quinta-feira, 14 de julho de 2016


Dilma na nuvem

Vamos sentir saudades dela. Onde encontraremos outra tão deliciosamente inepta, magnificamente irresponsável e esplendidamente à vontade no seu sesquipedal despreparo? Ninguém se lhe compara na firmeza com que exerce seu desconhecimento sobre a lógica ou a aritmética mais simples. Ninguém a supera na arte de dizer sandices e, ao corrigir-se, dobrar a meta e dizer mais sandices. E ninguém faz isto num português tão tosco, singelo e de quinta. Refiro-me, claro, à ex-presidente Dilma Rousseff.

Depois de nos brindar com enunciados inesquecíveis sobre a mandioca, o vento estocado, a mulher sapiens, as pastas de dente que insistem em escapar do dentifrício e o meio ambiente como uma ameaça ao desenvolvimento sustentável, temia-se que seu afastamento nos privasse de novas contribuições ao nonsense. Mas Dilma não falha — é só colocar-se ao alcance de um microfone.

Sua última façanha está na internet e é facilmente acessível basta digitar "Dilma" e "nuvem". Ao saber outro dia que as acusações contra ela estão na "nuvem" — uma nova forma de armazenamento incorpóreo e universal de arquivos –, soltou os cachorros em entrevista a um canal de televisão.

"Pois bem", rugiu. "Inventam uma história fantástica. Que tá na nuvem. É. Tá na nuvem. Sei lá que nuvem. Sabe, eu não entendi muito bem essa história de nuvem. Tô aqui tentando apurar direitinho. Como é que uma coisa pode estar na nuvem? É muito simples estar na nuvem, não tem de provar. Que nuvem? Onde está a prova?"

A Dilma tá certa. Essa história de nuvem é mais uma tentativa de golpe contra uma mulher honesta, que fez o diabo para se eleger, digo, sofreu o diabo na ditadura. Quero ver provar. Mas o José Eduardo Cardozo [seu ministro de estimação, advogado e porta-voz] já está vendo isso. Ele vai desmoralizar essa nuvem.

Boulos quer esquerdas nas ruas em 31 de julho, mesmo dia de protesto pró-impeachment

Na condição de defensor do impeachment de Dilma, de critico severo das esquerdas, de apoiador de uma agenda liberal, de entusiasta das privatizações, quero aqui fazer um agradecimento público a Guilherme Boulos, o chefão do MTST.

Mais do que isso! Anuncio: “Estamos juntos, companheiro! Conto com você para levar às ruas milhares de pessoas que pensam como eu. Sem a inestimável colaboração das esquerdas e sua contribuição milionária — ou melhor: bilionária — para todos os erros, não teríamos ido tão longe. Não fossem vocês, é pouco provável que conseguíssemos nos livrar de Eduardo Cunha e Dilma Rousseff a um só tempo”.

Por que isso tudo? Já explico. Antes, algumas considerações.

Grupos que fizeram a defesa do impeachment de Dilma — como MBL (Movimento Brasil Livre), Vem Pra Rua e Nas Ruas — marcaram um protesto, que eu diria propositivo, para o dia 31 de julho, que é, como de hábito com gente ocupada, um domingo.

Chamo de protesto propositivo porque, com efeito, estarão nas ruas para reforçar o seu apoio ao impeachment, mas também para apresentar reivindicações ao governo Temer. O MBL quer, entre outras coisas, que o Planalto encampe a defesa do fim do foro especial por prerrogativa de função — tese que não aprovo, diga-se —, a privatização dos Correios e da Petrobras e a expulsão da Venezuela do Mercosul. Apoio e aplaudo.

O Vem Pra Rua vai marchar em defesa da Lava-Jato e em apoio às 10 Medidas Contra a Corrupção propostas pelo Ministério Público — noto: algumas são boas; outras são fascistoides. Mas não entro agora no mérito das minhas divergências com os movimentos.

