domingo, 27 de março de 2016

Tudo desigual

De todas as aberrações criadas na vida do país por Dilma Rousseff, pelo PT e pelo ex-presidente Lula, é difícil escolher uma campeã indiscutível, claramente maior que todas as outras hoje em circulação. Teria mesmo de ser assim. Todos eles, lá atrás, parecem ter se encantado com as teorias da “destruição criativa”, que se pretendem capazes de resolver problemas fazendo o contrário do que a lógica recomenda; chamam a isso de “quebra de paradigmas”.

É óbvio, no caso, que alguma coisa deu espetacularmente errado. Tudo o que conseguiram na prática, após um esforço que já dura treze anos e três meses, foi provocar destruição destrutiva. A consequência é essa inédita situação de anarquia no seu próprio governo, no ambiente político, no mundo da produção e do trabalho, na moralidade pública, no Tesouro Nacional, no respeito elementar às leis e, no fim das contas, em tudo aquilo que pode ser piorado, intoxicado e arruinado pela ação das autoridades da República.

Qual seria o desastre campeão? É duro escolher, até porque eles conseguem fabricar uma calamidade nova por dia, mas com certeza um concorrente muito bem cotado é a alarmante carga de cavalaria que Lula faz no momento contra as normas gerais da democracia e a paz pública, com o único propósito de fugir das suas complicações com a Justiça Penal brasileira. O homem desistiu, definitivamente, de defender-se dentro das leis. Nomeou a si próprio para um terceiro mandato, como chefe da “Casa Civil”, e passou a presidir o país ─ em benefício exclusivamente pessoal, da família e do condomínio formado à sua volta desde 2003 para mandar no Brasil e transformar os bens da nação em propriedade privada dos que mandam.

Pode ficar pior ainda, porque sempre pode ficar pior. Mas cada dia tem a sua agonia, e as misérias do momento já colocaram a vida pública do país no ponto mais baixo em que esteve até hoje em sua história. Dilma foi gravada dizendo a Lula que ia lhe mandar o “termo de posse” como ministro, para ser usado “em caso de necessidade”; não houve sequer um disfarce mínimo para ocultar que estava sendo feita uma trapaça, ou para fingir que a nomeação tinha alguma coisa a ver com o interesse público. Fizeram uma “edição extra” do Diário Oficial na véspera da posse de Lula, para ele se esconder o mais rápido possível das investigações de corrupção da Operação Lava Jato ─ é o mais perto que se poderia chegar de uma falsificação de documento público. Dilma Rousseff virou um trapo. Vive uma humilhação inédita para alguém no seu cargo; conseguiu ser expulsa do próprio governo. “Fora, Dilma”, como grita a rua? Ela já foi. Seu ministério tornou-se um esconderijo.

Dilma é tratada por Lula como se fosse sua empregada; na inesquecível gravação em que se prontifica a entregar-lhe o “termo de posse” preventivo, não recebe dele sequer um “obrigado”. É impossível acreditar que possa dar alguma ordem que desagrade a seu novo ministro da Casa Civil. O presidente de verdade, é claro, não vai apenas se esconder do juiz Sergio Moro atrás da porta do ministério: vai jogar toda a máquina do governo no esforço para não ser processado, preso e condenado. No momento em que mais de 1 milhão de pessoas vão às ruas em São Paulo, e mais de 2 milhões de outras protestam em 500 cidades do país ao mesmo tempo, para dizer que não querem mais saber de Lula, é o maior pontapé que se poderia aplicar na opinião pública brasileira.

No começo de sua carreira política, quando se apresentava como um idealista não contaminado pela politicagem, Lula disse que no Brasil só preto e pobre vão para a cadeia. “Ladrão vira ministro”, garantiu ele na ocasião. Falou de livre e espontânea vontade: a responsabilidade pelo que disse é exclusivamente sua. Essas palavras saem do túmulo, hoje, para assombrar a sua entrada no ministério. Elas completam a cachoeira de palavrões que utilizou nos telefonemas gravados pela polícia ─ uma sequência que entrará para a enciclopédia dos contos de terror da política brasileira, com os insultos que dirigiu ao STF, ao STJ, ao Congresso, aos presidentes do Senado e da Câmara, ao procurador-geral da República, a ex-colegas de partido e quem mais entrou no radar da sua ira. Além e talvez acima de tudo, Lula, o PT e seu sistema de propaganda tentam vender uma ideia perversa, de que na política brasileira tudo e todo mundo é “igual” ─ ou seja, ficar contra a presente calamidade é pura perda de tempo, pois com este ou outro governo vai dar sempre na mesma. É mentira em estado puro.

Não vai dar na mesma, porque nada pode se igualar ao que está acontecendo. Ao contrário, é tudo desigual ─ e nunca os fatos deixaram isso tão claro.

