quarta-feira, 6 de abril de 2016


Vivandeiras e provocadores

Em momento tão conturbado da vida política nacional é importante registrar um fato: a crise, ao menos por enquanto, passa ao largo dos quartéis. É irrelevante aqui discutir se isto acontece porque os militares já não têm a mesma força política de 1964, ou porque a comunidade internacional e os brasileiros não aceitam mais soluções fora do escopo do Estado de Direito Democrático.

Importa mesmo é a valorização do fato objetivo: ao contrário do que aconteceu até meados da penúltima década do século passado, quando as intervenções militares ocorreram aos borbotões, as Forças Armadas se dedicam hoje às suas funções profissionais e constitucionais.

Com toda a crise ética, econômica e política, não tivemos, até o momento, episódio de monta de quebra da hierarquia e da disciplina - pedra angular de qualquer instituição castrense do mundo. Isso é positivo. É um indicativo de que a corporação militar vem respeitando o pacto estabelecido em 1985, na transição democrática. Preservar essas conquistas, evitar que a crise contamine os quarteis, são desafios colocados à nossa frente pelo momento político atual.


Nas crises, os extremos afloram. É o que assistimos agora. De um lado, segmentos da sociedade cada vez mais desencantados com a política formal, assumem o discurso do ódio, do neomarcatismo e sonham com a volta dos militares ao poder.

O lulopetismo, ao promover o assalto aos cofres públicos e fazer tábula rasa dos valores éticos, conseguiu a proeza de fazer ressurgir uma base social, ainda que pequena, de extrema direita. Aplainou o terreno para o retorno das vivandeiras; figuras que antigamente viviam a rondar os quartéis.

De outro lado, a autointitulada “base popular” do governo rasga a fantasia. Radicaliza seu discurso, ameaçando tocar fogo no país, caso o impeachment da presidente Dilma Rousseff prospere. Adota também o discurso do ódio. Aposta suas fichas num clima de confronto, na crença de que a presidente, se não for impedida, instituirá, finalmente, um “governo popular”.

Mais grave: a própria presidente aposta na conflagração política e social como tábua de salvação. Para safar-se, transformou o Palácio do Planalto em palanque político.

Como se não bastasse o aparelhamento, essa confusão entre público e privado, entre partido e Estado, a presidente dá provas de desrespeito à liturgia do cargo ao consentir que, em um ato oficial, haja a incitação à violência e a ruptura com direitos assegurados pela Constituição, como o da propriedade, e do livre exercício do mandato dos parlamentares. Sob seus olhos, radicalóides de plantão agridem e afrontam a soberania do Poder Legislativo.

A presidente não desrespeita apenas a liturgia, mas também o próprio conceito de hierarquia. Como maior autoridade do país, jamais poderia ter permitido que o representante da Contag, a Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura, pronunciasse, em sua presença e no interior do Palácio do Planalto: "Vamos ocupar as propriedades deles, as casas deles no campo. Vamos ocupar os gabinetes, mas também as fazendas deles”.

É uma bravata, sabemos. Até porque as Forças Armadas estão aí para cumprir sua função de garantir a ordem, conforme determina a Constituição. Mas provocações dessa natureza são absolutamente dispensáveis e só revelam o descompromisso democrático dos extremistas de plantão.

Não há o menor sentido em se testar a capacidade dos militares de engolir sapos. Ou de tentar atraí-los para a crise, que já é suficientemente grave. 

Que as vivandeiras e os provocadores deixem as Forças Armadas em paz. A democracia agradece.

1º de abril

Sagrado leitor, eu confesso que roubei, tramei, colei, menti e pequei por minha culpa. Minha máxima e mais absoluta, vergonhosa e indesculpável culpa!

Aliás, dizendo mais abertamente, eu não só menti como saltei de bonde andando, pulei muro, matei passarinho, roubei goiabas do quintal dos vizinhos, comi os chocolates dos irmãos mais novos, usei escondido as gravatas do papai, roubei para ganhar um campeonato de futebol de botão e fiquei muito tempo no banheiro com as garotas do Vargas, um desenhista de “pin-ups” de quem o Waltinho tinha uma coleção que ele emprestava ou alugava aos amigos.

