segunda-feira, 23 de maio de 2016

Isolado e solitário

A boa noticia é que a gente pode descansar a mente. Não existe motivo para preocupação. Não se fala mal do Brasil no hemisfério norte. A má noticia é que ninguém fala do Brasil. Ele não esta no radar. É terra distante sobre a qual pouco se sabe e quase nada se fala. Está ausente da memoria, dos corações e mentes do resto do mundo.

Por aqui, não se sabe das palmeiras e muito menos se ouvem os sabiás. Não é ignorância. É simples desinteresse. Afinal, depois de tanto tempo investindo no isolamento, atingimos o objetivo buscado com tanta força e paixão. Estamos sozinhos.

Seria simples culpar os outros países pela nossa solidão. Afinal, eles sabem mesmo pouco sobre o país. Não seguem o que se passa. Não se interessam. Culpa-los, entretanto, seria exercício inútil de perda de tempo.

A falta de informação é função do desinteresse. Antes de mais nada, um dos maiores obstáculos a serem superados pelo país é que, realisticamente, não existem incentivos para que estrangeiros se envolvam, informem, ou mesmo visitem o Brasil.

As evidencias estão por toda parte. O Brasil recebe poucos turistas, pouca imigração, pouco investimento, pouca atenção, enfim. O Brasil não tem marcas conhecidas, produtos populares, não mais exporta musica, não tem cinema relevante. O isolamento é palpável.

Culpa nossa, sem dúvida. De um lado, desestimulamos qualquer interesse no país. De outro, minimizamos as oportunidades para que este interesse seja despertado. E tudo isto traz consequências.

A falta de engajamento do país e de seus agentes econômicos com o mundo exterior torna o pais não somente isolado, mas cada vez menos relevante para os outros países. A vida segue, mesmo que nos recusemos a dela participar. E o isolamento vai se cristalizando em irrelevância.

Talvez seja mesmo hora de mudar. A hora ideal para integrar ao comercio exterior passou. Faz tempo. Resta agora correr atrás do prejuízo. Abrir-se para o mundo. Rapidamente. E escolhendo melhor os aliados e parceiros.

Gigante brasileiro

Nunca tivemos uma dívida interna tão grande e tão cara. O Brasil pagou de juros, no ano passado, o equivalente a 10% do PIB (Produto Interno Bruto). Isso é algo como duas vezes o que pagou o Tesouro grego. É a maior conta de juros do mundo
Gustavo Franco

Cada vez mais felliniana, política brasileira supera 'House of Cards'

Charge O Tempo 22.05.2016
Se tivesse a sorte de ter nascido no Brasil, o diretor Federico Fellini teria ainda mais inspiração criativa, porque é aqui, do lado debaixo do Equador, que a ensandecida realidade consegue superar o talento criativo do cineasta italiano. Na política brasileira, o predomínio é da ficção e o nosso jogo de aparências faz o seriado “House of Cards” parecer obra de principiante. e um dos papéis principais, é claro, cabe à presidente Dilma Rousseff. No roteiro de terror dela, é preciso denunciar o golpe, a trama das elites, a opressão do capitalismo internacional, o fim dos programas sociais e a entrega do pré-sal às multinacionais.

Para se distrair entre uma cena e outra, Dilma montou no Palácio Alvorada um gabinete virtual da “pronta resposta”. O objetivo é usar suas páginas no Facebook e no Twitter para desmoralizar a gestão de Michel Temer, que ela chama de “governo provisório”. Ou seja, Dilma ainda acredita que, no final do filme, será levada nos braços do povo para retomar o poder, mas esqueceu de combinar com o roteirista.

Sempre querendo roubar a cena, depois de ter dilapidado o patrimônio nacional, Lula da Silva agora faz papel de um Al Capone sindicalista, que tenta despistar os intocáveis agentes federais e anuncia que será candidato em 2018 para impedir que os programas sociais sejam suspensos, vejam como a política o transformou num homem muito caridoso, que tudo faz para ajudar sua família e também as pessoas mais próximas, como a companheira Rosemary Noronha, o marido e a filha dela.

Lula e Dilma se odeiam, mas o roteiro obriga a atuarem juntos, entre tapas e beijos, um elogiando o outro publicamente, mas em disputa encarniçada nos bastidores.

