segunda-feira, 2 de maio de 2016


A reconstrução como fogo

Neste momento em que palavras se liquidificam e argumentos tornam-se cusparadas, até por dever de ofício sempre me pergunto o que é importante e como não perder o foco. O processo de impeachment segue seu rumo no Congresso, é hora de apressar o processo de reconstrução econômica, buscar atrair investimentos mais rapidamente, atenuar a crise no mercado de trabalho.

Os diagnósticos já conhecidos parecem convergir para um objetivo de retomada do crescimento com proteção dos mais vulneráveis. Uma das críticas ao Bolsa Família era a ausência de foco nos mais vulneráveis, precisamente para alcançar o melhor efeito com o dinheiro. A dispersão do modelo petista traz mais votos, mas tem menos eficácia. Vamos esperar a dança dos nomes e a chegada do momento em que possamos reagir, saindo logo desse pesadelo nacional. Uma capa de revista com cartaz “help” na estátua de Cristo expressa esse sentimento.

A energia de reconstrução talvez seja mais leve do que dos embates políticos do momento. Um segundo e importante front é a transparência sobre o que se passou no governo. Só a Lava-Jato colheu 65 delações premiadas. Num único fim de semana, três importantes depoimentos apareceram. Um deles, da publicitária Danielle Fonteles, revela como o esquema de propina sustentou a propaganda do PT e a folha dos blogueiros chapa-branca. Em outro, Mônica Moura, mulher de João Santana, revela que recebeu dinheiro por interferência do ex-ministro Guido Mantega. Finalmente, o dono da Engevix, José Gomes Sobrinho, revelou seu esquema de propinas pagas ao PT e ao PMDB, citando Renan e Temer. Todo esse conjunto de dados vai estar à disposição para que todos se interessem, leiam e saibam como operou o governo, como se venceram as eleições. Depois de tudo isso digerido, será mais fácil conversar. De vez em quando chegam críticas pesadas. No mesmo tom raivoso das ruas. Para alguns deles, sou velho e amargurado. Minhas ideias são medidas pelos anos e não pela sua consistência.

Bobagem. Quando todas as cartas estiverem na mesa, será mais fácil mostrar como se enganam os que veem em 2016 uma repetição de 1964. Talvez pressintam isso, mas são prisioneiros da tese de que Dilma sofreu um golpe e não um impeachment. O próprio Lula parece não compreender a diferença entre um golpe militar e um impeachment. Afirma que não entende pessoas perseguidas e exiladas pela ditadura apoiarem o impeachment. Como se estivéssemos apoiando censura, prisões, exílios e banimentos. A tese de que isto é uma repetição de 64 iguala o pensamento da esquerda ao de Jair Bolsonaro, que, no seu discurso, disse “vencemos em 64, vencemos de novo”, como se os tanques do General Mourão marchassem contra o Planalto.

O Brasil mudou, vivemos um momento diferente. A própria Guerra Fria, a atmosfera envolvente da época, foi embora com a queda do Muro de Berlim. No entanto, existe um dado na experiência pós-64 que ainda me intriga. Depois da derrota do populismo de esquerda, os jovens fizeram uma pesada crítica aos líderes, uma grande renovação, a partir do movimento estudantil que buscou um outro caminho, equivocado, mas um outro caminho. Hoje, os populistas levam o país para o buraco e ainda convencem seus seguidores que a derrota é fruto da maldade do adversário. Um dos artifícios é fragmentar a realidade, fixar-se numa era de bonança internacional, escamoteando uma longa gestão perdulária que acabou resultando nisto: retrocesso econômico, desemprego. Assisti no século passado ao fim do socialismo real. Agora assisto aos últimos suspiros do chamado socialismo do século XXI, com as mesmas filas para comprar produtos essenciais. Minha rápida incursão na Venezuela, já na fronteira, indicava o fracasso boliavariano. Ainda no lado brasileiro, em Pacaraima, via pessoas com imensos maços de notas em busca de reais ou dólares. Os caminhões de carne brasileiros voltavam cheios porque já não conseguiam pagá-los.

