domingo, 3 de abril de 2016


Golpear não é preciso

O que é um golpe? No sentido literal é sinônimo de pancada, contusão, traumatismo. No sentido figurado, quer dizer a obtenção de benefícios (políticos ou financeiros) indevidos mediante a prática de estratagemas ardilosos, podendo significar também retirada ilícita de dinheiro, desfalque, roubo.

Nesse aspecto, o da definição do termo que o PT usa para imprimir caráter de ilegalidade ao processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff, o acusador é quem preenche os requisitos de golpista, pois agride a democracia brasileira pela via da corrupção do aparelho de Estado para o financiamento de um projeto de poder. Aparelho este, cujo comando foi delegado ao partido pelo voto popular por quatro vezes consecutivas.


Tal delegação não confere salvo-conduto aos petistas nem a governante algum. Ao contrário: torna mais grave a traição à maioria da sociedade que lhe depositou a mais estrita confiança. Eleição, é bom que se diga e repita, não dá carta branca para o desrespeito aos princípios constitucionais da probidade, impessoalidade, transparência, moralidade e eficiência aos quais está submetida a administração pública em geral, Presidência da República de modo particular.

Nenhum desses preceitos está contemplado na trajetória dos governos dos últimos 14 anos, conforme já assentou o Supremo Tribunal Federal na condenação de parte da cúpula do PT no processo do mensalão e de acordo com o que diz agora a Operação Lava Jato ao conectar aquele sistema de compra de apoio parlamentar ao esquema de desvio de dinheiro da Petrobrás para o financiamento de campanhas eleitorais.

Há personagens repetidos, métodos parecidos e, sobretudo, finalidade semelhante: a distorção da representatividade mediante abusos continuados, de poder econômico, político e administrativo. As informações recentemente divulgadas pelo Ministério Público dão conta de uma provável infecção generalizada no Estado, cuja cura depende de a sociedade não arrefecer na cobrança por mudança e compreender que o PT transgrediu, mas não o fez sozinho.

De onde é essencial que não se repita o que houve na Itália depois de cinco anos de investigações da Operação Mãos Limpas: “cansaço” social e adesão aos argumentos de que havia abusos por parte dos juízes, numa tentativa – naquele caso bem sucedida – de inverter a ordem dos valores.

O Brasil não deveria repetir o equívoco. De uma parte nem de outra. Contamos com a vantagem do exemplo anterior, a fim de não conferir crédito à versão de que a possibilidade de um acordo geral pós-impeachment para dar fim às investigações da Lava Jato.

Parte do pressuposto equivocado de que o processo em curso esteja nas mãos dos políticos. Estes entram em campo quando a brasa se espalha e ameaça fritar todo mundo. A situação em curso é diferente. Não há condição objetiva que propicie uma operação abafa, a menos que a Polícia Federal, do Ministério Público e do Poder Judiciário estivessem dispostos a se desmoralizar. Não é o caso.

Nisso, a sociedade tem papel fundamental. Não pode se mostrar “cansada” de tanto atrito nem cair no conto do vigário segundo o qual os investigadores exorbitam de suas funções. Contra isso há um antídoto: discernimento, firmeza de valores e capacidade de dizer não ao contrário do bom senso.

O PT tem palavra solta e memória fraca. Invoca a Constituição que não assinou, renega a política econômica que adotou para governar, boicota as medidas necessárias à correção do desastre que ele mesmo criou, agride de modo contumaz o preceito legal da impessoalidade na administração pública, ameaça inviabilizar o governo se o PT vier a ser substituído pelo PMDB que por suas vezes alojou na vice-presidência e, portanto, no primeiro lugar na linha da sucessão presidencial.

Democracia não tem cor

Intolerância, baixaria de todos os lados, muito fígado e nenhum cérebro. Assim tem sido o cotidiano da crise. Um clima de litígio aguçado cotidianamente na sede do Poder Executivo da República. Ali, a presidente Dilma Rousseff promove comícios travestidos de cerimônias oficiais em que a plateia - e ela própria - aplaude a incitação ao ódio, embora finja pregar o diálogo.

Na semana passada foram três. Um para lançar mais uma etapa do programa Minha Casa Minha Vida, que, embora reduzido na oferta e muitíssimo menor do que o prometido em campanha, forneceu combustível suficiente para os brados repetitivos de “não vai ter golpe”.

Depois vieram artistas e seus manifestos recheados de lugares comuns e falsidade intelectual, chegando ao cúmulo de equiparar a hipótese de um impeachment constitucional ao golpe de 1964 e ao regime de exceção implantado pelos militares, há 52 anos.

Para fechar a semana, Dilma reativou a adormecida reforma agrária, para a qual pouco ou nada fez em seus cinco anos de mandato, e distribuiu áreas desapropriadas a movimentos sem terra e quilombolas.

Ouviu, sem esconder a excitação, discursos exaltados com promessas de luta incansável para frear o seu impedimento.

Nos dizeres dos líderes dos autointitulados movimentos sociais, pipocaram desaforos à Justiça, personificados no juiz Sérgio Moro, condutor da Lava-Jato, que tantos incômodos tem trazido ao governo, ao PT e aliados e, em especial, ao ex Lula.

Dilma, a primeira mandatária, que deveria zelar pela instituição da Presidência, não fez nem cara feia.

Pior. Em vez de buscar baixar o tom, acusou os seus opositores: “eles exercem a violência, nós não”. Isso, poucos minutos depois de ouvir a incitação à violência feita pelo representante da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), Aristides Santos, ao se referir a deputados da oposição. "Vamos ocupar as propriedades deles, as casas deles no campo. Vamos ocupar os gabinetes, mas também as fazendas deles.”

Assim como a maior parte dos interlocutores do governo e do PT, Dilma fala como mocinho e age como bandido.

Não que isso seja novidade. Ao contrário, é prática reincidente do petismo que se agudiza quando diminui o estoque de balas no coldre.

O mesmo PT que se vangloria de ter tirado o Brasil da miséria tergiversa sobre a crise econômica que sua fome de poder criou. Que desemprega e empobrece o país aos níveis de 25 anos atrás.

Fala como mocinho quando diz que conferiu independência ao Ministério Público – algo feito pela Constituição de 1988 que o PT não endossou - e à Polícia Federal. E, como bandido, busca obstruir investigações.

Diz-se inimigo das elites. As mesmas que custearam o projeto de poder do PT, hoje enroladas, denunciadas ou encarceradas. As tais elites, as mesmas que Lula sempre xingou em público e adulou no particular. As mesmas com as quais se locupletou.

Chamam de golpe o que sabem que não é. Culpam – como fez Lula – a Lava-Jato pelo caos na economia. Falam de diálogo, pregam a intolerância. O eterno “nós x eles”.