Mas minha maior aventura nessa misteriosa, irremovivelmente humana e interminável área foi quando espiei a belíssima mulher do nosso mal-encarado vizinho, o capitão de mar-e-guerra Rodoaldo mudando de roupa e com as pernas bambas de nervoso quase cai do telhado. Papai brotou na varanda empunhando o seu niquelado revólver Smith & Wesson calibre 38-duplo e, não fosse o seu grito irritado de “Quem está ai em cima?!”, eu provavelmente não estaria tirando esse 1º de abril que vem meu infinito “isso” sendo filtrado pelo meu pequeno “eu”.

Também colei muito nas provas de matemática, latim e francês e mais ainda nas de física e química, que eram territórios de um outro povo o qual falava uma língua que eu jamais entendi.


No quesito da inveja eu até hoje peco brutal e exageradamente, porque fui o “irmão mais velho", o que dá o exemplo, não pode ser egoísta e é sempre o culpado das brincadeiras mais perigosas. De tal modo fui perseguido por esse dever que até hoje pouco distingo generosidade de correção. Em consequência, sou perseguido por um tirânico super-ego — por um conjunto de regras morais que liquidaram o meu sono quando estilhacei com uma pedra um vidro de janela, imitando o Garoto do filme de Carlitos e, como sobremesa, beijei por interesses “baixos” a inocente Lurdinha que estava trocando de roupa com a porta aberta.

Falei mal, caluniei e intriguei como é hoje moda e ganha-pão no Brasil. E como não estamos na tal “pátria educadora", mas no “país dos ladrões", confesso que roubei muito do bolso do paletó do papai e da bolsa de mamãe. Foram tantos trocados que, mesmo considerando a mentirosa e imoral folha corrida deste governo, se tais trocados fossem somados, dava para comprar um bom vinho comemorativo da vitória na sacrossanta eleição que foi vencida graças às mentiras contadas ao povo bom e fiel. Afinal, ele não deve ser cultivado por escolas e hospitais, mas cuidado pelas obras e pelos pixulecos pagos (e recebidos) dos nossos compadres miliardários que são a glória e a graça da nossa cada vez mais densa desonestidade e má-fé.

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Imagina, leitor, se algum dos nossos barões — do Legislativo, do Judiciário ou do obviamente solitário e, por isso mesmo, totalmente surtado Executivo, mais os nossos mais dignos, honestos e criativos empresários presos, decidissem “pregar” a todos vocês, esse meu 1º de abril confessional?

Sobraria alguma coisa? Ou todos repercutiriam as sábias palavras do intemerato ministro do STF Luís Barroso, quando disse: “Meu Deus do céu! Essa é nossa alternativa de poder. Não vou fulanizar mas quem viu a foto sabe do que estou falando". Como o ministro não sabia que estava sendo transmitido pelo sistema interno de TV, o desabafo é uma pérola de sinceridade, mais do que apropriada — com a devida vênia — de um 1º de abril deste malfadado ano de 2016!

Isso posto, eu pergunto com o devido respeito: E se nos fosse estampada uma foto de todos — isso mesmo — de todos os ocupantes dos três poderes? Quem não faria, com as devidas ressalvas de sua fé e confiança do “esse ou essa eu conheço!”, essa mesma exclamação? Ou o ministro Barroso pensa que ele ficaria de fora do axioma de Maria Madalena, devidamente acionado por Cristo e usado como artigo de fé no Brasil petista que reza: “Quem não tiver pecado que atire a primeira pedra?”

E assim vamos para um poço sem fundo porque sem a verdade (nua e bela dentro do poço como disse um esquecido Jorge Amado no seu “Os velhos marinheiros") não há democracia que aguente. Infelizmente, nas democracias igualitárias, o público e o particular não são separados. Esse impedimento é o que se chama “verdade” — é o peso às vezes absurdo que vem com o cargo. Nelas, o cargo não alivia ou desculpa, mas agrava e penaliza. E é justamente isso que falta neste nosso Brasil perdido no labirinto de sua incapacidade de sequer supor a existência da verdade.

Roberto DaMatta 

Sem trama e sem final

“Por que não escolheste um tema sério? A forma é excelente, mas as personagens parecem pedaços de pau, o tema é insignificante. Uma quinta série de ginásio faria melhor. Pega alguma coisa da vida, de todos os dias, sem trama e sem final.” Esse é o trecho de carta escrita por Anton Chekhov para o irmão mais velho, Alexander, em 16 de junho de 1887.