Aceitar a realidade não significa amargura. Talvez por isso tanta gente se refugie na ilusão e persiga tantos moinhos. Aceitar a realidade abre caminho para novas ideias, reinvenções. No século passado, foi possível abrir novos caminhos para uma esquerda limitada pela luta de classes. Ao cooptar as lutas emergentes e colocá-la sob sua asa financeira no Estado, a esquerda conseguiu levar algumas dessas lutas à caricatura. De todos os princípios que tentei preservar do desastre do século passado, ao lado da preocupação com o meio ambiente, os direitos humanos, a redução da desigualdade social, um deles é básico: a democracia como objetivo. Por mais que fale em democracia, o governo do PT a utilizou para seus próprios fins, esgrimiu seu nome sempre que isto era bom para ele.

Quando passar toda essa emoção, pode estar aí um bom roteiro para descobrir o ovo da serpente. Não adianta brigar ou cuspir, mas tentar entender a ruína do próprio projeto político. O governo vai dizer que caiu por suas qualidades. O marketing exige assim. Uma sociedade malvada rejeitou seus salvadores. É uma canção de ninar. Sofremos na terra, mas será nosso o reino dos céus. Perdemos mais uma batalha, mas será nossa a vitória final. Se conseguir interessá-los por esse paradoxo, talvez tenha valido a pena ouvir os seus insultos.

A ruína da redenção

Estamos no epílogo de um longo período de obscurantismo, que começou com uma promessa de esclarecimento.

Desde o começo, o esclarecimento, porém, tinha um forte componente religioso, baseado na ideia de uma espécie de redenção nacional. A história estaria recomeçando a partir de um ponto zero, divisor de águas entre o antes e o depois. É como se os séculos do país devessem, doravante, ser contados de uma outra maneira.

Expressões típicas desta vocação religiosa são a “herança maldita” e “nunca dantes neste país”.

Resultado de imagem para Dilma como santa charge

A primeira pôs especial relevo em que tudo o que existia anteriormente estaria marcado por um tipo de maldição indelével, fruto de pecados sucessivos, que eram, na verdade, crimes irremissíveis.

Do ponto de vista do discurso político, era o resultado de uma visão de esquerda, segundo a qual o capitalismo, o lucro, a propriedade privada e o mercado deveriam ser conjurados e controlados severamente. Um Deus político de novo tipo deveria ser honrado, manifestando-se sob a forma de um Estado intervencionista.

O lucro era o pecado, o Estado a redenção. O passado era condenável, o futuro promissor. O seu instrumento o PT e um líder carismático com pretensões messiânicas. Um toque seu podia ungir uma candidata a presidente ou um candidato a prefeito.

A segunda marcava, com fervor, o anúncio do amanhecer de um novo dia. As trevas fariam parte do passado, os tucanos seriam a sua caricatura e um recomeço estaria por vir. A certeza religiosa seria uma prova de sua revelação. Os “pobres” seriam resgatados, apresentando-se como os símbolos desta nova época.

Note-se, particularmente, que esse discurso não cessou de ser repetido, mesmo tratando-se, sob uma forma prosaica, da continuação, em maior escala, de programas sociais de governos anteriores. Não havia recomeço, porém tão somente a retomada de algo dado.

Mais precisamente ainda, a dita ascensão da nova classe média foi o resultado de uma política voltada para o mercado, consubstanciada no Plano Real, que emancipou milhões de indivíduos em uma economia estabilizada. Neste sentido, foi o mercado, e não o Estado, o verdadeiro redentor, salvo na acepção de que coube a este livrar o país da inflação e introduzir uma verdadeira responsabilidade fiscal.

Havia, porém, nesta política de cunho religioso/esquerdizante, um componente de suposto esclarecimento, tendo como eixo central a ideia da ética na política, de limpeza da esfera pública, em nome de uma outra moralidade. Trava-se, na verdade, de uma exigência da sociedade por uma nova política.

A promessa messiânica, no entanto, não tinha nenhum fundamento. Esvaiu-se em seus interesses escusos e, em um primeiro momento, ocultos. A sociedade tomou tempo em esclarecer o engodo no qual tinha acreditado. Foram penosos 13 anos que, agora, encontram o seu término.

Interessante observar que a miopia ideológica que tomou conta dos cidadãos deste país foi de tal grau que até o mensalão, germe do petrolão e da ruína atual, não foi, naquele então, compreendido em sua verdadeira dimensão. Já naquele momento havia elementos suficientes para um impeachment, porém as condições políticas estavam ausentes.

