quarta-feira, 30 de março de 2016

Irmãs siamesas

Quem ainda pensa e age conforme esquerda ou direita merece ouvir que está destratando o cérebro, cego para os fatos e caminhando sem chão.

Para o general Golbery, esquerda e direita eram como pontas de ferradura que, embora se achando opostas e distantes, são próximas e semelhantes. E o tempo mostrou que são irmãs siamesas – iguaizinhas, embora inversas.

A esquerda quer nos levar para um futuro que nunca existirá, como provam todos os regimes socialistas, fracassados econômica e moralmente, depois de produzir dezenas de milhões de vítimas com suas revoluções num século. A direita, em séculos anteriores, fez o mesmo com suas monarquias, guerras imperialistas e coloniais ou ditaduras, e ainda insiste em querer nos vender a ideia de um belo passado que nunca existiu (aliás, quem quer a volta dos militares devia conversar com eles para saber que só querem ser guardiões da Constituição e da soberania nacional, como é seu dever, e só).

A direita tomou o poder pela força no Brasil, instalando ditadura, e a esquerda queria tomar pela força o poder, para instalar ditadura. Tomando o poder em nome da ordem ou do povo, no poder direita e esquerda igualmente sempre praticaram censura, policialismo, corrupção, populismo e desgoverno, inchando Estados sempre mais custosos que produtivos.


A atual crise é resultado e evidência de que o Estado, na mão da esquerda ou da direita, nunca poderá ajudar gente ou gerar prosperidade se não se consertar antes, dando exemplo de probidade e produtividade, dois pilares que ambas primam por ignorar.

Suas visões são sempre parciais, como quem enxerga com um olho só e, portanto, sem perspectiva. Não veem que, graças a Marx e suas decorrências, o capitalismo se socializou. Empresa que hoje destratar seu pessoal, ignorando seus direitos sociais, quebra ou é fechada.

O lucro foi, depois da linguagem, a mais consequente invenção; ambas erguendo as civilizações, com o lucro se socializando já no nascimento, pois só conseguiam vigorar as moedas garantidas por Estados, portanto já com impostos embutidos – que, se inicialmente eram apenas para manter os Estados e seu aparato fiscal, militar e policial, agora sustentam serviços públicos essenciais para a sociedade.

Há apenas meio século, eu, menino, tinha “irmãs de criação”, resquício pós-escravidão. Não existiam creches, mulher cuidava só de casa, faculdade era só para ricos, homossexuais eram “veados”, enquanto lésbicas se escondiam e deficientes eram escondidos – e, se alguém dissesse que o governo ia dar bolsa para as pessoas apenas sobreviverem, seria chamado de louco. Vivemos social-democracia em evolução, apesar da resistência elitista da direita e dos delírios populistas da esquerda.

À sociedade produtiva, que com os impostos resultantes de suas empresas e salários sustenta o Estado, pouco ou nada importa que os governantes se digam de esquerda ou de direita. O trabalhador, seja empregado, empresário ou autônomo, sabe que todos cometerão os mesmos erros e a sociedade pagará a conta. E o mais triste é ver que eleições só servem para perpetuar esse sistema, enquanto persistir o atual modelo político e seu Estado de privilégios.

Como, infelizmente, essa situação é resultado da ação predatória de esquerda e direita, e também da omissão da sociedade, só podemos confiar no poder restaurador da crise para chacoalhar o barco, trocar a tripulação e o modo de navegar – se a sociedade participar e exigir. Enquanto isso, esquerda e direita siamesamente só falam e tratam do poder, não de reformas, que é do que o Brasil precisa para ir nem para a direita nem para a esquerda, mas em frente.

Domingos Pellegrini

Mandamentos

A coisa segue assim, você começa a fazer reparos na conduta de um amigo comum. Eu tento mudar de assunto, mas logo eu “entendo!” e você e eu passamos a ver defeitos do amigo que, ao chegar, é alegremente saudado com a observação honesta, segundo a qual, ele não morre tão cedo, pois estávamos justamente falando dele!

– Em seguida, comentamos o livro de um outro amigo. Todos concordamos que se trata de marxismo vulgar. Somos todos marxistas?

– Claro que não! Mas sabemos que as pessoas são maiores que a vida e, por isso, também apreciamos alguns neofascistas carimbados, salientando, com veemência, que não somos fascistas. Apreciados, com os devidos limites, lógico, e incestuosos ladrões do Brasil, mas seria tolice entrar nesse assunto...

– Vale acentuar como moldamos nossas opiniões mais em pessoas do que em instituições. Com isso, entrar é fácil, sair é difícil – somos presos pelo favor. Fabricados em famílias e não em escolas, conventos, oficinas, quartéis, partidos e universidades, fomos treinados a seguir ordens, respeitar os mais velhos e a tomar o nosso grupo de “sangue” como imperativo. Jamais vi alguém de família nobre deixar de invocar a sua linhagem aristocrática. Mesmo em situações formais, o laço de amizade é mencionado. Quando se diz: parei de falar com Fulano ou Sicrana, colocando-os no gelo, o sujeito deixa de ser uma pessoa e torna-se um condenado. Pior do que a prisão é o exílio – a exclusão do grupo.

– O Brasil tem pouco espaço para indivíduos autônomos, que não fazem pedidos ou são parte de uma “turma”. Ele se subdivide numa vasta rede tribal de puxa-sacos de narizes sujos, cujo cordão tem como objetivo solicitar empenhos, visando a tirar vantagem de tudo. Convenhamos que não é fácil conter esse melado de relações no qual muitos se lambuzam mais por amizade do que por convicção. A prova, hoje em dia, é saber se a lei vai vencer o “sabe com quem está falando?” dos amigos no poder.

