domingo, 19 de junho de 2016

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Um país sem líderes e sem heróis

O Brasil está à procura de um herói. O herói que se procura não é quem opera milagres, um São Jorge de espadas determinado a matar os dragões da maldade. Conhecemos um deles no passado, aquele que foi à arena para enfrentar “os marajás” e acabou sendo tragado pela maré da corrupção. Um impeachment ceifou sua trajetória como presidente da República. Que Deus nos livre de guerreiros que se vestem com o manto de Salvadores da Pátria.

Nessa Nação sem novos líderes, os heróis do cotidiano mais se aproximam dos jovens quadros que militam no Judiciário e no Ministério Público, a partir do perfil do juiz Sérgio Moro. Na frente política, os entes partidários, com pouquíssimas exceções, são todos japoneses, ou seja, assemelhados. Aqueles que parecem se banhar com gotas de águas éticas acabam, mais cedo ou mais tarde, mostrando que suas roupas também se sujaram na lama que respinga sobre os vãos da politicagem. Até Marina Silva, que respirava puros ares amazônicos, é flagrada nos cofres do Caixa 2 de uma empreiteira.


Está difícil achar alguém com traje de vestal. No máximo, o que se pode dizer dos atores políticos é que uns levaram mais grana que outros, a comprovar diferenças entre lotes de recursos, gordos para os grandes partidos, magros para as siglas de pequeno porte. Daí a conclusão de não haver inocentes no paiol da política. Não adianta distinguir as culpas pelo tamanho de fatias maiores ou menores. O saudoso Ulysses Guimarães já dizia: “uma pessoa 99% honesta é 100% desonesta, porque não existe honestidade relativa”. Ou se é honesto ou não. É como a gravidez. Inexiste mulher mais ou menos grávida. Portanto, os participantes do banquete político provam o mesmo cardápio.

Faltam heróis em todas as paredes. Na política, na administração, nos negócios e até nos esportes. Eike Batista, o mega empreendedor, foi defenestrado dos seus mega negócios; Dilma, que assumiu o primeiro mandato envergando a roupa de excelente gerente, deixou o Brasil quebrado; a seleção brasileira acaba de ser despedida da Copa América, fazendo papel decepcionante na era Dunga, o volante que acaba de ser expelido pela CBF. Os esportes estão todos carimbados de cifrões. Neymar desfila sua riqueza nos palcos da Europa, soltando palavras ácidas contra aqueles que criticam a seleção. As disputas são movidas pela força do metal. O glamour se esvai dos estádios, sufocando nossas emoções. O mundo se materializa.

O que sobra de bom e onde? Seriam os jovens procuradores que cercam Rodrigo Janot, ou, ainda, os membros da República de Curitiba? Talvez, mas estes mesmos parecem encantados com a pirotecnia do Estado-Espetáculo. Dão muitas entrevistas, polemizam, atiram verbos contundentes para cima e para os lados, enquanto sua postura deveria ser a de agentes silenciosos em defesa da sociedade. O juiz Moro, mesmo cumprindo sua função (muito bem) parece deslumbrado com a fosforescência midiática. No Congresso Nacional, alguns perfis sobressaem pelo teor crítico de sua locução. Mas os posicionamentos mais firmes de uns acabam ofuscados pelas fogueiras que se acendem ao redor. Vejam a deputada Jandira Feghali. Considerada baluarte da esquerda, guerreira que luta na defesa da presidente Dilma, é alvo de tiroteio de Sérgio Machado, ex-senador, hoje o grande delator.

“Ninguém pode desfrutar das coisas sagradas enquanto não estiver a limpo de corpo e de espírito”. A lição do Levítico, da Bíblia, cai bem no nosso momento. Ninguém pode almejar o paraíso se não for puro. Os impuros e os pecadores hão de pagar seus pecados no purgatório, se não forem condenados diretamente ao fogo do inferno. Pois bem, importantes habitantes do planeta político aguardam no purgatório o desfecho para seu destino e alguns já estão queimando nas chamas do inferno. Está em jogo não apenas a imagem devastada dos representantes sociais. Está em jogo a própria credibilidade da instituição parlamentar, atingida por impactantes eventos dos porões da corrupção. A cada dia, aumenta a lista de políticos pendurados nas planilhas das empreiteiras. A pergunta procede: quem não recebeu nada de empresas? Quem está imune às críticas?