Mesmo os tucanos tiveram um problema ideológico em dar início a um processo deste tipo contra quem era considerado um “trabalhador”, na verdade um sindicalista de profissão. Era a concepção de esquerda que, blindada, se debatia com seus próprios fundamentos. A ética e a política foram sacrificadas em nome de uma crença de esquerda então ainda vigente.

Curioso também notar que, na votação do impeachment na Câmara dos Deputados, os petistas e seus “intelectuais” de plantão se insurgiram contra um suposto baixo nível dos deputados, que votaram em nome da família e de Deus.

Por que a indignação se até pouco tempo atrás os mesmos deputados eram afagados e tratados com respeito? Porque teriam mudado de posição e não mais obedeciam às ordens dos salvacionistas? Os religiosos petistas pretendem posar como “esclarecidos”. É, no mínimo, hipocrisia!

Como em um barco afundando, a visão salvacionista começou a botar água por todos os lados. Os cidadãos começaram a acordar de um longo pesadelo. Chegaram a lotar as ruas e caminhar por seus próprios passos.

A Lava-Jato foi uma espécie de culminação deste despertar, lançando as bases de um novo relacionamento dos cidadãos com a coisa pública. Não sem razão, tornou-se um patrimônio nacional.

O seu próprio nome já sinaliza a lavagem que pretendia da corrupção e da malversação dos recursos públicos, em uma triangulação entre empreiteiros inescrupulosos, governo sem caráter e funcionários/militantes a serviço partidário. Lavou a máscara petista da suposta defesa da ética na política. A fachada do governo Dilma exibiu um porão podre, fétido, cujo odor foi sentido pela sociedade em seu conjunto.

A mensagem salvacionista ruiu. O Estado intervencionista expôs toda a sua incompetência e falta de critérios e moralidade. O PIB afundou em níveis inacreditáveis. Ninguém teria acreditado há alguns anos atrás em tal competência para a destruição. Os pilares da estabilidade econômica e social foram simplesmente abolidos. O demais foi progressivamente desmoronando.

Ressalte-se, contudo, que, neste seu estertor, a presidente Dilma, o ex-presidente Lula e o PT ainda procuram manter o discurso salvacionista, voltado para os pobres e oprimidos, como se não fossem eles os responsáveis de um desemprego acima de dez milhões de pessoas, alcançando, em termos familiares, entre 40 e 50 milhões de indivíduos. Uma verdadeira catástrofe.

O Estado intervencionista/salvacionista não precisa prestar contas a ninguém, senão a si mesmo. A irresponsabilidade é a sua marca. A sua consequência, o descalabro fiscal. Não deveria, pois, surpreender a instauração de uma “contabilidade criativa” e a prática das “pedaladas fiscais”. Os seus autores sofrem, apenas, os efeitos de sua própria irresponsabilidade.

Detalhe: os mensageiros da ruína se autointitulam progressistas!

Denis Lerrer Rosenfield

Só abre a boca pra dizer besteira

Charge (Foto: Miguel)
O mais grave de tudo o que fizeram é não permitir que o Brasil combatesse o aumento do desemprego e a crise econômica
Dilma no comício de 1° de maio

'Mamãe, me acode!'

Sou um leitor interessado no que escrevem colunistas, articulistas e editorialistas. Interessa-me menos o que as pessoas falam do que aquilo que escrevem. Verba volant, scripta manent, diziam os latinos. As palavras voam, o que se escreve fica. Por experiência sei, também, que quem escreve, pensa cada palavra, pesa seu efeito, verifica sua adequação ao conteúdo e à forma do texto.

Tenho lido muito sobre os meses por vir. Há autores aparentemente convencidos de que o Brasil deve resolver seus problemas mantendo o que está em curso, sem retificar estratégias. Sair da crise, contanto que nada mude. Mudar o destino mantendo a rota. Mais, se Temer alterar políticas sociais, desabarão sobre ele não apenas as setes pragas do Egito. Também seus dentes cairão, a artrite o deformará e se fará merecedor da malquerença divina no Juízo Final. Estará ferrado aqui e na eternidade. 