– Se um amigo demanda, não negamos! O mandamento ou o credo nacional é essa solidariedade chamada de “política” na qual vale tudo, inclusive o axioma segundo o qual a lei (ou a institucionalidade) deve ser aplicada somente para os inimigos. Ora, se a justiça está sempre com os amigos, como levá-la a sério? Se tudo tem um interesse e uma segunda versão, como resolver as crises? Se a honestidade é contextual e depende mais de quem faz do que foi feito, entramos num poço sem fundo. Pois todo sistema tem um limite e o nosso tem um problema: só os subordinados e os adversários têm fundo. O céu é o limite para os superiores e os poderosos. Somos aristocráticos sem saber...
*
Tudo isso ocorreu nesta sempre lembrada Sexta-Feira Santa da minha juventude de Juiz de Fora, quando os sermões apocalípticos do padre Olavo faziam o céu escurecer. Nesta última semana, a roda no velho Bar do Soares refrescava a preocupação com a crise nacional. Um garçom sem nome trouxe um sanduíche de presunto, o qual recusei com um severo “não se come carne nesse dia!”. Uma admoestação que saiu, sem eu sentir, de dentro de mim.

Confrontado com os meus limites, enxerguei como o Brasil era mestre na criação de paradoxos morais como a violência e também as intimidades entre senhores e escravos, entre pobres e ricos; e com os populismos narcisistas, segundo os quais todos ganham e ninguém perde. O governo tem mistificado. Tira partido da nossa confusão entre leis e éticas. Algo me diz que isso tem a ver com os velhos mandamentos, que regravam costumes e leis. O fato é que como jamais discutimos o peso dos cargos públicos sobre a vida particular das pessoas – e pouco politizamos o nosso vezo aristocrático revelado nas leis de prisão especial, no direito de recorrer de sentenças e no imenso poder do Estado que mistura interesses universais com os do governo (que é de partidos e pessoas) –, criamos alergia ao igualitarismo. Ser igual sempre foi, e continua sendo, ser inferior. O foro privilegiado é uma figura antidemocrática. Se assim não fosse, teríamos restrições para eleitos e eleitores como queriam (e até hoje querem) os reacionários.

Olhei em volta. É Sexta-Feira Santa, pensei novamente. Neste dia, um cara exilado do mundo moderno chamado Cristo estava se intrometendo na minha vida de ateu. Um sangue novo fazia pulsar o meu coração. Não, não poderia ser o sangue que Ele derramou por todos nós. Será que os nossos sangues estavam misturados? Eu devia estar de porre. Afinal, como diziam Chesterton e Graham Greene, acreditar nisso era uma causa perdida.

Lula e o PT vão mesmo incendiar o país se houver impeachment?


Com as evidências de que o impeachment da presidente Dilma Rousseff se tornou um rolo compressor e não pode mais ser evitado, sabe-se que o governo e o PT vão esboçar reações. Há três semanas, Lula indiretamente ameaçou incendiar o país, ao proclamar que é o único líder político capaz de levantar o povo. E ninguém tem dúvidas sobre isso, realmente ele pode causar uma comoção social, mas espera-se que tenha juízo e não o faça.

Apesar de Lula não ter tocado mais no assunto, as ameaças continuaram, a partir das declarações de dirigentes petistas e de líderes dos chamados movimentos sociais, que estão sob controle direto do PT ou de partidos aliados, como o PCdoB.

O fato concreto é que o Brasil se tornou paraíso das centrais sindicais e dos movimentos sociais, que são mantidos com recursos públicos oriundos da contribuição sindical obrigatória ou desembolsados diretamente pelos governos federal, estadual ou municipal, que aprenderam a usar organizações não governamentais para montar rentáveis esquemas de corrupção, com destaque para as chamadas organizações sociais, que se multiplicam como pragas.

É neste contexto de corrupção político-social que se arma a reação contra o impeachment da presidente Dilma Rousseff, com o presidente do PT, Rui Falcão, ameaçando desestabilizar o país.

Guilherme Boulos, que coordena para o PCdoB o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e a Frente Povo sem Medo, que congrega diversos movimentos sociais, também fez grave advertência na semana passada. Sem meias palavras, avisou que, se for efetivado o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff ou decretada a prisão de Lula, o país será “incendiado” por greves, ocupações e mobilizações. “Não haverá um dia de paz do Brasil”. acentuou.

“Podem querer derrubar o governo, podem prender arbitrariamente o Lula ou quem quer que seja, podem querer criminalizar os movimentos populares, mas achar que vão fazer isso e depois vai reinar o silêncio e a paz de cemitério é uma ilusão de quem não conhece a história de movimento popular neste País. Não será assim”, ressaltou.

É óbvio que os militares estão acompanhando essas ameaças e bravatas. O comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, já deixou claro que as Forças Armadas só pretendem interferir se forem acionadas por algum dos três poderes (Executivo, Legislativo ou Judiciário), conforme determina a Constituição.

É a melhor saída. Até mesmo porque não há outro caminho, e isso significa que as instituições estão fortalecidas. Portanto, a democracia há de seguir seu curso. E como dizem os cristãos, que assim seja.

A oligarquia depenou o PT

O PMDB nunca pensou, não pensa em sair do governo e sente-se ofendido se alguém admite essa hipótese. Quem corre o sério risco de sair do governo é o PT. O partido que foi de Ulysses Guimarães e Tancredo Neves e hoje é de Eduardo Cunha e Renan Calheiros quer apenas tirar uma licença de alguns meses, até o início do governo de Michel Temer, seu atual presidente.

A ideia de que o PMDB resolveu sair do governo não tem nexo nem propósito e destina-se apenas a esconder um objetivo. Os doutores querem que se creia que nada têm a ver com a ruína e pretendem retornar ao poder como se Michel Temer fosse o sucessor constitucional da senhora Rousseff por ocupar a vice-presidência do Flamengo, não a da República, eleito por duas vezes, sempre compartilhando a chapa.

