segunda-feira, 4 de julho de 2016

Charge O Tempo 03/07/2016

Auto-critérios, autoengano, e o nada

Talvez a vida não venha em ondas, como o mar. Mas certamente não há nada como o tempo para passar. Tempo é implacável, não perdoa às vezes cruel. Mas sempre justo. Ao fim e ao cabo, a boa colheita depende da qualidade do plantio.

Com todo o barulho que torturam os ouvidos desde que o noticiário foi dominado pela crônica policial, fica fácil, e até compreensível, esquecer-se do obvio. Negligenciar os deveres. Ceder à tentação de acreditar que, de alguma maneira, as coisas se resolverão sozinhas. E tudo voltaria ao normal.


Já faz anos que a gente espera. Aguarda solução magica que nunca se materializa e sobre a qual não existem detalhes, informação ou mesmo pistas. E nada acontece. E tudo vira um monte de nada. E o tempo passa.

Nada parece ser a palavra da moda. Lá se vão anos sem que se decida qualquer coisa. E o resultado, claro, continua sendo o nada. Nada de resolver problema. Nada de produzir. Nada de reformar. Nada de criar. Apenas o vácuo.

O nada é nocivo, insidioso. Mas, por alguma razão, tolerado. Enquanto a degradação instrucional acelera, as almas se corrompem. A esperança se vai. O tempo passa. E nada é tudo o que acontece.

É um eterno esperar. Não sabemos bem o que. Ou por que. Mas esperamos. Pacientemente, cada um vai assumindo um papel de espectador, conformado a ser participe neste teatro do absurdo.

Entra dia, sai dia, e a gente não resolve. Adia soluções para poder aproveitar eventos esportivos. Aguarda o final das férias. Empurra para frente. Enrola. Procrastina. Faz tudo para não resolver, não terminar, não decidir. E criar o nada.

Viramos uma nação que resolveu parar no tempo na esperança de que o tempo pare. Ficamos para trás todos os dias. Cada vez mais. O tempo todo. País de dois presidentes. E nenhum líder. Por pura incapacidade de decidir, de virar a pagina, de resolver. Optamos por viver no limbo. Abraçamos o nada. Com paixão.

Nação que, movida por auto-critérios, escolheu o autoengano. E o nada.

Do que o país vai se livrar

A desmoralização do PT, que está prestes a se tornar completa em razão do esperado impeachment da presidente Dilma Rousseff e de uma previsível derrota nas eleições municipais, fará um grande bem ao País. Para saber do que o Brasil está a caminho de se livrar, basta ler a declaração final do mais recente encontro do Foro de São Paulo, o convescote anual de partidos ditos de esquerda da América Latina.

Em meio ao acelerado desmoronamento de seu projeto de poder, o Foro resumiu, na declaração, a irracionalidade patológica de seus integrantes, entre os quais o PT. No texto, derrotas são tratadas como vitórias, irresponsabilidade fiscal é chamada de conquista social e autoritarismo é qualificado de democracia.

“Os governos de esquerda em nosso continente lograram dar estabilidade social, política e econômica a nossas nações e tiraram da pobreza dezenas de milhões de famílias, que se livraram assim da marginalização e do desemprego, tendo acesso à saúde, educação e oportunidades de desenvolvimento humano”, afirma a declaração do Foro, referindo-se a um mundo de fantasia que subsiste somente no discurso de seus líderes.


Sempre foi assim. Inventado pelo chefão petista Luiz Inácio Lula da Silva em 1990, sob inspiração do tirano cubano Fidel Castro, o Foro reúne a nata dos potoqueiros que se dizem “progressistas” enquanto sustentam regimes autoritários e, a título de defender os “oprimidos”, aparelham o Estado, financiam-se com dinheiro público e arruínam a democracia.

A era dourada desse embuste se deu na primeira década dos anos 2000, quando Brasil, Argentina, Venezuela, Bolívia, Equador e outros países menos cotados estavam sendo governados – melhor seria dizer desgovernados – por bolivarianos ou simpatizantes dessa deletéria ideologia, articulada pelo caudilho venezuelano Hugo Chávez. Naquela época, a turma do Foro de São Paulo esbanjava excitação com os “avanços no terreno político e eleitoral”, que criaram “condições favoráveis sem precedentes para avançar rumo à derrota política e ideológica definitiva do neoliberalismo na nossa região”, conforme a declaração do encontro de 2007.

O tempo tratou de frustrar, de forma inapelável, esse prognóstico otimista. A Venezuela é hoje o grande exemplo da fraude oferecida pelos bolivarianos que antes se regozijavam de suas conquistas. O “socialismo do século 21”, inventado por Chávez, devolveu a Venezuela ao século 19. Em meio à gravíssima crise de desabastecimento, que afeta quase todos os produtos consumidos pelos venezuelanos, e ao avanço da oposição, o presidente Nicolás Maduro abandonou de vez a democracia de fachada que o chavismo inventou para legitimar o regime e passou a agir, sem nenhum pejo, como o ferrabrás que sempre foi.