Momentos de tensão e decisão

O país está nervoso. A maioria do povo brasileiro quer a saída da presidente Dilma. É o que mostram as pesquisas. O processo de impeachment da mandatária-mor foi instalado. E a polêmica se estabelece. “Não vai haver golpe”, bradam milícias do PT, sob a orientação do maestro Luiz Inácio e da pupila presidente. Dois ministros do Supremo Tribunal, Carmen Lúcia e Dias Toffoli, e um ex-ministro que dirigiu a Corte, Carlos Ayres Britto, proclamam no mesmo dia: o impeachment é legal, se obedecido o rito determinado pela Justiça. As redes sociais se enchem de manifestações a favor e contra o impeachment. Qual será o desfecho da acirrada disputa?

Partamos da hipótese de que o exército governista consiga vencer a luta. Significa: preservar o mandato da presidente, consolidar a figura do ex-presidente Luiz Inácio como ministro-chefe da Casa Civil e distribuidor das cartas do jogo administrativo. Segura no governo o PMDB e outros partidos governistas. Dentro de seis meses, Lula fará uma guinada na economia, pela qual o povo voltaria a ter dinheiro no bolso. Meio ano seria suficiente, como prometeu em discurso, para fazer voltar a alegria ao país. Deixemos de lado a análise de como realizaria o milagre. Admitamos apenas que Deus é brasileiro e, petista de carteirinha, faria jorrar dos céus o maná para apaziguar nossas desesperanças. Sob um manto vermelho, ajudaria Dilma, Lula, o PT, a CUT e o MST a recuperarem prestígio e força.


Tentemos, agora, encaixar no entorno dos Palácios do Planalto e da Alvorada outras hipóteses. A sobrevivência da presidente e do ex, sob o prisma da preservação de forças, depende fundamentalmente do Poder Judiciário. Que não poderá enterrar as bombas tiradas do arsenal do senador Delcídio Amaral, das delações de executivos da Odebrecht e de outros artefatos em preparação, como a aguardada carga de informações do ex-presidente do PP, deputado Pedro Correa. Ele garante que Lula foi o inspirador do mensalão e do petrolão. Desse modo, a Operação Lava Jato puxará Dilma e Lula para o meio do furacão. Imaginar que estariam livres da Operação comandada pela “República de Curitiba”, como Lula se refere ao juiz Sérgio Moro, é apostar alto na tese de que Deus é um fanático petista.

Pois bem, ambos serão investigados, a presidente permanecendo na alçada do STF e Luiz Inácio descendo para o foro da 1ª. instância. O pedido de impeachment, mesmo sob o argumento da irresponsabilidade cometida com o uso de pedaladas fiscais, ganha impulso na onda da contrariedade social, alavancada pelo desemprego, alta inflação, maracutaias descobertas e políticos recebendo recursos de empresas. Soma-se a esse acervo negativo mais um pedido de impeachment, desta vez feito pela Ordem dos Advogados do Brasil, que junta outras situações. A fogueira do impedimento não se apagará. Mas há um prazo fatal para queimar as últimas estacas: junho. Se Dilma conseguir entrar como presidente no mês de agosto, será salva. Julho é mês de férias e agosto abrirá as campanhas municipais. Brasília será um deserto. Os congressistas estarão fazendo campanhas nas bases de seus candidatos a prefeito.

Ainda na esteira da reflexão lateral, pensemos no papel de Lula. Se conseguir ser ministro, posição que vai depender do julgamento do STF sobre suspeita que recai sobre ele e a presidente de tentarem obstruir a Justiça, perde a condição de palanqueiro e assume a vanguarda do governo Dilma. Realizará o milagre da multiplicação de pães e peixes? A propósito, esse milagre ocorreria em anos de vacas magras, padarias sem massa de trigo e mar sem piaba. Deixemos, porém, que ele e Nelson Barbosa arrumem a grana para abrir o crédito, enfiar dinheiro no bolso dos pobres e massificar o consumo. Mesma receita de 2008? Pois é, Luiz Inácio não se deu conta que o mundo mudou. Se Dilma for mantida, Lula não for condenado, enfim, se nada acontecer com eles no desfecho da Lava Jato, a economia sairá da recessão? Hum, possibilidade zero.

Emerge a hipótese: a instauração de um novo governo. Que se dará pela via do impeachment. O processo, como já se disse, será rápido, ao contrário da análise e julgamento das contas de campanha pelo Tribunal Superior Eleitoral. Nessa via, os corredores são longos, com oitivas, provas e contraprovas, embargos e recursos, fazendo com que o processo suba ao Supremo. Se houver impeachment, aliás, a tendência será a de arrefecimento dos recursos que correm no TSE. A temperatura social seria mais amena ante a perspectiva de um novo rumo para o país. Os setores produtivos querem resgatar a confiança perdida. Crer no país- essa é a chave que poderá reabrir as portas dos investimentos e dos negócios.