O fato é que eles são, sim, defensores do impeachment e de sua legalidade e legitimidade. Vão às ruas para deixar claro ao Senado que estão vigilantes — afinal, sabem que não é tarefa trivial conquistar ali pelos menos 54 votos —, mas também cobrar avanços na agenda que saiu vitoriosa nas ruas — já que Dilma destruiu aquela que venceu nas urnas.

É claro que as ruas estão um tantinho frias, não é? Vivemos um mês de férias escolares. Poucos acreditam que Dilma possa voltar, e o governo Temer, dada a sua natureza, não é do tipo estridente, que convoca manifestações passionais — nem contrárias, é bom notar.

Eu estava até um pouco temeroso, sabem?, de que a manifestação pudesse ser meio acanhada, a despeito do esforço valoroso desses grupos. Mas tudo mudou.

Fico sabendo que Gilherme Boulos e seus amiguinhos de esquerda decidiram, ora vejam!, do alto de sua conhecida irresponsabilidade, convocar uma manifestação para o mesmo dia 31. Lembrando seus tempos de burguesinho birrento, preferido das tias, Boulos raciocina: “Ninguém é dono da rua. Nós temos direito de manifestação e vamos exercê-lo. Espero que a polícia nos trate da mesma forma que trata a turma de verde e amarelo na Paulista”.

É uma provocação barata. A manifestação dos movimentos pró-impeachment está marcada há mais de um mês. O Senado julgará Dilma no fim de agosto. Se Boulos agora decidiu dar tarefa a seus desocupados também num domingo — as esquerdas costumam protestar só em dias úteis, para infernizar a vida de terceiros —, há outros a escolher no calendário.

É claro que coisas assim são desaconselháveis. O protesto contra Dilma e em favor de uma pauta para o governo Temer está marcado para a Paulista. As esquerdas pretendem se encontrar no Largo da Batata, subir a Rebouças e descer a Consolação, passando a poucos metros de distância de sus antípodas. Mais: é grande a chance de grupos de um lado e de outro cruzarem suas bandeiras em ônibus e metrôs.

Esquerdistas são treinados em arruaça e em confronto. A conversa mole de Lula de que se deve abordar um “coxinha”, como ele disse, com carinho é pura ironia troglodita. Ele sabe que as coisas não funcionam desse modo. Se os militantes de Boulos não obtiverem autorização para subir a Rebouças e descer a Consolação, as forças de Segurança do Estado estarão apenas cumprindo o seu dever. São Paulo não é o gramado do Congresso.

Mas esperem: este era e continua a ser um texto de agradecimento a Boulos. Faltava um elemento a mais que pudesse dar ânimo aos militantes pró-impeachment. Agora já temos. Esse rapaz vem nos lembrar de que “os urubus continuam passeando entre os girassóis”. E que é mais necessário do que nunca combatê-los e vencê-los.

Dentro da lei e em ordem. Uma defesa que eles, obviamente, não podem fazer porque isso é coisa de coxinha. Felizmente!

Ah, sim: Kim Kataguiri, um dos coordenadores do MBL, explica à Folha a natureza do dia 31: “Nossas manifestações, de nenhuma maneira, foram uma espécie de ‘Vai lá, Temer, tome o poder’. O Temer é uma consequência constitucional [do processo de impeachment]. O ato será para pressionar por reforma”.

É isso. Sem pressão, amiguinhos, não acontece nada!

Marxismo no direito e a nossa insegurança

Você provavelmente se criou assumindo como verdadeiras algumas premissas, entre as quais a de que pagamos impostos para que o Estado nos proporcione serviços, ou a de que os poderes de Estado priorizam o interesse público.

O tempo e a vida lhe ensinaram, contudo, que há grande distância entre tais premissas e a realidade. No mundo dos fatos, é para manter o Estado que pagamos impostos. A prioridade número um dele é cuidar de si mesmo. E a preocupação maior dos poderes de Estado é com sua manutenção e com a qualidade de vida de seus membros.

