sábado, 21 de maio de 2016

Sim, nós podemos!

O que muda de saída é que o objetivo da ação do Estado deixa de ser manter o PT sozinho na arena política do presente e do futuro do Brasil ao qual tudo o mais esteve subordinado nos últimos 13 anos. Mudanças de rumo no interesse da nação voltam a ser possíveis; o projeto de uma democracia brasileira retoma o seu lugar no horizonte da nação.

Desse ponto em diante massas imensas de entulho precisam ser removidas para que a marcha possa prosseguir. Nu como esteja, o Brasil do “quéromeu” (o com e o sem discurso “ideológico”) está longe de se render. Michel Temer sabe onde mora o perigo e tem feito concessões a cada passo para que não lhe cassem antes da primeira dose a licença para ministrar remédios à economia que estrebucha nas suas mãos.

O que põe dentes na acintosa desfaçatez dessa máfia é a figura do “direito adquirido” na formulação pervertida de exceção ao direito geral que nas democracia só vale se valer para todos que tem no Brasil. Ela torna a injustiça exigível nos tribunais, perpétuos os privilégios e, ao autorizar o Estado a outorgá-los à vontade, galopante a corrupção. Mais que o custo, é a subversão institucionalizada que esse instrumento instala que nos mata.

Os miseráveis do Brasil, que pagam Imposto de Renda a partir de pouco mais de dois salários mínimos, sustentam todos os “auxílios”, gratificações, adicionais, abonos, recessos e “vales”-tudo e mais alguma coisa livres de impostos mas incorporados às aposentadorias precocíssimas das “excelências” e demais empregados do Estado que, descontados todos esses extras, já paga salários duas vezes maiores que os do Brasil real. A medida do quanto valem esses penduricalhos todos é dada pelas aposentadorias do setor público 33 vezes maiores, em média, que as dos “manés”. Bancam também os partidos sem eleitores (35 na ativa, mais 29 no forno), os sindicatos sem trabalhadores em que eles se inspiraram (115 mil mais 280 novos por ano), os “advogados” (trabalhistas) que não advogam (exploram um sistema institucionalizado de achaque), os empreendedores sem risco (R$ 323 bi ou 13 anos de Bolsa Família por enquanto), os “movimentos sociais” sem cidadãos, as ONG’s sem voluntários (o PT fez convênios com mais de 100 mil), os artistas sem público e toda a vasta multidão que chora menos porque grita mais…

Os tais funcionários “comissionados” enfiados na máquina publica e nas 140 estatais expressamente para mamar, não são só os 23 mil da União. Nos estados ha mais 115 mil. Nos municípios, meio milhão. 15.500 são criaturas recentes do Congresso; mais de 12 mil da Câmara dos Deputados onde são quatro vezes mais numerosos que os concursados. É deles o grosso dos “direitos adquiridos” mais aberrantes da teratológica coleção brasileira. São os tais garçons, motoristas, acensoristas e amigos diletos e parentes “assessores” que ganham mais, muito mais, que médicos e professores com mestrado e doutorado concursados e efetivamente a serviço da população.

Nesse mundinho particular, só uma coisa é sagrada: entrou não sai mais. Ponha-se o câncer das favelas na fila de espera e os documentos históricos da Biblioteca Nacional sob a chuva e tudo bem. “Normal”. Até idade mínima para aposentadoria admite-se discutir de tão evidentemente razoável que é, sobretudo nesta hora de tanta pobreza sendo transformada em miséria. Mas ouse tocar nos “direitos adquiridos” mais graficamente obscenos e injustificáveis e as trombetas de Jericó atroarão os ares do Oiapoque ao Chuí, da Côte d’Azur ao Baixo Leblon.

Ao fim de um longo e tenebroso inverno temos um presidente da Republica permeável à realidade e capaz de conversar e um “dream team” de profissionais do mundo real nos postos-chave da Fazenda pública. Só que cotinua sendo contra a lei consertar a economia do Brasil e inconstitucional manter a equação fiscal no equilíbiro necessário para garantir o valor do resultado do trabalho dos brasileiros que vivem do que produzem.

Como obrigar congressistas fisiológicos articulados por um governo de transição que nasce pendurado no ar num país onde todo mundo – a começar pelo todo poderoso Judiciário que desfruta da maior de todas – tem pelo menos uma tetinha para chamar de sua e acha isso muito justo é o desafio que se apresenta.