Sem saída, preferem não crer que o mundo de mocinhos x bandidos se esgota na infância. E que opostos absolutos, esquerda x direita, vermelho x amarelo, há muito se perderam em milhares de tons.

É nessa imensidão de cores que vive a democracia. E ela não tem cor.

Vamos comprar a briga da transformação da política

Lembrei-me da bazófia do Lula declarando haver 300 picaretas no Congresso Nacional. Com o vazamento da lista da Odebrecht com mais de 300 nomes de políticos suspeitos de corrupção, de mais de vinte partidos diferentes, é preocupante o desdobramento que pode ter para a Operação Lava Jato. Pois o recado implícito na lista se baseia no argumento da generalização, do tipo "todo político é corrupto". Tanto é que o juiz Moro a colocou em sigilo, uma vez que governistas já o acusam de partidarismo. Mas o fato é que a lista, apontando para a generalização da responsabilidade de todos os políticos, resulta ser injusto condenar a pessoa singular deste ou daquele, o que acabaria com todos “perdoados” por antecipação. 

Independente do largo espectro de partidos no Brasil e a geleia de suas opções doutrinárias, tenho procurado demonstrar nesta coluna que este cacoete de argumentação por falácias é típico do viés esquerdista que tomou conta de nossa narrativa política. Acompanho, inclusive, na cobertura da grande imprensa, a doença do relativismo moral presente em nosso imaginário social, não apenas do povo, mas de parte considerável de nossas elites, que impossibilita a efetiva responsabilização criminal por livre escolha de condutas sociais condenáveis por parte de cidadãos livres, quando, sobretudo os governistas, insistem no falso argumento esquerdista da generalização de que no fundo "a culpa é da sociedade". É a velha história: se todos somos culpados em sociedade, então ninguém pode ser individualmente responsabilizado por nada. Aliás, é oportuno entender que esta velha falácia do argumento da generalização é cristalizada em nossa cultura política a partir da premissa rousseauneana de que o homem é naturalmente bom e é a sociedade que o corrompe, em perspectiva filosófica oposta à tradição hobbesiana do homem como lobo do homem.

Se este último é a origem do pensamento político liberal e realista do iluminismo inglês para todo o mundo moderno de origem saxã, aquele do bon sauvage tem sido a origem da matriz socialista utópica e esquerdista do mundo latino, de que temos sempre de perdoar o indivíduo e condenar a sociedade. Ou por outra, absolvê-lo por antecipação, trocar a culpa individual passiva de apuração e punição por uma culpa social difusa e impune. O que explica, inclusive, o afastamento da doutrina cristã do livre arbítrio, da natureza do pecado e da condenação adâmica. Esta tem sido a sina da política brasileira, não fosse o fenômeno do esgotamento da paciência dos cidadãos nas recentes manifestações querendo nos mostrar exatamente o contrário: uma intensa busca coletiva por responsabilização política individual por tudo o que nos aflige. Para além da responsabilidade social das empresas, da responsabilidade fiscal dos governos e da responsabilidade civil dos indivíduos, queremos a responsabilidade política de todo e qualquer cidadão, sobretudo dos titulares de mandatos eletivos.

Por outro lado, esta opção brasileira pela cultura de impunidade, às custas de uma cultura de plena cidadania, não é apenas expressa na política, mas está arraigada na conduta social e na crença popular do homem cordial, de nossa dificuldade em discriminar e punir o próximo, o semelhante, como se todos fôssemos cúmplices vizinhos de porta ou de rua. Sublinho para isto o antigo ditado popular que consagra nossa preferência pelo contrato social da impunidade: “quem tem telhado de vidro não joga pedra no telhado do vizinho”, na sua versão de salão, ou na versão de rua, “macaco que tem rabo de palha não toca fogo no rabo do outro”. E assim seguimos neste pacto antropológico de perdão por antecipação, suspensão de juízo moral, acordão da vista grossa. Na política, não se trata apenas de preferir a suspeita tradição esquerdista de renegar a responsabilização individual e objetiva pela culpa coletiva e difusa que suprime o processo penal. Mas de entulhar o estado com ações afirmativas na busca de um igualitarismo revanchista, pender a balança da justiça para políticas de opção preferencial pelos mais pobres e vulneráveis sociais, numa visão de mundo jesuítica do evangelho difusor da culpa original do tipo “atire a primeira pedra aquele que nunca pecou”, culminando com a opção preferencial pelos pobres de espírito da visão lulopetista do tipo “mexeu com Lula, mexeu comigo”. Traço dominante da cultura de compadrio, tolerância, e não persecução penal, consagrado até mesmo num samba clássico de Wilson Batista dos anos trinta do século passado: "Se o homem nasceu bom/ E bom não se conservou/ A culpa é da sociedade/ Que o transformou”.

Não, caro Marcelo Odebrecht. A sua lista não convencerá a cidadania brasileira de que todos os políticos são iguais, inimputáveis e inalcançáveis pela necessária personalização da lei penal, quando todos já estamos fartos desta pizza invariavelmente servida pelo cinismo dos mesmos. Resolvemos comprar a briga da transformação de toda uma cultura política conjugando as ações das lideranças dos cidadãos manifestantes e dos profissionais da imprensa e da Justiça mais conscientes. Para ser crível e útil, a sua lista terá de ser complementada com a sua colaboração premiada, distinguindo a parte dos que receberam propina dos que receberam ditas doações “legais”. Pois estamos fartos do relativismo moral, das falácias da generalização e do excesso de esperteza dos niilistas de algibeira. Sobre sua polêmica declaração a propósito da educação moral que dá às suas filhas, alguns de nossos melhores comentaristas já destacaram essa enorme e perigosa corrupção de valores que se instalou em nossa mais fina elite, incapaz de discernir moralidade pública de um simples código mafioso como a omertá. E presente não só no cinismo do corporativismo empresarial como no do sindicalismo selvagem de sempre colocar interesses setoriais acima do interesse público. Pura ignorância política sobre o verdadeiro sentido da paródia “do fim que justifica os meios”, tomada tão simplesmente como o pastiche do vale-tudo.

A nota da Odebrecht, logo após o vazamento da lista, sobre sua disposição de colaborar com a Justiça não pode ficar na promessa ou ser negada pelo MP, caindo no vazio. Ou fica parecendo a famosa bravata do José Dirceu de que o PT não rouba nem deixa roubar. Afinal, tudo começa por se resgatar os valores da honra e da palavra empenhada da tradição humanista das alegadas convenções de classe social do esquerdismo. Pois o que prevalece é a versão cínica da velha falácia da desapropriação coletivista que, na verdade, é o menoscabo fatal do que representa a propriedade privada enquanto responsabilidade por escolhas de conduta de homens verdadeiramente livres! Não só maximizada pela paródia brechtiana “de que nada significa o assalto a um banco diante do próprio banco”, como pelo correspondente pastiche da declaração odebrechtiana de que roubar é menos grave do que dedurar! Pois, a cada povo, a cultura política que merece: o relativismo moral celebrizado pelo chiste esquerdista do dramaturgo alemão e a correspondente carnavalização da política reproduzida pela lista da Odebrecht, perdendo nosso Príncipe Empreiteiro a grande oportunidade de passar a limpo a República que legará às suas filhas.