Desnecessário provar o que afirmo. Prefiro dar um passo além e desnudar outro mal que se instalou no Estado brasileiro e mais intensamente no nosso Direito. Refiro-me a uma visão marxista da criminologia, dita criminologia crítica. Ela vê o ato criminoso como consequência da estrutura de dominação e como reflexo de uma luta de classes da qual a própria lei penal é instrumento. A criminalização de condutas seria, então, a forma pela qual o grupo social superior sanciona e reprime certas ações do grupo social inferior. Dito isso, você começa a entender, por exemplo, a origem do uso permanente que as esquerdas fazem do verbo "criminalizar" quando se referem aos repúdios à invasão e à destruição de bens públicos e privados: "Vocês estão criminalizando os movimentos sociais!". Confere?

Pode não parecer muito (quando o bem agredido não nos pertence), mas se trata de algo com seriíssimos reflexos na criminalidade, na ordem pública e na nossa segurança pessoal. Quando estas ideias saem dos livros, descem com canudo na mão as escadarias das universidades e ganham vida nos tribunais e nos parlamentos, nossa segurança pessoal começa a perder a tutela do Estado e de suas instituições. Perde-a, pela convicção ideológica dos mais altos níveis institucionais. E perde-a, nos níveis inferiores, pela total incapacidade de corresponder à demanda social. Faltam vagas nos estabelecimentos penais e são insuficientíssimos os contingentes policiais. A estes, falta verba, viatura, armamento e munição. E ainda caem impiedosas sobre seus ombros acusações de brutalidade, preconceito, despreparo e cobranças incompatíveis com o cotidiano de quem ganha o pão com o sangue, a saúde, o medo e a vida.

Como o leitor destas linhas deve ter percebido, a questão que aqui abordo tem tudo a ver com seu dia a dia! Parte significativa da insegurança em que todos vivemos decorre dessa insidiosa penetração do marxismo no nosso Direito e na nossa Política. E ainda temos que assistir os defensores dessa ideologia em orgulhosa contemplação de si mesmos e de sua virtuosa benignidade para com os malfeitores que nos atacam...

Não haverá policiamento suficiente enquanto os mesmos criminosos, ainda que presos incontáveis vezes, continuarem retornando às ruas pelas mãos gentis do Estado. Nem enquanto a regra for a de prender pelo menor tempo possível. Quem disse que o sistema penal deve que ser um carrossel sem fim, com mais gente fora do que dentro? A mesma mão que nos escorcha nos tributos estende a sua para quem nos toma a vida e o patrimônio. Por quê? Porque escolheram inverter os polos, fazendo de cada um de nós os verdadeiros autores do suposto ato criminal, culposo ou doloso, de não vivermos e não querermos viver numa sociedade socialista. Como se não nos bastassem os exemplos bem próximos da Venezuela e de Cuba!

Pequenas mentiras

A deputada inglesa Andrea Leadsom abandonou a disputa pela chefia do governo do Reino Unido porque foi desmascarada ao apresentar um currículo “exagerado”. Não foi só por isso, claro, mas a imprensa e seus colegas do Partido Conservador bateram nesse ponto: como uma candidata a primeira-ministra pode tentar alterar sua biografia para se valorizar? O ato foi considerado uma falha moral e um erro de estratégia política.

Se estivesse disputando algum cargo no Brasil, não teria que se preocupar com isso. Dilma Rousseff fez pior. Foi apanhada pela imprensa em 2009 com um currículo falso, apresentou umas desculpas esfarrapadas e seguiu em frente. Nem seus adversários bateram nesse ponto.

Na política brasileira, desvios de conduta e falhas morais não são consideradas. Os políticos não renunciam nem quando apanhados com contas secretas, por que iriam se preocupar com “mentirinhas”?

Reparem na diferença: Andrea Leadsom, que concorria com Theresa May pelo cargo de primeira-ministra, disse em entrevistas que havia dirigido negócios financeiros por 25 anos. Seu currículo oficial a apresentava como diretora de duas instituições financeiras.

Os jornalistas checaram e, bem, era diferente. Ela havia trabalhado em instituições financeiras, mas em funções secundárias e não ligadas diretamente à gestão dos investimentos. Também não havia sido diretora, mas vice-diretora, como admitiu — e numa área não financeira, entre muitas outras vices, como descobriu a imprensa.