Parece impossível mas não é. A necessidade é a maior força da natureza. Os números que decretam o fim desse sistema medieval de opressão falam por si. Se exibidos pelo governo com um mínimo de competência didática mudam completamente o jogo de forças. O Brasil que mama está morto e não sabe. Mas logo vai ficar claro que só sobreviverá quem sair da frente para passar a ajudar a empurrar. Vem dor demais por aí para que isto pare numa simples manobra de ressuscitação.

A imprensa é o fator decisivo para uma “virada” mais ampla. Se assumir a cruzada que ha tanto tempo deve aos miseráveis do Brasil para esmiuçar cada parcela dessa conta sob a baliza da igualdade perante a lei liberta já o país. Modo de vida contra modo de vida, numero por numero, o escândalo desses privilégios posto ao lado da miséria que eles custam fará o milagre.

Como na Campanha Abolicionista que nos livrou daquela outra escravidão, vem das ruas, e não dos palácios, o “basta” que, desde 2013, empurra o Brasil para fora da Idade Média. Quem pôde o mais pode o menos. Lancetado o tumor da privilegiatura “adquirida” o caminho para tomarmos definitivamente o direito à ultima palavra sobre as decisões que afetam nossas vidas das mãos dessas mafiazinhas subornáveis estará aberto.

Parlamentarismo? Nova eleição? Chega de “mudar para que tudo fique igual”. As ferramentas consagradas do voto distrital, do recall, e do referendo que tornam os políticos totalmente dependentes de seus eleitores como devem ser estão aí para quem tiver a coragem de exigi-las. Com elas nas mãos, o resto das reformas a gente mesmo vai fazendo, na velocidade e na medida que a necessidade encomendar.

Fernão Lara Mesquita

Meu palavrão predileto

Como grande parte dos cientistas sociais brasileiros e latino-americanos, às vezes sinto uma vontade irresistível de empregar o adjetivo “liberal” como xingamento. Nesta parte do mundo, como bem sabemos, liberal é um feio palavrão.

Meus eventuais leitores por certo já repararam nisso. Por mais que procurem, os intelectuais, o clero, os dirigentes partidários e os chamados formadores de opinião não conseguem atinar com um termo mais adequado quando querem se referir depreciativamente a um economista, empresário, partido político ou ao próprio governo.

As entonações usadas são especialmente notáveis quando o personagem inquinado de fato propõe ou professa algo suscetível de ser considerado liberal. Pobre do partido político que fale em privatizar estatais deficitárias, ineficientes ou que simplesmente não tenham uma justificativa clara para serem mantidas no setor público. Maldito o governo que insista em manter as contas públicas e a inflação sob controle. “É um liberal”, alguém logo dirá. Ou, muito pior: “Não passa de um neoliberal”.

Resumindo, creio não exagerar quando digo que, entre nós, menoscabar o liberalismo se tornou uma atitude generalizada, direi mesmo um indicativo de qualidade intelectual: uma norma “culta”. Como isso aconteceu é uma história um pouco longa, mas farei o possível para contá-la no restante deste artigo.



A primeira causa – aliás, por definição – é o liberalismo político ser a teoria da democracia representativa – tanto assim que às vezes a designamos como democracia liberal; o oposto, portanto, do fascismo e do comunismo. Segue-se que o adjetivo “liberal” diz respeito a uma forma política dotada de instituições voltadas para a preservação da liberdade dos indivíduos e a autonomia de associações dos mais variados tipos. Como ideologias, o fascismo e o comunismo comportam exegeses imensamente complexas, mas os sistemas políticos que se propuseram a aplicá-las na realidade histórica foram totalitários, sempre e sem nenhuma exceção. Uma conclusão preliminar é, pois, que algo há de estranho em nossa alma latino-americana, ou pelo menos na alma das categorias profissionais a que me referi. Parece que odiamos viver em liberdade e esperamos um dia viver em Estados baseados no partido único, na polícia secreta e na censura generalizada dos meios de comunicação.

Outra causa perceptível é que o antiliberalismo geralmente aparece em estreita associação com o antiamericanismo. Odiamos a liberdade porque os Estados Unidos a cultivam e simbolizam. Porque tiveram a ousadia de se desenvolver economicamente de uma forma espetacular; por terem saltado de uma condição cultural de terceira classe para a dianteira em todos os setores do conhecimento, fato atestado por todos os rankings das universidades de todos os continentes. E, sobretudo, por sua visão atomística do individuo, uma filosofia abominável, eticamente inferior ao “comunitarismo” que nos guia e inspira, assim como inspirou ditaduras fascistas e comunistas pelo mundo afora.

