18), ele decidiu não decidir.


O ministro Teori Zavascki, relator da Lava Jato no Supremo, já havia despachado sobre o tema antes do início das férias. Em março, Teori determinara a Moro que enviasse para o STF toda a investigação envolvendo Lula. Mais tarde, em 13 de junho, Teori anulou o grampo que captara uma conversa de Lula com Dilma numa hora em que o próprio Moro já havia determinado o fim das interceptações. No mesmo despacho, Teori devolveu para Curitiba os outros áudios e os processos.

Na petição submetida ao crivo de Lewandowski, os defensores de Lula questionaram novamente o fato de Moro ter divulgado diálogos telefônicos de Lula com autoridades que tinham foro privilegiado na época dos grampos. Alega-se que só o Supremo poderia levantar o sigilo dessas conversas. Nesse diapasão, Moro teria usurpado a competência da Suprema Corte. O que resultaria na anulação dos grampos.

Na prática, o que Lula desejava era fugir da caneta de Moro: “Mostra-se de rigor a concessão da medida liminar para que este Supremo Tribunal Federal avoque, novamente, todos os procedimentos conexos suspendendo-se, por consequência, o curso de tais procedimentos relacionados, bem como de quaisquer outros munidos com o conteúdo das interceptações em tela'', anota a petição.

Lewandowski decidiu: 1) devem ser separados de outras gravações os grampos com conversas entre Lula e autoridades com foro especial, que só podem ser investigadas com autorização do STF. 2) as gravações permanecem sob os cuidados de Sérgio Moro. 3) a petição de Lula será remetida ao gabinete de Teori Zavascki, a quem caberá deliberar depois que o Supremo voltar das férias, em agosto.

Não é nada, não é nada, essa decisão de Lewandowski não é nada mesmo. Chamado a se manifestar, o próprio Moro informara ao STF, na semana passada, que só seriam aproveitados os grampos que tivessem pertinência com as investigações. Ciente das suas limitações, o juiz da Lava Jato acrescentara: “Jamais serão eles utilizados em relação às autoridades com foro por prerrogativa de função, já que quanto a estas, mesmo se os diálogos tiverem eventualmente relevância criminal para elas, caberá eventual decisão ao eminente Ministro Teori Zavascki, ao qual a questão já foi submetida.”

Ao acionar Lewandowski no plantão, Lula e seus advogados foram deselegantes com o presidente do STF. Agiram como pessoas de fabulosa pontaria. E deixaram o ministro em situação vexatória: se concedesse a liminar, Lewandowski açanharia as línguas maledicentes, que diriam que Lula bateu às portas do Supremo em pleno recesso porque já conhecia o resultado do julgamento.

Com sua decisão inócua, Lewandowski saltou do alçapão. Já lhe basta a má repercussão de encontro que manteve com Dilma num hotel em Portugal. Até segunda ordem, os grampos permanecem com Moro. E Lula, ainda na alça de mira da força-tarefa de Curitiba, tem abundantes razões para tremer. Com ou sem grampos, será enviado à grelha. Lula acabará percebendo que uma das graças da democracia é o poder nivelador do medo da Justiça.

Sob o risco de acabar num xilindró, o pobre-diabo e o ex-soberano da República soltam a mesma baba. O caso de Lula diz muito sobre o novo momento que o Brasil atravessa. A consciência de Lula virou uma espécie de latifúndio improdutivo que o medo de Sérgio Moro invadiu.

Outra vez, a falácia petista

Não há como negar: em treze anos, o PT deu uma demonstração inequívoca de que não estava preparado para o exercício do poder. Faltou-lhe substância, traquejo e competência – e sobrou-lhe esperteza malandra e sede pela grana pública. Só as mentes ideologizadas e tacanhas pensam o contrário. (Li, outro dia, que só em Brasília mais de 46 mil pessoas recebiam bolsa-defeso durante o governo Dilma. Será que existem tantos pescadores profissionais em Brasília? Claro que não. Só para comparar: 46 mil habitantes é a população do Leblon, bairro carioca).