Com a criativa maquiagem nas contas públicas, Dilma poderia até ganhar o Oscar de Efeitos Especiais, mas o resultado foi trágico, porque ela conseguiu derrubar todos os cenários econômicos em meio às filmagens.

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso insiste em continuar em cena, no papel de dono do PSDB e oráculo da política brasileira. Busca ser novamente protagonista, mas fica parecendo um comediante aposentado que tenta encontrar alguma forma de aparecer. Como se o partido lhe pertencesse, FHC vai logo avisando: “Se o governo Temer for para o lado errado, o PSDB o abandonará”.

Seus livros de memórias também são hilários. No mais recente, resolveu fazer uma refilmagem da compra da emenda da reeleição, que foi adquirida a preços módicos no Congresso. Mas agora ele tenta alterar o roteiro original, para fazer crer que a reeleição foi aprovada de graça, porque todo mundo queria que ele permanecesse eternamente no poder. Sua desfaçatez é como o pecado que mora ao lado.

Com o lançamento do novo livro, esta semana FHC ganha mais 15 minutos de fama, mas logo terá de sair do palco, porque o respeitável público já se cansou dele.

Debaixo dos holofotes, em cena aberta, Michel Temer agora tenta fazer o papel do jovem audaz no trapézio volante. Apesar da idade avançada e da falta de preparo físico, ele se segura como pode, porque embaixo não existe rede protetora.

Como não há condições de dar sozinho o salto triplo, teve de chamar Henrique Meirelles e compartilhar o governo com ele. É a primeira fez que o país tem dois presidentes no poder – um deles cuida da parte mais importante, a recuperação da economia, e o outro apenas toca a administração, mas não tem como realizar grande coisa, pois os recursos da produção são escassos e não há Lei Rouanet que dê jeito.

Mesmo assim, no melhor estilo felliniano, la nave va. Mas ninguém sabe para onde. O roteiro das cenas finais ainda não foi escrito, porque depende da evolução da dívida, que somente será resolvida mediante um calote monumental, pois não há como sonhar com um “happy end”, após a tragédia encenada na Era do PT, uma espécie de “Apocalypse Now” em versão tropicalista.

Rumo ao novo

O Ministério da Cultura, eterna aspiração de artistas e intelectuais brasileiros desde Gustavo Capanema, foi criado pelo primeiro presidente do PMDB, assim que se encerrou a ditadura. Trinta e um anos depois, quando um novo presidente do PMDB assume o poder, o MinC quase é extinto, virando secretaria incorporada ao Ministério da Educação. Um “puxadinho burocrático”, como disse com precisão Nelson Motta em sua coluna. O PMDB destruiria o que o PMDB criou, aquilo de que deve se orgulhar – uma forma democrática, moderna e eficiente de administração da cultura no Brasil.

Com sabedoria, o governo interino recuou e recriou o MinC, nomeando ministro da Cultura Marcelo Calero, até aqui secretário municipal de Cultura do Rio de Janeiro, agora substituído pelo excelente Júnior Perim, fundador e animador do Circo Crescer e Viver (desde a nomeação para a Funarte de Guti Fraga, do Nós do Morro, um produtor de cultura popular não assumia um cargo dessa importância).

Conheço pouco Marcelo Calero, mas acompanhei com simpatia seu bom desempenho à frente da secretaria municipal. Cordial e discreto, Calero é um homem de diálogo, imagino sua aflição com as atuais tensões na área e com a radicalização do ódio na política brasileira. Mas o problema não é quem vai para o posto, e sim para onde vai o posto. Aliás, que posto é esse?

A convenção imprecisa e tácita em torno do que é cultura nos impede de pensar suas sofisticadas ambiguidades. Tudo aquilo que é invenção do homem, o que não pertence originalmente à natureza, é cultura. Da cerâmica marajoara aos games eletrônicos, tudo é criação humana e, portanto, cultura. É dessas criações que tiramos nossa singularidade, a identidade de nosso grupo ou nação.

A expressão cultural contemporânea é fruto de uma troca de experiências criativas e de sua oferta aos outros. Ou seja, de uma troca de bens materiais e imateriais entre seus consumidores. Isso é conhecido como “economia criativa”, não só fonte de valores espirituais, mas também instrumento de produção de riqueza e soft power.