Apesar disso, o Foro diz que “o povo revolucionário” venezuelano está resistindo às “investidas brutais da oligarquia apátrida e ao imperialismo” e afirma que Maduro “tem ganhado cada vez mais respaldo continental e mundial”.

O mesmo nível de impostura se verifica em outros pontos. O Foro, por exemplo, celebrou “o reconhecimento dos Estados Unidos da derrota de sua política em relação a Cuba” e atribuiu a paz na Colômbia à “heroica luta” das Farc.

Não ficou só nisso. Na melhor tradição do realismo fantástico, o Foro declarou que “a esquerda impulsiona a transparência e a honradez no uso dos recursos públicos”. Tal afirmação poderia até ser vista como piada, mas, diante dos efeitos nefastos da roubalheira generalizada protagonizada pelo PT, trata-se de uma ofensa.

A respeito do Brasil, o Foro, é claro, qualificou como “golpe” o processo de impeachment de Dilma e disse que se trata de uma “contraofensiva imperial que será derrotada pelas forças populares de todo o continente”. Lula, em mensagem ao Foro, foi na mesma linha, apelando para a solidariedade de “todos os companheiros e companheiras da América Latina” na defesa de Dilma, “contra os golpistas empenhados em destruir as conquistas sociais”.

Tais apelos soam como tentativa desesperada de salvar o que resta de um projeto imoral que durante mais de uma década entorpeceu o Brasil. Felizmente, é o canto do cisne.

Profissionais da mentira

Tenho um amigo, conhecido por Guiú, para quem dizer que o PT é o partido da mentira não está longe da verdade. E que os petistas nada fazem para apagar essa má fama e, sim, pelo contrário, só contribuem para confirmá-la.

A má fama –diz o Guiú– vem de longe, desde a origem do PT, uma vez que nasceu prometendo combater a corrupção e, mal ganhou algum poder –como em Santo André–, já começou a se apropriar do dinheiro público, o que resultou no assassinato do prefeito Celso Daniel. Outro exemplo teria sido o escândalo do mensalão, que envolveu o alto escalão do partido, inclusive o próprio Lula, que, graças à mentira reinante entre os petistas, conseguiu se safar.

Daí em diante –afirma esse amigo–, a mentirada petista só se confirmou e ampliou, ficando claro que, em vez de combater a corrupção, o PT se revelou o responsável pelos mais espantosos exemplos de apropriação venal de dinheiro público de que se tem conhecimento na história brasileira.

A revelação mais recente, que teve como protagonista o ex-ministro Paulo Bernardo, revela o desvio de taxas pagas por servidores públicos em empréstimos consignados e que atingiu o montante de R$ 100 milhões. Esse dinheiro foi dado parte a políticos e parte ao cofre do PT. Mas os dirigentes petistas alegam ser tudo invenção dos adversários.


Pois bem: pode haver mentira maior do que afirmar que o impeachment de Dilma é um golpe? Vamos por partes: um golpe dado por quem, já que o processo de impeachment não partiu de nenhum partido? Um dos fundadores do PT, o jurista Hélio Bicudo, é um dos autores dessa ação penal, acompanhado por duas outras figuras que não pertencem a nenhum partido político, Miguel Reale Júnior e Janaína Paschoal.

Por outro lado, a acusação de ter a presidente Dilma cometido crime contra a Lei de Responsabilidade Fiscal foi reconhecida por juristas e técnicos da área fiscal do governo. Os partidos somente passaram a atuar no processo depois que a acusação foi aceita pela Câmara de Deputados, argumenta o Guiú

Além disso, o procedimento só teve curso depois que o STF definiu as normas a serem seguidas, de acordo com a lei. Onde está, então, o golpe que o PT alardeia? Simplesmente não está, porque é apenas mentira, diz esse meu amigo.

E, de lá para cá, as versões falsas e as falsas alegações só cresceram, na medida mesma em que novas falcatruas foram sendo reveladas, desde as propinas na Petrobras ao tríplex e o sítio que Lula nega, contra todas as evidências, serem dele. Como diz um samba recente composto aqui no Rio, Lula não possui nada, nem mesmo o relógio que tem no pulso lhe pertence. Tudo o que usa, algum amigo lhe emprestou.

Já eu nunca dei a mesma sorte, nunca encontrei ninguém que me emprestasse o apartamento para eu morar ou um sítio maior que vários campos de futebol, para meu lazer Dilma Rousseff, que tem fama de honesta, tampouco fala a verdade, afirma Guiú. Prova disso é a versão que passou à imprensa, de que nada tinha a ver com a compra da refinaria de Pasadena, adquirida por um preço várias vezes maior que seu valor real.