Daqui a pouco a comunidade nacional entrará no clima das eleições municipais. Veremos nas telas de TV um desfile de caras e bocas. No palanque eletrônico ouviremos compromissos e promessas. Infelizmente, a demagogia vai continuar nas expressões mirabolantes, na recitação artificial de qualidades inventadas, na exposição de cenários e propostas irreais. O pleito nivelará os competidores. Vai juntar, lado a lado, pessoas de boa e má fé, bem intencionados, interesseiros e oportunistas. Siglas de aluguel se misturando a grandes partidos, que, por sua vez, desfigurados de doutrina, vão aparecer como massas amorfas. Quantos serão movidos pelo espírito de civismo? Os prefeitos que estão se re-candidatando fizeram ou não uma boa administração? Os novos representam efetivamente a inovação ou são apenas velhos perfis embalados no celofane do marketing?

Mas nem tudo estará perdido. Do lado dos eleitores, há um senso crítico em efervescente evolução. Na esteira da crise moral, a sociedade se torna mais racional e crítica. Passou a acompanhar de perto o desempenho dos atores. Até espera pelo cardápio indigesto que os telejornais oferecerão à noite. Nos recantos mais distantes, a vacina ética se diz presente. Há um eleitorado maciço que ainda vive sob os braços assistencialistas do Estado. Mas este próprio grupo se indigna contra o estado de descalabro em que se encontra o país. O voto de consciência se expande na esteira de um movimento concêntrico, que faz marolas por todas as partes, saindo do centro da sociedade para as margens. Um sopro de oxigênio invade os pulmões sociais.

Se ainda há canalhas desejando parecer santos, heróis ou salvadores da Pátria, acabarão sendo identificados pela lupa social. Que sabe muito bem que nomes guardar no santuário de seus corações
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Canalhocracia

A Operação Mani Pulite nasceu com a prisão do socialista Mario Chiesa. Depois, muitos parlamentares, administradores e empresários viram o sol nascer quadrado. Em dois anos, 6 ex-primeiros ministros, 500 representantes e prefeitos caíram nas malhas da Justiça. Figuras exponenciais se demitiram e correram para o exílio. Partidos sumiram ou se modificaram. Novas agremiações preencheram o vácuo político causado pelos juízes e promotores. Alberto Vannucci descreve as batalhas contra gangues oficiais e oficiosas (The Controversial Legacy of ‘Mani Pulite’. A Critical Analysis of Italian Corruption and Anti-Corruption Policies). Segundo ele, a operação não aprimorou a vida italiana. Pelo contrário, os corruptos abriram guerra contra juízes e promotores e os acusaram de atuar politicamente sem votos. A questão moral se reduziu à marca de um pequeno partido, o Italia dei Valori, liderado por Antonio Di Pietro, integrante da força-tarefa. O resultado pífio demonstra, adianta Vannucci, que “a Itália pode ser vista como um modelo de fracasso dos mecanismos institucionais comuns para o controle da corrupção, numa democracia avançada”. Os “laterones” (bom padre Vieira…) financiam processos democráticos e sustentam círculos clientelísticos. As novas leis, mais rígidas, só aumentaram o preço dos pixulecos.

Resultaram, da luta empreendida, a impunidade de políticos como Berlusconi e a leniência em relação a empresários corruptos. Os eleitores da Itália não foram além do apoio emotivo e passageiro aos investigadores e juízes. Em 1996, 91,8% dos votantes percebem a corrupção como um problema, menor apenas que o desemprego. Após 2008, só 0,2% considera a corrupção como gravíssimo obstáculo para o Estado e a sociedade (Italian National Election Studies, dados para as eleições gerais de 1996, 2001, 2008).

No âmbito empresarial, a predominância de famílias donas de empreendimentos possibilita novos elos amigáveis e corruptos com gestores públicos, o que lhes garante vitórias em obras públicas, etc. O número das condenações despenca após a Operação Mãos Limpas: em 1996 foram 1.714; em 2006, 239. Resta a certeza da impunidade. O juiz Gherardo Colombo afirma que “da ótica judicial, a Mani Pulite foi inútil, ou pior, danosa. O fracasso quase completo para assegurar condenações (de 3.200 acusados, 2.200 foram soltos…) fortaleceu a impunidade imperante na Itália” (La Repubblica, 15/5/2000). Outro juiz, Piercamillo Davigo, mostra que os predadores aumentaram, com a pressão da Mãos Limpas, sua força e habilidade criminosa. Ela lhes serviu para aperfeiçoar a bandidagem própria e alheia.