Pesado, caro, inacessível à gestão de diletantes, o audiovisual, elemento característico dessa economia criativa, é um setor bem estruturado e bem organizado de nossa produção cultural. Suas políticas e seus instrumentos de fomento e regulação estão consolidados por leis e são bancados, além de por incentivos fiscais, não pelo Tesouro Nacional, mas pela Contribuição ao Desenvolvimento do Cinema (Condecine), uma taxa paga pelo próprio setor, hoje num valor de cerca de R$1,5 bilhão ao ano.

A soma dos orçamentos de equipamentos do audiovisual no MinC, como o Conselho Superior de Cinema, o Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), a Agência Nacional de Cinema (Ancine), o Centro Técnico de Audiovisual (CTAV) e a Cinemateca Brasileira, equivale ou é mais elevada que a do restante do ministério somado. Sufocado, o audiovisual acaba sempre sufocando politicamente seus parceiros artesanais da cultura.

Hoje, o audiovisual responde por 0,46% do PIB brasileiro, de acordo com o IBGE, e injeta cerca de R$ 19 bilhões por ano na economia do país. Segundo pesquisa da Motion Picture Association na América Latina e do Sindicato Interestadual da Indústria do Audiovisual, feita a partir de dados do mesmo IBGE, o faturamento anual bruto da atividade é de R$42,8 bilhões. Com um peso econômico maior do que o da indústria farmacêutica ou o do turismo, o audiovisual gera 150 mil empregos diretos e indiretos, com remuneração acima da média nacional.

Com esse peso todo, não faz mais sentido subordinar o audiovisual às políticas das demais áreas da cultura, nem sufocar essas com seu gigantismo. O novo MinC é uma boa oportunidade para que se crie uma secretaria nacional, fortalecida, independente e específica da atividade.

Cacá Diegues 

'Ter Ministério da Cultura é fruto de mentalidade patriarcal, burocrática e centralizadora'

Um dos principais pesquisadores sobre a política cultural no Brasil, o escritor, museólogo e professor Teixeira Coelho não está pessimista com o fim do Ministério da Cultura.

Para ele a maneira centralizada com que o MinC vinha funcionando nos últimos anos era obsoleta e não dava lugar ao principal ente da cultura: as cidades. "A nação nesse sentido é uma ficção. A cultura existe nas cidades", afirmou em conversa com a BBC Brasil.


O Estado sempre se serviu da cultura para se defender. Com uma identidade, você tem controle mais fácil sobre as pessoas. Se não tiver um Estado para nos dizer isso, vamos viver num mundo bem melhor
Na sua visão, a discussão sobre o fim do órgão resvala em uma noção, ainda bastante patriarcal, do Estado como provedor e centralizador de um discurso cultural que parece já não caber em uma sociedade tão fluida, tão diversa.

"Ter um ministério assim é fruto de um pensamento aristocrático, paternalista, patriarcal e centralizador. A cultura não pode ser centralizadora."

No bate-papo, o ex-diretor do Masp (Museu de Arte de São Paulo) expõe uma preocupação maior com a rediscussão do papel do Estado na área do que com a resistência cultural ao fim do MinC: "O Estado não é um salvador da cultura, ela existe fora dos jogos governamentais".

'Governar é administrar pressões'

O anúncio do novo ministério pelo presidente Michel Temer trouxe a festejada expectativa de se reduzir o tamanho do Estado, sempre questionado como um dos maiores equívocos da administração pública e sua forte torrente de gastos – muitos de questionável qualidade e, especialmente, de prioridade. Num país pobre, de uma população, na sua grande maioria, com agravos a sua saúde, uma educação seletiva e de baixa qualidade, sem investimentos em pesquisa e precários incentivos à geração de trabalho e renda, a manutenção de quase quarenta ministérios, gastando o que o caixa não tem para pagar é, para ser educado, irresponsabilidade e burrice. Pior, sabendo-se que esses espaços, muitas vezes, servem apenas para acomodação de acordos políticos de duvidosa reputação. A transformação de algumas dessas áreas em secretarias – desde, é claro, que se reduzisse também o elenco de assessores, de cargos comissionados, a frota de veículos, os cartões corporativos, celulares, representações – até o Mantega sabia que era necessária e queria; não é preciso se luminar para entender que só se gasta o que se tem e que, em se tendo, também não faz bem quem gasta mal.