Ela, como presidente do Conselho de Administração da Petrobras, diz que aprovou a compra porque lhe forneceram falsas informações. Cerveró, que efetivou a compra, afirma que ela sabia de tudo.
E o documento falso que ela enviou a Lula para que ele se safasse de uma possível ação policial? Já imaginou a mais alta autoridade da República forjar um documento para enganar a própria polícia do país? E aí –diz ele–, cabe a pergunta: se a chefe do governo falsifica documento, o que a impede de descumprir as normas estabelecidas pela Lei de Responsabilidade Fiscal? Foi o que ela fez –afirma Guiú–, e, por essa razão, praticou um crime que a Constituição pune com a expulsão. O impeachment, portanto, não é golpe mas punição prevista em lei.

E meu amigo conclui: como, porém, o PT não tem compromisso com a verdade, alardeia que a democracia está ameaçada e que depende dele sua preservação. Parece piada, uma vez que, recentemente, a direção desse partido divulgou um documento lamentando não ter conseguido instaurar no país um regime autoritário permanente.

O palavrão acabou

Os mais conservadores podem tirar o pangaré do aguaceiro. Não adianta reclamar: para o bem ou para o mal, o palavrão morreu. Pode continuar existindo em outras línguas, em outros cantos do mundo. Mas, no português falado no Brasil, o bicho está extinto.

Há uns bons dez anos escrevi um artigo dizendo exatamente isso. E ainda hoje ouço alguma conversa sobre o tema, agora geralmente provocada por grampos em que nossos políticos profissionais se revelam de forma um pouco mais verdadeira, como bandidos ou candidatos a bandidos.

Escrevi meu antigo artigo por causa de duas cenas que ainda hoje não esqueci, ambas ocorridas no mesmo dia. A primeira: descendo o elevador de um prédio burguês, vi uma jovem senhora, bem vestida, se dirigir ao filhote na pré-puberdade, dizendo tranquilamente: “para de me pentelhar, menino”. Me deu vontade de lembrar a ela que o verbo “pentelhar” vem de pentelho, os célebres pelos púbicos ou pubianos que Modigliani adorava pintar. E como seriam os dela, para proibir que o menino mexesse com eles?

Mais tarde, minha sobrinha Mariana, com seus 12 ou 13 anos de idade, me contou que a professora estava “de sacanagem” com ela. Sugeri, então, uma outra sacanagem, para que ela desse o troco. E Mariana, com a carinha mais angelical do mundo: “Qual é, meu tio, o senhor quer que eu me foda?” Confesso que estranhei um pouco, na frase, o uso da palavra “senhor”.

Há quem não se importe com o fim do palavrão. O filósofo Herbert Marcuse, por exemplo, denunciava seu alto teor repressivo. De fato, regra quase geral, o palavrão expressa preconceito. Xingar alguém de “filho da puta”, por exemplo, é preconceituoso. Mandar alguém “tomar no cu” é manifestar desprezo, recusa ou repulsa pela sexualidade anal, seja ela heterossexual ou homoerótica.

Há também quem lamente o fim do palavrão, no rastro de Nelson Rodrigues. Nelson achava que o palavrão portava alta carga energética, importantíssima para a nossa vida emocional. E dizia que, sem fortes chuvas de palavrões sobre os marujos, Vasco da Gama não teria conseguido comandá-los no caminho das Índias.

Mas, no caso de nossos políticos profissionais, estamos muito longe dessa grandiosidade, desse uso épico do palavrão. Quando vejo todos eles de mãozinhas dadas, suprapartidariamente, contra a Lava Jato, a legenda que me ocorre para a foto é “quem tem cu, tem medo”. Nenhum palavrão concorre com a baixeza que impera nesse meio. E o pior é que é a gente que paga pra que essa turma roube.

O que vem após a Lava Jato?

O sucesso da Operação Lava Jato decorre, entre outros fatores, de alterações recentes na legislação brasileira, em especial da lei que regulamentou a colaboração premiada (Lei n.º 12.850, de 2013). Para que se dê continuidade ao enfrentamento da corrupção e da lavagem de dinheiro é fundamental a aprovação de novos marcos legais. Seguindo orientações da Convenção das Nações Unidas e recomendações do Grupo dos 20 (G-20), o Brasil acelerou o importante debate sobre a implementação de umas das maiores ferramentas contra a corrupção e fraude pública.

Existentes desde 1978 nos Estados Unidos – e atualmente implementados em vários países da Europa e da África –, os programas de whistleblower dão proteção a funcionários públicos e empregados da iniciativa privada que, detendo posição de acesso às práticas internas das repartições e empresas, se deparam com atos atentatórios ao interesse público ou que ponham em risco a saúde e a segurança públicas, o direito de consumidores, o meio ambiente ou a real competitividade no mercado. Na primeira categoria se encaixam, por exemplo, os atos de corrupção, de fraude pública e de grosseira perda de recursos públicos.

Ao decidir voluntariamente trazer informações sobre tais malfeitos, o cidadão suplementa e reforça a capacidade do Estado de coibir práticas não aceitas pelo ordenamento jurídico. Dadas as limitações da autoridade investigadora e até mesmo das técnicas investigativas, não raras vezes fatos cometidos no âmbito de repartições públicas e empresas jamais chegariam a ser conhecidos pelas autoridades – e, portanto, não seriam comprovados em processos de apuração – sem o relato espontâneo do insider.