Deve ser por esses e outros horrores do liberalismo em vários campos de atividade que nosotros tendemos a rejeitá-lo. Nossos corações e mentes pendem para o antiliberalismo, tão bem representado no século 20 por um Mussolini, um Stalin e até um Perón; e no passado recente, por um Hugo Chávez, o grande inspirador da revolução bolivariana e do progresso de seu país, a Venezuela.

Marxistas por formação ou simbiose, os antiliberais, como disse, tomam-se de sacrossanto horror quando pressentem a proximidade de um “neoliberal”. Esse, ao ver deles, é um indivíduo que não se contenta com manter a moeda estável e as contas públicas em ordem, com melhorar a eficiência no gasto público; não, eles querem mais que isso. Querem retirar do Estado suas atividades mais nobres, desde logo as que exerce por meio de empresas públicas, direcionando suas energias para tarefas comezinhas como a educação das crianças e dos jovens, para tentar minorar o sofrimento dos que acorrem aos nossos serviços públicos de saúde (cuja qualidade Lula certificou como sendo de Primeiro Mundo), ou ainda, a segurança pública e a defesa nacional.

Como pode alguém querer um Estado que faça “só isso”? – perguntam os petistas, os intelectuais de esquerda, alguns clérigos e, naturalmente, aquela parte do empresariado que gosta do capitalismo, mas odeia a concorrência.

Mas qual é, afinal, o ponto mais importante da disjuntiva liberalismo x antiliberalismo? O problema de fundo, o verdadeiro divisor de águas, parece-me ser o papel do Estado. O papel e, portanto, a dimensão e os tipos de atividades que devem permanecer na esfera pública, para bem assegurar os objetivos e a soberania nacionais. Antigamente, o que os antiliberais em geral e os fascistas em particular não toleravam era o que chamavam de Estado gendarme, guardião e protetor dos interesses burgueses; hoje, mais ou menos na mesma linha, o que causa urticária nos marxistas por formação ou simbiose é a (suposta) ideia do Estado “mínimo”. O que não deixa de ser curioso, tendo eles sempre acreditado que, depois da revolução socialista, o Estado pouco a pouco fenecerá, ou seja, perderá seu “caráter político”; por falta de função, ele se tornará cada vez menos necessário.

Escusado dizer que jamais algo parecido aconteceu em algum país socialista. Mas o ponto que importa é este: os segmentos intelectuais a que me referi, que tão exacerbadamente combatem o “neo”-liberalismo, na verdade, o fazem em nome de um “paleo”-liberalismo.

Bolívar Lamounier

A quem interessa a cultura aparelhada?

A reação dos militantes ressentidos do PT já era esperada. Eles ainda vão espernear por muito tempo. À medida que estão sendo desalojados das boquinhas públicas cresce a vontade de atear fogo ao país. Afinal de contas, foram mais de dez anos mamando na tetas do governo, realizando negócios escusos e aparelhando o Estado. O resultado de tudo isso foi o surgimento da maior organização criminosa do Brasil. Dois tesoureiros petistas na cadeia e um na bica de também ser preso, o ex-ministro da Comunicação Social, Edinho Silva. Zé Dirceu, o maestro do esquema, voltou para a cadeia e agora foi novamente condenado a mais de 20 anos. E os grandes empresários, cúmplices de toda bandalheira, também estão amargando seus dias na prisão.

É natural que os desempregados petistas reajam de forma violenta a qualquer tipo de mudança institucional. Afinal de contas, como são desqualificados, certamente não vão conseguir emprego facilmente na iniciativa privada. Os mais exaltados, como era de se esperar, são aqueles que perdem os salários milionários e as negociatas nos ministérios. Agora, desolados, tentam de todas as formas reorganizar grupos para desestabilizar o governo e promover badernas. O eco dos ressentidos ainda será ouvido por todos os cantos, estimulado pelos pelegos da CUT que transformaram as entidades de classe em centrais de propaganda fascista com o dinheiro da contribuição sindical.

Os petistas do fundamentalista Rui Falcão estão atentos a tudo. E se o Temer vacilar, eles vão para o ataque. Veja o que acontece com a ocupação do ministério da Cultura nos estados. Alguns dos invasores condenam o governo peemedebista de destroçar a cultura com o fim do ministério. Acusam o novo governo de tentar acabar com a arte, o cinema, a literatura. É claro que a medida é impactante, mas não é o fim do mundo. A cultura desaparelhada, se tiver apoio do governo, certamente vai contemplar igualmente aqueles que nunca tiveram acesso a recursos públicos porque não rezavam na cartilha petista. A cultura da república sindical mostrou-se um desastre. O orçamento do ministério, segundo a própria Dilma, era de 1%, insignificante para a demanda, quase todo direcionado aos apadrinhados do PT.