O PMDB sai do governo para continuar no poder, dando esperanças a oposicionistas que não tiveram votos e a todos os gêneros de maganos tementes da Operação Lava-Jato. Ninguém sabe quais são os planos dessa coalizão para um eventual dia seguinte à posse de Temer, mas seu objetivo essencial está claro: trata-se de desossar a Lava-Jato.

A armação oligárquica precisa sedá-la, pois há barões na cadeia e marqueses temendo a chegada dos homens de preto da Federal.

O PT e Dilma reagiram às investigações das ladroeiras com uma conduta que foi da neutralidade-contra à pura hostilidade. Se hoje a rua grita o nome do juiz Sérgio Moro e pede “Fora PT”, isso se deve em parte à incapacidade dos companheiros de perceber que se tornaram fregueses num jogo viciado.

O comissariado acorrentou-se à própria falta de princípios. Desprezou a lição trazida pelas sentenças do mensalão e achou que pularia a fogueira do petrolão. A cada um desses lances de soberba jogou n’água uma parte de suas bases populares. Confiando na própria esperteza, foi para um carteado com jogadores profissionais e um baralho viciado. Os oligarcas depenaram-no. (Refresco para a crise: Quem quiser pode ver “Cincinatti Kid”, com Steve McQueen e Edward G. Robinson num de seus melhores momentos. Nessa mesa o baralho era honesto.)

Sem cartas, Lula compara-se a Getúlio Vargas e seu comissariado grita “Golpe”. Tudo parolagem. Getúlio foi encurralado por uma rebelião militar a partir de um caso em que membros de sua guarda pessoal tentaram matar o principal líder da oposição. Getúlio era um homem frugal. Ao contrário de Lula, nunca teve apartamento na praia e sua fazenda vinha de herança familiar. Não pode ser golpe o cumprimento de um dispositivo constitucional seguindo-se o ritual da lei, sob as vistas do Supremo Tribunal.

Resta uma questão: as pedaladas fiscais não seriam motivo suficiente para o impedimento de um presidente. Além das pedaladas, há sobre a mesa otras cositas más. Admita-se que essas cositas fazem parte de outro processo. Na atual etapa, tudo desemboca numa questão político-aritmética: a Câmara só poderá decidir a abertura do processo contra a doutora pelo voto de dois terços mais um de seus deputados. Como Dilma, eles foram eleitos pelo povo, e a Constituição diz que é deles a decisão nessa fase do julgamento. Sem os dois terços, não haverá impeachment. Com eles, haverá. Ademais, era nesse Congresso que o PT cevava sua maioria, a famosa base de apoio.
Elio Gaspari

Lei & Ordem

Os fatos acontecem à velocidade de um raio e dissipam ilusões quanto à capacidade da presidente Dilma Rousseff construir um mínimo de apoio no Parlamento para barrar o processo de impeachment.

Soma-se a isso a absoluta impossibilidade de reverter o sentimento amplamente majoritário de repulsa ao seu governo.

O desembarque do PMDB e seu efeito cascata são evidências de que o projeto de poder do lulopetismo está vivendo seus estertores.

Só lhe resta uma última e desesperada manobra: exacerbar até não poder mais o clima de radicalização e confronto para ganhar sobrevida ou para se preparar para o amanhã, se tiver de ir para oposição.

Assim sendo, o lulopetismo procura criar a imagem de que está em curso uma ruptura democrática e ameaça um day after no qual o país ficaria em chamas, no caso do impeachment da presidente.

É pura guerra psicológica diversionista. Estamos longe de uma “guerra civil” ou da iminência de um desvio de rota do Estado de Direito Democrático. As instituições republicanas têm se pautado conforme determina a Constituição. Excessos eventualmente cometidos foram corrigidos pelos próprios mecanismos de freios e contrapesos da democracia.

As manifestações, por sua vez, têm sido, na sua maioria, ordeiras e pacíficas. Assim se pautaram os seis milhões de brasileiros que foram às ruas no dia 13 de março.
E é assim que tem de ser. Na lei e na ordem.

No ordenamento democrático, todos, absolutamente todos, podem dar sua opinião sobre se há, ou não, motivos para o impeachment. Podem fazer manifestações contrárias ou favoráveis ao impedimento da presidente.

A apreciação da matéria, contudo, cabe, de forma privativa, ao Congresso Nacional, observados os trâmites definidos pelo Supremo Tribunal Federal. Serão a Câmara e o Senado que farão o julgamento do impeachment. Para isto têm inteira legitimidade. A Suprema Corte, se provocada, se pronunciará, mas provavelmente para verificar se o rito processual esteve em sintonia com a Constituição.
Simples assim.

Mas, por ideologia ou má fé, setores da nossa intelectualidade alardeiam que estamos vivendo situação semelhante à de 1964 e a própria presidente assume o mesmo discurso, na sua estratégia de vitimização. Até certo ponto, e até certo grau, entende-se tal comportamento.

Há em parte da esquerda brasileira uma cultura maniqueísta, de dividir o mundo entre os bons e os maus, de se achar depositária da virtude, de acreditar que os fins justificam os meios. Em nome da causa, vale tudo.

Vale fazer vista grossa à corrupção praticada para perpetuar um projeto de poder. Vale a relativização dos valores da democracia, se tais valores forem violentados pelos chamados governos populares. 

O lado mais ideológico do lulopetismo nunca engoliu muito bem este negócio de presidencialismo de coalizão. Nunca enxergou os partidos aliados como parceiros de um projeto. Ao contrário, viam como um estorvo, cujo apoio poderia ser comprado. Por dinheiro ou por repartição do butim ministerial.