Passamos esses últimos dias ouvindo a classe artística e alguns intelectuais em manifestações contra, exatamente, a transformação do Ministério da Cultura em secretaria, vinculada ao Ministério da Educação. Nada que, no entender de muita gente, significasse um descompromisso com a cultura, se essa secretaria se deslocasse para um espaço além de conceder benefícios jogados ‘de grila’, descontados do que contribuintes pagam de Imposto de Renda. E não é pouca grana que rola por aí. As redes sociais se ocuparam de repercutir o protesto de artistas, teatrólogos, músicos, promotores de tudo, empresários de circo, numa bem articulada e eficaz manifestação, com nomes da intelectualidade e das artes. No vácuo, vieram os construtores de projetos culturais que o MinC analisa para fazê-los candidatos aos valores abatidos do imposto a pagar, por contribuintes simpáticos à abordagem que recebem de corretores dessas verbas ou até mesmo confiantes na seriedade dos projetos apresentados. Há centenas desses projetos que merecem tais incentivos. Tudo funcionando como um relógio, e ninguém perde. Só o Tesouro mas, bem feito, ganha a sociedade. Na contrapartida, as mesmas redes sociais trouxeram o apoio raso de simpatizantes com a ideia da transformação do MinC em Secretaria (havia os que brigavam para ser departamento, divisão, sala da cultura, grêmio e até cantinho da cultura), sempre comparando o que o Minc gasta com a eventual construção de postos de saúde, construção de escolas, compra de cestas básicas, viaturas de radiopatrulha, rolos de esparadrapo, soro antiofídico e lacto-purga. Enfim, comparando o incomparável. E aí não há ideia que se sustente.

Mas o pior veio dias depois do anúncio feito por Temer: não resistente às pressões, o presidente em exercício cedeu, desistiu de extinguir o MinC e já até nomeou seu futuro ministro. Não se discute mais se deveria ou não ser extinto o MinC, mas a velocidade de se atender às reações que seu ato, que se agora se pode dizer ter sido precipitado, despertou. Aí mora o perigo, principalmente se observarmos a velocidade como andam indicações e nomeações, muitas vindas de quem a MinC cumpre apenas procedimentos de praxe e a liberação de vagas para colocar na cadeia.

Governo poderoso


Os órgãos democráticos são governados por poderes não democráticos: o poder do dinheiro
José Saramago

A caravana do atraso

Conservador é uma coisa, direita é outra, mas os males de Pindorama nunca vieram de uma nem da outra. Vieram do atraso que sustenta um pedaço do andar de cima.

Michel Temer entrou no Planalto com a bandeira da reforma da Previdência. Ela gira em torno da elevação da idade com que os brasileiros podem se aposentar. Faz sentido que ninguém vá para a conta da Viúva antes dos 65 anos. Falta explicar como ficarão as pessoas do andar de baixo que estão há décadas no sistema do INSS. Não foram eles quem quebraram a Previdência.

Foi o atraso. Michel Temer, procurador do estado de São Paulo, requereu sua aposentadoria em 1996, aos 55 anos. Desde então passou a receber R$ 9.300 mensais. Naqueles dias, o cardiologista Adib Jatene, ícone da medicina brasileira comentava: “Tenho 66 anos de idade e 38 de serviço público. Não me aposentei”. À época o deputado Temer relatava a reforma da Previdência dos outros.

O deputado Ricardo Barros, ministro da Saúde de Temer, diz que o SUS deve restringir suas atividades e aplaude a proliferação de planos privados. Ele não é freguês do SUS, mas sua campanha recebeu uma doação de R$ 100 mil da operadora de saúde privada Aliança.

Já o ministro do Desenvolvimento Social, doutor Osmar Terra, ponderou que é preciso “oportunizar” a saída de gente do Bolsa Família, e que esse cheque não pode virar “coleira política”. Tem toda razão, mas nem todo mundo é capaz de “oportunizar” um acesso à “coleira” da Odebrecht, que injetou R$ 190 mil na sua campanha eleitoral.

Como disse Temer ao justificar seu pedido de aposentadoria, tudo foi feito dentro da legalidade, pois do contrário pareceria que era um “safardana”. Nem ele, nem Barros ou Terra são safardanas. São apenas parte de um enorme e histórico processo de predominância do atraso.

Os doutores nem novidade são. O patrono do ensino de Economia no Brasil é José da Silva Lisboa, o visconde de Cairu (1756-1835). Ele foi o primeiro professor de “Ciência Econômica” e propagava as ideias do escocês Adam Smith, o da “mão invisível” do mercado.