A economia é coisa da vida, de todos os dias. Trata-se de tema sério, longe de ser insignificante. Por que então o governo brasileiro e, sobretudo, seus defensores parecem pedaços de pau ao tratar do assunto? Para salvar Dilma do impeachment, pensam, é preciso gastar mais. Para salvar Dilma do impeachment, é preciso abater cerca de R$ 120 bilhões da “meta”, aquela que não é fixa, número que flutua ao sabor dos desmandos de Dilma e de seu fiel ministro da Fazenda, o inventor da “banda fiscal”. 



Para salvar Dilma do impeachment, é preciso abrir espaço para mais gastos, mais repasses para os Estados brasileiros, muitos quebrados. Para salvar Dilma do impeachment, é preciso jogar debaixo do trem as reformas da Previdência e das leis trabalhistas, ambas urgentes para a retomada sustentável do crescimento econômico e do emprego. Para salvar Dilma do impeachment, vale tudo. Vale até quebrar o Brasil, quebrá-lo mais de uma vez. Afinal, arrebentado o País já está. Arrebentado de forma vil, léguas da excelência.

Repito palavras que escrevi em 10 de outubro de 2014 na Folha de S. Paulo em artigo intitulado “Mentira tem perna curta”. “Há quem ache que mentira repetida à exaustão torna-se verdade absoluta. Há quem subestime a capacidade de reflexão das pessoas repetindo refrões mentirosos como “o Brasil quebrou três vezes durante a época em que o PSDB esteve no poder”, nos anos 1990. Prefiro outro dito popular, o que diz que mentira em cima de mentira corre, corre, mas não chega a lugar algum com suas pernas desavantajadas. Igual ao Brasil de Dilma Rousseff.

Quem te viu, quem te vê. Depois de registrar o maior déficit primário em duas décadas no mês de fevereiro de 2016, cerca de 2,1% do PIB no acumulado de doze meses, o Brasil está, sim, quebrado. A dívida pública, hoje acima de 70% do PIB segundo a metodologia do FMI, a única métrica comparável a de outros países – uma vez que a medida do Banco Central exclui parcela relevante da dívida pública de seu cálculo –, está em trajetória ascendente. Ainda que não se considerem as mais recentes tentativas no estilo “salve-se quem puder” do governo, o estoque bruto da dívida pública brasileira deve alcançar rapidamente os 80%.

A velocidade da deterioração fiscal tem sido espantosa – o que mata, aquilo que quebra é, sempre, a velocidade. Mas governo em fim de linha, governo descarrilado, não se importa com a velocidade. Ao contrário, para governo em fim de linha, quanto mais rápido, melhor. Quem sabe assim a ilusão de que a economia em frangalhos será reanimada sobreviva um pouco mais, ganhe adeptos, um pouco mais, ou mantenha os iludidos de plantão cegos pelos movimentos vertiginosos que não conseguem acompanhar.

O Brasil está quebrado. Para resolver os problemas que impedem a retomada do crescimento e do emprego será necessário enorme empenho em reestruturar o orçamento público, adotando medidas indigestas que muita indignação hão de gerar. Benefícios, programas sociais, regras de salário mínimo, benesses do BNDES, tudo isso terá de ser repensado e reformulado. Antes, tudo isso terá de ser explicado à sociedade. Para que se chegue ao consenso do que é necessário, será preciso explicar para a população brasileira porque as melhorias de vida que pensara ter alcançado eram apenas fruto de uma falácia, de um grande embuste. Embuste travestido de “preocupação com o povo, atenção aos pobres”.

O Brasil está quebrado. Isso significa que a volta à realidade será dura, lenta, prolongada. Poderá se estender por muitos anos, a depender dos descalabros adicionais aos quais o governo estrebuchante nos submeterá. É essa a coisa da vida, de todos os dias, a economia. Sem trama e sem final.

Dilma passa a traficar cargos às escondidas

Onde você leu: “A presidente Dilma Rousseff anunciou, ontem, que a reforma ministerial ficará para depois da votação do pedido de impeachment”, leia: a reforma continua sendo negociada às escondidas com partidos que possam ajudar o governo a derrotar o impeachment. Bem como a entrega desde já de cargos nos diversos escalões da administração pública.