Sua capacidade de liderar o país já estava em xeque — e ela certamente perderia a disputa para Theresa May se fosse bater voto. Mas aquela falha liquidou sua candidatura. E mais outra declaração: que seria melhor primeira-ministra porque era mãe. Depois pediu desculpas a May, mas já era fim de caminho.

Pensaram nas declarações sem sentido da presidente Dilma? Pois tem mais: em 2009, então ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, já escolhida candidata pelo presidente Lula, ainda mantinha no seu currículo oficial, registrado no site do governo, que era mestre em Teoria Econômica e doutoranda em Economia Monetária pela Unicamp. Na Plataforma Lattes, base oficial de dados de currículos na área acadêmica, constava até o nome da tese de mestrado, a data de obtenção do título (1979) e o nome do orientador.

Tudo falso, como apurou primeiramente a revista “Piauí” e depois O GLOBO. Não havia tese nenhuma, nem curso de mestrado ou doutorado concluídos. Dilma apenas frequentara aulas no doutorado.

Como se explicou?

Disse que não fazia a menor ideia de quem havia colocado os dados na Plataforma Lattes. Desculpa esfarrapada: só a própria pessoa tem os documentos e senhas para mexer no seu currículo. Pode passá-los para alguém, mas aí sabe ou tem a obrigação de saber o que a outra pessoa está fazendo.

E no site da Casa Civil? Outro pequeno equívoco que mandou corrigir.

Como não percebeu os “erros” durante tanto tempo? Estava trabalhando pelo Brasil — aliás, Dilma disse que não pôde apresentar teses justamente porque estava trabalhando. Mas quando, em entrevistas, era apresentada como mestre, ela não corrigia.

E ficou por isso mesmo. Parece que estava dizendo algo do tipo: Qual é? Vão criar caso por uma bobagem?

O deputado Eduardo Cunha vai perder o mandato — quer dizer, pode perder o mandato, nunca se sabe — por uma mentira. Ele disse, oficialmente, em comissão da Câmara, que não tinha contas no exterior. Quando apareceram as contas, veio com essa desculpa de que as contas não estavam em nome dele, mas de trusts, um tipo de operação financeira. Que fosse ele o beneficiário do trust, portanto, o “beneficiário” do dinheiro, não quer dizer nada, diz o deputado até hoje.

Não faz o menor sentido, mas virou um caso complicado, muitos políticos concordam com Cunha, dizem que não se pode cassar um mandato por um deslize menor — e a Câmara e o Supremo Tribunal Federal gastam tempo, energia e dinheiro com essa história.

Dizem por aqui que política é a mesma farra em qualquer país. Não é.

Na Inglaterra, não se diz que a deputada Leadsom cometeu um pequeno deslize. Diz-se que se ela mente no currículo, o quanto não mentiria no governo? Se ela apresenta um currículo falso — algo de sua inteira responsabilidade — o que mais pode fazer?

E por falar em casos acadêmicos: em 2011, o ministro da Defesa da Alemanha, Karl-Theodor zu Guttenberg, renunciou ao cargo porque foi apanhado em um plágio na sua tese de doutorado. Ele tinha 39 anos, era o mais promissor político do momento. O tal “erro”, como ele admitiu, havia sido cometido 15 anos antes, quando ele nem pensava em política.

Pediu desculpas e saiu. A universidade cassou o seu título.

Pois é, pensaram assim: se o cara começa roubando no doutorado, imaginem o que mais pode fazer.

Carlos Alberto Sardenberg

Por trás da sombra dos postes

Pode a muitos parecer trivial, sem lá qualquer importância, mas a nova ciclovia do Recreio, na Zona Oeste do Rio, nem inaugurada, contar com quatro postes seguidos ocupando quase uma faixa inteira da pista destinada aos ciclistas não é coisa de amador. Nem muito menos o "conserto" de refazer a obra para desviar a pistas dos postes que estavam onde não deveriam estar.

A obra e o jeitinho da Prefeitura são dessas aberrações brasileiras do descaso com a população e com o dinheiro público. A colocação de postes onde não deveriam estar também não é caso recente nem muito menos descuido de empreiteira. É delito administrativo como inúmeros que diariamente são perpetrados por governos mais interessados no visual e no resultado eleitoreiro.