É inconcebível, por exemplo, que filmes de chachadas patrocinados pela Globo Filme cheguem ao mercado incentivados pelo dinheiro público da Ancine. E que esse mesmo dinheiro tenha foco na produção dos filmes dos simpatizantes lulistas. O mercado cinematográfico brasileiro ainda está engatinhando porque o incentivo que chega ao cinema não é para capacitar os produtores mas para compensá-los por agir como petista, pensar como petista e serem amigos de petistas. Não se trata de combater o incentivo, o que se discute aqui é como esse dinheiro deve chegar, sem intermediários, ao mercado cinematográfico, ao teatro e as artes de modo geral.

Por que os filmes incentivados têm que cobrar ingressos já que recebem dinheiro público para serem realizados? Por que então não chegam aos cinemas com preços mais baixos, já que foram subsidiados, para que mais gente tenha acesso às salas? Por que uma quota desses filmes não é destinada gratuitamente para as comunidades pobres? Por que até agora o acesso aos recursos da Ancine não foi democratizado de forma a contemplar o cinema sem discriminação ideológica e partidária? Na Argentina, a vanguarda de filmes de qualidade, o dinheiro chega aos produtores por um fundo que administra um percentual dos ingressos vendidos. O governo não é tutor, apenas fiscaliza.

Ao passar o serrote no ministério, sem uma discussão ampla com os gestores sérios e apartidários da cultura no Brasil, Temer deu aos militantes petistas o pretexto que eles queriam para fazer protestos contra o governo nos festivais de cinema do mundo, a exemplo do que ocorreu no FESTin, de Lisboa, e em Cannes, na França, onde eles chegaram às custas do dinheiro público.

Alojar a cultura na Educação, em princípio, parece uma decisão coerente, desde que não se mexa nos avanços conquistados nos últimos trinta anos quando o ministério da foi criado por Sarney. Veja que interessante: um presidente conservador, mas que tinha visão ampla da cultura e da sua importância no país. Mesmo assim, o ministério nunca foi prestigiado por nenhum governo, especialmente os do PT.

Quem trabalha na produção de cinema no Brasil sempre teve dificuldade em realizar projetos se não se adequasse aos mandamentos petistas, em um setor aparelhado e discricionário. O ministério da Cultura e seus órgãos foram ocupados por militantes desqualificados e ideológicos que tinham rancor de quem não lesse na cartilha deles. O critério para aprovação de qualquer proposta na área sempre foi o partidário, o que restringiu o mercado cinematográfico a alguns “iluminados” , partidários do lulismo, para quem faziam orações diárias sempre de olho no caixa da Ancine.

É preciso desaparelhar o estado, torná-lo mais amplo, despolitizá-lo. Criar mecanismo para que todos que fazem cultura no Brasil, independente de partido e de cor ideológica, tenham as mesmas oportunidades. Não é um prédio ou o fim de uma nomenclatura que vai impedir que o país se abra para o mundo. O Brasil precisa, de verdade, de gente que pense um novo modelo para a cultura sem o peso da mão de ferro ideológica.

Jorge Oliveira

O maior chato


O presidente que deixa o poder passa a ser, automaticamente, um chato
Nelson Rodrigues

A contaminação do PT

É uma história bem triste: lá estavam eles, os épicos petistas, empenhados em salvar o povo brasileiro da opressão quando, não mais que de repente, “eles” chegaram e “contaminaram” o PT com o “financiamento empresarial de campanhas” por meio do qual “as classes dominantes se articulam com o Estado”. Embora tenham, supõe-se, resistido bravamente, os petistas acabaram “envolvidos em práticas de partidos tradicionais”.

Parece piada, mas é exatamente esse o estapafúrdio argumento central da “autocrítica” feita pelos dirigentes nacionais do PT, na qual admitiram erros na condução da economia, todos eles atribuídos a Dilma Rousseff.


O presidente do partido, Rui Falcão, fez questão de explicar que o PT não está “pedindo desculpas nem fulanizando avaliações”, mas admite: “Pontuamos como autocrítica, por exemplo, o fato de tardarmos a reconhecer que havia um esgotamento da política de desenvolvimento que imprimimos”. Mas a direção nacional petista, fingindo acreditar que Dilma Rousseff voltará a exercer a Presidência da República, deixou claro, no documento que serviu de base para discussão no encontro, que a responsabilidade pelo “erro” é toda dela: “O Partido dos Trabalhadores propõe que a presidenta Dilma Rousseff apresente rapidamente um compromisso público sobre o rumo de seu governo, depois de derrotado o golpismo, defendendo uma ampla reforma política e medidas capazes de retomar o desenvolvimento, a distribuição de renda e a geração de empregos”.