A militância lulopetista ameaça incendiar o país, caso a presidente Dilma seja afastada. É previsível o acirramento de tensões, que poderá gerar incidentes em alguns espaços, principalmente na arena de guerra paulistana, a Avenida Paulista, onde as alas contrárias e a favor do governo costumam se enfrentar. A tensão social deverá se expandir em função dos bolsos esvaziados das classes sociais. O conflito social no Brasil tende a se agravar. Diante desse cenário, não se descarta a possibilidade de intervenção de forças do Exército nas ruas para evitar catástrofes.

As próximas semanas serão decisivas para desanuviar os horizontes. Se o impeachment passar pela Câmara, será difícil que o Senado deixe de acolhê-lo. Afinal, quem fala pelo povo é o deputado. O Senado tende a aceitar eventual decisão a ser tomada por 342 votos. Na frente da Justiça, a liturgia também é previsível. As investigações continuarão, propiciando mais condenações e delações. É o que a sociedade espera. Apesar da sensação de que o exercício de “passar o Brasil a limpo” não tem retorno, indagações surgem aqui e ali: quantos parlamentares serão condenados? Que medidas são necessárias para mudar efetivamente os rumos da política? “Que o passado esteja diante de nós, vá lá... Mas o passado adiante de nós, sai pra lá.” A expressão artística é do poeta Carlos Ayres Britto, ex-presidente do STF.

PT surgiu com zelites


Há quem diga que a manifestação foi uma expressão da direita, do conservadorismo, mas essas pessoas estão muito equivocadas. Vimos que tinha muita gente nas ruas, rica e pobre. Todos são contra a corrupção ou o PT. E isso não faz delas conservadoras. Possivelmente, uma parte significativa dos manifestantes, até a maioria, tenha alta escolaridade e alto nível de renda. Mas, quando o PT ganhou as eleições, a base era justamente gente de alta escolaridade e renda. É muito indicativo que, talvez, essas pessoas, pela capacidade e possibilidade que elas têm, percebam um pouco mais rápido o que a população mais pobre leve um pouco mais de tempo para perceber.

A voz rouca da crise

A corrupção no Brasil pode acabar pela própria voz dos corruptos. O juiz Sérgio Moro quer manter as mãos limpas da Justiça, através do sucesso da operação Lava-Jato.

A corda da execução está sendo trançada pelo próprio enforcado, e o juiz Moro explica como a transparência do processo e a aliança com a sociedade são fundamentais para resistir às pressões dos poderosos que quer processar na investigação.

Sérgio Moro, dirigindo no império da Justiça e no limite da lei, promoveu a divulgação do conteúdo dos grampos de Lula que escandalizaram o país. Esse era o objetivo. Moro tem consciência que administra muito mais do que um simples processo criminal, mas a demolição de uma organização empresarial criminosa com ramificações parlamentares, jurídicas e administrativas. Só com a aliança do povo não correria os riscos cometidos na Itália pela operação Mãos Limpas, dos anos 90.

A ironia é um dos melhores temperos da História. Casos de amor terminam em tragédia, e festejados ideais podem ser levados ao esgoto. A portentosa Mãos Limpas, realizada a partir da década de 1980, na Itália, pelos magistrados Paolo Borsellino e Giovanni Falcone, começou pelas denúncias de que Bukovsky, ex-agente da KGB, estava injetando dinheiro no Partido Comunista Italiano e terminou com o testemunho do ex-mafioso Tommaso Buscetta, por ser o primeiro capo da máfia italiana a quebrar o código de silêncio ou a omertà.

Qualquer semelhança, não é mera coincidência.

Houve um momento em que a população perdeu a capacidade de se indignar. A falta de informação e a banalização dos delitos anestesiaram o caráter do povo italiano.

A farsa da História corria o risco de se repetir. O promotor Di Pietro, o homem que inventou a delação premiada na Itália, temeu a repetição no Brasil e, sobretudo, as pressões que Sérgio Moro irá receber. Ele alertou que Moro vai ser criticado e podem querer transformá-lo no inimigo da classe política brasileira e, com isso, desviar a atenção das investigações.

Sérgio Moro tem plena consciência de que a divulgação dos diálogos de Lula deixaram o mito despido. O povo fala de forma simples e descuidada, mas não gosta que sua mãe, mulher e filhas ouçam grosserias e palavras sujas. Lula esqueceu que o povo é pobre, mas é limpo.

O juiz, com frieza de cirurgião, estratégia de diplomata e malícia de feiticeiro, em 48 horas, fez o povo saber quem é o verdadeiro Luiz Inácio da Silva, que, com a publicação de meia dúzia de diálogos sórdidos, provou a seu povo que nunca foi a criatura imaginária que criaram para Lula.

O rouco e pornográfico Luiz Inácio da Silva traiu o mito Lula. Há anos, quando Sérgio Moro era apenas um grande estudioso do processo italiano, que imortalizou Paolo Borsellino e Giovanni Falcone, já sabia o papel que reservaria à opinião pública na hora exata.