Decididamente, precisamos de elites que nos representam de fato e que possam dar conta de um verdadeiro projeto de nação. Que venham a ser reconhecidas pela sua mais fundamental função, que é a de orientar e servir de exemplo aos nossos pósteros e a toda a sociedade. Que somos todos nós, cidadãos pagadores de impostos, conservadores em essência, cônscios da importância de valores morais e para além de limites legais. Para além da generalização da política como atividade corrupta por definição, a visão da Operação Lava Jato como causa da crise de confiança no Brasil, é também uma absoluta falácia de argumento do tipo non sequitur, pois a verdadeira causa são os crimes revelados de formação de quadrilha, extorsão, captação ilícita de sufrágio, estelionato eleitoral, obstrução da justiça, peculato e tantos outros tipos penais. A visão da política como banalização do mal, que deve fazer Hanna Arendt se revirar no túmulo, começa com a degradação de seus valores morais, como quer nos fazer crer a generalização da lista da Odebrecht. Não é apenas triste. É perigoso para a República e a própria democracia. Pois a diferença de Brecht para Odebrecht é mais do que uma ode. É a corrupção dos valores que degrada a política e toma, entre outros, paródia por pastiche.

Jorge Maranhão

Para inglês ver

Na segunda metade do século XIX, os ingleses impuseram ao governo brasileiro a proibição do tráfico de escravos. Podiam até estar agindo apenas por seu próprio interesse, de modo a garantir a futura existência de um mercado consumidor para a produção das suas fábricas que se multiplicavam com a Revolução Industrial. Mas, nesse momento, desempenhavam um papel progressista e defendiam a dignidade humana. Para garantir o cumprimento dessa exigência aparentemente libertária, embarcações britânicas patrulhavam as águas do Atlântico Sul, aprisionando os tumbeiros que conseguissem interceptar. É claro que o contrabando negreiro continuava, às escondidas. E o Brasil fazia de conta que suspendia o tráfico. Mas agia apenas para manter as aparências. Daí a origem da expressão “para inglês ver”, usada para exibirmos uma imagem falsa aos olhos do estrangeiro. E ficarmos bem na foto, como se diz hoje.

Até há pouco tempo, os meios universitários estrangeiros e a imprensa internacional em geral distinguiam bastante bem a situação política brasileira da existente em seus vizinhos hispano-americanos, bem como em variados regimes ditatoriais de países emergentes em outras partes do mundo. E não apenas pelo nosso potencial econômico e pela disposição de enfrentamento e correção da desigualdade social por meio de programas de distribuição de renda e diminuição do abismo entre as classes. Mas, desde o fim da ditadura militar, o Brasil vinha mostrando a consolidação de suas instituições democráticas, eleições regulares com possibilidade de alternância de poder, imprensa livre e atuante, poderes independentes, respeito à Constituição. Incontáveis vezes, em foros de debate internacional, tive a oportunidade de ouvir desses observadores análises que destacavam a autonomia da imprensa e a soberania do Judiciário como fundamentais traços distintivos da democracia brasileira, frente aos vizinhos bolivarianos.

É exatamente nessa área, de desmoralização da imprensa e da Justiça, que o governo resolveu atuar agora, em sua ofensiva de contranarrativa do que está acontecendo no país desde que há dois anos começaram as investigações policiais de irregularidades num posto de gasolina e lava a jato de automóveis no Paraná, trazendo à baila doleiros, sonegação fiscal, evasão de divisas, cartel de empreiteiras, licitações combinadas, desvio de dinheiro da Petrobras, propina a dirigentes e políticos, compra de apoio parlamentar, contas ilegais no exterior. E mais, ao que tudo indica, tentativa de obstrução da Justiça.

Nessa estratégia vimos nos últimos dias uma escalada de ações para inglês ver, muitas vezes manipulando gente de bem, que não compactua com bandidos e se deixou convencer de que tudo não passa de uma perseguição pessoal do Judiciário e da mídia contra Lula ou o governo, ou de que há mesmo um complô dos inimigos do povo para tirar dos pobres tudo o que eles melhoraram nos últimos tempos ou liquidar a Petrobras para que os ianques venham se apossar dela a preço de banana.

Para isso, desqualificam as investigações. Acusam a imprensa de mentir, passando por cima do fato de que já foram localizados e bloqueados milhões de dólares no exterior, para não falar dos milhões de reais já recuperados. Repetem que impeachment é golpe — por mais que ministros e ex-ministros do STF já tenham negado essa interpretação, desde que os preceitos constitucionais sejam respeitados. Prendem-se a tecnicalidades e firulas jurídicas, esquecendo o ensinamento de tantos outros juristas, como Evandro Lins e Silva, citando Nélson Hungria, por ocasião do impeachment do Collor: “O sigilo não protege o crime.”

Então, a presidente dá entrevista à imprensa internacional, e faz comício no Planalto diante de embaixadores estrangeiros para angariar apoios à sua tese de que o Brasil não está funcionando de modo democrático. Um diplomata usa canais oficiais para atacar as instituições do país. Intelectuais respeitáveis, por mais bem intencionados que possam ser, abrem mão de qualquer análise menos rasteira e se precipitam em assinar manifestos que enfileiram palavras de ordem sem compromisso com os fatos ou qualquer sutileza. Ao colocar sua própria inteligência a serviço de um palavrório que não assinariam individualmente, embarcam na manada, esquecem sua responsabilidade e acham que estão prestando um serviço à democracia e ao Brasil.

A investigação contra Collor foi possível, entre outras coisas, porque ele mesmo acabara com a possibilidade de emissão de cheque ao portador, obrigando à identificação do beneficiário. A Lava-Jato vai em frente, entre outras coisas, porque a Constituição de 88 deu poder ao Ministério Público e no próprio governo Dilma uma lei instituiu a colaboração premiada. Não é a Inquisição do Moro. Por mais que a chamem de delação, é uma ferramenta poderosa para revelar crimes ocultos — se eles existem e depois são comprovados. Isso não é perseguição nem golpe. É fato. Para qualquer um refletir, e não apenas inglês ver.
Ana Maria Machado 

Os vendilhões do Planalto

A aprovação ou a rejeição do impeachment de Dilma Rousseff vai depender, exclusivamente, de que os vendilhões do Planalto consigam negociar em número suficiente a mercadoria no momento mais valorizada no cenário político: os votos a serem registrados na sessão plenária que vai decidir a sorte da presidente da República. Pode-se dizer, alternativamente, que o mandato de Dilma vai depender de que parlamentares venais fiquem satisfeitos com o que os traficantes de consciência, tendo à frente Luiz Inácio Lula da Silva, têm a lhes oferecer em troca do voto. E o mais vergonhoso é que essa estratégia de cooptação baseada na corrupção dos valores morais que deveriam prevalecer na gestão da coisa pública – estratégia definida esta semana pelo ministro Jaques Wagner como uma “repactuação” das alianças – foi concebida e é coordenada a partir dos gabinetes do poder e está sendo abertamente discutida nos círculos políticos. Definitivamente, o lulopetismo perdeu de vez a vergonha.