O condomínio PT-PMDB, com seus partidos satélites, baseou-se na desconfiança mútua, no desejo irresistível de um jogar o outro no mar, quando chegasse a hora.
E a hora chegou.

Com cinquenta anos de janela, os “profissionais da política” foram mais rápidos. Pularam fora do Titanic, deixaram Dilma a ver navios.

Ainda não é possível descortinar como serão os últimos capítulos do lulopetismo no poder. Certamente, o país viverá momentos de sobressalto e de tensão, até o desfecho desta novela.

Acreditamos nas instituições e em um final feliz. E torcemos para que a lei e a ordem continuem falando mais alto.

PT criticava no julgamento de Collor o fisiologismo ressuscitado sob Dilma

Incorporado à base congressual dos governos petistas desde a gestão Lula, Fernando Collor foi alvo de ataques implacáveis do PT durante a tramitação do processo de impeachment que o arrancou do Planalto em 1992. As críticas eram mais ácidas quando se referiam à principal arma de resistência de Collor: o fisiologismo. Decorridos quase 24 anos, Dilma lança mão da mesma artilharia para tentar salvar o seu mandato. A diferença é que, agora, o PT já não acha o fisiologismo tão execrável.



“Não devemos dar como ganha a batalha do impeachment, porque o governo não vacila em reunir ao seu redor o núcleo fisiológico e corrupto que sempre o sustentou, utilizando-se de verbas, cargos e Ministérios para conseguir 168 votos nesta Casa e arquivar o pedido de impeachment”, discursou o então deputado José Dirceu (PT-SP), do alto da tribuna da Câmara, em 1º de setembro de 1992.

Hoje, Dilma precisa de 172 votos para barrar o seu impedimento. No esforço para obtê-los, radicalizou a tática do fisiologismo. Já não negocia apenas com as cúpulas partidárias. Abriu um varejão em que as emendas orçamentárias e os cargos são ofertados em negociações individuais. Estima-se que o rompimento do PMDB com o governo, formalizado nesta terça-feira, levará para esse balcão algo como 500 cargos federais. Uma farra.

Preso em Curitiba, o Dirceu de hoje talvez tenha saudades do deputado combativo que foi em 1992. “O presidente mente ao país, devendo, por isso, responder por crime de responsabilidade”, dizia o ex-Dirceu. “É urgente que o presidente da República seja afastado do seu cargo pela Câmara dos Deputados e julgado pelo Senado Federal. Só assim poderemos recompor a unidade político-partidária e as funções político-administrativas do governo.”

Imaginava-se que o impeachment de Collor e a posse de Itamar Franco —o Michel Temer daquela época— entrariam para a história como marcos redentores da política nacional. Mas deu tudo errado. Hoje, suprema ironia, Dirceu e Collor coabitam o mesmo escândalo. Patronos de algumas das nomeações de petrogatunos efetivadas no governo Lula, os dois são protagonistas do petrolão. Uma evidência de que, com o tempo, o vocábulo governabilidade, cultuado por todos os governos do Brasil pós-redemocratização, tornou-se um abracadabra para a caverna de Ali-Babá.

Na mesma sessão do dia 1º de setembro de 1992, discursou o então deputado José Genoino (PT-SP). Ele ecoou o companheiro Dirceu, carregando nas tintas morais: “A sociedade tem de optar entre os que querem acabar com a impunidade e os que querem que ela continue prosperando debaixo dos conchavos, das negociatas que levaram o país a esta decadência ética e moral.”

Genoino é, hoje, um ex-integrante da bancada do PT na penitenciária da Papuda. Trancado nos rancores que colecionou durante o processo do mensalão, tornou-se um ex-deputado recluso. Naquela época, ele dava as mãos ao asfalto: “Aqueles que querem fazer a cirurgia, independentemente de partido, têm de se juntar aqui dentro e nas ruas, para que a sociedade brasileira, que espera uma solução democrática e constitucional para esta crise, não venha a frustrar-se. Se a esperança desta juventude, que brotou das ruas, for sacrificada por algum jeitinho para manter este governo, estaremos sacrificando uma geração, estaremos sacrificando uma possibilidade histórica neste país.”

Na sessão de 22 de setembro de 1992, outro petista de mostruário, Paulo Rocha (PT-PA), escalou a tribuna da Câmara para metralhar a tática fisiológica de Collor: “…Os governistas continuam apostando na compra de votos, através da distribuição de recursos da União a fundo perdido e da intermediação de verbas a Parlamentares, para a rejeição do impeachment. Não podemos nos calar diante desse vergonhoso saque nas instituições públicas, dentro da lógica mais espúria do fisiologismo.”

Dias antes, em 9 de setembro, Paulo Rocha, hoje um membro da bancada de senadores do PT, pedia pressa no julgamento de Collor: “…Este Congresso não pode mais esperar. O povo brasileiro está impaciente, angustiado, porque, além da crise política, está passando, por uma situação difícil. Os mais pobres estão em desespero.''

O Brasil retratado no discurso de Paulo Rocha também arrostava problemas econômicos: “…O país está parado. Qual a perspectiva de futuro para o nosso país? Qual a resposta das instituições brasileiras para a situação do Brasil? A resposta está aqui, no Congresso Nacional, em nossas mãos. […] Só aqueles que vivem do favorecimento, só aqueles que vivem mamando nas tetas da coisa pública, insensíveis, desonrados, traidores, não escutam o clamor da sociedade. Portanto, urge que este Congresso dê ao Brasil uma resposta política para as crises econômica e social. E, mais ainda, que dê uma resposta aos anseios da sociedade pela volta da moralidade na administração pública…”

A exemplo de Dilma, Collor também acusava os partidários do impeachment de golpistas. Dizia que eles integravam um “sindicato do golpe”. Na mesma sessão do dia 9 de setembro de 1992, o petismo contou com a ajuda de um velho aliado, Aldo Rebelo (PCdoB-SP), para se contrapor à pregação de Collor.