Quando foi transferido de escola, Smith ofereceu-se para devolver aos alunos o dinheiro do curso. Cairu aposentou-se aos 50 anos e nunca deu uma aula.

Desmonte e monte, desmonte



Fico olhando minha gatinha arrumando o lugar em que vai deitar. Ela apalpa, com uma pata e outra, alternando, como se macerasse uvas para produzir um bom vinho. Durante longos minutos fica ali, meio alheia, concentrada na sua atávica tarefa de arrumação, que não sei se é para esquentar ou esfriar o lugar, que nem sempre é o mesmo. Me faz pensar se nós também não vivemos por aí montando e desmontando nossas próprias camas, palavras e atos. Efeito borboleta

Ando pensativa. Acontece sempre, mas especialmente quando está para mudar de um ano para o outro, ou eu mesma mudar de ano, aumentar um número. E também na Lua cheia ou quando a vida me coloca diante de obstáculos ou decisões. Quando preciso desmontar alguma acomodação para logo montar algum caminho que chegue a outra acomodação. Igual ao solo, a terra que se amolda aos nossos pés, busco meu lugar, no espaço e tempo, para continuar crescendo. Sobrevivendo, agindo.

É uma atividade muito solitária e particular. Porque é como se entrássemos numa máquina do tempo e levados a revisitar determinados períodos, e aí aparecem alguns fatos, pessoas e decisões que moldaram o que é agora, formando um painel que você precisa primeiro estilhaçar, picotar, para formar o quebra-cabeça que quer remontar, criando um novo desenho.

Não é fácil desmontar. Nada. Principalmente nessa selva cheia de armadilhas e camas de gato da experiência humana, quando para se livrar de uma teia, cai em outra. Não é fácil desmontar a insídia que você nem ao menos conhece o teor total e criada por alguém para desconstruir e pulverizar sua imagem diante do que ama. Desmontar o ódio, o ciúme, a mentira e a ignorância que catequiza os distraídos.

Não é fácil desmontar os malfeitos e isso também, por óbvio, é pensamento que surge no delicado momento político que vivemos no país, diante dos olhos de quem quer ver, e inquietando a todos nesse prazo de dias em seis meses que passamos a percorrer. Em que tentamos sair do atoleiro e para isso temos de por correntes em rodas pouco confiáveis, mas as únicas que temos e que têm de girar, até porque não temos mais forças para sair atrás empurrando, preferindo esperar do outro lado da linha.

Os brinquedos de nossas tenras infâncias, muitos, eram de montar e desmontar. Se não eram, desmontávamos só para ver como é que tinham sido feitos, curiosos como cabe às crianças ser. O problema sempre era perder as peças, que espalhávamos, e aí não conseguir nunca mais fazer voltar ao que era, original. A solução fazer bico, olhando em busca de ajuda, ou deixar para lá, escondendo tudo, e logo nos encantando por outro brinquedo. Esse é o lado bom de ser criança. A responsabilidade relativa.

Mas não somos mais, infelizmente, petizes, e nem mais brinquedos são os fatos com os quais temos de lidar, agora sem tempo para troças.

De repente parece que ao redor não se deram conta disso, e baixou algum Erê (o espírito criança, que gosta de guaraná e bolo e se suja, se lambuza quando vem nesse plano) em pessoas que considerávamos mais sérias e maduras. Ou o que foi aquilo do prefeito de São Paulo de molecagem passando trotinho no opositor de quem não gosta, que dele fala mal? O que é que se pensa ordenando os meninos a irem para as ruas escracharem o que nem bem entendem, armados com sprays de tinta, contra armas, cassetetes e pimenta, pensando estar vivendo em cenas de HQ, ficção, algum Mad Max da Avenida Paulista? Brincando de brigar, de fazer fusquinha? Amigos atacando amigos, pessoas demonizando artistas, artistas demonizando cidadãos que, se são do bem não se sabe, mas como desinformados que certamente são acabam agindo e pensando de forma grotesca.

Como vamos desmontar esse foguete complexo?

Pergunto porque não sei respostas, nem as minhas, quanto mais as de nós todos, e muito menos as desse jogo político que lembra o rouba montes dos jogos de cartas. No momento tento só recuperar umas peças que andei perdendo, enquanto percorria outras fases dessa nossa longa história na qual os personagens principais envelhecem, mas ainda dão frutos que podem ser decisivos para começar de novo.