Há porta-vozes de Lula, como o senador Lindbergh Farias (PT-RJ), que até se permitem gabar-se do “sucesso” de suas artimanhas: “Diziam que após o rompimento do PMDB haveria uma debandada e o que estamos vendo hoje é um movimento inverso, vários partidos voltando para a base. O PMDB facilitou o jogo para o governo, que terá agora condições de construir uma maioria (sic) de 200 votos. Não haverá impeachment”.

De qualquer modo, a “repactuação” pela “maioria” de 200 votos vai dar trabalho a Lula e sua tropa de choque, a começar pelos seis Ministérios ocupados pelo PMDB que, pela lógica, já deveriam estar disponíveis para serem negociados por votos na Câmara dos Deputados. Henrique Eduardo Alves, do Turismo, já se demitiu. Até dois dias atrás era dado como certo que três ministros peemedebistas desejavam permanecer nos cargos: Kátia Abreu, da Agricultura, da cota pessoal de Dilma; Marcelo Castro, da Saúde; e Celso Pansera, de Ciência e Tecnologia. Outros três estariam dispostos a renunciar tão logo ultimassem questões pendentes em seus gabinetes.

Ontem, o panorama já era diferente: a despeito da decisão do Diretório Nacional de determinar a “imediata saída”, todos os seis peemedebistas passaram a demonstrar que gostariam de continuar ministros. Ocorre que o Ministério da Saúde, por exemplo, já está sendo negociado com outros partidos, para profunda frustração do controvertido ministro Marcelo Castro. Corre o mesmo risco outro que está agarrado ao cargo com unhas e dentes: Celso Pansera. De qualquer modo, a composição final do Ministério “repactuado” dependerá do que cada aspirante a ascender ou permanecer no cargo poderá oferecer em termos de votos contra o impeachment.

Enquanto isso, na linha da falta de compostura a que o desespero a está levando, Dilma Rousseff voltou, quarta-feira e ontem, a privatizar o espaço público da sede do governo de todos os brasileiros para promover comícios partidários em defesa de seu mandato. E não desperdiçou as oportunidades para elevar o tom na escalada “antigolpe” a que se entregou de corpo e alma. Como a palavra de ordem “impeachment é golpe” ficou desmoralizada pela evidência de que o afastamento é preceito constitucional inquestionável, Dilma foi forçada a fazer uma adaptação no mantra: “impeachment sem crime é golpe”, conforme berrou, com voz cada vez mais esganiçada, sob aplausos delirantes das claques.

Mais uma vez, Dilma age de má-fé e fala bobagem. O impeachment precisa, é claro, ter justificativa legal. Mas a existência ou não dos crimes alegados no pedido de impeachment é uma questão que cabe aos congressistas julgar. A presidente da República tem o direito de se defender, mas não o direito de se antecipar a uma decisão soberana do Congresso Nacional e decretar que o pedido de impeachment, já em tramitação na Câmara, não tem fundamento. Muito menos lhe cabe incendiar o País em benefício próprio. Se tivesse um mínimo de compostura, a desesperada chefe do governo preservaria a dignidade de seu mandato deixando a cargo de seus advogados e correligionários a tarefa de expor, nos foros adequados e com linguagem pertinente, os argumentos de sua defesa.

Mas Dilma só faz o que sabe. Formada na escola do “centralismo democrático”, com aperfeiçoamento no populismo lulopetista, ela acredita que o governante pode tudo, inclusive colocar-se acima da lei.

O Estado de S. Paulo

HQ como o PT gosta

Pequenos assassinatos

A que ponto chegamos.

Aposto que você já ouviu essa frase em algum lugar que frequenta, ou na conversa com um amigo, um parente, um vizinho. Ou até mesmo na TV, na voz de um ministro do Supremo.

O que nós estamos vivendo aqui neste momento guarda alguma semelhança com a “teoria da janela quebrada” (broken windows theory), que é o resultado de um estudo realizado por dois professores de Harvard - um cientista político e um psicólogo criminologista - mostrando que há relação de causalidade entre desordem e criminalidade.

Em resumo, a tese é a seguinte: se uma janela do apartamento de um prédio quebrar a não for consertada imediatamente, as pessoas são levadas a crer que aquele apartamento está abandonado, já que ninguém se importa com ele, e esse abandono incentiva depredações de outras janelas, mais atos de vandalismo e até invasão do prédio.


Ou seja: quem não se preocupa com pequenos atos de marginalidade acaba sendo cada vez mais tolerante com a criminalidade em todos os seus estágios. Até que ela se instale definitivamente.

A confusão entre pequenos e grandes crimes acaba provocando uma perda de referência por onde se infiltra e se instala esse vírus de amoralidade, essa anomia que destrói os nervos e que corrói a alma do país.

Achar graça numa estrela vermelha que a primeira dama instala no jardim do Palácio da Alvorada é o primeiro vidro da janela quebrada. Desconhecer o que significa a promiscuidade entre público e privado, entre governo e partido, entre governo e Estado, entre Estado e partido, pode parecer uma minúcia, uma ridicularia, mas não é. Pelo menos em países sérios não é.

Quebrado a primeira janela, passa-se a zombar dos pequenos delitos, como se eles não fossem a pura ressonância dos delitos maiores: ah, o pedalinho dos netos do ex-presidente, ah, a canoa baratinha da dona Marisa, ah, o elevador privativo do tríplex do Guarujá.

Quanta implicância desses coxinhas, como se fosse normal alguém receber benesses de empreiteiras que vivem de contratos públicos e como se fosse normal recusar-se a prestar depoimentos solicitados pela Justiça sobre eles.

Perdido o referencial daquilo que separa a bravata ideológica do crime puro e simples, acontece isto: um sindicalista de nome Armando Tripodi, que foi chefe de gabinete do presidente da Petrobras entre 2003 e 2012, nas gestões José Eduardo Dutra e José Sergio Gabrielli, publica no site oficial da Petrobras a confissão de um crime e nada acontece com ele. Talvez tenha até sido elogiado pelo companheiro-chefe.