Deixo a companhia de Vannucci. Mas seu escrito é para nós um grave caveat. Recomendo a leitura do texto, cruel e lúcido. A lição serve aos brasileiros, hoje encantados com a Lava Jato, mas imprudentes diante dos políticos que, nos poderes nacionais, têm a capacidade de impor leis favoráveis aos corruptos e contrárias aos promotores e juízes. Bem antes dos analistas que pesquisam fatos recentes, como a Mãos Limpas e a Lava Jato, a Sociologia Política mostrou fraquezas do sistema democrático, em que medram várias corrupções. Não se trata de o rejeitar, mas de perceber as brechas que ele abre para o apodrecimento de governos e a sua troca por outros, autoritários.

Tomemos Max Weber, mais citado do que lido em nosso país. Em Economia e Sociedade e nos tratados sobre a política, ele faz a célebre distinção entre viver para a política ou da política. Os supostos revolucionários sem recursos praticam a “expropriação” de bens privados ou públicos para atingir seus alvos ou, num desvio previsível, para enriquecer pessoalmente. Na outra ponta, plutocratas podem se dar ao luxo de não engordar seus cofres pessoais com recursos do Estado. No plano empírico, no entanto, os dois tipos não se realizam em toda pureza. Revolucionários podem não rapinar e numerosos ricos saqueiam o Estado. As fontes da corrupção não brotam apenas em certos níveis sociais. O exemplo weberiano serve ao caso brasileiro.

Ao analisar a demagogia, doença inevitável na sociedade democrática, Weber indica o acerto do senso comum que julga ter o demagogo vitorioso os mais frágeis escrúpulos “quanto aos meios de captação das massas”. O traço negativo cabe, diz ele, “à democracia aproximadamente da mesma forma em que se aplica à monarquia a fala de certo general a um monarca autocrata: ‘Vossa Majestade logo estará rodeada por meros canalhas’” (Parlamentarização e Democratização). Fulmina Weber: “Democratização e demagogia seguem unidas”. Com o demagogo, cuja técnica no controle das massas é o plebiscito, enfraquecem todos os Parlamentos. O cesarismo considera os milhões de votos concedidos ao condottiere uma legitimação plena, dispensando organismos representativos na confecção das leis.

O Brasil não possui demagogos para arregimentar massas e impor um regime plebiscitário. Mas o nosso Parlamento não busca dirigir o País, só o parasita via Executivo. A farta legislação em causa própria prova que no Brasil os representantes, ricos ou antigos revolucionários, vivem da política de forma obscena. Análise importante é feita por Modesto Carvalhosa na revista MPD Dialógico (ano 13, n.º 47, 2016), sobre a apropriação do bem público. Quanto à canalhocracia, basta seguir, na Câmara dos Deputados, o Conselho de Ética (?!). Durante o processo contra Eduardo Cunha, os próprios membros acusaram uns aos outros de canalhice, molecagem, palhaçada, imbecilidade e outros mimos. Projetos de lei para amordaçar o Ministério Público e a Justiça prosperam na “casa do povo”. A roubalheira recebe honras de lei. Que tal aprender com a Mani Pulite e vigiar o Congresso, impedir que legisladores ordenem medidas para manter a impunidade? E que tal acabar com a prerrogativa de foro, excrescência defendida pelos que, nos partidos, adiantam falas demagógicas? Tinha razão o general citado por Weber: quem apoia demagogos logo será governado por meros canalhas.

Rio decreta a calamidade do Brasil

Cartão postal do país e incomparavelmente lindo, o Rio de Janeiro agoniza.

A cidade maravilhosa que sediará a Olimpíada daqui a 45 dias está em frangalhos. E o Estado que a abriga – com mais de 16 milhões de habitantes, 13 milhões na região metropolitana, na ruína.

O caos espalha-se na segurança pública, no transporte, na educação – em greve quase eterna – e na saúde, onde faltam médicos, medicamentos e até ataduras. A calamidade cotidiana, oficializada na sexta-feira como forma de garantir recursos emergenciais da União - que também não tem de onde tirar dinheiro -, escancara a falência não só do Rio, mas do Estado brasileiro.

Consumido pela corrupção e por um sistema político que consagra privilégios, mantendo para os eleitos a confortável distância dos eleitores, o modelo atual de Brasil há muito se esgotou. A exigência das pessoas, portanto de quem vota – as ruas e as pesquisas mostram isso -, é maior do que o Fora Dilma e Fora PT. É Fora Cunha, Fora Renan, Sarney, Jucá, Temer....