Aldo, hoje ministro da Defesa de Dilma, realçou na época que o processo de impeachment guiava-se pela Constituição. E lembrou que o texto constitucional é especialmente generoso com o acusado: “Quanto ao prazo para o direito de defesa do presidente da República, está este mais do que assegurado. Querem melhor proteção, querem mais democracia, querem mais direito de defesa do que esta Casa precisar de dois terços de seus votos para autorizar processo contra um corrupto? Para que mais proteção? Para que mais democracia? Para que mais direito de defesa? Para garantir a absolvição de um cidadão evidentemente envolvido em falcatruas?”, indagou Aldo.

Ele prosseguiu: “Os senhores precisam de apenas um terço para negar e nós precisamos de dois terços dos votos desta Casa para autorizar o Senado Federal a processar o Presidente da República. Então, que se calem essas vozes da inquietude da intranquilidade, porque democracia aqui existe e está assegurada pelo quórum e pelo supremo direito de defesa que esta Casa e o Senado Federal haverão de assegurar ao Excelentíssimo senhor presidente Collor de Mello.”

Também presente à sessão, José Dirceu deu de ombros para os que enxergavam golpe no impeachment: “…Se querem protestar, que protestem contra a Constituição e contra o constituinte que estabeleceu apenas a autorização para esta Casa. Além disso, o senhor presidente da República tem o direito da defesa prévia na admissibilidade. E esta Casa, também com base na Constituição de 1988, concedeu ao presidente Fernando Collor um direito que presidente de país nenhum tem: Sua Excelência só poderá ser processado e julgado pelo Senado da República depois da autorização de um quórum ultraqualificado de dois terços de Deputados.”

Oito dias antes, José Genoino soara ainda mais peremptório no plenário da Câmara: “Está provado que aquele que se elege não está acima das leis e da Constituição; se cometer crimes contra a lei ou a Constituição, aqueles que o elegeram podem lhe tirar o mandato.”

Tem que ter companhia

A Justiça tem um papel nesses processos contra corrupção, papel relevante. Sozinha, ela não consegue resolver o problema. Precisa que outras instituições operem, que a sociedade se mobilize para cobrar, as empresas privadas precisam se auto-organizar para evitar pagamentos de corrupção
Sérgio Moro

Depois do fora do PMDB, Dilma acorda com cara de quem foi demitida por justíssima causa

Nos últimos 12 meses, a cada dia útil, 20 fábricas morreram e 13.100 brasileiros foram demitidos. No segundo semestre deste ano, passarão de 13 milhões os trabalhadores desempregados. Com a recessão entrando no quarto ano consecutivo, a inflação ultrapassa altitudes fixadas por um governo sem rumo, sem vergonha e sem sequer um esboço de política econômica.

Essas constatações desenham com apavorante nitidez a herança maldita que Lula pariu, Dilma embalou e a dupla de farsantes continua tentando esconder. Tarde demais, reafirmou nesta terça-feira o estrondoso “tchau, querida” que a ainda presidente ouviu do PMDB. Ela reiterou que não tem cara de quem renuncia. Vai acordar amanhã com cara de demitida por justíssima causa.


Sem saber se a posse na chefia da Casa Civil e o foro privilegiado chegarão primeiro que outro depoimento na Polícia Federal e mais uma bordoada da Lava Jato, Lula mandou o piloto do jatinho emprestado por um empreiteiro amigo em algum lugar do passado. Condenado à aposentadoria compulsória, segue urdindo espetaculares tramoias em parceria com ex-aliados que agora fogem de seus telefonemas.

Abandonado pelo PMDB, prestes a chorar a partida do PP e do PR, os embusteiros ainda no poder se recusam a admitir que chamam de “base governista” acabou. O governo entrou na derradeira etapa da agonia irreversível. Em coma profundo, respira por instrumentos. A morte política foi consumada neste 29 de março. Falta pouco para a remoção do poste que há cinco anos escurece o país.

O PT e o comprovado ódio à democracia

Não pensem que a promessa do PT e seus satélites de criar o inferno na terra se a presidente Dilma for impichada e Michel Temer assumir a Presidência é só uma reação intempestiva de quem está prestes a perder uma boquinha fabulosa.

Para ficar na máxima de Polônio sobre Hamlet (Shakespeare), isso não é loucura. É método mesmo.

Quando foi que Lula e seus sequazes acataram a alternância de poder? Ora, a frase que nega, por excelência, a democracia e a história é aquela que virou um bordão de Lula, não é mesmo? “Nunca antes na história deste país.”

O “nunca antes”, de saída, elimina a existência da história. Para Lula, os eventos se dão sem condicionantes prévias, sem contexto, sem escala evolutiva, sem nada.

Assim como a deusa da sabedoria, Palas Athena, foi parida abrindo-se a cabeça de Zeus, Lula deu ao Brasil tudo o que há.

A arrogância do demiurgo é tal que ele julga nos ter dado até um passado. Ou ele não voltou a dizer a sindicalistas há dias que o PT está no poder “há só quatro mandatos”, enquanto seus adversários estão por aí há mais de 500 anos?

Não! Não pensem que os petistas estão agastados com o impeachment em si. Eles nunca aceitaram nem mesmo perder eleições.

O que foi a campanha escandalosamente mentirosa de 2014? Se Aécio Neves vencesse, adeus programas sociais! Se Marina ganhasse, não haveria bife no prato dos brasileiros. Em qualquer dos casos, os juros iriam para a estratosfera, a inflação dispararia, o desemprego cresceria, e os pobres seriam punidos. A tudo isso, o PT chamava “retrocesso”.