Num depoimento ao site institucional “Memória Petrobras” ele conta que usou o dinheiro do imposto sindical para fazer campanha para o companheiro Lula, e narra, cheio de orgulho, todos os lances de seu heroico crime. É proibido por lei usar dinheiro do imposto sindical para campanhas políticas, mas quem se lixa?

Se a janela está quebrada, o prédio está abandonado e tudo é permitido.

Da janela quebrada ao pântano moral em que o País mergulhou, a distância é mínima. Princípios morais não têm peso, nem largura, nem altura, nem espessura. Ou existem ou não existem.

A delação premiada de Delcídio do Amaral mostra não apenas que a janela está quebrada. Mostra que o prédio já ruiu em cima do governo, e mesmo que ele sobreviva, está irremediavelmente ferido de morte.

Tio Barnabé: Moro é o antibarnabé

Aqui no Limbo tem rede social. Mais uma vez, sirvo-me do meu Chico Xavier de plantão e mando minha mensagem ao Antagonista.

Acompanhei os acontecimentos históricos do dia 13 de março. Desde às estranhas previsões astrológicas da Folha de S. Paulo até todas as deliciosas charges e sacadas do feicibuqui. Também li aquele pessoal relativista e de moral seletiva que defende o governo. Leio de tudo.

Acompanhei os promotores de SP: a denúncia, o pedido de prisão e a polêmica de Marx e Hegel. Tinham obrigação de saber que o parceiro de Marx era Engels e não Hegel e que Nietzsche se escreve com um "s" no meio? E a confusão conceitual do “super-homem” e o “além-homem”? Melhor não tivessem se enveredado por caminhos tão tortuosos, especialmente para quem mal estuda Kelsen nas nossas lamentáveis faculdades de Direito.

Ma, como gosto do tema barnabé, andei refletindo sobre o juiz Sergio Moro. Moro é o antibarnabé clássico. No mundo do barnabé, o juiz Moro é um escândalo até estético.


O barnabé odeia produtividade. Moro é reconhecidamente produtivo, suas sentenças são a tempo e horas. O barnabé medalhão adora uma citação (às vezes se dá mal como vimos), um brocardo, uma firula e, se for do direito, pratica o falar para nada dizer. Moro é simples, direto, econômico, infalível como Bruce Lee. O barnabé anseia pela “isonomia”, pela igualdade de todos na repartição e despreza o talento em nome da mediocridade burocrática, cotidiana, relógio de ponto, do esquema “dou-lhe tantas horas do meu dia e o Estado me dá uma remuneração”. Moro escandaliza ao evidenciar sua diferença, sua inteligência, sua coragem e sua liberdade.

O barnabé quer o médio, o previsível, o de sempre, o morno e tem horror ao gênio e ao imponderável, ao fora da curva normal, ao cisne negro, ao desvio padrão. O barnabé baba sedento em busca da compliance, da conformidade das portarias e das resoluções, da meta factível e pouco desafiadora e da rotina mais modorrenta. Moro evidencia a rompimento dos padrões, a ousadia, a coragem e a revolução do Direito que somente os revolucionários podem enxergar. O barnabé esconde-se em meio aos seus semelhantes, odeia o fulgor das luzes e acomoda-se em suas estações de trabalho, ao aconchego da sombra do monitor do computador que lhe tomou a face de empréstimo.

Moro arrisca-se diariamente a cada despacho, cada decisão, cada sentença e mostra-se como numa ribalta (sem ser exibido). O barnabé odeia a precocidade, a genialidade...levaria um susto ao saber que Napoleão foi general aos 28 anos, que Machado escreveu aos 18 e ficou espetacular aos 40 e que Nelson Rodrigues escreveu seu Vestido de Noiva aos 27. 

Moro não precisou de cabelos brancos, dos rapapés das altas Cortes e um título de Ministro para entrar para os livros de história do Brasil.

No mundo assertivo de Moro, o barnabé é um ser deslocado e perplexo.

Onde estou, sei bem onde ficam, é um lugar chamado Vestíbulo, a morada dos indecisos, covardes, dos que passaram a vida “em cima do muro”, daqueles que nunca quiseram assumir compromissos e tomar decisões firmes. De forma condescendente os vejo agora, aqui no Vestíbulo, obrigados a correr atrás de algo que não vai a lugar algum. Mas acho que o barnabé já fazia isto quando em vida.

Aplauso$, ele$ merecem

Nunca antes na história deste país, as elites foram tanto à esquerda e em defesa dos pobres como agora. Os petistas divulgam vídeos de declarações de artistas e também são lançados manifestos das elites culturais e científicas "contra o golpe".

Estão se sacudindo de uma forma inusitada em favor da presidente em seus estertores governamentais como carpideiras. Estranha-se que um governo que ataca sistematicamente as zelites tenha tanto apoio do mesmo grupo social apedrejado por todo lado.

Tem fácil explicação esse movimento das tais elites em favor de Dilma, Lula e PT. Nada a ver com os pobres do país, mas com o mecenato. Por trás da defesa das nobres atitudes petistas com a pobreza brasileira, está mesmo aquele vil interesse pecuniário.

O PT sempre foi prestigiado pelas elites intelectuais, as classes mais favorecidas em seus tempos áureos. Quando governo, se esmerou em ser o Mecenas da cultura a ponto de governo municipal se gabar com todas as letras de patrocinar mais shows em quatro anos do que em 200 anos de emancipação. Os shows populares, com esbanjamento de dinheiro público, se perpetuam semanalmente no melhor estilo de dar circo para calar a boca faminta. Como tantos favorecidos com aquele dinheiro que falta na saúde e na educação serão contra a mamata?

O PT pode esbravejar à vontade, mas institucionalizou a farta distribuição de patrocínios direcionados sob a legenda "cultura". Como classificar de cultura um megashow para inaugurar uma ponte (na verdade, viaduto maquiado) antes de sua construção? Que cultura seria essa que faz com que uma prefeitura crie a própria escola de samba extrapolando o direito das comunidades formarem suas próprias entidades e estabelecendo a primeira agremiação desse tipo governamental no país? Que cultura é essa dos petistas com biblioteca municipal caindo aos pedaços, enfiada debaixo de um anfiteatro, sem qualquer atividade de artes (pintura, escultura, música) desenvolvida no âmbito municipal para para jovens? Sem museu de artes, ou mesmo um museu?

Em nome da cultura, em particular da música, mas não exclusivamente, o PT tem instituído o mecenato agora "pago" com apoio os milhões que deixaram de ir para assistir ao cidadão. A arte a serviço do poder chegou aos píncaros da picaretagem. Em troca dos subsídios, com o crachá de "artistas", como se esse desse autoridade de falar qualquer asneira com aval de verdade indubitável, viu-se e se verá tais intelectualoides pontificando as mentiras do script petista. Dependerá do troco em prejuízo da saúde, da segurança, do saneamento, da educação e do desenvolvimento daquele povo que tanto faz essa gente encher a boca. Paga-se bem para fazer arte e cobra-se muito pouco para enganar os trouxas.