“A publicidade conferida às investigações teve o efeito salutar de alertar os investigados em potencial sobre o aumento da massa de informações nas mãos dos magistrados, favorecendo novas confissões e colaborações”, já garantia o juiz Moro.

A voz rouquenha e o destempero oratório que fizeram de Lula o mito popular podem soar como frases musicais de seu réquiem. As palavras impróprias de Luiz Inácio e o inconveniente de entrar nas casas de família traem Lula, mesmo quando ele tenta falar como o velho líder das multidões.

Há pouco, quando do alto de um palanque, confessava que era o único capaz de incendiar o país, não mais assustava, apenas revelava a absurda irresponsabilidade que representa.

Ronald de Carvalho

Impeachment, celeridade, salvação

Rena de Pascoa demitida desemprego
Vivemos severa crise econômica e progressivo desemprego. O governo Dilma, ao segurar os preços dos combustíveis e da energia e esticar o crédito, aumentou artificialmente o consumo acima da capacidade de pagamento das famílias. Para empurrar o PAC, endividou o Tesouro - estamos a beirar uma dívida pública de 80% do PIB se nada for feito - pondo em risco nossas reservas, justamente quando assistimos ao início de fuga anunciada de capitais do país, por causa da persistente crise política. Se houver impeachment, rapidamente as coisas se resolvem pela reversão das expectativas dos agentes econômicos. Em caso contrário, afundaremos no abismo sem fundo do caos (desinvestimento, desemprego, depressão e inflação).

É por essa ótica que as empresas e seus responsáveis enxergam a situação. O impeachment, por estar previsto na Constituição, é para ser usado quando necessário; portanto, não é golpe político, à margem da lei. Incompreensível enxergar racionalidade no PT ao chamá-lo de golpe constitucional. Das duas, uma: ou são mentes confusas, ou agem, deliberadamente, de má-fé.

Dilma se diz grampeada, quanto até o porteiro do palácio sabe que o grampo era nos telefones de Lula. Má-fé? Quem falasse com ele ficava marcado na escuta judicialmente determinada. Pela escuta, soube-se que a presidente, antes de dar posse e exercício a Lula, sem o quê ninguém se torna ministro, mandou o sr. Messias entregar-lhe termo de posse assinado por ela, "caso fosse necessário", para livrá-lo da prisão. E lá vem ela, para se desculpar, dizer que o documento não tinha a sua assinatura. Sem ela, nada valeria. Com isso cometeu o crime de prevaricação e atentou contra a probidade administrativa, que o art. 85 da Constituição diz constituir crime de responsabilidade. Agiu para proteger terceiros da prisão usando o cargo.

Lula se diz do povo, mas seus amigos malfeitores são apenas de dois estamentos: os companheiros do sindicato e os maiores e mais ricos empresários de engenharia do país. Juntaram-se, empreiteiros e os sindicalistas, para saquearem as estatais, principalmente a Petrobras e as obras do PAC, refinarias e usinas hidroelétricas, em prejuízo do povo, acorrentado como animal faminto às migalhas do Bolsa Família e aos financiamentos à sonhada casa própria, às custas do Tesouro e do FGTS.

Esse é um governo honesto? É um governo socialista? É um governo eficaz? Como podem os intelectuais de esquerda ser tão crédulos, a ponto de tentar tampar o sol com peneira? Não se dão conta que pactuam com a corrupção, a roubalheira, a podridão moral? Acham que as delações são falsas? A Operação Lava-Jato recuperou milhões dos dólares furtados dos cofres públicos. São notas falsas ou provas inequívocas do esquema criminoso dos governos do PT? Acusam o impoluto juiz Moro de prender preventivamente - por razões jurídicas - senão os tribunais não as manteriam, com o fito de forçar os réus a confessarem seus crimes impatrióticos. Dizem que direitos humanos estão sendo violados. Não fossem as delações, jamais saberíamos das tenebrosas transações do PT e das empreiteiras. Nossos direitos é o que vale.

Lula jamais foi socialista, tampouco democrata; não passa de sindicalista esperto desde São Bernardo, um aproveitador de mentes viciadas na esquerda, por causa da luta comum contra a ditadura. Seu lugar na história é ao lado dos grandes demagogos e merece - apurados os fatos - pagar seus crimes na cadeia se os tiver praticado.

O panorama da intelectualidade brasileira de esquerda, mormente nas universidades, nas áreas de humanas e sociais, é de assustadora pobreza. Não se dão conta de que o mundo de amanhã já superou, faz mais de 40 anos, a dicotômica divisão esquerda versus direita. Ela não existe mais. O futuro está a exigir ética no governo, nos negócios e um Estado regulador. Todos os países têm técnicas anticorrupção e existem redes de tratados internacionais sobre o assunto. O Brasil passa ao largo desse debate, como Burkina Faso e a Guiné equatorial. A crise da representatividade política e o estanque da crescente desigualdade econômico-social que frequentam os debates nas democracias europeias não se fazem presentes em nosso país, por causa do baixo nível de sua intelectualidade universitária (sociologia, ciência política e antropologia).