Escrevo este artigo no Dia do Trabalho. De alguns textos que li se deduz que se Temer promover flexibilizações na legislação trabalhista, em vez de facilidades, estará criando dificuldades para os 11 milhões oficialmente desempregados do país! Até parece que essa multidão não está amargando a fila do SINE, mas olhando as páginas de economia dos jornais, selecionando seu futuro emprego segundo o desempenho, no mercado acionário, das empresas que oferecem vagas. Afinal, aquelas cujas ações estão bem cotadas provavelmente proporcionam bons planos de saúde, aposentadoria complementar e participação nos resultados. "Mamãe me acode!", como diria o senador Magno Malta.

Na Constituição de 1988, o Brasil decidiu constituir um Estado de Bem Estar Social onde, "passar desta para uma melhor" significa, principalmente, elevar o padrão de vida por conta do Erário, com o mínimo ou nenhum esforço pessoal. É claro que há um custo, mas como é um custo do Estado, supõe-se que ele não tenha um pagador efetivo, ao menos nesta vida. É o que se chama "pedalar a conta de uma geração para a próxima", com reembolso a juros simples, claro, que sai mais barato, segundo os entendidos.

Por incrível que pareça, o que acontece na vida real dos desempregados não entra nas cogitações de sindicatos e centrais sindicais, partidos de esquerda e, tudo indica, Justiça do Trabalho. Ninguém é mais realista do que quem está na pior. Ninguém é mais idealista do que quem se sente seguro. Aquele que bate calçada no olho da rua atrás de vaga, com família para sustentar, está mais interessado no trabalho do que nas férias, no salário do que no horário, no prato do que no sindicato, na hortaliça e no pirão do que na justiça e na convenção. Pode doer, mas é verdade. E foi o governo que criou essa situação.

A pantomima fica ainda maior quando se compreende que o Estado de Bem Estar Social - se isso existir e se sustentar - só pode ocorrer onde riqueza, investimento e poupança sejam gerados de modo permanente. Antes disso produz endividamento, inflação e desemprego. Em horas de crise, insistir em formalidades relativas às relações de trabalho muito dificulta a vida de quem está sob a regra da urgência, atrás de uma ocupação em que possa ganhar sustento.

Percival Puggina

Contra a democracia

Dilma Rousseff se refere agora à Presidência da República como “minha cadeira” – quando aquela “cadeira” é pública, a ninguém pertence. Mas não é disso que vou me ocupar aqui. O sociólogo Gustavo Falcón, autor do excelente “Reformismo e Luta Armada no Brasil”, me leva a detalhar o artiguete onde afirmei que, durante a ditadura militar, Dilma jamais defendeu a democracia no Brasil.

Falcón sabe que Dilma, expert em falsificar fatos, mente sem pudor quando se apresenta como alguém que, entre o AI-5 e os tempos de Médici, foi uma brava militante democrata. Conhecemos a história política de Dilma. Ela criou uma fantasia deliriosa para consumo próprio, bem distante da realidade da esquerda militarista em que se enrascou.

Dilma veio jovem para a esfera de influência da organização “marxista-leninista” Política Operária (onde ficou um semestre na célula da Faculdade de Economia) – a Polop, que considerava imbecilidade essa conversa de “democracia”. Livro-de-cabeceira dos polopianos era “Estado e Revolução”, de Lênin, pregação acesa a favor da destruição do Estado representativo-parlamentar.

Para o Brasil, o programa era unívoco: derrubar a ditadura dos patrões para, em seu lugar, implantar a célebre ditadura do proletariado. A democracia era olhada como manipulação alienada, desprezível. E deveria ser combatida em nome da revolução socialista. Dilma, embora militante sem qualquer relevo (na verdade, naquele arremedo de luta armada, ela nunca foi além da “intendência”), rezava por essa cartilha.

Chegou na Polop no momento do racha da organização, optando então pela facção militarista, que se confinou no Colina – Comando de Libertação Nacional. Adiante, duas vertentes da esquerda armada, o Colina e a VPR (Vanguarda Popular Revolucionária), se fundiram na VAR (Vanguarda Armada Revolucionária)-Palmares. E em todos esses momentos e organizações, “democracia” era palavrão. Mistificação execrável para sustentar a dominação da classe burguesa. O projeto continuava o mesmo: substituir a ditadura militar da burguesia pela ditadura militar do proletariado.