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Dilma se convenceu de que estava pegando muito mal para ela e para partidos e políticos gulosos o tráfico de ministérios, cargos e liberação de emendas ao Orçamento da União, dinheiro destinado à construção de pequenas obras em redutos eleitorais de deputados e senadores. O fisiologismo escancarado sempre assusta. E um governo perdulário assusta muito mais. Daí o recuo de Dilma. Combaterá à sombra, pois.

De resto, começara a briga entre os partidos dispostos a entrar no governo para ocupar o espaço vago deixado pelo PMDB depois do rompimento anunciado. PP, PR e PSD, principalmente esses, ambicionam os ministérios mais poderosos e certas posições consideradas estratégicas. O PP, por exemplo, não abre mão do Ministério da Saúde, ainda de posse de Marcelo Castro, do PMDB. O PR também o deseja.

A opção de Dilma de seguir distribuindo cargos e de deixar para mais adiante a escalação do elenco de novos ministros, aumentou a desconfiança dos que negociam com ela, repercutindo na tropa de soldados rasos ávida por sinecuras. A fama de Dilma entre os políticos é de prometer coisas e de não entregá-las. Converse com qualquer um deles e você ouvirá um rol interminável de queixas a esse respeito.

Uma vez que consiga barrar o impeachment, nada mais natural que Dilma se sinta fortalecida e acabe esquecendo parte do que prometeu. Nada mais natural que o PT, sentindo-se vitorioso, queira mais espaço em um governo que já não será mais pilotado apenas por Dilma, mas também por Lula, que desembarcou em Brasília e operou o milagre político considerado impossível.

À medida que se aproxima o dia da votação do impeachment na Câmara, mais se torna delicada a situação de Dilma. Ela depende dos partidos de direita para se garantir no cargo. Mas terá de lidar, depois, com o PT, seus aliados e movimentos sociais prontos a exigir que ela passe a governar mais pela esquerda. Lula sempre soube conviver com forças contrárias. Dilma nada aprendeu com ele. Nem mesmo a negociar.

Ricardo Noblat

O país despenca em meio ao caos

Como Advogado-Geral da União, José Eduardo Cardoso brilhou. Quer dizer, alinhou profundos argumentos jurídicos para afastar da presidente Dilma a sombra do impeachment. O problema é que deveria ter atuado como ministro da Justiça, que não é mais. Traduzindo: a batalha pelo afastamento de Madame é essencialmente política. Chegou à reta final, ou seja, tornou-se inevitável, quando o vice-presidente Michel Temer escreveu estranha carta de rompimento com a presidente. Entraram em campo as alegações políticas, as disputas por espaços de poder, acima e além de supostas discussões doutrinárias, que foram para o banco.

Sendo assim, por maiores elogios dedicados à defesa jurídica feita pelo novo Advogado-Geral da União, está em pauta a questão política, de saber quem vai formar e mandar no governo. Os adversários da presidente utilizaram o impeachment por mera comodidade, como instrumento capaz de desalojá-la da capacidade de empalmar o poder. Reagiram por sentir-se alijados da capacidade de nomear ministros e de participar da definição de políticas públicas. Por isso escolheram as armas e o campo de batalha.

Optando pelos meandros da interpretação jurídica, José Eduardo Cardoso desviou o embate sobre quem deve dominar a administração nacional, se a presidente ou o vice-presidente da República, se o PT ou o PSDB. Foi aplaudido, mas deu a impressão de pretender utilizar as regras do jogo de basquete numa partida de futebol. Misturou os objetivos. Será derrotado no primeiro round.


O impeachment segue seu curso, em meio às dificuldades de Dilma reunir o número necessário de deputados para mantê-la no palácio do Planalto. Poderá perder na guerra dos números, não conseguindo reunir os 172 votos em condições de afastar seu impedimento temporário de 180 dias. Haverá um segundo tempo, é claro, no Senado. Conquistando 40 senadores, estará garantida, mesmo precisando enfrentar um interregno fora da sede do Executivo. Um vexame, mesmo alcançando a vitória no gesto final, coisa que poderá deixar as instituições em frangalhos.