Quanto à “ampla reforma política”, Falcão não se deu ao trabalho de explicar por que o PT não moveu uma palha para promovê-la nos 13 anos em que ocupou o poder, embora a explicação pareça implícita na admissão do fato de que o partido foi “contaminado” e preferiu dedicar-se a usufruir os benefícios da corrupção que instituiu como método de cooptação política e de fundamento da “governabilidade”.

Quanto à economia, o documento petista persevera no voluntarismo – ou caradurismo – que é a principal característica de seu populismo irresponsável. Propõe para o triunfante regresso de Dilma a demagógica obviedade de “medidas capazes de retomar o desenvolvimento, a distribuição de renda e a geração de empregos”, como se essas medidas pudessem se concretizar pela simples vontade dos governantes. Ora, o desenvolvimento econômico é desejado por todo mundo, não apenas pelos petistas. Mas foi a incompetência e teimosia do governo do PT que resultaram não no desejado desenvolvimento, mas em retração econômica, com suas graves consequências sociais. Essa tragédia é produto da absoluta inépcia administrativa do lulopetismo, aliada à espoliação sistemática do Tesouro e dos recursos da Nação.

A distribuição de renda de que falam os lulopetistas é outra empulhação paternalista, porque, por razões eleitorais, querem fazer o povo acreditar que se trata da ação unilateral de um governo generosamente disposto a “distribuir” dinheiro do próprio bolso – como se esse dinheiro não fosse de todos –, escamoteando o fato de que a verdadeira distribuição de renda é o justo compartilhamento, por toda a sociedade, da riqueza que ela própria cria. Bolsa Família, por exemplo, não é distribuição de renda. É medida governamental de emergência destinada a atender carências básicas.

Finalmente, “geração de emprego”, condição indispensável ao crescimento econômico e ao desenvolvimento social, é uma expressão que hoje o PT deveria ter vergonha de mencionar, já que os cerca de 14 milhões de brasileiros evidenciam o retumbante fracasso de sua “nova matriz econômica”.

Afastado do poder como consequência dos crimes de responsabilidade de que Dilma Rousseff é acusada, e também porque se demonstrou incapaz de abrir para os brasileiros as portas do prometido Paraíso, o PT preocupa-se agora exclusivamente com sua sobrevivência política. Dividido, não consegue definir a melhor estratégia para recuperar o prestígio perdido. Muitos petistas, como Lula, pensam em “voltar às raízes” e reencetar a luta por um “governo popular”. Não será tarefa fácil, porque perdeu a identidade, a credibilidade e o poder de garantir o apoio de movimentos “de esquerda” mantidos com verbas públicas. Foi no que deu ter-se deixado “contaminar”, não pelas “classes dominantes”, mas pelo embuste e pela corrupção.

Nepotismo e clientelismo na política brasileira

A posse de Michel Temer gerou críticas de antigos governistas quanto à legitimidade do processo e ao ministério montado visando à reorganização do Estado. Há, ao mesmo tempo, expectativa de muitos brasileiros para que o presidente interino faça alteração profunda na práxis política, sem penalizar os contribuintes com novos impostos, na busca imperiosa de ajuste fiscal e retomada do crescimento. Isso pode levar à troca de muitos agentes públicos que pode implicar avaliação subjetiva de capacitação profissional subjacente ao nepotismo ou ao clientelismo.

Nepotismo é a prática pela qual uma autoridade nomeia parentes próximos para o serviço público ou lhes confere outros favores, visando aumentar a renda da família ou montar uma máquina política alheia aos interesses da sociedade.

É um problema antigo, vinculado ao papel dos sobrinhos dos papas na administração eclesiástica. Ele se tornou instrumento para constituir oligarquias que são uma das formas mais perversas de controle do Estado.

Há, entretanto, um problema muito mais grave na tradição política latino-americana: as relações de patronagem-clientelismo contidas no cerne da organização social em diversos países. Elas impedem a modernização nas relações de trabalho, porque há troca de pagamento formal de bons salários por dádivas oferecidas aos trabalhadores pelos patrões (patronos). Permeiam as organizações brasileiras com a proliferação de cargos de confiança com livre preenchimento por autoridades. Eles envolvem dezenas de milhares de postos de trabalho e são objeto nos conchavos políticos, porque propiciam privilégios, poder de decisão, trânsito direto com outros órgãos, controle de verbas e gratificações especiais. Os protegidos assumem, então, funções por decisão indiscutível de autoridades que querem colocar prepostos na máquina do Estado para usá-la em proveito próprio. Tornam-se mais nocivos, porque viram assessores de qualquer coisa, mostrando que mudam de função ou repartição ao sabor da conveniência de seus patronos para servir apenas àqueles que lhes garantiram um bom emprego.