As classes abastadas e média do Brasil procuram cada vez mais se fixar nos EUA e Portugal, como que atestando a desilusão com o país, sem solução. A emigração tem vários motivos. Outrora, irlandês, galegos e italianos emigravam, fugindo da fome. Ingleses e alemães das perseguições religiosas. Libaneses em busca de oportunidades. Hoje, sírios, iraquianos e afegãos, pela destruição dos seus países. Argentinos, venezuelanos e, agora, brasileiros, se vão por não mais acreditarem em seus países, suprema vergonha, dolorosa desilusão. E dizer que nada disso precisava acontecer.

O Judas errado

Maricá errou o alvo na malhação de Judas. O escolhido foi o prefeito do Rio, Eduardo Paes, que internacionalizou a "Cidade de Merda". Paes, que realmente disse a verdade sobre o estado (não os cidadãos) do município, mereceu não só ser o alvo do Sábado de Aleluia, mas constou de ataques furiosos dos políticos locais quando são cúmplice da barbaridade que se faz com o município.

O prefeito carioca foi malhado como boi de piranha. O verdadeiro culpado pela "Cidade de Merda" continua a espalhar sua porcaria por todo canto do município e até ficou agradecido pela cegueira maricaense. Ou será que "patrocinou" o linchamento para bater melhor no PMDB?

Paes poderia ser qualificado como um imbecil por sair criticando a terra dos outros, mas não tem nenhuma culpa se a cidade é franchising da empresa Lula da Silva, onde pontificam com cargos a filha, o genro e a neta de Lula. Sem contar de quebra o desgoverno de Quaquá, também presidente do PT fluminense, e uma cambada de outros petistas de merecido anonimato e igual insignificância comendo o osso.

Nos postes do município, em vez de placas do tipo "Faça a sua calçada", deveriam colocar como Judas as celebridades petistas que tornaram o governo propriedade do partido, distribuindo demagogicamente benesses e promessas, enquanto solapam a economia local.

Maricá, por uma escolha errada, perdeu a última oportunidade de malhar o verdadeiro Judas que prometeu muito e não fez nada de efetivo progresso, mas acumulou mentiras, ações judiciais e um comissariado que se tornou a primeira grande fonte de renda no município. Um prejuízo ao progresso municipal sem precedentes em mais de 200 anos de emancipação, que vai ficar para a História.

O golpe de Dilma contra o próprio governo

Se escapar do impeachment e das investigações da Polícia Federal, a presidente Dilma Rousseff terá perdido até o fim do ano 50% do segundo mandato, atolada nos problemas criados por ela mesma numa longa história de incompetência e de irresponsabilidade. A perspectiva de mais um ano de recessão e de frustração de receitas levou o governo a rever, mais uma vez, os planos para o Orçamento federal. A ambição, agora, é qualquer resultado entre um ridículo superávit de R$ 2,8 bilhões e um déficit de R$ 96,65 bilhões nas contas primárias, sem considerar, portanto, os juros da dívida. O novo cenário apresentado pelos ministros da Fazenda e do Planejamento inclui um produto interno bruto (PIB) 3,05% menor que o do ano anterior e uma inflação de 7,44%.

Outro governo talvez pudesse usar o mau estado da economia como desculpa, mesmo precária, para as dificuldades fiscais. Política e moralmente essa manobra está vedada ao grupo instalado no poder central. Se os negócios vão mal, a produção diminui, o desemprego aumenta e a receita tributária encolhe, ninguém pode atribuir a desgraça a uma crise global nem apontar a fatalidade de um fenômeno cíclico.
A maior parte do mundo cresce, embora de maneira desigual, e nenhuma outra economia exibe uma combinação semelhante de recessão, inflação e crise fiscal. No caso da crise brasileira, a culpa é mesmo de uma administração com um currículo quase inacreditável de erros e desmandos.

Barbaridades foram cometidas tanto na gestão orçamentária quanto no apoio fiscal e financeiro a grupos e setores e na política oficial de investimentos. As impressões do governo são visíveis tanto no desarranjo de suas contas quanto na paralisia dos negócios.

Mesmo sem a pilhagem da Petrobrás e de outras áreas do setor público, os danos às finanças federais e ao sistema produtivo teriam sido enormes. Não se chega por acidente, nas contas do governo geral, a um déficit nominal superior a 9% do PIB, mais que o triplo do limite aceito na União Europeia. Mas seria um erro tratar do saque da Petrobrás como um problema à parte. O assalto à empresa, tanto quanto seu prejuízo de R$ 34,83 bilhões em 2015, está associado a um estilo de governo e de ocupação do Estado.

Não há como separar, quando se trata de entender o drama brasileiro, o desastre fiscal, os erros da política de crescimento e a devastação da maior estatal do País. Até a transformação da Petrobrás em instrumento de política industrial – um brutal erro administrativo – abriu espaço a desmandos e a perdas bilionárias.