Reivindica-se um basta na ladroagem, no método eternizado de sugar da maioria para encher os bolsos de seletos alguns. Só que isso não se faz em um estalar de dedos, muito menos por ações espertas e populistas do tipo eleição-presidencial-já.

A insatisfação com o tudo que aí está faz com que a ideia de nova eleição para presidente apareça como solução para 63% dos entrevistados pelo Instituto Paraná, de acordo com pesquisa realizada a pedido do Blog do Noblat. Caminho fácil de desejar, mas distante da realidade, prática e constitucionalmente.

Ainda que fosse legal e exequível, a que lugar uma nova eleição presidencial levaria o país? Por que não eleger um novo Congresso, já que o atual também é repudiado? De que adiantaria realizar eleições com as mesmas regras que perpetuam o que o país rejeita? E ainda com as mesmas representações partidárias?

Antecedendo às várias questões sem respostas, está a urgência de emergir o país da crise em que a farra do PT de Lula e Dilma afogou.

É preciso recuperar a economia – tarefa para a qual dificilmente se conseguirá uma equipe com melhor habilitação do que a escalada -- e colocar em curso reformas inadiáveis, como as da Previdência e trabalhista. E concluir as investigações, processar e trancafiar corruptos de todos os matizes, oxigenação obrigatória para tratar a política com a seriedade que ela merece.

Residem nas investigações e condenações as maiores chances de se estabelecer uma nova modelagem de organização do Estado. De se rever não só o sistema eleitoral – se proporcional ou distrital –, voto facultativo, cláusula de barreira e propaganda eleitoral, mas a Federação, que só existe no papel. Redesenhar o poder da União, dos estados e municípios, e o peso para lá de desiquilibrado da representação dos eleitores de cada ente federativo no Parlamento.

Na origem, a crise do Rio é derivada da inépcia de governantes que se esbaldaram em festas como a dos guardanapos na cabeça em Paris. Não imaginavam a quebradeira provocada pela incompetência de Dilma Rousseff, a queda do preço internacional do petróleo e a consequente redução dos royalties.

Como o ex-presidente Lula e a presidente afastada, o ex-governador Sérgio Cabral e seu pupilo Pezão gastaram o que não tinham e penduraram a conta para o futuro. Colocaram em risco o Rio e o Brasil. Nada que possa ser salvo por uma chama olímpica ou por uma eleição de ocasião.

A política morreu. Viva a Política!

Não imaginei que viveria para ver um procurador-geral da República pedir a prisão de José Sarney e Renan Calheiros. Espero viver para ver um pedido oficial de prisão de Lula e Dilma Rousseff – e do restante da camarilha. Espero ver a refundação da República sobre bases moralmente compatíveis com a verdadeira Política, com P maiúsculo.

A delação explosiva do ex-presidente da Transpetro (subsidiária da Petrobras) e ex-senador tucano Sérgio Machado envolve 25 políticos de seis partidos: PT, PSDB, PP, DEM, PCdoB e PMDB. Traz minúcias de datas, nomes, codinomes, lugares, pedidos de propina em dinheiro vivo e até mesadas de R$ 300 mil ao presidente do Senado, Renan Calheiros.


Os detalhes provocaram na nação um misto de estupor, nojo e alívio. Alívio por perceber que a Lava Jato, mesmo ameaçada pelos investigados e réus, parece estar acima de governos e siglas. Quantas vezes os militantes petistas clamaram que a investigação seria asfixiada se Dilma fosse afastada. E agora? Tanto o impeachment quanto as semanas que se seguiram provam que ninguém está fora do alcance da lei. E isso é inédito no Brasil.

O estupor vem da dimensão pantagruélica dessa engrenagem podre. “Pantagruélica” quer dizer mais do que gigantesca – um adjetivo que normalmente acompanha “ambição” ou “gula”. O cidadão se pergunta: por que homens e mulheres eleitos e ricos, que já ganham supersalários e mordomias inaceitáveis, se sujeitam a tanta sujeira? O que essa dinheirama toda, que precisa ser escondida, traz de benefício real a uma pessoa ou a uma família de políticos? O que o roubo de dinheiro público, num país com tantas carências, com tantos pobres e analfabetos, traz de sossego à consciência?