Governo sério põe os postes em local certo e há legislação até mesmo para sua instalação. Quando há "descuidos" como esse no Rio há que se penalizar os culpados. E incrícel, lá fora, é que são punidos. País que se deseja sério, principalmente governos e administradores, deve se dar o respeito às normas.

As anomalias de obras no Brasil é bem o reflexo do descaso com a coisa pública. Se foram postes mal instalados, amanhã serão hospitais sem condições, escolas de lata e em prédios inadequados, "postes" governamentais incapazes, como os de triste memória no Planalto e em São Paulo, e de cambulhada irá o país descendo a ladeira sempre pagando caro pelos "consertos". E há uma lista infindável de acertos caríssimos por fazer.

É bom prestar atenção nos postes. Se no passado muitos batiam, descuidados, com a cabeça no poste; hoje são os postes com que nos batem na cabeça.

Criminologia

A cada ano, os pesticidas químicos matam pelo menos três milhões de camponeses.
A cada dia, os acidentes de trabalho matam pelo menos dez mil trabalhadores.
A cada minuto, a miséria mata pelo menos dez crianças.
 
Esses crimes não aparecem nos noticiários. São, como as guerras, atos normais de canibalismo.
Os criminosos andam soltos. As prisões não foram feitas para os que estripam multidões. A construção de prisões é o plano de habitação que os pobres merecem.
Há mais de dois séculos, se perguntava Thomas Paine:
"Por que será que é tão raro que enforquem alguém que não seja pobre?"
Texas, século XXI: a última ceia delata a clientela do patíbulo. Ninguém pede lagosta ou filé mignon, embora esses pratos apareçam no menu de despedida. Os condenados preferem dizer adeus ao mundo comendo hambúrguer e batata frita, como de costume.Eduardo Galeano 

Nada além da pasmaceira

Outubro está chegando, em especial o seu primeiro domingo. Nesse dia, o país escolherá seus prefeitos e vereadores para os próximos quatro anos. Com ênfase especial para as prefeituras das capitais. Alguns concorrerão a um segundo mandato, por conta da reeleição. Outros, em nome da renovação.

A dois meses e meio da decisão referente à mais importante iniciativa política de todo cidadão – manifestar-se sobre sua vida diária – não se vê uma participação sequer. É bom não esquecer o que dizia o dr. Ulysses: “Ninguém mora na nação, nem no estado. Mora-se no município.”


Em função da crise atual e seus desdobramentos, desde a falência das instituições até o festival de roubalheira que assola o país, não se vê uma só referência ou preocupação do eleitor para com as eleições municipais. Nem no interior, nos grotões, nem nas capitais maiores ou menores.

Os partidos, postos em confusão, sequer tentam sensibilizar suas bases. Desde o escândalo das empreiteiras que a fonte secou, dinheiro não sairá para amealhar votos em troca de favores. A lei de doações ficou mais rígida e a distribuição desenfreada de recursos tornou-se tão cara quanto perigosa. Pode dar cadeia.

Entre os mais de 5.600 prefeitos que serão eleitos ou permanecerão nos postos, haverá gente nova. Líderes capazes de surpreender pelas performances ou de frustrar, como rotina. O diabo é que até agora parecem inexistir. Não se fala de nenhum. Muito menos movimentos políticos em condições de despertar entusiasmo ou ânimo.

Se é assim que se inicia a renovação tão ansiada, começamos mal, sem nenhuma evidência de recuperação. Nem o cidadão comum acorda para sua participação nos próprios destinos, nem os candidatos se animam a prometer nada além da pasmaceira.