O mau começo de 2016 e a perspectiva de mais um ano muito ruim são desdobramentos de uma história iniciada antes do primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff. Não há grande surpresa no quadro econômico. O desemprego de 9,5% da força de trabalho, no trimestre de novembro a janeiro, é consequência dos erros cometidos entre 2011 e 2014 e agravados em 2015. A desocupação incluiu nesse período 9,62 milhões de pessoas, segundo a Pnad, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, o mais amplo levantamento das condições do emprego.

A mais nova informação do IBGE, relativa apenas às seis maiores áreas metropolitanas, aponta uma piora do cenário em fevereiro, quando a desocupação nesse universo mais limitado passou de 7,6% para 8,2%. A mesma tendência deve ter sido observada na área coberta pela Pnad, a julgar pela evolução de outros indicadores.

O governo já incorporou ao cenário oficial a perspectiva de mais um ano ruim. Reduziu a expectativa de arrecadação e ao mesmo tempo decidiu rebaixar mais uma vez a meta fiscal. Só um otimismo incomum poderia levar alguém a prever para 2016 um saldo orçamentário positivo ou mesmo equilibrado. Tudo aponta, por enquanto, mais um ano com déficit primário e com maior endividamento. Economistas do mercado já previam em fevereiro um resultado fiscal bem pior que o admitido pelo governo. Naquele momento, a mediana das projeções já correspondia a um déficit primário de R$ 79,47 bilhões. Com a nova revisão de seus planos, o governo ampliou o limite para R$ 96,65 bilhões.

Mas o balanço final poderá ser pior, porque as previsões oficiais ainda incluem receitas muito incertas, como R$ 13,64 bilhões da CPMF, a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira. Os congressistas ainda vão decidir se aprovam a recriação desse tributo, extinto em 2007. Muitos têm falado contra essa proposta. Enquanto o governo conta votos para saber se será possível matar a ameaça de impeachment, parece um despropósito calcular se haverá apoio suficiente ao projeto da CPMF.

Por enquanto, a recessão produziu dois efeitos positivos. O primeiro é a melhora das contas externas, principalmente por causa da redução das importações e dos gastos menores no exterior. As exportações de manufaturados continuam fracas e só as vendas de produtos básicos ainda têm algum dinamismo. O outro efeito positivo é a desaceleração da alta de preços, em grande parte atribuível ao enfraquecimento da demanda. Como as contas públicas devem permanecer muito desajustadas, um dos principais fatores inflacionários continuará sem solução ainda por um bom tempo.

O governo permanece preso na armadilha criada por ele mesmo. Não há outro culpado pela recessão, nem pela crise fiscal, nem pela recessão como fator agravante do problema das contas públicas. Sem credibilidade, a presidente e sua equipe dificilmente poderão justificar um ajuste gradual, com espaço para medidas de estímulo aos negócios.

Se o processo de impeachment for extinto, a Lava Jato continuará assombrando o governo. A presidente poderá manter as acusações de golpismo. Acreditará quem já estiver inclinado a aceitar esse palavrório. Por enquanto, só se pode falar de um golpe: aquele aplicado pela presidente contra ela mesma com sua política incompetente e irresponsável.

Desacostumados

Se fosse apenas incompetente, quem sabe o governo poderia ser digno de pena, mas, ao fazer da corrupção peça central em seu projeto de poder, cristalizou-se como a maior ameaça a nossa democracia desde a reabertura política, e merece sem ressalvas o inequívoco repúdio das ruas.

De todo modo, levando em conta os discursos recitados pela presidente nos últimos dias, invariavelmente salpicados de ilações grotescas e mentiras deslavadas, fica claro que o PT não capitulará facilmente. Qual é a novidade?

Convenhamos, dadas as circunstâncias, são perfeitamente compreensíveis os chiliques de Dilma e Lula, assim como os destemperos dos grão-mestres petistas e da esquerda macunaíma. Não bastassem as delações que ainda vêm por aí, com o desembarque do PMDB carioca o impeachment nunca foi tão provável.

Podem continuar chamando de golpe o que está previsto na Constituição, movimentar ministros para intimidar a Polícia Federal, ofender tribunais, e irresponsavelmente convocar a militância profissional na tentativa de afugentar as multidões.

Ora essa, podem inclusive manipular o Itamaraty para espalhar boatos, e contar com o vergonhoso apoio de figuras cada vez menores do nosso meio artístico, finalmente corajosas para assumirem suas naturezas autoritárias.

Se nada de espetacular acontecer, seus destinos já estão selados, Wanda será impedida, Luiz Inácio passará um tempo considerável atrás das grades, e ao PT caberá enfrentar uma derrocada tão vertiginosa quanto imprevisível.

Pois, anotem aí, a debacle petista diverte, a sombra do próximo salvador da pátria assusta, a crise econômica apavora, e no entanto deveriam alarmar menos do que as críticas direcionadas ao chamado Fla-Flu.