Agora, por que Dilma esconde esses fatos e se dispõe a mentir tão safadamente para o conjunto da sociedade brasileira? Simples: porque hoje fica muito bem na foto quem diz que enfrentou heroicamente a ditadura em nome do princípio maior da democracia. Mas fica mal quem admite que, como os militares, também achava que a solução estava numa ditadura. E Dilma prefere a morte do que ficar mal na foto.

Ponte para o passado

Quanto mais se aproxima do precipício, mais velocidade o PT imprime à caminhada em direção à queda. Queima caravelas e parece querer construir uma ponte para o passado, comportando-se como o partido que perdeu três eleições presidenciais antes de vencer quatro vezes consecutivas a partir de uma reformulação de imagem.

Os movimentos do partido, do governo e respectivas áreas de influência nas últimas semanas indicam a preparação de uma retirada absolutamente em desacordo com as práticas mais corriqueiras nem se diga do manual republicano, mas da civilidade, do bom senso e, sobretudo da lógica na perspectiva de quem não pretende abdicar da atividade política.



Nada do que dizem ou fazem a presidente Dilma Rousseff, o ex-presidente Luiz Inácio da Silva e seus correligionários guarda relação com a sensatez. Ao contrário, mais parecem personagens dos episódios da História Mundial relatados pela escritora americana Bárbara Tuchman sobre atos insensatos que levaram seus autores a construírem a trajetória das próprias derrocadas.

Vejamos alguns dos mais recentes exemplos da marcha da insensatez petista. Os discursos cada vez mais agressivos da presidente da República a levaram a contratar desafetos quando necessitava de todo apoio que pudesse reunir.

O incentivo à guerra de militantes, cuja culminância (por enquanto) deu-se na quinta-feira quando apoiadores do governo armaram barricadas em várias cidades, interditando avenidas, agredindo o direito de ir e vir da população a título de atrair “visibilidade” aos protestos contra o impeachment. Certamente não conquistaram adeptos à causa entre os “engarrafados”.

A fim de aproveitar seus últimos momentos, a presidente estava decidida a aproveitar a passagem hoje do Dia do Trabalhador para anunciar o chamado pacote de bondades como aumento nos benefícios de programas sociais e correção na tabela do Imposto de Renda. Por que não fez antes? Porque não há dinheiro. Mas, como a conta tudo indica será transferida para o sucessor, às favas com o ajuste de despesas.

A ideia de não fazer a transição para a futura administração denota o quê? Completa irresponsabilidade para com o País, nota dez em ressentimento e grau abaixo de zero no quesito espírito público. Há ainda o plano de reeditar campanha de eleições já, inexequível pela falta de previsão constitucional e de apoio no Congresso para aprovar a realização de um pleito extraordinário.

Para concluir, nem falemos sobre um pretenso périplo internacional para denunciar “o golpe”, porque deste já cuidou o Itamaraty ao se recusar, com senso do ridículo e conduta de Estado, a aderir a uma cruzada brancaleone.

Baião de dois. É fato que os 54 milhões de eleitores que reelegeram a presidente Dilma Rousseff o fizeram majoritariamente em apoio à campanha do PT. Não é verdade, porém, que o candidato a vice não os tenha recebido também. Assim como podemos raciocinar que alguns desses eleitores não tenham votado em Dilma por discordarem da aliança com o PMDB.

Todos sabiam que elegiam uma dupla. Quem votou em Aécio Neves o fez consciente de que escolhia o senador Aloysio Nunes Ferreira como o primeiro na linha de sucessão. Tal informação foi dada ao eleitor, inclusive na urna eletrônica. Um dos motivos pelos quais não faz sentido a alegação de que Michel Temer não teria a legitimidade do voto para governar.

A outra razão está no empenho do próprio PT em reeditar a parceria oficial com o PMDB firmada em 2010. E qual a motivação dos petistas? Valer-se da influência, do peso no Congresso, da presença e organização do partido com maior capilaridade no País.

Os gafanhotos do PT

Para onde vão os 22 mil servidores comissionados depois que Dilma Rousseff deixar o governo?...

Para os governos petistas estaduais e municipais, ora.

É um bando de gafanhotos do dinheiro público.