Não basta aos acusados reagir como Dilma e Lula sempre reagiram, chamando as delações de “levianas, irresponsáveis e criminosas”. Assim fez o presidente interino, Michel Temer, acusado de pedir doação para a campanha de seu pupilo Gabriel Chalita à prefeitura de São Paulo em 2012. Uma imoralidade até branda, diante do manancial de propinas que, segundo Sérgio Machado, engordou, ao longo de anos, a cúpula do PMDB, muitas vezes a pedido do PT.

Depois de uma década escrevendo para ÉPOCA sobre malfeitos de nossa classe política, poderia não estar surpresa. Mas estou. Deputados, senadores, prefeitos, governadores e presidentes deveriam rir das denúncias de farras com passagens aéreas, reformas milionárias, 15 salários no Legislativo, jetons, milhares de apadrinhamentos em cargos comissionados. Coisas ridículas diante das fortunas passadas por baixo do pano, dos milhões ou bilhões que empreiteiras “doaram” a políticos.

Em abril, escrevi que o grande jogo de traições do PMDB impediria o impeachment. Estava errada, felizmente. Era claro, porém, que Renan Calheiros não queria o afastamento precoce de Dilma. Apostava no statu quo. Renan criticou Temer da mesma forma que, agora, o cobre de elogios. Afilhado de Sarney, Renan sempre foi olhado como uma raposa política. Sarney, o padrinho de todos, foi chamado por Lula, em 1986, de “grileiro do Maranhão” e, em 1987, de “o maior ladrão da Nova República”. Depois, Lula beijou sua mão e impediu seu afastamento.

“A política morreu”, disse em abril, para estudantes de economia, o ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso. Foi pouco depois de o PMDB de Temer romper com o governo Dilma. “Nós temos um sistema político que não tem o mínimo de legitimidade democrática. (...) Deu uma centralidade imensa ao dinheiro e à necessidade de financiamento. E se tornou um espaço de corrupção generalizada. (...) Quando o jornal exibia que o PMDB desembarcou do governo e mostrava as pessoas que se erguiam as mãos, eu disse: meu Deus do céu! Essa é nossa alternativa de poder. (...) Não tem para onde correr.”

As pessoas que “se erguiam as mãos” eram o presidente da Câmara,Eduardo Cunha, hoje prestes a ser cassado, após ser traído pela nega e pelo caboclo, e o então vice-presidente do PMDB Romero Jucá, réu na Lava Jato e afastado do ministério interino. Com o do Turismo, Henrique Alves, já são três os ministros de Temer afastados em cinco semanas. Por enquanto.

Reli o artigo “Sobre política e jardinagem”, do mineiro Rubem Alves, nascido em Boa Esperança, psicanalista, educador, escritor e teólogo. Ele morreu em 2014, em Campinas. No artigo, de 2000, faz um apelo aos jovens: “De todas as vocações, a política é a mais nobre... De todas as profissões, a profissão política é a mais vil (...) Nosso futuro depende dessa luta entre políticos por vocação e políticos por profissão. O triste é que muitos que sentem o chamado da política não têm coragem de atendê-lo, por medo da vergonha de serem confundidos com gigolôs”. Viva a Política por vocação. Essa é a nota de esperança.

Cabaré, Brasil!

Na semana em que o governo Temer completou seu primeiro e tumultuado mês, Meirelles estava escalado para vender ao Congresso o teto de gastos públicos e colocar finalmente a economia em primeiro plano — só que não.
A divulgação oficial na quinta-feira dos vídeos da delação de Sérgio Machado e filhos enfatizou como nunca a denúncia de envolvimento direto de Temer em pedido de R$ 1,5 milhão, oriundo de propinas da Transpetro, para campanha de Chalita (o agora queridinho do petista Haddad) à prefeitura de São Paulo em 2012.

Depois de negar as acusações por escrito, Temer subiu o tom e, ao vivo e em cores, chamou o ato de Machado de “irresponsável, mentiroso, leviano e criminoso”. Não explicou nada, mas terminou apostando alto. “Alguém que teria cometido aquele delito (...) não teria condições de governar o país”.
Há poucos dias, Sarney nem imaginava — ao classificar, no grampo de Machado, a futura delação da Odebrecht de “metralhadora .100” — que seria seu interlocutor e velho amigo quem fuzilaria primeiramente os políticos, a começar pela cúpula do PMDB, irrigado com mais R$ 100 milhões.
No total, Machado alvejou 26, incluindo nomes do PT, PP, PCdoB, PSB, DEM e PSDB. E derrubou mais um ministro de Temer — Henrique Alves, o terceiro pego na Lava-Jato. Além de rotular Renan Calheiros — que assume o lugar do quase cassado Cunha ao ameaçar Janot de impeachment —, como campeão do propinoduto, com direito a mesada de R$ 300 mil, a partir de 2008.