Percebam, longe de mim querer diminuir a gravidade do atual cenário, porém não me parece sensato constranger o que possivelmente há de mais positivo em tudo o que está acontecendo.

E basta assumirmos nossa condição de sociedade historicamente despolitizada para percebermos que asfixiar o debate, quando finalmente ele começa a acontecer, não faz o menor sentido. A não ser, é claro, que a proposta seja de continuarmos servindo como massa de manobra.

Além de paternalista, flerta com o bizarro este afã em arrefecer os ânimos de uma discussão impossível sem algum grau de excitação. Principalmente quando culpa o alarido por desavenças entre amigos e desfalques em grupos de bate-papo. É aquele negócio, um pouco de perspectiva é sempre recomendável.

E, por favor, nada de entrar no mérito da elasticidade inerente ao termo “excitação” no entendimento dos raivosos. Esta é uma questão já delimitada pela lei, e desfiá-la apenas serviria para estimular ainda mais nosso equivocado costume de adequar a sociedade ao criminoso.

Sim, o fanatismo que transforma a troca de ideias em troca de acusações incomoda, e pode até emburrecer em um primeiro momento, mas é a única saída para uma lenta e necessária transformação.

Sim, a dicotomia entre PT e PSDB é uma mitologia, assim como o fictício apartheid alardeado por uma turma acostumada a propagandear-se moralmente superior.

Sim, o debate é um pau que nasceu torto, e rio de mim mesmo ao escrever estas linhas, de tanto que resmungo por aí, praticando com desenvoltura os mesmíssimos pecados que agora ilumino.

Preciso admitir, eu também não estou acostumado.

As duas formas de corrupção

O PT levou a arte de corromper ao limite, no Brasil, fazendo jus à tradição comunista de que deriva. Temos que meditar sobre esse fato, pois com o PT houve uma mudança substantiva nas práticas deletérias que pilharam o Estado. Nunca é demais dizer que a corrupção abalou os alicerces do Estado, distorceu a representação política e fez eleger, de forma ilegítima, agentes corruptos para os mais altos cargos da nação. A própria eleição de Dilma Rousseff é um exemplo conspícuo dessa distorção provocada pela corrupção.

Corrupção é intrínseca ao homem e é inerente ao poder de Estado. Se isso é verdade podemos dizer que a corrupção ela mesma não é um problema, mas um dado da realidade com o qual temos que conviver. Isso, todavia, só é verdadeiro dentro de um certo range, qual seja, que a corrupção exista sem interferir na viva profunda do ente político e que preserve o rizoma do tecido social. Isso ocorre nas formas banais de corrupção, que são aquelas em que o corrupto, qual um parasita oportunista, se aproveita das circunstâncias e realiza sua ação. É a corrupção de todo dia, que vemos quando há presença de algum fiscal do Estado ou a concupiscência de um funcionário responsável por aquisições governamentais. É aquela típica do guarda de trânsito que leva a propina para não multar. Nesse caso nem o Estado perde e nem a vida cotidiana muda.

Bem outra coisa ocorreu com o PT no poder. A corrupção foi elevada à condição de principal ferramenta da articulação política. Mais ainda, foi transformada em instrumento revolucionário pelo qual o PT quis alcançar a hegemonia, distorcendo representação política. Podemos dizer que o PT tentou dar o golpe de Estado comprando votos de parlamentares e por muito pouco não conseguiu seu intento. A denúncia acidental de Roberto Jefferson, então deputado e líder do PTB, um homem desequilibrado e sem meias medidas, é que levantou o tapume sobre a famosa prática do mensalão, que levou à abertura da Ação Penal 470, de triste memória.

À época, José Dirceu, líder em atividade das coisas tenebrosas do PT, percebeu o perigo que corria o seu projeto político e tentou de forma desesperada parar o estrelismo denuncista de Roberto Jefferson. Ele o fez porque sabia que o Estado é maior do que o partido e que, uma vez provocada, a Justiça seria posta em movimento, com os resultados previsíveis. Não deu outra. Até mesmo José Dirceu foi apenado naquela Ação Penal.

O novidadeiro na corrupção do PT, além de ter se tornado um instrumento político estratégico, e até por isso mesmo, tornou-se um fim em si mesma. O exemplo da aquisição da refinaria de Pasadena é conspícuo. A Petrobras e o Brasil jamais precisaram daquele investimento, que só foi realizado porque se mostrou uma oportunidade excelente de assalto aos cofres públicos. Nunca um negócio foi tão vantajoso para os mafiosos da política, mas no caso se perdeu completamente a funcionalidade. A corrupção como fim em si mesma é incompatível com a racionalidade do Estado e a própria vida social. A Petrobras está em situação quase falimentar por conta disso. A corrupção como fim em si mesma gera o caos, é entrópica.