Em suma, os batalhões pró-impeachment parecem muito mais numerosos, na Câmara. Se bastarão para afastá-la pelos 180 dias, é outra história. Enquanto isso, o país despenca em meio ao caos administrativo, econômico e político. Trocar ministros como quem muda de camisa nunca foi solução, muito menos quando não se liga para a capacidade dos infelizes.

Após lavar as mãos, Dilma fará sumir o sabonete

Ao terceirizar a Lula a operação de salvamento do seu mandato, Dilma compôs uma versão particular do mito de Fausto. Hipotecou a alma ao Tinhoso por um prazo estipulado. Em troca da perspectiva de continuar usufruindo da sensação de poder pelos dois anos e nove meses que lhe restam de mandato, a pseudo-presidente paga adiantado o alto preço da desmoralização.

Nesta sua fase, digamos, desinibida o governo democrático e popular de madame escandalizaria o ex-deputado Roberto Cardoso Alves, que formulou no governo Sarney a doutrina político-teológica baseada no princípio franciscano do “é dando que se recebe”.

O Planalto acena com a hipótese de dar ao PP, partido com 32 filiados enrolados na Lava Jato, a pasta da Educação. E negocia com o mensaleiro Valdemar Costa Neto, em prisão domiciliar, a entrega ao PR da pasta da Agricultura ou equivalente.


Charge (Foto: Miguel)
Não é só: escancaram-se para as duas legendas as portas de acesso às diretorias, vice-presidências e presidências de instituições como Banco do Brasil, Caixa Econômica e Banco do Nordeste. O PSD do ministro Gilberto Kassab (SP) vai na rabeira, recolhendo as sobras.

No instante em que confiou a gerência do balcão a Lula, Dilma lavou as mãos. Ao permitir que o ex-presidente, agora na pele de ex-quase-talvez-quem-sabe-futuro-ministro, ofereça aos ratos os queijos finos do organograma estatal, Dilma parece decidida a fazer sumir o sabonete.

Lula e os demais operadores do governo executam seus papéis com tamanha competência e probidade que Dilma merece ser condenada à perda do mandato. Perdeu-se ao longo dos 13 anos de poder petista um elemento essencial na política: o recato.

Disse tudo

Eu não conhecia impeachment de vice-presidente. É tudo novo para mim. Mas o ministro Marco Aurélio está sempre nos ensinando
Ministro Gilmar Mendes 

Novas eleições para limpar o esgoto

Nem precisa esperar o fim da novelesca "Ocaso da rainha louca". O cheiro já chega longe. Afinal o que esperar da inteligência dos políticos brasileiros?

Eleitos para representar e defender os eleitores, a primeira e única atitude, enquanto imunes e impunes, é mesmo obrar na cabeça de quem os elegeu. Crentes em serem a encarnação no atacado do salvador da pátria, ainda não pensaram que estão enfiando o país no brejo.

Dispostos a resolver o problema político, no qual estão empenhados há mais de um ano, esquecem que a rapidez nas soluções será efetiva para a recuperação de milhões de pessoas. Mas como crise não afeta bolso político, continuam nas articulações, para render mais discussão e mais espaço na mídia.
Charge (Foto: Miguel)

Se não bastassem os golpes de retórica, as jogatinas de aliciamento, as firulas do juridiquês, as manobras nas sombras, o toma lá dá cá, e a mais criminosa compra escancarada de votos, agenciada pelo ex quase ministro Lula, aspone contra o impeachment, a nova "saída" está na mesa das elites políticas.

O golpe, este verdadeiro, com aval até de Marina Silva, que ressuscitou da mata, começa a ganhar adeptos no saco de gatos. Tudo se resolveria com a proclamação de novas eleições ainda este ano para todos os cargos eletivos federais. Simplicidade maior não há! Merece estar nas manchetes mesmo camuflada a origem da genialidade: Lula.

O jogo recomeçaria zerado sem vencidos ou vencedores. A turba iria para as ruas aclamando seus candidatos e se jogaria para debaixo do tapete o impeachment, os restos de Dilma, os crimes do aspone ministro como articulador com dinheiro e cargo público, a falta de caráter geral. A ficha limpa seria concedida a todos e a todas como adora a tresloucada Dilma.

O Brasil, mais uma vez, seria hilário. Um acordo dos mais cretinos contra a democracia para que possam retomar o jogo de roubar o país dentro da legalidade avalizada pelo judiciário.