O funcionamento adequado da administração pública fica, portanto, comprometido pelo preenchimento de altos cargos ao sabor das flutuações na política; ou seja, a instabilidade nos diversos órgãos exige um eterno recomeçar, inviabilizando a construção de uma memória. Ela garantiria que muitos projetos não fossem abandonados, permitindo eliminar os erros e recuperar os acertos.

É indispensável, portanto, que a mudança na esfera federal implique a eliminação de vícios em relação à nomeação de cargos estratégicos. Não é possível que um Estado seja moderno se o corpo técnico não mantiver compromissos com a instituição, demonstrando pleno ajustamento a ela. Afinal, nepotismo e clientelismo na administração pública são igualmente graves, porque permitem a nomeação de incapazes para assumir alta responsabilidade em detrimento de talentos mais promissores.

Uma história velha

A historinha é velha, mas oportuna. Nos finalmente da II Guerra Mundial, o comandante-em-chefe das forças inglesas, general Bernard Montgomery, foi a Londres. Todo-poderoso vencedor do nazismo, respondeu aos jornalistas curiosos de saber a razão de seu sucesso: “é porque eu não bebo, não jogo, não fumo e não prevarico!” Monty despertou a reação de Winston Churchill, que também convocou os jornalistas, sem saber estar em poucos dias deposto das funções de primeiro-ministro. Ele também convocou os jornalistas. “Escrevam aí: eu bebo, jogo, fumo, prevarico e sou o chefe dele...” Quebrou a cara...

O episódio lembra, tantos anos depois, a substituição de Dilma Rousseff por Michel Temer. Madame se jactava da conquista do segundo mandato, mas, de repente, perdeu o poder. De nada valeram seus méritos de vitoriosa…

Carlos Chagas

Educação e Cultura juntas

A Cultura irá dispor de muito mais recursos sendo incorporada pelo Ministério da Educação. O sempre carente Ministério da Cultura (MinC), cuja participação no Orçamento Geral da União vinha oscilando entre 0,2% e 0,8%, certamente será muito melhor aquinhoado de recursos estando incorporado ao Ministério da Educação, que, obrigatoriamente, não pode ter menos do que 10% do Orçamento.

Acredito ser uma boa mudança, uma ótima oportunidade para se obter mais recursos. A classe artística vinha reivindicando que o orçamento do MinC fosse de 1% do total do Orçamento da União. Agora, acredito que poderemos ter condições de atingir e até superar essa meta.

É uma excelente oportunidade também para repensar a máquina administrativa e diminuir a burocracia que emperra um bom funcionamento da cultura e trata os produtores artísticos e os patrocinadores sempre com grande desconfiança, como foras da lei.


É a chance, quem sabe, de se ter o retorno dos super eficientes Serviço Nacional de Teatro, Serviço Nacional da Dança, Serviço Nacional de Música e Serviço Nacional do Livro, dentre outros. Tomara que tenhamos menos verbas para os interesses político-partidários e mais investimentos na brasilidade, na valorização de nossa cultura popular e folclore, que formam a base de nossa cidadania.

A música clássica foi totalmente abandonada pelo MinC. Por exemplo, a ópera — a mais cara expressão das artes cênicas, que não sobrevive sem subsídio governamental em nenhum país do mundo — simplesmente não existe na estrutura do MinC, não recebe recurso algum, nada.

No Rio de Janeiro, por exemplo, quando o secretário de Educação e Cultura era Arnaldo Niskier, o Teatro Municipal se beneficiou de generosas verbas do Salário Educação para suas produções de óperas, balés e concertos, além da manutenção de seus corpos artísticos com salários muito superiores aos de hoje.

Na gestão seguinte, assumiu Darcy Ribeiro, e continuamos tendo uma política cultural totalmente integrada com os Cieps, escolas em tempo integral que ele implantou por todo o estado. Nessa época, fui diretor artístico do teatro, e minha prioridade era um amplo programa de formação de plateia com alunos da rede pública e apresentações ao ar livre.

Fizemos parceria com o Projeto Aquarius, do GLOBO, e apresentamos a ópera “Aída”, de Verdi, completa com cenários e figurinos, na Quinta da Boa Vista, para um público recorde de meio milhão de pessoas, em 1986. Quando remontamos duas temporadas depois, tivemos excursões organizadas para virem assistir à ópera, vindas de várias partes do Brasil e até do exterior: Buenos Aires, Milão e Nova York.