Uma das grandes bandeiras do PT, aquela velha e cansativa cantilena da distribuição de renda, aquele papo furado de ter tirado milhões de pessoas da miséria, mostrou-se ser uma falácia, um mero truque estatístico. César Benjamin publicou recentemente um sério estudo sobre o assunto – um estudo que demonstra que nada mudou. O Brasil segue sendo um dos países de renda mais concentrada do planeta. O estudo de César Benjamin foi publicado no Boletim de Conjuntura Brasil nº 4, junho de 2016, órgão da Fundação João Mangabeira. (Lembro que um sujeito me mandou uma mensagem, na qual não só me espinafrava como me assegurava que Lula e Dilma tinham elevado mais de 100 milhões de brasileiros à classe média. Como eu podia ser contra isso? – indagava-me a criatura).


Houve no Brasil um fenômeno muito particular: facilitação de crédito e estímulos governamentais à aquisição de automóveis e bens domésticos, como geladeiras, fogões e máquinas de lavar, o que fomentou a ilusão de vivíamos num mundo de maravilhas. As famílias, hoje, estão endividadas, 60% delas com nomes sujos no Serasa, afora o desemprego que atinge 12 milhões de pessoas. O governo Dilma, em particular, foi um horror: desonerações absurdas, incapacidade de dialogar, inclusive com aliados. Um horror.

O ideal da casa própria (Minha Casa Minha Vida) mostrou-se ser outra falácia. As casas são de péssima qualidade, sem rede de esgoto, em alguns lugares a milícia tomou conta e, pior, o número de casas construídas sequer atingiu 10% do que estava inicialmente previsto. Reforma agrária? Neca. Reforma política? Neca. Reforma tributária? Neca. Não quero ser debochado, mas o que se aproveitou da Dilma foram seus impagáveis discursos, seus elogios à mandioca, ao vento estocado, à mulher sapiens e à descoberta de que atrás de uma criança vem sempre um cachorro.

Tenho certeza de uma coisa: um levantamento criterioso mostraria que os treze anos de PT somou o maior número de obras inacabadas, inúteis (ou de utilidade duvidosa) e caras – cujos custos foram reajustados sistematicamente, pois as exigências das propinas atingiram níveis inacreditáveis – a companheirada era insaciável. Já se sabe, hoje, com todas as certezas possíveis, que os estádios da Copa foram superfaturados e que, como foi falado na época em que estavam sendo construídos, transformaram-se em elefantes brancos. O mesmo se aguarda das obras das Olimpíadas.

Repito o que já escrevi: nada tenho a favor do Temer. Quem o escolheu para vice de Dilma – ou foi a própria ou o PT. Se Dilma tivesse um enfarte fulminante, ele seria o presidente. Ela fez besteiras, caiu na malha fina da Constituição que prevê o impeachment do presidente em caso de crimes de responsabilidade, que ela os cometeu à farta, certa de que ficaria impune. Dilma não quis, nem soube perceber o que as ruas, desde junho 2013, diziam. Lascou-se. Temer assumiu, ainda provisoriamente (até agosto), em razão de um preceito constitucional. Ponto. (No passado, eu quis eleger o Brizola, que era um estadista. O povo preferiu Collor, Fernando Henrique, Lula e Dilma. Paciência. Consola-me o fato de que não votei em nenhum deles).

Para concluir, repito o que escrevi recentemente neste espaço: há, hoje, no Brasil 12 milhões de desempregados. Vamos dizer que a metade desse contingente tenha família: isto perfaz algo em torno de 30 milhões de pessoas afetadas, aos quais temos que somar a outra metade de seis milhões. Ou seja, o desempregado de 12 milhões atinge cerca de 36 milhões de pessoas. Este, no julgamento do Velhote do Penedo, é a questão essencial a ser enfrentada.