A tábua de salvação

Poucos duvidam que o relator da comissão que analisa o pedido de impeachment, deputado Jovair Arantes (PTB-GO), dará um parecer favorável ao impedimento da presidente Dilma Rousseff. Está no cargo de relator e o aceitou para cumprir com essa missão.

Na agenda do processo, que se iniciou em 18 de março, são previstos 30 dias para apresentação e votação do relatório de Jovair Arantes. Até 17 de abril, deverá ser consumada essa primeira etapa. Seguirá para votação no plenário da Câmara. Dilma apresentará defesa no prazo de cinco sessões antes que o júri, formado por 513 deputados, se pronuncie. Ao menos 342 votos serão necessários para destituir a presidente.

A Câmara será a primeira instância julgadora, mas é o momento em que se decreta, com o impeachment, a sobrevivência meramente vegetativa daquilo que resta do governo.

Portanto, já no mês de abril, pode ocorrer a morte cerebral do governo Dilma Rousseff, tirando-lhe as funções indispensáveis para manter-se com vida.

Nota-se que, se não fossem a extensão e a fidelidade das bases sindicais do governo petista, a história de lutas do PT, já teriam perdido força os batimentos cardíacos do governo Dilma, consequência de descuidos e imperícias.


Ela equivocou-se nas decisões mais importantes de seu mandato, trocou corte por aumentos, aumentos por corte, lá onde havia excesso se encarregou de ampliá-lo, onde encontrou carências acabou por acentuá-las. A principal desgraça que se abateu no Brasil, desacelerando o crescimento e jogando a economia em queda livre, são precisamente os erros do governo, e não a capacidade da oposição de conspiração – uma oposição dividida, fraca e contaminada pelos mesmos vícios e práticas.

Mais de 1,1 milhão de desempregados nos últimos três meses são dose de elefante de se aguentar. Um terremoto que equivale a uma massa de salários de R$ 2,5 bilhões com consequência nas contas previdenciárias e no erário em geral.

Desanima a plateia, ainda, a ausência de perspectivas e de percepção dos fatores que desestruturam os mercados e devastam o sistema. Onde precisa-se de alívio tributário deram-se aumentos que saíram pela culatra, elevaram-se juros e carga tributária onde precisava aliviá-los. Matou-se a vaca que alimentava com seu leite a família.

A culpa de Dilma está na falta de compreensão do teclado a sua frente. Quer um bom acorde, mas aciona as teclas erradas.

Os setores siderúrgicos, automotivos e de bens duráveis sofreram queda de 50% nos últimos dois anos. Por mais mauricinho que seja o Joaquim Levy, o resultado dele é um desastre. Nelson Barbosa também passará à história como o almirante da maior derrota econômica de todos os tempos, dando tiros no casco do navio que comanda.

Dilma tem a infelicidade de se escorar no PMDB, o partido que chupa ministérios dentro do governo como tolete de cana e assovia o impeachment no Congresso.

A esfera política brasileira da atualidade é a mais contaminada e fraca de todos os tempos. Falta até qualidade à oposição para se erguer como alternativa ou fazer seu papel republicano de contraponto.

Dilma se desautoriza a cada dia. Enche seus discursos de “golpe” sem atinar que o que se quer ouvir dela são planos e medidas, saídas e soluções.

“Golpe”, “impeachment”, “renúncia”, “troca de governo” são palavras que entram em jogo para tratar a forma menos dolorosa de eliminar um mal maior, um governo insatisfatório. Nenhuma nação merece aguardar de braços cruzados anos de demolição nacional.

Propostas de ações efetivas, acenos à compreensão das causas do estrago gerado. Dilma vai para outro lado à procura de discursos. Faz arrepiar os passageiros do Titanic que ela pilota. Naturalmente, passam a querer que o timoneiro seja outro.

Já deveria ter convocado bons empresários, e não escroques disfarçados de empreiteiros e banqueiros; profissionais competentes, e não boquinhas. Deveria apresentar um plano que vai além do aumento da carga tributária. Notáveis da nação, e não figuras indignas com o único trunfo chantagista de serem donos de partidos, deveriam estar em seu governo ou frequentar a mesa das principais decisões.

Em qualquer lugar do mundo e qualquer cargo a incompetência e o fracasso são mais que justos para motivar uma substituição. A renúncia por vez surge como facilitador do impasse. Os eleitores podem ter esgotado a confiança. Apenas isso é suficiente num país civilizado para motivar a substituição. Mais ainda com a descoberta de uma presença alarmante de criminosos na gestão da máquina pública.

O país transformado em cemitério de empregos e de empresas não é o suficiente?

Precisa esperar que o Brasil fique cinza para trocar de governo?

Esse é problema a se discutir.

Dilma perde o momento de convocar com serenidade a nação para um pacto de eliminação da corrupção, da ineficiência, da inversão de papéis de um Estado opressor e perdulário. Cabe a ela convocar pessoas boas, e não persistir no erro.

Nomear ministros notáveis para salvar a nação, e não representantes de partidos que precisam se reciclar e mudar de nome.

Menos mordomias e mais austeridade, menos incompetência e mais experiência, banir a corrupção e promover a ética e a legalidade.

Dizer e fazer isso! Se ainda encontrar força e lucidez. Evitará ou dificultará o impeachment e evitará sofrimentos desnecessários e um clima de guerrilha. Pensar em salvar a nação, mais que se salvar. E as duas se salvarão.

Osso duro de roer

Assumo, sequer tentei, mas não é de hoje que me conheço e posso garantir, teria sido impossível disfarçar meu constrangimento com o artigo escrito por Wagner Moura, publicado na Folha de São Paulo quarta-feira passada.

Exageros do Judiciário, ingratidão, perseguições, preconceito, conjecturas desonestas e imprecisões convenientes; todos os argumentos comuns ao discurso governista estavam lá. De tão deletéria, a linha de raciocínio conseguiu empanar a própria rudeza do texto. Um feito.

Logo no parágrafo abre-alas, por exemplo - “Ser legalista não é o mesmo que ser governista, ser governista não é o mesmo que ser corrupto. É intelectualmente desonesto dizer que os governistas ou os simplesmente contrários ao impeachment são a favor da corrupção” - fica clara a intenção de abusar da ginástica retórica para encadear meias-verdades sorrateiras.

Desgraçadamente a marinização do debate voltou à moda, eu entendo, porém, fiquei na dúvida, Moura realmente achou que seduziria alguém sensato com um bobajada deste quilate?