Em função disso, o esforço do cidadão no auxílio à manutenção do Estado de Direito tem sido qualificado internacionalmente como exercício dos direitos decorrentes da cidadania, do exercício da liberdade de consciência e expressão, ou, ainda, como integrante do rol dos direitos humanos.

Embora, evidentemente, não seja aceitável que os cidadãos se calem sobre fatos ilícitos que presenciam no âmbito da sociedade, a tarefa de reportar uma infração nunca é fácil.

Muito ao contrário, a experiência mostra que o cidadão é exposto a retaliações diretas no âmbito da relação de emprego, com sérios riscos para sua carreira, como demissão, negativas de promoção ou aumento salarial, afastamento das atividades regularmente exercidas e, em casos mais graves, riscos à integridade física e emocional. Em outras palavras, o cidadão nunca sai sem arranhões. Com frequência se verifica, ao menos, o dano moral da segregação corporativa ou social do indivíduo, provocando evidente desconforto emocional e funcional.

Por serem essas consequências contra o cidadão usuais, esperadas e não desejadas pelo sistema jurídico, o foco dos programas de whistleblower é essencialmente a construção de sistema normativo que estabeleça um procedimento claro para o relato e enseje a proteção ou a remediação das situações de dano.

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Entre as ferramentas de proteção, a mais importante, segundo a unanimidade dos padrões internacionais, é a preservação da identidade do cidadão que, sem malícia e de boa-fé, fez o relato.

Da mesma forma, a possibilidade de pronta determinação da cessação dos atos de retaliação e a posterior indenização de danos são parte dos standards internacionais sobre o tema. A premiação, como medida de incentivo, é adotada por alguns sistemas jurídicos, especialmente nos Estados Unidos, onde esse recurso é fortemente utilizado e visto com naturalidade pelo Congresso norte-americano.

Por sua vez, o Congresso brasileiro tem demonstrado preocupações sobre o tema, em busca até mesmo de atendimento aos compromissos internacionais assumidos. Existem vários projetos de lei que buscam estabelecer a figura do whistleblower, todos ainda sem uma sistematização unitária.

Interessante perceber, desde logo, que, corretamente e com sensibilidade às características da sociedade brasileira, a imensa maioria desses projetos antevê as dificuldades que o cidadão enfrenta quando busca cooperar com o Estado e por isso prevê também a premiação para esse cidadão.

Importante notar que as pessoas que acorrem em socorro do Estado, de modo espontâneo, e por não terem cometido os atos ilícitos que relatam, não estão procurando benefícios como redução de penas criminais ou civis. É justamente aí que reside a diferença entre o cidadão honesto que relata e o criminoso que delata coautores, assinando acordos de delação ou acordos de leniência.

Cientes da importância do fomento da participação dos cidadãos de bem noenforcement estatal brasileiro, autoridades de 13 instituições brasileiras integrantes da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (Enccla) deram início, no último mês de março, na sede da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), ao estudo das melhores práticas internacionais relacionadas ao tema. O propósito é sistematizar as diversas propostas em tramitação no Congresso Nacional para que, ao final, seja ofertado um anteprojeto único, o qual, atento às necessidades específicas de alguns órgãos, adote, da melhor maneira possível, formas de proteção e incentivo a essa tão importante participação dos cidadãos nos destinos da coisa pública.

Espera-se, por meio dessa nova legislação, um reforço substancial na probidade das relações públicas e privadas, modificando sem precedentes o Estado brasileiro e a sua sociedade.

O grande mal

O oposto do amor não é nenhum ódio, é a indiferença. O oposto de arte não é a feiúra, é a indiferença. O oposto de fé não é nenhuma heresia, é a indiferença. E o oposto da vida não é a morte, é a indiferença 
Elie Wiesel 1928-2016
Escritor morto no fim de semana quando foi
prisioneiro em campo de concentração nazista

Dois Brasis

Avianca, quinta-feira, início da noite, Brasília para Santos Dumont. TAM, segunda-feira, fim da manhã, Confins para Brasília. Todos os dias, de forma escandalosa ou prosaica, o Brasil desvia o olhar de seu futuro. E o corriqueiro embarque de duas autoridades da cúpula do Poder Judiciário, em dois aeroportos civis do país, mostra como estamos longe de uma mesma ideia de nação.

O cidadão comum, diante dos ritos secretos do país, acompanha o teatro da democracia com receio de ficar mais danificado. E quando vê a instituição que triunfa sobre o mal, ainda encontrar, neste tempo de perdição, o máximo de prazer e distinção em um acontecimento rotineiro, supomos que é por sadomasoquismo que o Estado se relaciona com a sociedade.

Hoje, é possível encontrar, povoado de pessoas culpadas ou importantes, todos os lugares que se frequenta. Maus por profissão, ou designadas como relevantes, o Estado cria, meticulosamente, caminhos próprios para se justificar: a sanção legal, alta para alguns, especialmente os jovens e os pobres, e a personalidade e seu título, com possibilidade de se expor sem embaraço.