O Antagonista

Mucunaímas, vambora vambora

Sabe aqueles filmes antigos tipo O Gordo e O Magro, ou os do Chaplin, em alguma cena em que alguém aparece e põe eles para correr de algum lugar, chuchando os seus traseiros? A típica cena de uma dupla de palhaços se apresentando no circo, em que invariavelmente um ameaça chutar o outro com aqueles sapatos enormes e pontudos? O que mais a gente pode fazer para eles se mexerem e o país voltar a andar? Já ouviu falar em pó-de-mico? Os Mucunaímas seriam os novos heróis.

Todo dia eles fazem tudo igual, discutem, dão entrevistas, denunciam, são denunciados, escolhem uma gravata e que terno azul marinho ou cinza vão usar para sentar-se à frente das câmeras de tevê que registram seus sonolentos discursos, apartes, cantilenas e escamoteios. São os políticos. Os juízes da Corte Máxima fazem quebra de braço, ora entre si, ora entre os Poderes. O Executivo não executa mais há algum bom tempo - o Dilma 2.0 não chegou nem a começar porque o carro lotado de mentiras já chegou na pista bem avariado e vem sendo trazido aos soluços até aqui, empurrado arrastado, mais de um ano e oito meses depois. 

Parece que estamos vivendo uma ficção, mas o problema é que é bem real. Não é Macondo, mesmo com tantas cenas surrealistas se repetindo diante de nossos olhos, entre elas esses dias ver a criação de um governo fictício para ser como o macaco quando fura o pneu do carro. Muito louco. Saem os supostos suspeitos. Entram os supostos governantes no pretérito do Futuro, num pretérito perfeito. Não tem poesia. O que se vê é muita gente criando novelas, acreditando em suas próprias mentiras, e se enrolando e tentando enrolar mais gente. São vistos por aí falando a palavra golpe, o que os torna fáceis de serem identificados, muitos do bem, que não gostam muito de mudanças bruscas e querem sempre ficar do lado mais combativo, onde ficam fazendo "aspas" no ar com os dedos; tudo é golpe; golpe daqui - golpe dali.

Esses aí são combatidos, de outro lado, por outros que parecem saídos de contos do terror, zumbis também. Passam dia e noite falando que tudo é comunismo, esquerdopatia, petralhice e divulgando textos raivosos com informações questionáveis.

Virou guerra boba, de criança. Com bonequinhos infláveis e balões e patinhos. Um cospe no outro. O outro e a outra vão para o meio da avenida cuspir e fazer xixi e cocô na fotografia. Juntam dez para fazer fumaça e parar estradas, ameaçam rebolar e pôr para quebrar. Assim, inflamam mais ainda os que acham que vacina de HPV incentiva as meninas ao sexo, são capazes de acreditar que homossexualismo pode ser ensinado nas escolas, embutido nas cabeças, transportado em cartilhas, e desenterram o que de mais torpe esse país já teve, uma ditadura, tortura, mortes e seus agentes. Saíram da cozinha onde estavam a pueril coxinha e a popular mortadela. Agora estão todos no banheiro.

Tudo isso é o que dá mais combustível para os extremos. De um lado e de outro.

E nós? Os que seguram essas pontas? Os que estão tentando andar num país parado, vender algo no país que não tem dinheiro, comprar comida ao menos? Os que não tem nada a ver com isso e que, engolfados, são os maiores prejudicados? Os já onze milhões de desempregados, milhares de doentes sem remédios nem eira, nem beira, nem maca, as crianças microcefálicas atingidas por mosquitos e toda uma série que forma a que será, seja para quem for, como for, a herança maldita.

Tenho repetido o que me parece muito claro. O atual governo está sendo derrubado.

Não caiu ainda; está caindo. Tanto não é golpe que tem essa demora toda, porque está todo mundo - ou pelo menos a maioria que quer o seu fim- pisando em ovos, buscando fazer tudo certinho, ler até as letras pequenininhas. No momento se julgam as tais pedaladas, os fatos específicos que para a grande população pouco importam, se é isso ou se é por causa do cabelo dela. Não somos um país com tradição e conhecimento político, e teremos essa certeza quando o voto não for obrigatório. O que digo é que a maioria já está ficando de saco cheio da demora, de ouvir a mesma coisa, de todo dia conhecer um bandido novo e a situação ficar sempre mais alarmante. Querem, como disse no começo, dar um chute em alguns traseiros, jogar pó-de-mico onde esses caras passam para ver eles se coçarem.