Nessas horas pouco interessa o caráter da pessoa, do mais pudico ao canalha perfeito, tudo o que eu espero é um mínimo de macheza. Trata-se de uma expectativa razoável, convenhamos, quando o debate feroz toma conta das conversas, a economia definha e as instituições são questionadas.

Seja qual for a categoria do bizu, não resta escapatória, apoiar este governo corrupto, mesmo com tantas informações disponíveis, significa, sim, colaborar com bandidos inimigos da nação.

Questionar as razões que levam o sujeito a insistir ou adotar posição tão absurda, por outro lado, é um debate legítimo. Ignorância? Obtusidade? A tola percepção de que mudar de posicionamento atestaria fraqueza? Contrapartida com o governo que financia projetos pessoais?

Em outro momento trágico do artigo-panfleto, Wagner lamenta o “ódio cego por um governo que tirou milhões de brasileiros da miséria”, para em seguida ressaltar que, “em nome dessas conquistas”, não nega “as evidências de que o PT montou um projeto de poder amparado por um esquema de corrupção”.

Estabelecer ambas as situações nesta ordem, invertendo causa e efeito, não foi um deslize à toa.

Para acreditar nesta hipótese seria necessário esquivar-se de sugestões mentirosas como “você, que por ser contra a corrupção quer um país governado por Michel Temer”, “interceptações telefônicas questionáveis”, ou ainda “o fato de o ministro Gilmar Mendes promover em Lisboa um seminário com líderes oposicionistas”.

Ora, para começo de conversa, se alguém quer um país governado por Michel Temer são os eleitores da chapa Dilma-Temer. Sobre as escutas telefônicas, estas foram autorizadas pela Justiça, e portanto questioná-las assim, de maneira tão vazia, só pode significar a preferência pela diferenciação entre cidadãos perante a lei. Por fim, o seminário em Lisboa começou a ser organizado há um ano, e contará com a presença do ministro Dias Toffoli, do senador Jorge Viana (PT-AC), do ex-advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, entre outros ministros, advogados e professores, além de José Serra e Aécio Neves.

Wagner Moura tem todo o direito de opinar como bem entender, e até de simplesmente repetir o batido discurso torpe do comando petista. Pode inclusive se autoproclamar legalista, seja lá o que isto significa na atual conjuntura.

Assim como o nosso dever, de todo brasileiro farto com as patifarias comandadas pelo PT, é o de contestá-lo, de dizer basta, e de rejeitar a metralhadora midiática organizada por este governo com o auxílio da classe artística.

Chega a ser ofensivo constatar o pouco caso que fazem da inteligência e indignação do povo.

Na certa imaginam que os vários Mouras, Buarques, Abreus e Sabatellas ainda sejam capazes de, somente com suas pálidas presenças, mesmerizar as pessoas a ponto de fazê-las esquecerem a conta de luz, o tomate, as passagens, a falta de emprego, e principalmente os bilhões surrupiados.

Com toda a honestidade, já que esperar pelo encerramento unilateral de seus contratos com a golpista Rede Globo seria demais, sem falar na esculhambação ética que é defender um governo provedor de milhões pleiteados por eles mesmos via Lei Rouanet, acho até bom ver esse pessoal deixando a toca.

No fundo, ao ensaiar falsos puxões de orelha na esquerda para então ter a pachorra de falar em “golpe clássico”, o ator apenas comprovou a premissa básica de todo esquerdista: pau está liberado para bater em Francisco, desde que em Chico não encostem um dedo sequer.

Game over

O governo Dilma está acabado, independentemente do resultado de impeachment. O governo está apenas cumprindo prazos, os quatro anos constitucionais que lhe cabem, mas Dilma está muito desgastada, não tem mais força política para nenhuma iniciativa, não vai aprovar nada no Congresso
Francisco Oliveira, sociólogo fundador do PT

Estado unitário em vez de federativo

Unem-se as quadrilhas, ainda que se dediquem a repetir os mesmos crimes. Quem é flagrado no petrolão foi condenado no mensalão. Quem recebeu propina para votar com o governo no Congresso também abriu contas no exterior. São os mesmos, chamem-se Silvinho, Bumlai, Ronan ou Valério. Questiona-se apenas quando começou: se após a primeira eleição do Lula ou antes, quando o PT conquistou sua primeira prefeitura no interior de São Paulo. A metástese não parou, basta digitar o nome de empreiteiras, diretórios municipais ou bancos empenhados no trato com a coisa pública, sem esquecer obras onde companheiros e afins se dedicam a exaltar as excelências do modo petista de governar.

Adianta tirar quem se encontre puxando a fila, no caso, através do impeachment da presidente Dilma? Nem de longe, pois Madame é apenas um símbolo. Junto com ela situam-se legiões de grandes e pequenos participantes de um dos maiores escândalos da República, iniciados empalmaram o poder.


Claro que tem gente honesta no PT, ou até que muitos tidos como ladrões não chegaram a roubar, ou roubaram muito pouco. Fazer o quê, diante dessa desmoralização completa da atividade política? Falam em separar o joio do trigo, mas separando o trigo do joio talvez não sobrem grãos suficientes para assar um pãozinho francês.

Solução, mesmo, não se encontrará na identificação ou sequer na punição dos responsáveis pela roubalheira. Outros virão, mais ágeis e espertos do que os supostamente punidos. Sendo assim, haverá que buscar saídas diversas, começando pela demolição das estruturas legais que permitiram o assentamento de tamanho descalabro. Para começar, a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte destinada a redesenhar o regime. Em vez de Estado Federativo, um Estado Unitário. Claro que composto através de eleições diretas e livres, mas forte o bastante para levar a todo o território nacional a presença inflexível da autoridade pública.

Não se tenha a ilusão de imaginar um paraíso a partir desse simples começo, mas sem ele não se chegará a lugar algum. Vale iniciar partindo dessa premissa. O diabo é se dela resultar o PT como força maior…

As ilusões que custam caro

Dia desses conversava com um dileto amigo sobre um assunto absolutamente sério: mortes no trânsito. Discutíamos os números relativos a 2010, ano no qual 42.844 brasileiros perderam a vida em nossos matadouros - digo, estradas.

Decidi fazer algumas contas. Um avião de grande porte, daqueles que voam pelo Brasil afora ligando nossas capitais, carrega em média uns 100 passageiros. Isto significa que naquele ano as mortes equivaleram a mais de 428 aviões lotados - 35 por mês, quase um por dia. Já pensaram no que aconteceria se caísse um avião a cada dia aqui no Brasil?

Decidi pesquisar mais um pouco e fazer novos cálculos. Descobri que aqui no Espírito Santo, em 2010, o trânsito custou a vida de 1.128 pessoas - o equivalente a mais de onze aviões de passageiros lotados. Dá quase um por mês caindo sob as nossas vistas. Imaginem o que faríamos se a cada mês caísse um avião em nossa terra!