Retrocesso só das ditas conquistas sociais? Não! Retrocesso da democracia. Ou por outra: a vitória do adversário implicava, segundo os valentes, a perda de direitos sociais e o rebaixamento da cidadania.

O que isso quer dizer? O óbvio: ódio à democracia. Nós todos sabemos do que são capazes para vencer eleição. Um deles já vocalizou que, na disputa eleitoral, feio é perder. A própria presidente Dilma, então candidata, admitiu que, durante a disputa, “faz-se o diabo”.

O PT apela ao diabo para continuar incrustado no estado. Esse é o fato. Chama agora de golpe o que antes chamava de retrocesso.

Em qualquer dos casos, o que há é ódio à democracia. Puro e simples.

Trocando seis por meia dúzia

Com o PMDB e penduricalhos caindo fora, a pergunta que se faz é como ficará o governo do PT. Ainda mais se nesse curto espaço de tempo a presidente Dilma vier a sofrer o impeachment. Há quem suponha o desmonte das estruturas que vinham até pouco sustentando os companheiros e seus cada vez mais diminutos aliados.

Existem momentos na vida das nações em que se torna necessário recomeçar. Este pode ser um deles. Adianta muito pouco, ou pode não adiantar nada, seguir com planos, projetos, ideias e pessoas que começaram a falhar faz muito, mas, de um dia para outro, desapareceram. Por onde anda a presidente Dilma? E seu partido? Seus ministros, o gato comeu?


Até o Lula parece haver desaparecido. Um vazio sem limites cerca não apenas a capital federal, mas o país inteiro. Vale indagar onde se encontra o proletariado. As forças produtivas. A classe média. A juventude e a velhice?

Todos viram-se atingidos pelo desemprego, a alta do custo de vida, a inflação, a estagnação econômica e a falta de projetos de desenvolvimento. Os serviços públicos.

Deixada sem passado, a nação perdeu o futuro. Não poderia dar em outra coisa: o vazio. A ausência de um roteiro capaz de preencher necessidades e sonhos. Nem eleições poderiam ocupar o espaço. Muito menos partidos. Sai Dilma, entra Temer. Equivale a trocar seis por meia dúzia.

A pergunta é sobre onde erramos, ainda que poucas vezes tenhamos acertado. Não se trata de encontrar ideologias, muito menos planos fantasiosos. Tanto faz esperar ilusões. O trabalho poderia suprir desilusões, se nele pudéssemos acreditar. Ciência e sabedoria passam ao largo.

Em suma, só e abandonada, tornamo-nos uma nação sem ter no que e em quem acreditar. É o resultado da falta de homens e de ideias, do deserto que viramos.

Campeão de infanticídio


Ao menos 6 crianças são mortas ou feridas por dia no conflito no Iêmen, revelou a Unicef, e virou manchete na mídia. Aquele país da península árabe está em guerra há um ano. No Brasil, segundo dados da mesma entidade ligado a ONU, no ano passado, 28 crianças e adolescentes foram assassinados por dia. Não foi manchete nem assunto para debate mesmo entre os tais intransigentes defensores dos direitos humanos.

Impeachment já e Lava Jato até o fim

Fala-se muito na necessidade de o governo reunir um terço dos votos de deputados federais para impedir que o processo da interrupção do mandato da presidente Dilma Rousseff suba no telhado convexo do Senado Federal. Esta conta, porém, não é correta. O governo não precisa do apoio de 171 deputados para prosseguir. Os defensores da aprovação do pedido de Hélio Bicudo, Miguel Reale Júnior e Janaína Paschoal pela Câmara é que precisam de 342 votos em plenário para retirar Dilma do governo.

As redes sociais têm exibido cenas de 1992, quando foi votado na Câmara o processo movido contra Collor, postadas por quem quer comprovar o óbvio de que hoje não há um golpe em marcha. Aciona-se, sim, um dispositivo constitucional que regulamenta o critério de afastamento de um presidente da República acusado de ter cometido crime de responsabilidade. Naquela ocasião, a deposição do chefe do governo só foi comemorada depois que Paulo Romano (PFL-MG) a avalizou, dando-lhe os dois terços exigidos do total de 502 deputados de então, ou seja, 336. Hoje, com 11 deputados a mais, a conta certa passou a ser 342.


Ou seja: na prática, quem faltar à sessão ou nela se abstiver votará contra a proposta de impeachment. Se algum deputado for visitar Papai Noel no Polo Norte ou participar de uma festa tribal zulu no Lesoto, a aritmética dos 171 não valerá mais. É útil lembrar que 24 deputados faltaram à votação histórica de 1992 e um se absteve.

A proposta foi aprovada por 441 votos, mais do que o necessário hoje. A conta que não muda é a dos dois terços, que resultarão no impeachment já, cada vez mais premente diante dos números catastróficos da economia e das providências descabias do desgoverno Dilma. Tais como desafios à lei e à lógica: a nomeação de Lula para a chefia da Casa & Covil, que está sub judice, as ameaças de guerra de hordas, que não têm mais a mesma força nem muito menos o mesmo apelo de antes, e tantas outras.

Outra questão que urge ser esclarecida é a da continuidade da Operação Lava Jato depois da posse do governo que completará o mandato de Dilma, se esta for impedida ou vier a ser deposta junto com o vice, Michel Temer, se o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) cassar a chapa composta pelos dois na eleição de 2014. A imprensa e blogs bem informados estão cheios de vaticínios sombrios sobre a devassa feita em Curitiba pela força-tarefa da Polícia Federal (PF) e do Ministério Público Federal (MPF), sob o comando do juiz federal Sérgio Moro.