Diante da enorme repercussão internacional, o Metropolitan Opera de Nova York adquiriu a produção, que ganhou o Prêmio Emmy de melhor espetáculo das artes cênicas de 1989, e já foi transmitida três vezes mundialmente pela televisão e cinemas, a última no ano passado.

Nestes tempos de penúria, é bom lembrar que a cultura é o mais poderoso instrumento de desenvolvimento econômico de uma cidade e o mais eficiente equalizador de injustiças sociais. O turismo cultural é a indústria que, para cada real investido em um espetáculo, é o empreendimento mais capaz de criar renda e gerar emprego, direta e indiretamente.

Sem esquecer que a vocação natural do Rio de Janeiro é o turismo cultural, é válido destacar que a cidade de Nova York saiu da falência total, que havia sido decretada em 1970, graças à cultura. Isso porque os artistas, inconformados com a carência dos serviços, o abandono dos empresários e visitantes, além da crescente violência, se reuniram e criaram a célebre campanha “I Love New York”, com espetáculos teatrais e musicais que atraíram de volta os turistas e as convenções das empresas. Resultado: aumentou o movimento dos hotéis, restaurantes e demais serviços na cidade. Com isso, a arrecadação de impostos da prefeitura aumentou, e a cidade saiu da falência, graças aos artistas!

Alexandre, o Grande, que conquistou o maior império na Antiguidade Clássica, ensinava a seus generais que toda conquista militar era provisória, se não fosse acompanhada por uma conquista cultural. Assim, disseminou centros culturais em todas as regiões que conquistava. A sobrevivência de um povo ou nação depende da força de sua cultura.

Fernando Bicudo

A agenda urbana

O manifesto público da empresa Andrade Gutierrez nos principais jornais do país é documento simbólico do início do fim do longo ciclo iniciado com a construção de Brasília, no qual a ideia de nação moderna, rica e potente, gestada nas entranhas do Estado, teve como parceiro as empreiteiras nacionais, que terminaram tornando-se "muito grandes para acabar” (assim como os principais bancos norte-americanos após a crise de 2008).

Neste documento a empresa assumiu responsabilidades sobre erros cometidos e afirmou compromisso com práticas éticas, e com adoção do projeto executivo completo, uma das origens dos problemas.

A ditadura militar aprofundou as relações entre governo e empreiteiras, esclarecidas soberbamente no livro “Estranhas Catedrais” de Pedro Henrique Pedreira Campos, não apenas como sistêmicas relações econômicas de trocas escusas mas como uma unidade político-social.

A luta pelas Diretas Já ocupou espaços públicos e criou emblemáticas imagens de cidadania com a população na Candelária, no Rio, ou na Praça da Sé, em São Paulo, e mesmo tendo sido frustrada nos seus objetivos, inaugurou um ciclo de otimismo político e que trouxe também inspirações para o urbanismo brasileiro. Havia o sonho de uma agenda urbana nova.


O processo de redemocratização foi marcado pelo desejo de melhores cidades, de participação e curiosamente de anseio por centro urbanos revitalizados, com mais moradia, com espaço público para pedestres e com o patrimônio cultural reabilitado. Deste modo, a reconstrução política e da esfera pública significava também revitalização dos espaços urbanos centrais onde a população havia reunido-se para clamar por seus direitos.

O Rio de Janeiro criou o programa Corredor Cultural, preservando, reconquistando a paisagem urbana histórica e remodelando espaços públicos, liderado pelo urbanista servidor público Augusto Ivan Freitas Pinheiro. A restauração do Paço Imperial na Praça XV carioca era outro marco da retomada do Centro do Rio. São Paulo faz a urbanização do Vale do Anhangabaú, após concurso nacional que selecionou projeto dos arquitetos Jorge Wilheim, Jamil Kfoury e Rosa Grena Kliass. A prefeitura de Salvador convida Lina Bo Bardi, Marcelo Ferraz e Marcelo Suzuki para elaborar um plano de recuperação do Centro Histórico. Curitiba, que desde os anos 70, graças ao urbanista-político-prefeito Jaime Lerner, mas especialmente a partir dos anos 80, consegue aprofundar e estruturar prática respeitável de planejamento urbano integrado.

Mais de 30 anos depois todas estas centralidades históricas são ainda ambientes urbanos frágeis e insustentáveis. São vazios, com pouquíssima ocupação residencial, com patrimônios abandonados (como poderemos ter turismo sério com prédios magníficos em ruínas?) e com espaço público deteriorado pela informalidade e sem consideração com o pedestre.