O mutirão de limpeza

Algo muito grave está acontecendo na UERJ, um verdadeiro escândalo, ainda que situações tão ou mais sérias também ocorram por todas as instituições de ensino público. Vamos aos fatos: soube por intermédio de amigos da minha irmã (bióloga, pesquisadora e professora nos EUA) que no campus do Maracanã, no prédio conhecido como “Haroldinho”, professores e alunos se uniram em mutirão para fazer limpeza. Faxina geral: varredura das folhas nas ruas e calçadas; higienização de salas, corredores e até mesmo dos banheiros. De acordo com as informações, cerca de 500 funcionários da terceirizada que fariam o serviço, sem salário há meses, foram demitidos pelo fato de a empresa não receber os repasses. E novo contrato se arrasta pela burocracia ou por falta de interessados (o que não seria surpresa).

Mesmo reconhecendo o louvor da iniciativa, ela tem o poder de um analgésico para tratar o câncer. Depois do mutirão, por alguns dias, alunos, mestre e funcionários ganham a sensação de que a normalidade está restaurada, há prazer em andar pelo campus, o ânimo é outro. Dificilmente, porém, a ordem se restabelece antes de o caos retornar. Os que colocaram a mão nos baldes e vassouras não têm o poder de mudar o quadro, e a limpeza se transforma no que sempre foi: um grito de alerta.

Natural seria os mestres reivindicando novas verbas para pesquisa, cooperação com instituições estrangeiras, fomento à inovação, laboratórios cada vez mais equipados. Estudantes, igualmente, cerrariam fileiras por qualificação do corpo docente, bolsas de estudos aos mais promissores, intercâmbio. Quando rogam por papel higiênico, salas limpas e calçadas varridas, vislumbram a distância entre o ideal e o possível. E se desesperam.


Na raiva, chego a imaginar escalarmos Governador, Secretários de Estado, Reitor e Diretores dos institutos para limpar os banheiros. Ah, que delícia! Com isso, aposto que eles dariam um jeito na falta de faxina rapidinho. Mas ninguém, muito menos eu, quer equipe de limpeza tão cara como estes nobres senhores e senhoras custam ao povo. O justo – o mínimo? – é esperarmos dos administradores competência e honestidade. Honradez, decência, comprometimento. Vergonha.

Caríssimos mestres e alunos da UERJ e de outras universidades públicas, parabéns pela iniciativa e resistência. Deposito aqui minha solidariedade. Agora, atenção: há muita sujeira escapando da vista, na espera de outra espécie de lavagem.

Rubem Penz

Política e futebol em tempos de mudança

Política e futebol no Brasil apresentam semelhanças. Vivem ciclos dramáticos de sucesso retumbante e decepções profundas. Para não ir muito longe na história, busco alguns exemplos. Em 1993, perdemos para a Bolívia para, no ano seguinte, nos sagrarmos campeões mundiais. Em 2001, perdemos para Honduras para, igualmente, no ano seguinte, sairmos campeões mundiais.

Na política, saímos do impeachment de Fernando Collor para a era FHC. Em 2002, com o mercado financeiro aterrorizado pela perspectiva de Lula chegar ao poder, saímos da crise para um ciclo de prosperidade que durou até 2011. Hoje, tanto no futebol quanto na política vivemos tempos de transformação.

O Brasil dos últimos tempos assistiu à destruição de nosso modelo político e de nosso modelo de futebol. A derrota humilhante para a Alemanha em 2014 decretou a morte do nosso modelo futebolístico. Não conseguimos organizar nossos talentos nem tivemos jogadores com entranhas para liderar a seleção como fez agora, de forma magistral, Cristiano Ronaldo.


Tampouco nossos atletas mostraram a garra que a diminuta Islândia mostrou na Eurocopa. A Islândia, com seus 100 jogadores profissionais – algo compatível com a população de profissionais do futebol de Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro –, fez o que deixamos de fazer há tempos: enfrentou os desafios com coragem e entrega.

Ganhar nem sempre é possível, mas lutar até o fim com dignidade é o mínimo que se espera frente ao passado glorioso do Brasil no futebol. A derrota para a Alemanha mostrou a morte do modelo, mas não o seu enterro. O modelo ficou insepulto nas mãos do técnico Dunga, que tinha mais arranco e grosseria que liderança. Tal como nossa presidente afastada, Dilma Rousseff, que, igualmente, tem arranco e grosseria e zero de liderança.