O custo da tal "crise política" cairia nas costas dos mais pobres, dos desempregados, das empresas falidas, de todos aqueles brasileiros que bancaram os palhaços de amarelo ou vermelho. E todos ficariam obrigados a pagar os custos da tal nova eleição, que não são poucos.

Num momento de crise alarmante, o país teria que gastar um "pedágio" com todos os políticos passando pela lava jato das urnas como para abençoar sua magnânima batalha pela democracia. Mais uma vez o Brasil assistiria os poderes gozarem com a cara do cidadão e ainda pagar o ingresso.

Alvorada

Amanhece...
E amanhece o desespero...
Dura condenação
Da vida humana!
Angústias a oprimir o coração,
Seguidas como os dias da semana.

Mais vinte e quatro horas
De negrura,
Que o sol nem há-de ver, na sua pressa.
Em vez dum claro apelo,
O pesadelo
Dum sonho mau, que apenas recomeça.
Miguel Torga

Perdas e danos

O dinheiro é fácil e barato para empresários com amigos no centro do poder. O lucro é certo para empresas privadas privilegiadas.

É jogo de um único perdedor, a quem nem é preciso dar satisfações: trinta milhões de pessoas, submetidas à poupança compulsória no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, donas de um patrimônio bilionário (mais de R$ 207 bilhões, em janeiro).

Sobram perdas para os trabalhadores, a começar pela corrosão monetária (TR+ 3% ao ano) imposta ao fundo.


Há muito mais. Neste mês reluz o reconhecimento do prejuízo de R$ 1 bilhão investidos na Sete Brasil — figurante em dois de cada três inquéritos criminais no Supremo e na Justiça Federal sobre a megalomania, má gerência e corrupção que devastaram a Petrobras nos governos Lula e Dilma.

Sete Brasil é apenas um dos negócios ruins na carteira FI-FGTS. Trata-se de um braço do Fundo de Garantia, criado em 2007, para ampliar a transferência de dinheiro barato dos cofres públicos para os de grupos privados já beneficiados por um banco estatal, o BNDES, com empréstimos a custos abaixo do mercado. Detalhe relevante é que o FI-FGTS também financia o BNDES, onde aplica 19% do patrimônio.

Recursos da poupança compulsória dos trabalhadores, já dilapidada pelos padrões de baixo rendimento e indigente governança, passaram a ser partilhados entre empresas de imóveis, saneamento, petróleo, aeroportos, estaleiros, papel e celulose. Houve significativa concentração em poucas empresas privadas, a maioria de capital fechado.

Resultado: mais de um terço dos recursos de trabalhadores aplicados via FI-FGTS nos últimos oito anos foi direcionado a uma dezena de empresas, hoje processadas por crimes de cartel, corrupção, lavagem de dinheiro em negócios com a Petrobras e outras estatais. Todas estão à beira do precipício, e com o dinheiro de trinta milhões de pessoas.

Metade dos recursos usados para compra de participações acionárias foi dirigida ao grupo Odebrecht. Uma das beneficiárias foi a Odebrecht Ambiental, de saneamento. Em 2013, o FI-FGTS pagou R$ 315 milhões para aumentar em 5% sua posição no controle (30% do capital).

Esse investimento equivalia a uma avaliação da empresa em R$ 6,3 bilhões, ou seja, 22 vezes seu lucro operacional registrado em 2012 (R$ 273 milhões). A exorbitância foi percebida porque valorizava a empresa numa escala seis vezes acima da maior do setor, a Sabesp.

Mensagens eletrônicas que levaram à prisão de Marcelo Odebrecht, um dos acionistas, lançaram luz sobre suas relações com o representante da Central Única dos Trabalhadores no Comitê de Investimentos do fundo FI-FGTS, André Luiz de Souza.

O jogo de interesses obscuros se repete na década, sempre com placar final certo — prejuízo para os donos do patrimônio do Fundo de Garantia. Quando se amplia o horizonte, percebe-se que as perdas provocadas pelas estranhas transações já superam R$ 100 bilhões. É a dimensão do rombo somado em 2015 pela Petrobras, Eletrobras, Correios e fundos de pensão estatais (Previ, Petros, Funcef e Postalis). Nos Correios a situação ficou tão crítica que a estatal só garante o pagamento de salários até setembro.