É interessante lembrar que em dezembro de 2007 Renan renunciou à presidência do Senado num acordo, apoiado por Lula, para salvar o mandato — depois do escândalo extraconjugal com Mônica Veloso. Nesse caso Renan é acusado de receber propinas da Mendes Júnior, cujo lobista teria pago despesas pessoais de Mônica.

O processo está no STF, prestes a ir a plenário, ao lado de outros dez da Lava-Jato. Enquanto não vem a temida delação da Odebrecht ou da OAS, que atingiriam sobretudo Lula e Dilma, é o governo provisório do PMDB que vai perdendo horizonte.

Outra acusação de Machado muito incômoda para Temer é a que afirma ter ele reassumido a presidência do PMDB em 2014 “visando controlar a destinação dos recursos do partido”. Isso teria ocorrido após o PMDB da Câmara reclamar da doação de R$ 40 milhões do grupo JBS, “a pedido do PT”, só para o PMDB do Senado.

A JBS investiu R$ 361 milhões nas eleições de 2014, valor equivalente à soma das contribuições oficiais das cinco maiores empreiteiras pegas no petrolão da Lava-Jato. Do total, R$ 115 milhões da JBS foram para o PT, R$ 61milhões para o PMDB e R$ 56 milhões para o PSDB.

A gigante da carne contribuiu para 162 deputados. Em fevereiro último, a CPI do BNDES, que detém 27% do capital do frigorífico, terminou sem que este fosse sequer ouvido. Dos 27 membros da CPI, 20 haviam sido apoiados pela empresa — cuja holding Meirelles presidiu até virar ministro da Fazenda de Michel Temer.

O terremoto político em nada abalou o impeachment de Dilma no Senado, que se arrasta em capítulos mais do que repetitivos. Nem os novos atores, os rivais Zé Eduardo e Janaína, foram capazes de provocar empatia do telespectador com as brigas de sempre do novelão.

Por enquanto, as atenções e emoções estão no seriado estrelado por Sérgio Machado — o “Cabaré Brasil”, onde falta mocinho e sobra bandido.

Vergonha não exime de culpa

O ex-guarda de Auschwitz Reinhold Hanning, de 94 anos, foi condenado a cinco anos de prisão pelo assassinato de 170 mil pessoas na era nazista.

Reinhold Hanning participou do maior crime já perpetrado pela Alemanha. Ele foi cúmplice ativo e passivo. Ele fez parte do industrializado extermínio de seres humanos e, ao mesmo tempo, é a prova viva de que, também na era do nacional-socialismo, não eram máquinas, mas pessoas, que estavam na execução.

Quando Hanning diz estar envergonhado, trata-se de uma emoção humana. Mas mesmo essa confissão não pode desculpá-lo. Ele carrega agora juridicamente a culpa pelo assassinato de mais de 170 mil pessoas.

Hanning não a carrega sozinho, mas também não pode ser isentado. Com o seu trabalho como um guarda num campo de concentração, o ex-membro da SS (Schutzstaffel, em alemão – organização paramilitar ligada ao partido nazista de Adolf Hitler) contribuiu para que Auschwitz se transformasse num lugar de intransponível horror. Por tabela, ele também foi responsável pela morte de 1,3 milhão de pessoas, incluindo mais de um milhão de judeus.

Com a condenação do guarda Hanning, assim como com as sentenças anteriores contra Gröning e Demjanjuk, a Alemanha mostra que aprendeu uma lição fundamental da era nazista: ninguém pode se esconder atrás de políticos, partidos ou comandos.

A Shoah [termo hebraico para Holocausto] foi um trabalho coletivo desumano daqueles que mataram e daqueles que permitiram que acontecesse. Durante o julgamento, o próprio Hanning explicou: "Eu sentia cheiro de combustão e sabia que estavam queimando cadáveres".

Por muito tempo, os alemães lidar com os crimes do período nazista. Também do lado dos órgãos judiciais. Quando, há 50 anos, o então procurador-geral do estado de Hessen, Fritz Bauer, tentou determinar a culpa de cúmplices de Auschwitz por meio de ações abrangentes, ele foi refutado até mesmo pelos tribunais alemães.