A forma de apropriação do privilégio, quando irrefletida, costuma ser posta na conta do mérito individual. Mas a habilitação de uma autoridade pública como ser humano incomum, salvo raríssimas exceções, é uma falsa legitimação da superioridade moral. E permite uma dúvida: como requerer para o corpo proteção sem parecer supor ter a alma distinta dos demais?


Olhe os dois cenários, as coisas parecem ocas, a apreensão irrelevante. Sua preocupação são ausências, o Brasil, como a Índia, é um forjar de proscritos!! O poderoso desempenha seu papel, a sociedade os venera. Não é a estrutura institucional, são disposições interiores, condutas fixadas pela infância. Hoje herói; amanhã, maldito. O Brasil é unívoco.

E aquela apropriação do bem escasso, a fúria da opinião, a injusta generalização que acompanha o humor diante do comportamento das autoridades, se dirige em direção ao nada. A vaidade por costume apenas assombra a comunidade das pessoas comuns. A modéstia por natureza, como faz o que qualquer um faria em seu lugar, tornar-se inessencial. E como são valores que vêm de cada um, nada é salvo pela máquina dos costumes do Estado.

O erro torna-se nada. E se o mal não é nada, há mais magnetismo ser atraído pelo mal. Em dois dias diferentes, dois ministros do Supremo se movimentaram em dois dos mais movimentados aeroportos brasileiros. Um embarcou com seguranças, um ritual de sociedades arcaicas, o porte de quem carrega um segredo.

Desceu no Rio, por uma escada lateral, seu carro estacionado na pista, debaixo do avião, um risco para a segurança de todos. O “resto”, os contribuintes, seguiu pela porta dos costumes. Poucos dias antes, em Belo Horizonte, sua colega chegou sozinha para embarcar, carregava sua pasta, ocupou a poltrona do meio, desceu em Brasília sem que ninguém a esperasse, e seguiu para sua vida profissional, como pregam os costumes.

Não é severa a sentença: se um jovem decidir ser juiz, quem lhe parecerá um estranho completo?

Falta alguém na Lava Jato

De repente, a indignação. É inaceitável o número de bandidos flagrados desviando dinheiros públicos há anos, processados em seguida e que agora são privilegiados objetos de bondades do Judiciário. Sucedem-se as condenações, seguem-se os benefícios concedidos aos condenados, distribuídos através de prisões domiciliares e outras facilidades. Multas são reduzidas e a liberdade concedida àqueles que deveriam estar trancafiados como qualquer criminoso comum. Com certeza, continuam empenhados em burlar a lei, até praticando os mesmos desvios e crimes de antes.

Advogados poderosos obtêm para seus clientes todo um conjunto de benesses que os transformam em hóspedes de luxo nos hotéis de suas próprias casas. As delações premiadas permitem muito mais do que a redução das penas, favorecendo milionários hóspedes postos à beira de suas piscinas e salas de luxo.
Falta alguém no mundo da Lava Jato, e não são apenas os criminosos pretensamente condenados. Quem permitiu essas aberrações precisa ser denunciado e responder por elas. Pertence ao universo das elites, àquele grupo social onde a lei possui dimensões elásticas.

Não se tem notícia de que o ladrão de galinhas foi beneficiado com favores iguais. Carece de relações especiais, de advogados milionários e de juízes lenientes. A desmoralização ficará próxima, caso permaneça essa prática.

Sossego em lugar algum

Ninguém mais tem sossego, esse bem tão simples e valioso. Ninguém, por melhor, mais bonito, rico, culto, etcetera etcetera que seja. Não há mais local seguro. Não há idade, cor, sexo, transsexo, nacionalidade ou religião a salvo. Nem quem vive de tirar o sossego dos outros está a salvo. Que mundo é esse onde chegamos?
No bar, no restaurante, no aeroporto, no estádio, na escola, na casa noturna, as gargalhadas e boas conversas com amigos, o paladar da degustação de um jantar e a alegria podem ser interrompidos em segundos por um grupo de malucos armados, alguns vestidos com bombas e com vale-transporte “boom” para o paraíso que imaginam alcançar com sua dedicação e fanatismo. Os senhores da guerra e das armas devem estar orgulhosos do que conseguiram: inquietar um planeta.

Pois falo do terror, e falo também do outro terror – esse que está bem aqui, bem nosso, que nem ideal tem, mais comum, que desce o morro, não para morrer, mas para matar por uns trocados, um relógio, um celular. Que mata por prazer. Que vaga pelas ruas à cata de seus alvos, entre os descuidados, entre os distraídos, ou que não deviam estar ali naquela hora, naquele momento. Bestas, cada vez mais jovens, cada vez mais numerosos, querem tomar na mão grande o que nunca pretenderam conquistar pelo bem. Homens e mulheres que sob algum comando geral, estranhamente sempre muito pouco identificado, atacam. Eles não têm futuro e acham que ninguém pode ter. Qualquer movimento brusco, qualquer tentativa de se defender pode valer uma vida, tirada ainda mais rápido e sem piedade.