Querem que se cocem, no sentido figurado, ou seja, que saiam andando do poder o mais rápido, enquanto ainda podemos agir e voltar para um bom caminho.

Momento informação: o pó de mico vem de uma planta chamada Mucuna ou mucunã com pelos que soltam uma enzima urticante chamada, vejam só, mucunaíma, e que dizem também ser excelente contra vermes.

Seríamos então um novo vetor popular nacional: seríamos todos temidos Mucunaímas.

Os porcos de Shangai

Dia desses, lendo um jornal da distante China, encontrei uma notícia curiosa: em um rio próximo a Shanghai descobriram algumas carcaças de porcos boiando - umas duas dezenas, para ser mais exato.

Não dei, naquele dia, a devida importância a este fato. Mas eis que o desfile de suínos falecidos, além de não parar, não parou de aumentar! Em poucos dias eles já eram quinhentos. Em uma semana, cinco mil. Imaginem cinco mil porcos mortos boiando pelo rio afora...

Continuei a acompanhar os acontecimentos. Pois bem: no dia em que escrevi estas linhas eles já eram 16.000! Enquanto isso, por incrível que pareça, as autoridades chinesas ainda não tinham conseguido localizar a origem precisa de todos aqueles suínos - repito, 16.000 boiando pelo rio abaixo...


Enquanto isso, lá em Gana, 40 milhões de toneladas de lixo tóxico aparecem todos os anos. Recentemente decidiram fazer alguns testes em uma escola localizada perto de um “lixão” e constataram que as crianças apresentavam índices de contaminação por chumbo e cádmio 50 vezes superior ao máximo tolerável. Só para que se tenha uma ideia, o solo ao lado continha chumbo em índices doze vezes superiores ao máximo admitido.

Dizem alguns que tal “montanha” de lixo tóxico, em sua maioria eletrônico, lançada todos os anos sobre aquele pobre país africano, vem da Europa ou dos Estados Unidos. Mas a verdade é que, assim como os porcos lá de Shanghai, não se sabe ao certo de onde aparece.

A Albânia também tem sido “contemplada” com lixo desta natureza - de eletrônicos a medicamentos vencidos, passando por resíduos de óleo. Um único carregamento, interceptado em 2009, continha 1.500 toneladas de óleo usado, meia tonelada de baterias e duas toneladas de componentes químicos comprovadamente cancerígenos.

Discute-se sobre a origem deste lixo. Alguns acusam a Europa, e há até quem aponte organizações mafiosas como culpadas. Porém, exauridos os ânimos investigatórios, o fato é que, assim como ocorre com os porcos de Shanghai, ainda não se entendeu muito bem o que está acontecendo.

No não tão distante ano de 2006, só a California (EUA) despachou para a “lixeira” (alguns países do resto do mundo) mais de nove mil toneladas de lixo eletrônico, rico em resíduos perigosos como o chumbo e o mercúrio. Deste total, cerca de 1.190 toneladas vieram parar aqui no Brasil.

Uma vez mais, assim como acontece com os porcos lá de Shanghai, ninguém consegue saber ao certo o que está havendo.

Após algumas pesquisas, descobri uma sinistra denúncia do Greenpeace: “a cada ano milhares de toneladas de lixo tóxico dos Estados Unidos da América são lançados em fazendas, praias e desertos no Bangladesh, Haiti, Somália, Brasil e dezenas de outros países”. Consta que até poluentes capturados por filtros de chaminés entrariam neste “coquetel”, quase sempre rotulado como “fertilizante” para iludir a fiscalização - aliás, já descobrimos no porto de Santos um desses carregamentos.

Assim como os chineses em relação aos porcos de Shanghai, os ocidentais ainda não conseguiram descobrir quem exatamente está espalhando tanto lixo tóxico pelo planeta afora, em contraste com tantas políticas de defesa da natureza - sobre as quais ninguém, absolutamente ninguém, discorda.

Enquanto isso lá se vão, rio abaixo, as carcaças dos 16.000 suínos chineses. Anônimas, silenciosas, carregam em seus lombos a advertência eterna de Ernest Hemingway: “por quem os sinos dobram? Eles dobram por nós”.

Pedro Valls Feu Rosa