Durante décadas, ex-membros da SS escaparam de condenações por não ter se conseguido provar sua culpa por um assassinato concreto. Essa linha de argumentação foi adotada também pelos advogados de defesa de Hanning, que exigiam uma absolvição. Tal veredicto teria sido incorreto e intolerável para as vítimas.

Uma coisa é clara: na condenação de um senhor de 94 anos já não se trata de proteger a sociedade contra um criminoso. Trata-se de um compromisso com a dívida e a justiça para as vítimas. O processo de Detmold foi uma das últimas oportunidades públicas para alcançar este objetivo. Mas mesmo quando o último colaborador do Holocausto estiver morto, ficará na memória um alerta para as gerações futuras.

A República em perigo em meio à mediocridade

Acaba de entrar no forno o quarto ministro do governo Temer, no caso, Mendonça Filho, da Educação. A acusação é de haver recebido propina de cem mil reais para sua campanha a deputado federal, em 2014, por Pernambuco. Do jeito que as coisas vão, logo sobrará pouca gente no Ministério. A República vai sendo comida pelas beiradas, feito mingau quente. O presidente exige que peçam demissão todos os ministros flagrados em irregularidades. Ou pedem para sair ou serão saídos.

Há indícios de que o pêndulo começa a oscilar. O que parecia uma certeza transforma-se em dúvida.


Michel Temer conta com os votos de 54 senadores para permanecer no palácio do Planalto até 2018? Ou perderá a interinidade até que decorram os 180 dias desde que Dilma Rousseff foi defenestrada? Mas à presidenta afastada faltará oxigênio para continuar aspirando o retorno?

A sombra da rejeição paira sobre os dois, hipótese capaz de levar o Congresso a aprovar emenda constitucional marcando para outubro as eleições de presidente e vice-presidente da República. Com a proibição de tanto Dilma quanto Temer se candidatarem?

Nesse caso o país ficaria melhor? Depende dos candidatos e de seus partidos. Aceitar a inscrição de políticos envolvidos com a Operação Lava Jato seria pavoroso. Encontrar candidatos acima de qualquer suspeita, um risco dos diabos. Além de um salto no escuro.

Por isso se diz estar a República em perigo.

O jeito é ser ético

Edgar Vasques
Se cada pessoa age de maneira ética, isso pode ter um efeito político muito grande
Jorge luís Borges

Privatizar a Petrobras não resolve nada, é importante combater a corrupção

O presidente Fernando Henrique Cardoso privatizou um monte de estatais. Só que ele se esqueceu de mandar prender os ladrões, que apenas saíram das empresas privatizadas e foram saquear outras estatais… Somos roubados pelos menos ladrões há gerações. Se privatizarem todas as estatais, os ladrões serão nomeados para algum cargo importante dos poderes Executivo, Legislativo ou Judiciário e continuarão roubando o dinheiro do orçamento.

Seria possível privatizar os três poderes, integralmente? Claro que não. Portanto, vamos esquecer essa teoria simplista de que poderemos esterilizar a máquina pública apenas pela privatização, sem antes prendermos os ladrões.


A solução no Brasil não é privatizar tudo, pois empresas estatais existem em todos os países. Percebam que os ladrões presos pela Lava Jato são empresários de empresas privadas que tinham a certeza da impunidade. Ou seja, o problema no Brasil é a impunidade total para roubar.

Prendam-se os atuais acusados, sejam empresários, políticos, autoridades ou empregados, e logo veremos o quanto os ratos ficarão menos afoitos.

O Brasil é muito esculhambado para se deixar uma empresa do tamanho da Petrobras agir como cartel, monopólio ou oligopólio privado, uma vez que toda a empresa privada visa, exclusivamente, o maior lucro com o menor custo possível…

Concordo com a quebra de monopólio, mas discordo da privatização.
Se é para mudar e cortar despesas públicas, comecemos eliminando os cargos comissionados, que foram criados, propositalmente, pelos políticos para colocarem um comparsa como olheiro em cada fase das licitações, em cada fase da realização de obras e em cada órgão responsável por fiscalizar os gastos públicos.

Os cargos comissionados não geram apenas a despesa dos salários dos comissionados, geralmente incompetentes e incapazes de entrar no serviço público via concurso. Geram todos os males que são causados pela teia de proteção da corrupção instalada em cada órgão público.