A Operação Lava-Jato e o descalabro fiscal e administrativo promovido por Dilma decretaram a morte do modelo econômico brasileiro. Jogaram ao lixo uma situação fiscal cômoda. Incharam a máquina pública com inúteis e aproveitadores. Queimaram recursos em projetos infrutíferos. Uma grotesca incompetência política impediu que a absurda supremacia do Executivo se impusesse sobre um Legislativo omisso e clientelista.

No futebol, temos agora a chegada de Tite. Na política, temos a chegada de Temer. Curiosamente, substituem Dunga e Dilma. Coincidentemente, Temer e Tite se parecem, assim como Dilma e Dunga. Temer e Tite são líderes comprovados. Possuem experiência e habilidades típicas de grandes líderes. São, nesse sentido, absolutamente superiores a seus antecessores.

Enquanto Dunga e Dilma tentavam impor uma liderança forçada, Temer e Tite trabalham cooptando apoios e criando uma liderança naturalmente sugerida. Os modelos de gestão também são parecidos. Tite organizou um sistema tático compacto e de toques, com uso de jogadores técnicos. Dunga centralizou em Neymar suas responsabilidades, assim como fizera Felipão. Com Dunga, não éramos nada sem Neymar. Já Tite, aposta no conjunto. Temer também. Seu ministério é mais compacto, tem um capitão, Eliseu Padilha, e quatro ou cinco subcapitães: Henrique Meirelles, José Serra, Moreira Franco, entre outros. Dilma centralizava o poder.

O que esperar dos novos tempos no futebol e na política? A recuperação será lenta e dolorida, porém, sem dúvida, os comandantes de hoje tem melhores condições do que os anteriores para lidar com suas respectivas heranças malditas. Dilma e Dunga nunca conseguiram organizar um time. Temer, com poucos minutos de jogo e na interinidade, já mostrou um governo em movimento. Esperamos que Tite faça o mesmo.

Outra espécie humana já caminha como nós há 1,5 milhões de anos

O médico holandês Eugène Dubois foi a primeira pessoa da história a quem ocorreu procurar nas entranhas da Terra os restos de ancestrais humanos. Alistou-se no Exército como cirurgião para poder ser enviado às Índias Orientais holandesas, as colônias geridas pelos Países Baixos durante o século XIX na atual Indonésia. E, em 1891, nas selvas da ilha de Java, Dubois encontrou seu sonho: os restos fósseis de um “homem-macaco ereto”, a quem batizou de Pithecanthropus erectus. A evolução humana, proposta por Charles Darwin quatro décadas antes, ficava demonstrada frente ao relato bíblico da Criação de Adão e Eva.
Um pé comparado com uma pegada fóssil de 'Homo erectus'. KEVIN HATALA
Hoje, reclassificado como uma espécie humana, o Homo erectus continua fascinando. Mais de 20 de seus indivíduos, entre eles uma menina e um menino, passearam há 1,5 milhões de anos pela margem de um curso d’água na atual aldeia de Ileret, no norte do Quênia, junto ao lago Turkana. Suas pegadas fossilizadas, 97, oferecem uma insólita fotografia da vida cotidiana dessa espécie, protagonista do desenho mais antigo da humanidade e candidata a ser mãe da nossa, Homo sapiens. A primeira conclusão despoja por completo o ser humano de ser singularidade bíblica: os Homo erectus, que surgiram há 1,9 milhões de anos e desapareceram há cerca de 140.000, já caminhavam como nós.

“Estas pegadas são a prova de que tinham uma autonomia de pé e uma forma de locomoção similares às humanas”, explica o paleoantropólogo norte-americano Kevin Hatala, membro da equipe que estudou os rastros. A descoberta de 22 marcas em Ileret foi publicada pela primeira vez em 2009 na revista Science. Na época, os pesquisadores já sugeriram a locomoção bípede “essencialmente moderna” dos Homo erectus. O novo estudo, publicado hoje na revista Scientific Reports, inclui mais pegadas, que chegam a uma centena, e os resultados de um consciencioso trabalho experimental.
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