Vida que vale nada, pouco; aliás é o produto que vem sendo mais desvalorizado na bolsa da existência. Tempos violentos esses, sem poesia nem para atos extremos – antes, há uma ou duas, três décadas, ainda havia restos de um certo romantismo e elegância, uma certa aventura, para os que buscavam seus ideais patrióticos ou políticos, em guerrilhas e roubos arrojados. Ladrões que mereceram admiração pelo estilo que executavam seus crimes. Ou até os que amavam tanto que o ciúme corroeu a alma ao ponto de quererem matar para continuar sendo únicos, paixões cheias de literatura.

Hoje não são mais histórias bonitas, daquelas que dá vontade de escrever sobre elas, saber o que as motivou, como tantas vezes na vida de repórter encontrei. Agora são apenas notícias cruéis, curtas, sem emoção, que se sucedem e preenchem com estardalhaço os programas policiais das tardes na tevê, narradas por apresentadores que dão ênfase automaticamente a algumas palavras ou frases que repetem para deter nossa atenção, com vinhetas repletas de sangue estampadas no rodapé. Truque.

Não há sossego em lugar algum. Isso esgota nossos nervos, e andamos olhando para os lados, desconfiados de tudo e todos, pouco solidários, cada vez mais isolados e em rede virtual onde também ali é preciso atenção, não dá para relaxar. Podem estar do outro lado, fingindo, mentindo, enganando, querendo roubar você. E você pode cair no truque, no golpe, mesmo que esteja em casa, quietinho, de pijama e chinelinho. Não abra. Não acredite.

A polícia apavora – os tiros podem sair pela culatra, perdidos, e alguns deles, dos próprios policiais que podem estar nos dois lados da questão ou defendendo sem eira nem beira umas leis próprias de mundo cão, que autorizam forjar provas plantando armas e drogas, incriminar inocentes.

Cidades pacatas do interior, onde decididamente não havia disso, agora sofrem com a reprodução do que de pior viaja no tempo, nos ventos das grandes capitais. Bancos explodem. Cracolândias tomam suas lindas praças e se expandem por debaixo das soleiras devastando seus garotos, puxados pelos braços do tédio e das informações que chegaram alimentando o bichinho do consumo, do se dar bem.

É visível que está difícil e perigoso viver. Mais ainda enfrentando o maior de todos, o desassossego da natureza, indomável em seus quatro elementos, terra, ar, fogo, água, que também mandam recados e podem se rebelar de vez – e caso isso seja com grande força pode devastar e tornar tudo um grande descampado, um nada, finalmente com uma quietude. Um sossego. Mas um que, creio, não é o que desejaríamos.

Políticos não distinguem entre o público e o privado


As diferentes Constituições brasileiras, as elaboradas por constituintes ou impostas pelo autoritarismo, têm um consenso: o Estado burocrático e patrimonialista é intocável. O notável escritor latino-americano Otávio Paz definiu que “patrimonialismo é a vida privada incrustada na vida pública”.

No Brasil, o patrimonialismo é secular. Muito bem definido pelo jurista e historiador Raymundo Faoro em “Os Donos do Poder”, ele demonstra que na herança ibérica, ao lançarem as bases para a formação do Estado tutor, “o governo tudo sabe, administra e provê, distribuindo riqueza e qualificando os opulentos.”

Na mesma perspectiva, o historiador Sérgio Buarque de Holanda, em “Raízes do Brasil”, comprova que o patrimonialismo brasileiro tem profunda resistência à meritocracia e impessoalidade na administração da gestão pública.

Certamente havia lido “Economia e Sociedade” de Max Weber, adaptando o seu pensamento à realidade brasileira, mas jamais pensaria que a situação chegasse ao ponto em que se encontra agora.

No país dos 'Patinhas"

O dinheiro nunca falou tão alto quanto agora. O cheiro do dinheiro nos sufoca, e isso não tem nada a ver com o capitalismo ou o marxismo. Quando eu estudava, as pessoas queriam ser membros do Parlamento, funcionários públicos, professores... Hoje mesmo a criança cheira o dinheiro, e o único objetivo já parece querer ser rico. E a isso se soma o enorme desprezo dos políticos em relação aos que não têm dinheiro. Para eles, somos apenas uns pobres idiotas. E isso Karl Marx viu com bastante antecedência
George Steiner

Chega de pagarmos a conta

Na última semana, notícias e entrevistas veiculadas por alguns portais brasileiros e pela imprensa especializada em economia nos deram a dimensão de quão distantes estamos, os cidadãos comuns, da realidade que aflige o país, com graves interferências no dia-a-dia da vida brasileira. Estados paralisados, completamente, sem reservas para responderem às suas obrigações genuínas e constitucionais; empresas, independentemente de setor e importância, demitindo horizontalmente sua força de trabalho; comércio e serviços resistindo na condição de sobreviventes à crise que não previmos.