Para complementar o quadro, registro que somos vice-campeões nacionais em mortes no trânsito - só perdemos para o Tocantins. A cada grupo de 100 mil capixabas, 11,2 morrerão em nossos matadouros - digo, estradas.

Isto tudo custa caro. O Brasil perde R$ 5,3 bilhões só por conta de acidentes de trânsito - que respondem, de forma absolutamente incrível, por metade das internações nos hospitais capixabas. Descobri que o INSS, sozinho, gasta R$ 8 bilhões por ano apenas com vítimas de acidentes.

Só para firmar em definitivo a gravidade do quadro, decidi passar os olhos pela Guerra do Iraque. Li que entre 2003 e 2009 perderam a vida 109 mil pessoas - algo em torno de 18 mil por ano. Pois é. Nosso trânsito mata mais que o dobro disso!

É curioso este mundo: quando caem aviões ou eclodem guerras movimenta-se a consciência de toda a humanidade - que, no entanto, silencia diante de morticínios muito piores, praticados diante dos olhos de todos!

Mas continuemos nossa caminhada, agora indo de encontro aos culpados. O eterno responsável de plantão atende pelo nome de “motorista”. É fácil culpar os motoristas. Aliás, eis aí o “saco de pancadas” perfeito: não tem nome nem rosto, não se defende e nem concede entrevistas.

É assim que acabamos convencidos de que os culpados são mesmo os motoristas - afinal, eles bebem muito, dormem ao volante, dirigem em excesso de velocidade, fazem ultrapassagens proibidas e o que mais pudermos imaginar.

Longe de mim dizer que não fazem isso - sim, as imperfeições do ser humano se refletem no trânsito, e merecem correção rígida e rápida. Eis aí uma verdade óbvia. Mas seria ela a única?

Vivemos em uma terra cuja malha ferroviária é absolutamente precária, um absurdo que compromete claramente nosso crescimento. Só para termos uma ideia, o trem-bala japonês já transportou 6 bilhões de passageiros em uns 50 anos de funcionamento - calcule quantos carros deixaram de circular e quantos acidentes deixaram de acontecer.

Por conta desta estranha opção rodoviária que fizemos, deixamos de investir o suficiente em portos e aeroportos - em sua maioria sucateados e sob processo de reformas ou recuperação. Algum iludido poderia dizer que pelo menos investimos em rodovias. Que nada! 72% de nossas estradas estão em péssimas condições e 10% delas sequer sinalização tem.

Eis aí o Brasil sem transportes, vítima de décadas de descaso. Enquanto isso, que sejam conduzidos às masmorras os motoristas. Afinal, devemos mostrar ao planeta que somos um povo civilizado a habitar um país emergente.

Pedro Valls Feu Rosa

A culpa não é minha. Eu não votei no Temer

Um dos frames políticos que mais está em voga no momento é o “argumento do golpismo”. De acordo com a esquerda, mais precisamente o Governo, embora tal ideia esteja mesmo sendo propaganda é pela rede de blogs petistas, abastecida por dinheiro público, as manifestações maciças do povo brasileiro são parte de um movimento ilegítimo promovido pela elite. Nada mais falso.

Em diversos locais, jornalísticos ou acadêmicos, especialistas de todos os lados do espectro político já afirmaram que, com a decisão do STF acerca do rito legal a ser utilizado em um processo de impeachment, e dado que esse instituto jurídico encontra-se amparado na Constituição, bem como o crime de responsabilidade e sua regulamentação, criar a pecha de ilegitimidade ou ilegalidade sobre tal procedimento é uma tentativa pueril de combater instituições com retórica rasteira.


Mesmo fazendo um papel ridículo, a esquerda ligada ao Governo continua a insistir em tal tese. No entanto, dada a absoluta falta de argumentos jurídicos contra o presente processo de impeachment, agora tenta se buscar a ilegitimidade do grande beneficiário político do desfecho positivo desse processo, que é o Vice-Presidente Michel Temer.

De acordo com os blogs petistas, em caso de impeachment, Michel Temer não teria legitimidade para assumir o mandato por não ter sido eleito para essa finalidade. Certamente o leitor desse blog já deve ter lido manifestações da esquerda radical exigindo novas eleições para se restaurar a “verdade democrática” das urnas. Se Dilma cair, segundo tais manifestantes, Temer deveria passar pelo crivo das urnas para assumir.

Mas o procedimento do impeachment não modifica ou quebra a verdade democrática. Nos termos da nossa legislação eleitoral, quando um eleitor vota em um candidato a Presidente, ele está também votando no seu Vice. Isso ocorre porque o eleitor não vota em uma pessoa, e sim em uma chapa.

É verdade que o eleitor médio brasileiro, ao votar em uma chapa de eleição majoritária, não costuma pesquisar acerca dos Vice-Presidentes, Vice-Governadores ou Vice-Prefeitos, mas deveriam, já que existe sempre a possibilidade de tais suplentes assumirem o mandato, seja em definitivo, seja em curta duração. Nos últimos 25 anos, apenas no Estado do Rio, tivemos 2 renúncias de Governadores faltando 9 meses para o fim do mandato (Brizola em 94 e Garotinho em 2002). Vice-Governadores assumiram também por motivo de doença, como o caso de Francisco Dornelles recentemente. Em âmbito nacional, em 1992 um Vice-Presidente assumiu definitivamente o cargo. Podemos estar vendo esse fenômeno ocorrer novamente.

Essa questão se torna ainda mais dramática ao falarmos de Senadores. O cargo de Senador é ocupado através de eleições majoritárias em chapa, onde o eleitor escolhe um candidato titular e dois suplentes. Esses suplentes assumem com muita frequência o cargo. É raro algum carioca ter ouvido falar em Regis Fichtner, Paulo Duque, Eduardo Lopes, Nilo Teixeira Campos, Geraldo Cândido ou Abdias Nascimento. Todos eles foram Senadores pelo Rio de Janeiro somente nos últimos 20 anos. O primeiro suplente do Senador Romário é um obscuro membro do PCdoB.

Se esquerdistas estão tão contrariados com a iminente ascensão de Michel Temer à Presidência da República, eles só podem apontar para um culpado: o eleitor da chapa PT/PMDB. Foi esse eleitor, não o revoltado oposicionista que foi pra rua nos últimos dois anos, o responsável por tal fato. Foram os esquerdistas que elegeram Temer, não a direita, e agora é dever deles admitirem isso para conviverem com a realidade onde o sufrágio universal democrático legitimará sim uma eventual presidência de Temer e do PMDB.

Em todo caso, a única coisa certa nesse processo é que a culpa, certamente, não é minha, afinal, eu não votei no Temer. Aquele que pariu Michel que o embale.