A ciência da insignificância

Até o século 20, o ser humano era a figura central do Universo, orgulhoso por ignorância, arrogante por herança mítica, grande por pequenez. Julgávamo-nos razão bastante para a existência de tudo que nos cerca, críamos mesmo que podíamos usar e abusar do planeta, talhado sob medida divina para nossas necessidades, fonte eterna de água, comida e materiais. A lenda sucumbiu à realidade. De queda em queda ao longo das últimas décadas, assumimos condição periférica, desprovidos de privilégios, sem pai nem mãe, sujeitos a limitações cada vez mais iminentes. Ante a imensidão desvelada, viramos nada.


Quem nos pulverizou de tal maneira? Os principais responsáveis foram os físicos. Eles forjaram nossa nulidade. Moldaram nosso pensamento, destruíram a objetividade absoluta com a introdução do observador, assombraram-nos com novas interpretações da realidade, trouxeram medo com a fissão e a fusão atômicas. Mais que quaisquer outros profissionais, ampliaram as fronteiras do que conhecemos ou julgamos conhecer. Mergulharam no infinitamente pequeno, diluíram a matéria em flutuações adimensionais, inquiriram o infinitamente grande, construíram uma ponte quântica entre os extremos, descobriram a expansão do Universo, postularam começo e fim para os átomos, descreveram dezenas de fenômenos e partículas que teriam ocorrido durante o primeiro nanossegundo cosmológico, sucumbiram ante a matéria e a energia escura que tudo envolvem e ainda não se revelam. O Big Bang, hipótese de trabalho com várias lacunas, frequenta nossa mesa tanto quanto um espaguete ao molho de tomate.

Os físicos também nos legaram a palavra do século: relatividade. Embora herdada do pai dos cientistas modernos, Galileu Galilei, a relatividade nos arrebatou após o trabalho de Einstein. Não conheço outra com tamanha influência, nem em Darwin, autor da teoria da evolução, nem em Freud, grande divulgador de neologismos. Da antropologia à arte, da política à filosofia, mesmo no humor, tudo ficou relativo. Einstein, passado um século desde a Relatividade Geral, ainda nos arranca admiração e espanto. Graças à singeleza de suas equações, a física perdeu o hermetismo e ocupou o espaço das ideias. Ganhamos novo paradigma.

Diante de tamanha abertura para o Cosmo, o grande e o pequeno Cosmo, ganhamos alguma sabedoria, mas perdemos o orgulho de senhores do Universo. Embora continuemos os mesmos, com nossas carências de ar, água, comida, amor e curiosidade, paradoxalmente nossa mente cresceu enquanto perdíamos o status de senhores da criação. Hoje nos encantamos com nossa insignificância diante de um Universo que ultrapassa a imaginação. O importante é que o encantamento persiste.

O Porto Maravilha do Rio é negro


Desembarque de escravos no Cais do Valongo, J.M. Rugendas (1835)
O Porto Maravilha esconde saberes fundamentais à costura do passado do Rio de Janeiro. Para juntar os pedaços de tecido naquela área, é necessário, primeiramente, saber onde se pisa. Em 1° de março de 2011, as obras do projeto de renovação do território portuário deixaram de ser somente um conceito moderno, que olha para o futuro. Naquele dia, por força de lei, uma equipe do Museu Nacional acompanhava as intervenções de drenagem no subsolo por escavadeiras das empreiteiras que constroem o arrojado empreendimento. Os arqueólogos já sabiam o que estava por vir à superfície da rua Barão de Tefé: o Cais do Valongo, onde centenas de milhares de escravos aportaram a partir do século 18, sobre o calçamento de pé de moleque – técnica construtiva do Brasil Colônia, com pedras arredondadas de rios acomodadas sobre a terra batida. Os seixos irregulares estavam sob outra camada, mais à moda do Brasil Império, com conjuntos de blocos de granitos empilhados para receber, em 1843, a imperatriz Teresa Cristina, então futura esposa de dom Pedro 2º. Por cima desse revestimento, havia ainda o aterro planejado pelo prefeito Pereira Passos no início do século 20, que pôs um fim à memória do passado imperial. E escondeu também o originário holocausto brasileiro.