O Brasil está prostrado e nosso povo abúlico; as mudanças que imaginávamos emplacar com o afastamento da presidente Dilma Rousseff ainda não evoluíram de meras promessas. No conjunto das ações empreendidas por Michel Temer, palpável é apenas a suspensão do pagamento da dívida dos Estados da federação com a União, que o presidente interino Temer antecipou em acordo com os governadores. Trata-se de demanda que Dilma nunca quis atender, o que provocou o ajuizamento de ação no STF por vários governadores, inclusive o de Minas Gerais, batendo pela suspensão de seu pagamento.

Estamos, contudo, entrando nesta semana com o anúncio de uma promessa de Michel Temer forte e transformadora: a de se empreender a privatização de tudo que é estatal que for possível dar em concessão ou até mesmo se vender. Duas situações clamam por essa medida, que se for implementada, virá com um atraso de décadas: a primeira é o fato de que o Tesouro está quebrado e ainda vai piorar, em muito, tal situação; em segundo lugar, as últimas revelações dos esquemas de corrupção também há décadas operando dentro das estatais brasileiras marcaram o quanto o Estado é incompetente e mau gestor de qualquer coisa, possibilitando o avanço e o desvio permanentes, sem tréguas, sobre o patrimônio público.

Essa roubalheira nas nossas estatais que está hoje sendo revelada pelas diversas operações orientadas pela Polícia Federal é centenária. Quando não é pela via do sobrepreço, a fraude estará nas medições, nos aditivos, no cartel de empreiteiras que dividem o bolo entre as mesmas. Estão ainda na remuneração de assessores “ad-nutum” que toda estatal brasileira mantém para empregar parentes e amigos fantasmas de deputados (e Minas não está livre dessa peste), enriquecendo indicados em troca de apoios.

É infindável o conjunto de mutretas que se podem praticar nas empresas públicas brasileiras. Em todas elas. Bater pela privatização de tudo que for possível na atualidade seria uma bandeira notável. É uma das formas mais eficazes de se aplacar a corrupção: colocando donos naquilo que hoje é tratado como patrimônio particular e interesse de grupos e partidos políticos.

Sobriedade e decência dos poderes na Suécia é de humilhar o Brasil

Vivemos na política brasileira uma Era das Trevas. Passamos 21 anos mergulhados numa ditadura militar, reconquistamos a democracia plena e o resultado de tudo isso é lamentável e tenebroso. A comparação dos gastos públicos entre Brasil e Suécia, por exemplo, chega a ser revoltante e até insuportável. É difícil imaginar como chegamos a esse estágio de desmoralização dos três Poderes da República, cuja voracidade pela “privatização” das verbas públicas parece insaciável.

Agora mesmo, a Câmara tenta estender aos parentes dos ex-deputados o generoso plano de saúde que contempla os 513 parlamentares em exercício, incluindo cônjuges, pais, filhos e outros dependentes. Como justificar um absurdo de tal monta?

Além de ganhar um salário de R$ 33.763, os deputados já recebem uma série de benefícios: 1) verba de gabinete de R$ 92.053 mensais para pagamento de até 25 assessores; 2) ajuda de custo mensal entre R$ 30.789 mensais (para deputados do Distrito Federal) a R$ 45.613 (para os de Roraima), e líderes e vice-líderes de bancadas têm adicional de R$ 1, 4 mil. 3) auxílio-moradia de R$ R$ 4.253 mensais; 4 ) ajuda de custo de R$ 33.763 no início e no final da legislatura (ou seja, dois salários extras a cada quatro anos); 5) jornais e revistas, material gráfico, computadores, franquia livre de telefone, franquia livre de correios e reembolso de despesas médicas, entre outro benefícios.

Apartamento funcional do Legislativo em Estocolmo

Democracia sueca é um exemplo a ser seguido pelo Brasil

Vejam agora como a democracia funciona na Suécia, no relato da jornalista brasileira Claudia Wallin, que mora em Estocolmo há 13 anos e lançou livro “Um país sem excelências e mordomias”, sobre parlamentares que moram em apartamentos minúsculos, que lavam a roupa em lavanderias comunitárias, e juízes sem qualquer mordomia. Em uma de suas vindas ao Brasil, no ano passado, a escritora esteve em Curitiba e deu entrevista a Rogerio Waldrigues Galindo, do jornal Gazeta do Povo.

Como tem sido a receptividade da classe política a essa divulgação da ausência de mordomias dos políticos suecos?
Da classe política em si eu não tenho tido nenhum retorno, a não ser do Eduardo Jorge (PV) na época da campanha presidencial. Ele gravou um programa lendo o livro. O que acho impressionante é o retorno dos leitores. Recebo centenas de mensagens de vários lugares do Brasil, de cidades muito pequenas, o que eu acho muito interessante. Semana passada recebi um e-mail de uma pessoa que mora na fronteira com o Uruguai dizendo que os moradores vão fazer uma vaquinha para colocar o livro em todas as escolas da cidade.