Notícias e opiniões confiáveis têm percebido que os burros que caíram n’água depois da limpeza feita no Estado italiano vergado sob o peso das revelações das relações íntimas e espúrias entre seus dignitários e bandidões da Máfia podem também cair aqui. A substituição do primeiro-ministro socialista Betino Craxi, que viveu seus últimos dias numa casa de veraneio em Hammanet, na Tunísia, longe da prisão, pelo magnata Sílvio Berlusconi entrou na ordem do dia. Como também entrevistas de agentes da lei ou especialistas que advertem para o risco de a Lava Jato terminar como a Mani Pulite (Mãos Limpas), inspiração de Moro.

O último alerta a respeito foi o vazamento (cuja autoria tem sido atribuída a insignes governistas e dirigentes da própria empreiteira acusada de corrupção) da planilha que compromete 279 políticos, candidatos ou não, de 22 – 63% – dos 35 partidos políticos autorizados a funcionar pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A intenção seria assustar todos para que a maioria dos ocupantes de cargos do desgoverno isolado que está para cair e dos membros do tal gabinete de união nacional, a ser composto para substituí-lo, aproveite-se do alívio do impeachment para retirar juiz, procuradores e policiais federais dos noticiários do dia para introduzi-los nos capítulos da história da República.

Enquanto isso não ocorre, os citados recorrem ao lero-lero de sempre. “É preciso separar o joio do trigo”, repete à exaustão o principal líder da oposição, senador Aécio Neves (PSDB-MG), que jogou no lixo o capital de votos que o levou ao empate técnico com a vencedora reeleita por comodismo, preguiça, falha de cálculo, ou, vai saber, por cumplicidade. De que trigo fala, cara-pálida? Afinal, ali só há joio.

Como nas boas investigações e nos romances policiais, aqui vale a questão romana do cui prodest: a quem interessa? A generosa, generalizada e indiscriminada doação da Odebrecht a políticos e partidos seria uma tentativa de obter indulgência plena, uma vaga no céu ou o protagonismo de um processo de canonização similar ao que guindou à santidade Madre Tereza de Calcutá? Parece-me mais provável que a empreiteira estivesse interessada nos préstimos dos políticos premiados. Ou sou eu o cínico?

Se, de fato, há na lista quem possa reivindicar a doação sem mácula, por que todos os listados tiveram seus nomes próprios substituídos por codinomes cômicos, como Viagra, Passivo, Carangueijo (sic) ou Lindinho? O mantra da doação legal cai por terra nas contas do Estadão Dados publicadas no jornal O Estado de S. Paulo: nas eleições municipais de 2012, a empreiteira doou legalmente R$ 38 milhões e as planilhas somam distribuição de R$ 72 milhões, quase o dobro. O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), não declarou os R$ 3 milhões registrados na planilha alegando que a doação foi feita a seu partido. Seu adversário na disputa, José Serra (PSDB), também não detalhou como gastou os R3,2 milhões anotados na planilha. Não seriam estes indícios de que partidos políticos usaram a Justiça Eleitoral como lavanderia, o que agrava, não ameniza, o delito óbvio do Caixa 2? E o tiro de misericórdia em tais pretextos é o fato de, mesmo a doação tendo sido legal, se a origem do recurso tiver sido ilícita, a criminaliza.

O mais relevante em tudo isso é que a Nação não tem partido político ou bandido de estimação. Portanto, interromper a Lava Jato é crime de lesa-pátria, um tiro no futuro da Nação. Todo cidadão, interessado ou não no impeachment já de Dilma, deve exigir a Lava Jato até o fim.

O fim do governo ou o milagre da ressurreição

A esta altura dos acontecimentos, existem duas alternativas: o fim do governo Dilma Rousseff ou o milagre da ressurreição. Considerando-se que o estoque de milagres está escasso, a primeira opção parece ser o caminho natural.

Desde a vitória de Pirro, com a eleição de Leonardo Picciani para líder da facção governista do PMDB, nada aconteceu que pudesse aliviar a morte do governo. Somente uma sucessão de derrotas, equívocos e trapalhadas.

No início de março, tínhamos certeza de que os tempos da crise iriam se acelerar. E de que, provavelmente, entraríamos num processo irreversível de morte do atual governo. É o que está acontecendo. A cada dia, a sustentação da presidente Dilma se limita aos apaniguados de sempre, aos que vivem pendurados em verbas e cargos e defendem seu quinhão. Não têm voto nem discurso.


Nas últimas quatro semanas, não houve sequer uma notícia que significasse alívio ou esperança concreta de sobrevivência. Pelo contrário: nas próximas semanas, o governo deverá ser derrotado na Câmara, e a saída de Dilma se tornará realidade. A presidente está como um lutador de videogame que, a cada segundo, vê crescer o número de inimigos a seu redor. E, ao adotar um discurso bolivariano antigolpe, amplia o fosso com a sociedade e com o mundo político.

Paradoxalmente, o governo trabalha a favor do processo de impeachment ao criar essa narrativa de vítima, de desqualificação institucional do processo e, ainda, de alheamento às acusações de malfeitos, que se avolumam. Temos a impressão de que setores do governo, considerando a inevitabilidade do impeachment, fortalecem o discurso de saída (vítimas de um golpe) visando à reorganização de suas forças no “day after”. É a saída que resta.

O 12º pedido de impeachment, desta feita pela OAB, é mais um reforço. Mesmo que não seja, tecnicamente, incluído no processo em exame na Câmara, sua admissibilidade fortalecerá os argumentos contra o governo e a legitimidade do impeachment.

Líderes governistas que participaram da reunião semanal de coordenação política afirmaram que não veem nem liderança, nem coordenação para enfrentar os desafios. A presidente, à parte arrancos e crises de mau humor, não articula nem lidera. De forma caricata, sua defesa apenas reforça as razões de sua saída.