O Cais do Valongo foi o maior porto negreiro das Américas e, segundo o historiador Manolo Florentino, esteve em atividade nas últimas décadas do século 18 até final de 1830, ocupando uma área entre os bairros da Gamboa, da Saúde e do Santo Cristo. Nele desembarcaram mais de 700.000 escravos, vindos, sobretudo, do Congo e de Angola – pode-se dizer que o Valongo foi o ponto de convergência de 7% de todos os cerca de 10,7 milhões de escravos traficados às terras do Novo Mundo. Pelo menos mais 700 mil foram traficados para outros pontos do litoral do Estado do Rio de Janeiro.

A capital, naquela época, era umas das cidades mais negras do mundo colonial. E o trecho mais agitado por essa migração compulsória era a rua do Valongo, atualmente rua Camerino. Sobre ela, como mencionado no livro 1808, do jornalista Laurentino Gomes, a viajante inglesa Maria Graham, amiga da imperatriz Leopoldina, escreveu em seu diário: “Vi hoje o Valongo. É o mercado de escravos do Rio. Quase todas as casas desta longuíssima rua são um depósito de escravos. Passando pelas suas portas à noite, vi na maior parte delas bancos colocados rente às paredes, nos quais filas de jovens criaturas estavam sentadas, com as cabeças raspadas, os corpos macilentos, tendo na pele sinais de sarna recente. Em alguns lugares, as pobres criaturas jazem sobre tapetes, evidentemente muito fracos para sentarem-se”.

Até as escavações, realizadas em 2011, o Cais do Valongo estava literalmente soterrado na memória dos cariocas. Por isso, a reportagem da Pública tentou averiguar como a cidade está lidando, cinco anos depois, com seu passado em meio ao processo de revitalização do porto, fundado num tempo em que pessoas se achavam superiores a outras a ponto de escravizá-las.

Para o pesquisador Rogério Jordão, cuja tese de doutorado discorreu sobre o próprio Cais do Valongo, a prefeitura se comporta de maneira paradoxal ao cuidar da memória da sofrida e pulsante Pequena África, como o artista e compositor Heitor dos Prazeres chamou aquela área no início do século 20. “É como se a prefeitura praticasse uma estranha dinâmica de lembrar esquecendo-se”, diz Jordão. Para ilustrar sua provocação, o pesquisador aponta para o Museu de Arte do Rio e Museu do Amanhã – este construído com investimento de R$ 215 milhões – ambos administrados pela Fundação Roberto Marinho e considerados símbolos do Projeto Porto Maravilha. “Estes dois museus começaram a ser construídos no mesmo período [da redescoberta do Cais do Valongo] e já estão em pleno funcionamento, enquanto os milhares de objetos de matriz africana encontrados nas obras [de escavação] ainda não estão disponíveis ao público”. São peças de barro, seguis [uma espécie de conta], monjolos, búzios, louças quebradas, ocutá [pedra que atrai o Orixá], como descreve Jordão em sua tese.

A prefeitura chegou a anunciar um projeto cujo nome seria Laboratório Aberto de Arqueologia, a ser inaugurado até o fim de 2015, bem antes da Olimpíada… A ideia era que o público acompanhasse in loco o processo de recuperação das peças. Mas até agora o projeto não saiu do papel.

Hoje o destino desses achados arqueológicos é conhecido por poucos. Eles estão no Galpão da Gamboa, no sopé do morro da Providência e bem próximo à Cidade do Samba, no centro. Segundo a assessoria de imprensa da prefeitura, os objetos já foram todos catalogados e estão embalados em contêineres.