José Casado

No auge da crise, o auge do lulopetismo de coalizão comprada

Estamos entrando no clímax da crise política que consome o Brasil desde o estouro da bolha econômica inflada pela deletéria expansão econômica pelo consumo, que é a principal política pública na área de gestão econômica da era lulopetista (2002-2016).

Já falamos neste espaço algumas vezes que uma economia só cresce de maneira sustentável se o aumento do consumo ocorrer em conjunto com o aumento da produtividade da economia, caso contrário, esse consumo estará dilapidando poupança nacional e inviabilizando, no longo prazo, investimentos em desenvolvimento tecnológico, educacional e estrutural. O crescimento do consumo de maneira forçada, através de subsídios para pobres e ricos, inevitavelmente gera crise econômica, desemprego e liquidação de maus investimentos. Um roteiro infalível seguido à risca pela equipe econômica de Guido Mantega, que Levy e Barbosa não puderam contornar.


Enquanto a crise econômica vai gerando uma intensa crise política, o lulopetismo volta a fazer a única coisa que sabe quando está politicamente necessitado de apoio: corrupção e troca de favores.

O lulopetismo nunca foi uma unanimidade no Congresso Nacional. Sequer formou, em qualquer momento, uma maioria ideologicamente comprometida com seus princípios ideológicos básicos. Nem mesmo na saída das eleições de 2002, quando Lula só não venceu no Estado de Alagoas.

Essa falta de apoio parlamentar genuíno no Brasil é um problema particularmente grave, pois o sistema de governo brasileiro é um presidencialismo com muitos elementos de parlamentarismo. Vários dos constituintes de 1988 já declararam que a Constituição brasileira foi pensada para um modelo parlamentarista, e não presidencialista, sofrendo gatilhos para poder se adaptar a esse tipo de sistema. O próprio ambiente multipartidário não é propício para o presidencialismo, pois o Presidente nunca consegue apoio parlamentar suficiente apenas dentro do seu próprio partido ou coligação original. O presidencialismo faz muito mais sentido em um sistema bipartidário.

Daí vários cientistas políticos nacionais declararem que o Brasil vive um sistema político misto, chamado de “presidencialismo de coalizão”, onde o Presidente, recém-eleito, precisa cooptar outros partidos, mormente através de cargos e favores, para conseguir a maioria necessária para governar.

Voltando ao lulopetismo, esse movimento político fez desse erro de sistema uma arte. Transformou a coalizão política em formação de quadrilha. Deputados deixaram de ser convencidos e passaram a ser comprados, no sistema conhecido como Mensalão, que inclusive gerou condenações criminais como as imputadas a José Dirceu e José Genoíno. Além disso, outros movimentos como o Petrolão e os saques a todas as estatais brasileiras, em especial os Correios e a Petrobras.

Agora, nos seus momentos finais, escancara esse método de fazer política negociando cargos e, provavelmente, mais propinas, para partidos grandes (como o PP), médios (como PR e PRB) e pequenos (como o PTN) para impedir a aprovação do impeachment, tal como Collor fez há 24 anos atrás.

Uma vez eu ouvi uma frase de um amigo que se encaixa perfeitamente ao momento atual: “a hipocrisia é a deferência que o imoral faz à virtude”. Normalmente, mesmo uma pessoa inescrupulosa sabe distinguir o certo do errado, ainda que escolha sempre fazer o que é errado. Então, enquanto pratica sua imoralidade, tenta esconder esse feito, praticando hipocrisia porque sabe que a sociedade o recriminará se descobrir a verdade. Quando o malfeitor sequer é hipócrita, escancarando sua vilania em público, é porque perdeu totalmente o norte moral, já não mais se importando com o que os outros, ou Deus, pensam dele. Não há nenhum balizamento ético.

É nesse estágio que se encontra o lulopetismo. Na falta de qualquer referência, destila suas impropriedades como se coisa normal fosse. Nas palavras de Lula, “querem criminalizar a política”, frase essa muito bem ironizada pelo site Sensacionalista, ao anunciar que Lula acha que “querem criminalizar o crime”. A política não é antiética. O homem é um animal político, já dizia Aristóteles. Antiético é o PT, e sequer faz questão de esconder.

Basta agora conferirmos quem abraçará esse monstro para morrer politicamente junto. Com a palavra, os nobres deputados.r