Deputados já passaram 282 dias fora do Brasil

A Câmara dos Deputados custeou, com dinheiro retirado do bolso do contribuinte, exatas 282 diárias de parlamentares que viajaram ao exterior somente este ano, entre janeiro e junho. Nova York continua sendo o destino favorito de suas excelências: foram 91 diárias para a “Big Apple”. Outro destino frequente de deputados em viagens oficiais aos Estados Unidos é Las Vegas, cidade conhecida pelos cassinos.

A ensolarada Miami e as encantadoras Paris e Londres, também estão entre as favoritas. Mas houve quem viajasse até para Etiópia e Zâmbia.



A campeã em números de diárias é Soraya Santos (PMDB-RJ): passou 13 dias e meio em Nova York por nossa conta, em março.

Outra deputada que recebeu 13 diárias para ir a Nova York foi Tia Eron (PRB-BA), aquela que se tornou conhecida no Conselho de Ética.

O deputado Átila Lins (PSD-AM) foi a cidades como Beirute, Lusaka e, claro, Nova York, sempre ela. No total, R$ 23.473,95 em diárias.

Cláudio Humberto


A vida no bairro milionário da 'prisão' de Machado

Ruas de condomínios fechados e mansões, todas com câmeras e seguranças à espreita. Nas calçadas cercadas por muros altos, passa só um ou outro carro de luxo. Ao redor das quadras milionárias, favelas se acumulam.

O bairro Dunas, em Fortaleza, uma das áreas mais nobres - e desiguais - da cidade, será o cenário da prisão domicilar de Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro que em seu acordo de delação premiada na operação Lava Jato acusou mais de 20 políticos dos principais partidos brasileiros.

Machado, que relatou ter passado R$ 100 milhões em recursos ilícitos, vai iniciar nos próximos dias o cumprimento de três anos de pena em sua casa.


O delator passará seus dias em uma mansão com piscina e quadra poliesportiva, construída num terreno de cerca de 3.000 m² e cercada por outras construções de alto padrão. Segundo corretores imobiliários de Fortaleza, imóveis na mesma região, com piscina e metragem semelhante (entre 2.500 m² e 3.000 m² de área total), custam de R$ 10 milhões a R$ 12 milhões.

Entre os vizinhos de Machado está Tasso Jereissati (PSDB-CE), o senador eleito com maior patrimônio declarado ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral): quase R$ 400 milhões.

De acordo com uma moradora do bairro, que não quis se identificar, a vizinhança é composta por "médicos, advogados e muito promotor", "gente de influência, mas muto discreta".

O perfil "nobre", como define a moradora, faz com que boa parte dos que vivem ali tenham segurança particular e evitem andar na rua - entre eles, Sergio Machado. As calçadas ficam vazias na maioria do tempo por causa do medo de assaltos, segundo relatos feitos à BBC Brasil.

Em 2012, uma associação de amigos do bairro planejou pagar por um sistema de monitoramento orçado em R$ 750 mil para garantir a segurança do local.

A poucos metros da Praia do Futuro, ponto turístico da cidade, Dunas faz fronteira com barracos.

"Ninguém tem coragem de ficar andando na rua. Só quem anda são as pessoas da comunidade, onde sabemos que tem muito bandido. Por isso, quem é assaltado são os funcionários", diz a moradora.

Segundo ela, parte dos vizinhos quer a desocupação das favelas, que estariam poluindo uma lagoa próxima. "A gente tentou cercar para que ninguém tivesse acesso à lagoa e parte da cerca foi colocada pelo shopping Rio Mar (próximo ao bairro); não terminaram porque teriam de passar no meio das favelas."

O único momento de reunião dos vizinhos acontece na Paróquia Nossa Senhora de Lourdes, onde vão, de carro, para a missa. Os membros da família Jereissati são comumente vistos nas celebrações, conta uma funcionária da igreja.

"Na paróquia, é onde o pessoal se encontra. É um bairro de condomínios fechados, não tem gente andando, você só vê os carros. Não tem uma pracinha para socializarem."

A falta de convivência faz com que muitas pessoas da região não saibam que Sérgio Machado tem uma casa ali. Um vendedor de uma loja a três quarteirões da mansão de Machado, na Praia do Futuro, só descobriu pelo jornal quem o delator era.

"Só soube que ele era do Ceará pela televisão. Não se sabe muito de quem mora daquele lado."