O fato de o livro estar indo para a quarta edição reforça que existe uma curiosidade de se conhecer um sistema diferente, uma indignação com o sistema brasileiro?
O que eu acho importante é que isso não é um livro pra dizer “olha como os suecos são maravilhosos e o brasileiro é ruim”. É exatamente o contrário. O que eu quero mostrar é que sou uma observadora de uma sociedade possível. É possível você ter uma democracia forte, transparente e justa, que não dá regalias a políticos e nem a juízes e onde a corrupção é um fenômeno relativamente raro. Isso não é uma coisa que se constrói da noite para o dia. É um processo de evolução. Quem costuma dizer que o Brasil não tem jeito esquece que os países também se transformam. A Inglaterra era uma nação de piratas, como a Holanda. Se você olha para trás na história, os suecos eram vikings, trombadinhas da época, promoviam arrastões em terras alheias. Ou seja, é um processo de evolução. Eles [os suecos] não são melhores do que ninguém. O ser humano é o mesmo. O sistema é transformado pelas reformas que ocorrem no país. São as instituições que se aperfeiçoam. A reforma política, a reforma educacional, a reforma do Judiciário, a reforma administrativa. Esse conjunto de aperfeiçoamentos foi o que eles fizeram ao longo dos anos. Também foram ajudados por uma forte moral luterana – aqui nós podemos dizer que temos a moral católica – e pelo fato de a igualdade ser um valor profundo das sociedades escandinavas. Não é uma utopia. É uma sociedade real.

No Brasil não existe essa tradição igualitária. Como lidar com isso?
O valor da igualdade na Suécia é muito antigo e muito próprio dos povos escandinavos. Aqui o que temos não é só uma falta de igualitarismo, é um anacronismo. A Suécia pode ser um exemplo extremo dessa falta de mordomias, privilégios e corrupção, mas você vê agora na Inglaterra o primeiro-ministro David Cameron sendo fotografado na classe econômica do avião. Pode ser até certo grau uma medida populista. Mas são gestos que carregam um simbolismo muito grande. Eles estão percebendo que essa maneira de ser, de que os políticos se tornaram uma espécie de nova nobreza, não cabe. No Brasil, o primeiro passo é a conscientização. Na minha geração era normal você ver todos os políticos com carro oficial e a mulher do deputado fazendo compras. Mas isso não é normal. Trata-se de dinheiro público.

Aqui muitas vezes um político, quando é cobrado por gastos, reclama que o valor é pequeno, uma ninharia. Mas você relata o caso de uma deputada sueca execrada por pagar táxi com verba pública.
Toda vez que um político ousa pegar um táxi várias vezes usando dinheiro público ele é execrado; vira manchete de jornal. E todas as vezes que um jornal denuncia uma coisa dessas, eles usam o mesmo texto: “Usou o dinheiro do contribuinte para fazer isso ou aquilo, apesar de morar perto duma estação de trem”. Existe uma noção de que políticos e juízes vivem como vive qualquer cidadão. Então por que ele vai ter um carro oficial? Por que ele tem de ter um apartamento de duzentos metros quadrados? Por que ele vai ter pensão vitalícia? Isso é um absurdo. Você cumpre dois mandatos e recebe dinheiro para o resto da vida. Na Suécia, quando o político sai do parlamento ele recebe uma ajuda de transição. Ou seja, enquanto ele tenta conseguir outro emprego ele recebe uma fração do que ele recebia no parlamento. Mas isso por um período determinado, um ano no máximo.

Outra dificuldade de aplicar o modelo sueco no Brasil poderia ser o fato de sermos menos ricos. Como resolver isso? 
Não há como transpor mecanicamente uma cultura para outro país. Mas são ideias e inspirações que você pode ter. Medidas como a de corte de privilégios e a grande transparência podem ser adotadas. A Suécia já foi um país corrupto. Num trecho do livro comento que antes os cargos nos tribunais e no setor público eram literalmente vendidos e comprados. As universidades de Direito eram descritas em textos acadêmicos como verdadeiros lamaçais. Agora, transparência na gestão pública foram eles que conceberam. E não é somente pelo dinheiro. Claro, se você quer chegar naquele ideal, o ideal de uma sociedade com oportunidade para todos, em que todo cidadão tem direito de usufruir de serviços básicos de qualidade, já é um caminho mais longo. Sabemos que existe uma resistência extraordinária no Brasil.

Um modelo como o sueco precisa de mais carga tributária, o que não costuma ser muito popular por aqui.
Eles têm uma carga tributária maior, mas não é tão diferente. Já foi bem maior. Hoje a carga tributária na Suécia é mais ou menos 45% do PIB. Aqui são 36%. O grande problema do Brasil é a sonegação. Se você tem grande resistência das pessoas em pagar impostos no Brasil, você não vê o retorno dos impostos que você paga. Geralmente o trabalhador, porque as empresas não pagam. Fala-se muito em corrupção, mas a sonegação é um problema bem maior no Brasil do que a corrupção. As sociedades desenvolvidas passaram por um processo de evolução. O primeiro passo é a maior consciência e maior participação do cidadão. Nada vai mudar enquanto as pessoas não se importarem com política, porque o caminho da mudança é a política.