À medida que o balanço dos votos da Comissão do Impeachment vai somando a favor da oposição, cresce o noticiário a respeito das reuniões preparatórias do futuro governo focadas no plano econômico a ser executado. Na semana passada, o senador tucano José Serra, um dos políticos que têm dialogado com o vice-presidente Michel Temer – óbvio sucessor da presidente Dilma –, deu uma entrevista sugerindo providências prioritárias que precisam ser tomadas.

Na opinião dele, Temer deveria montar um governo de união nacional e se comprometer a não se candidatar à reeleição e não retaliar os adversários. Na economia, não apenas adotar medidas capazes de promover um ajuste fiscal, como realizar investimentos e cuidar de áreas sociais problemáticas, como a saúde.

As propostas estudadas pelo vice-presidente tomam por base o documento “Uma Ponte para o Futuro”, lançado pelo partido no fim do ano passado tratando de temas como reforma do Orçamento, privatizações e abertura comercial. Também estão em discussão revisão de gastos sociais, fim de subsídios, abrangência de programas sociais, mudanças na concessão de bolsas de estudos e propostas para melhorar o SUS.

Lula, Sócrates e eu

Admiro a criatividade dos brasileiros. Sobretudo quando a realidade é sombria. No momento em que bato estas linhas, o meu corpo balança ao som de “Não é nada meu”, um samba dedicado ao ex-presidente Lula da Silva. O samba reproduz uma conversa imaginária entre um magistrado e Lula. Confrontado com o tríplex da praia, o sítio em Atibaia e outras mordomias, Lula replica: “Não é nada meu” e “Excelência, eu não tenho nada / Isso é tudo de amigos meus”.

Mas o momento áureo da composição acontece com este primoroso diálogo: “E aquele filho milionário?”, pergunta o juiz. Lula responde: “Excelência, também não é meu.”

É possível que a música conquiste o público português. Não apenas pela beleza do ritmo e pela riqueza narrativa. Mas porque os portugueses conhecem bem este samba – ou, melhor dizendo, este fado.

Em novembro de 2014, o ex-premiê José Sócrates foi detido no aeroporto de Lisboa por suspeitas de corrupção, fraude fiscal e lavagem de dinheiro. Preso preventivamente durante quase um ano, o homem que liderou Portugal entre 2005 e 2011 – ou, para os íntimos, da grande promessa à grande bancarrota – aguarda agora acusação formal para ir a julgamento.

Mas o que espanta na história de Sócrates é que a sua defesa também assenta na generosidade de um amigo, empresário da construção civil. Durante a sua estadia em Paris, já depois de perder as eleições, o antigo premiê terá recebido centenas de milhares de euros desse amigo para viver com a dignidade inerente à sua biografia.

Esses “empréstimos”, como Sócrates lhes chama, eram entregues em mão porque, segundo os seus advogados, o ex-premiê não confiava no sistema bancário do próprio país que governara.

Mas o amigo não se limitava a “emprestar” fortunas colossais. A amizade era tão grande que o apartamento de luxo onde Sócrates viveu em Paris também era desse amigo.

Perante as histórias paralelas de Lula e Sócrates – eles próprios grandes amigos -, dou por mim a pensar na minha melancólica existência. Não sou má pessoa. Na idade certa, também li os conselhos do sr. Dale Carnegie sobre como fazer amigos e influenciar pessoas. E agi em conformidade.

Sou bom ouvinte. Sorrio com frequência. Tolero as imperfeições humanas. E tenho afeto pelos meus amigos da mesma forma que recebo o afeto deles.

Mas, aos 40 anos, uma pessoa sente que os “afetos” não chegam. Onde está o meu sítio? O meu tríplex? A minha casa em Paris? E por que motivo os meus amigos não me emprestam milhares ou milhões de euros a título de caridade?

Desconheço qual será o futuro judicial de Lula ou Sócrates. Mas uma coisa eu sei: não é crime ter bons amigos. Crime é não os ter.

Por isso deixo ficar um pedido público a ambos: partilhem a sabedoria acumulada. Na cadeia ou fora dela, Lula e Sócrates poderiam escrever um livro sobre a melhor forma de ter amigos ricos e bondosos. Eu ainda vou a tempo de mudar os meus.

Ser de esquerda tem algumas vantagens. Algumas? Eu diria todas. Nos grampos divulgados, Lula não é politicamente correto com as donzelas.

Em conversa com o ex-ministro Paulo Vannuchi, Lula pergunta: “Onde estão as mulheres de grelo duro do nosso partido?” Engraçado: eu julgava que o uso do “grelo” para designar certo atributo feminino era exclusivo de portugueses. Não é. Estamos sempre a aprender, irmãos.

Mas o melhor momento está no comentário sobre a intervenção policial na casa de Clara Ant, a diretora do Instituto Lula. “A Clara estava dormindo quando entraram cinco homens lá dentro”, diz Lula a Dilma. E acrescenta: “Ela pensou que era um presente de Deus, e era a Polícia Federal.” O problema desses grampos é que uma pessoa começa a simpatizar com Lula.

Não seria caso único. Como relata uma matéria desta Folha, muitas feministas, que tradicionalmente cortariam os “sacos” alheios perante tais insultos, afirmam que “grelo duro” pode ser até um elogio: significa “mulher forte” e, além disso, é uma expressão típica do Nordeste.

E sobre os cinco presentes de Deus para Clara Ant, a ONG Think Olga defende que é normal o desejo feminino por (cinco) homens. A própria Clara, ouvida a respeito, desvaloriza o caso: foi apenas uma piada para quebrar o grelo, perdão, o gelo.

Moral da história? Seja machista à vontade. Mas, primeiro, convém marchar com as patrulhas certas.