Desde a redemocratização, fomos vitoriosos na agenda econômica, criando uma moeda forte e estabilizando as finanças públicas, e solidificando aí um nova institucionalidade, a ponto de, quando foi ameaçada, como agora, acabar levando a presidente da República ao impedimento. Estas conquistas não foram perfeitas, muito há ainda por fazer, mas há senso comum de que este é um valor coletivo fundamental.

A agenda social foi também enfrentada e equacionada. Milhões foram incluídos, surge uma nova classe média ascendente e novos parâmetros sociais e até culturais são estabelecidos no país: a diversidade, o acesso a bens de consumo mas também a serviços públicos, o salto educacional. Estes feitos também não foram absolutos. Muito é necessário ainda. Mas do mesmo modo há compreensão clara que esta agenda não pode mais retroagir e que é a base dos anseios da sociedade, e mesmo políticos de linha retrógrada ao assumirem, como agora, afirmam compromisso com o social. Este é um legado inquestionável.

Acontece que em 2013 descobrimos da maneira mais dura que nossas cidades continuavam ruins como estavam durante a redemocratização, quando, após os longos anos 70, foram vitimadas por políticas urbanas autoritárias, destruidoras do espaço público, do patrimônio, plenas em lugares de exceção, com a explosão demográfica trazida pelo “Brasil Grande” aumentando significativamente a informalidade territorial em um cenário de absoluta ausência de políticas habitacionais (que perdura até hoje). Vimos, ao longo dos 70, o domínio absoluto do carro como cânone das dimensões urbanas, dando ao pedestre um papel passivo e servil.

Pois em 2013 descobrimos que a agenda urbana era prioritária, com as pessoas novamente ocupando os centros históricos e exigindo serviços públicos e cidades com padrão “FIFA”.

Percebemos que o urbanismo brasileiro continuava a perder de 7 x 1.

O que aconteceu entre 1984 e 2013 que não conseguimos implementar cidades melhores?

Mesmo vencendo as partidas contra os problemas econômico e social, que puderam ser trabalhadas dentro do tempo de mandatos políticos, o território urbano demanda mais tempo e planejamento para alcançar resultados.

Dotar as cidades de infraestrutura de mobilidade eficiente, baseada em transporte público de alta capacidade, e com qualidade, é por exemplo, um investimento contínuo, que precisa perdurar por distintas administrações, e envolver diferentes partidos políticos.

As políticas habitacionais são uma vergonha nacional, tanto pela ausência de modelos que garantam acesso a cidade, como para que possam lidar com a variedade social que temos. Se o ciclo da agenda econômica melhorou as condições de financiamento e crédito, e o ciclo social aumentou consideravelmente o acesso para a nova demanda, por outro lado não houve combate à informalidade, não houve urbanização de favelas e não houve ocupação residencial dos centros urbanos. O Minha Casa Minha Vida é a pá de cal da capacidade do governo federal de entender a crise urbana brasileira pois é uma programa segregador e anti-urbano.

O fato é que tanto PSDB, quanto PT, repetiram o sonho de JK, e mantiveram as mesmas alianças entre governos e empreiteiras que a ditadura militar gestou e pariu, pois ambos, de direita e de esquerda, são filhotes da concepção de um Brasil modernista, grande, desenvolvimentista, onde o interesse público que precisa ser materializado através de planos urbanísticos de longo prazo acaba sendo posto de lado em visões pragmáticas de administrações de 4 anos, incapazes que foram, e são, estes partidos de firmar pontos comuns do interesse público para a agenda urbana.

Não há clareza que esta condição mude. Este ano com eleições municipais corremos o risco dos debates ficarem circunscritos às questões da política nacional e o olhar necessário sobre como realizar e entregar melhores cidades tanto para a geração de 84 quanto para a de 2013 poderá não ocorrer.

A agenda urbana é a mais prioritária para o Brasil que adentra o século XXI com seus legados impressionantes na área econômica e social, mas só realizaremos isso com prefeitos mais competentes e capazes politicamente de comprometer-se com o verdadeiro interesse público de planos urbanos que extrapolem o tempo de suas administrações, entregando para a sociedade além de obras, metas, e provando ao setor privado que esta prática, além de lhe ser mais conveniente, é também mais ética. Precisaremos também de presidentes que acolham a agenda urbana como prioridade nacional e que trabalhem próximos dos prefeitos, pois sabemos que ninguém vive na União ou no Estado, vivemos nas cidades, e são nelas que estão as novas riquezas que precisam ser compartilhadas.