O petrolão foi descoberto também por outro acidente, a investigação sobre o doleiro Alberto Youssef, que operava pesado para o esquema do PT e ninguém sabia. Puxou-se o fio da meada e agora vemos o juiz do processo, Sergio Moro, transformado em herói nacional porque fez valer o poder de Estado sobre os delinquentes do PT e seus associados.

A falha estrutural do projeto político do PT foi não ter obtido o poder total antes que os anticorpos do Estado pudessem agir. Fracassou porque não tem força para passar uma borracha na ordem jurídica, o Código Penal está em pleno vigor. Será banido da vida política e será lembrado pela História como a mais rocambolesca tentativa de totalitarismo emergindo desde dentro da ordem democrática. Algo muito parecido com o que aconteceu com a Alemanha de Hitler. Felizmente, aqui, houve tempo de se esmagar a jararaca antes que ela pudesse devorar toda gente.

Os anti-intelectuais

Mesmo diante das volumosas evidências de que o lulopetismo é autoritário por natureza, mesmo que abundem provas de que o chefão Luiz Inácio Lula da Silva e seus seguidores tramam à luz do dia contra as instituições republicanas, mesmo que seja clara a ânsia da tigrada de calar a imprensa livre e favorecer o jornalismo companheiro a serviço do pensamento único, ainda assim há intelectuais – ao menos é assim que eles se identificam – que se dispõem a defender, em nome de um suposto espírito democrático, um governo e um partido cada vez mais identificados com tudo aquilo que ofende a democracia e os padrões morais de uma sociedade civilizada.

Pululam manifestos assinados por esses assim chamados pensadores, acompanhados de artistas e outros profissionais cujo trabalho depende da mais ampla liberdade de expressão e opinião, todos devotados à denúncia do que qualificam de “golpe” contra a presidente Dilma Rousseff e contra o “governo popular” do PT.

Um dos mais recentes produtos desse ponto de vista é um tal Manifesto do Livro, em que mais de mil intelectuais, escritores, editores e profissionais ligados ao setor livreiro dizem que estão “ameaçadas” as “normas constitucionais vigentes”.

Eles não se referem à escandalosa transformação do Estado em balcão de negócios criminosos, que, ao beneficiar partidos, políticos e empresários amigos de Lula e da presidente, dilapidou o patrimônio de todos os brasileiros, a começar pelos mais pobres. Tampouco se preocupam com o aviltamento da política promovido pelo partido de Dilma e de Lula, com a conversão do Congresso em armazém de secos e molhados. Os signatários do manifesto também não fazem menção aos ataques que Lula e Dilma estão desferindo, dia e noite, contra o Judiciário e a imprensa livre e independente, a quem acusam de tramar o tal “golpe”.

Nada disso aparece no libelo desses, digamos assim, pensadores. No texto, eles preferem denunciar o “abuso de poder”, a “violação dos direitos” e o “desrespeito sistemático” do Estado de Direito por parte de “setores do Poder Judiciário” – uma clara referência às autoridades policiais e judiciais que fazem avançar a Operação Lava Jato até Dilma e Lula. Para os signatários, as conquistas democráticas, diante disso, estão “ameaçadas” – e seguem-se as já banalizadas referências à ditadura militar.

Esse manifesto respeita o padrão dos tantos outros que apareceram desde que surgiram as evidências de que Dilma havia cometido crime de responsabilidade ao “pedalar” as contas públicas, o que justifica seu impeachment, e de que Lula é o chefe do bando que tomou o Estado de assalto assim que o PT chegou ao poder. Primeiro, eles negam a realidade, atribuindo a divulgação dos escabrosos fatos a um complô da “direita” mancomunada com juízes “partidários” e uma imprensa “golpista”. Depois, exumam a ditadura militar para usá-la como epíteto do movimento que pretende expulsar do poder aqueles que, estes sim, conspurcam a Constituição e escarnecem da Justiça.

A adesão de intelectuais à verdade emanada do partido no poder, como mostram diversos exemplos na história, é o primeiro passo para legitimar a destruição da democracia. Quando vozes de destaque na sociedade disseminam a tese de que são “golpistas” aqueles que fazem respeitar a lei e que trabalham para que os governantes delinquentes paguem pelos crimes que cometeram, é sinal de que a confusão moral está instalada no País. Quando esses autoproclamados “pensadores” hostilizam todos aqueles que se recusam a renunciar à razão em favor da fé estatal e partidária, atribuindo-lhes planos maquiavélicos para a tomada do poder, negam a liberdade que tanto dizem defender.

Assim, para os intelectuais que venderam sua alma ao lulopetismo – alguns porque venderam também algo mais, outros porque acreditam mesmo na balela segundo a qual Lula salvou os pobres e, portanto, está acima da lei dos homens –, a defesa da democracia, que é de todos, se reduz à mera defesa do PT, de seu projeto autoritário e de seu caudilho fanfarrão.

Cena brasileira


A maldade é destrutiva monotonia em nossas vidas. Podemos nos tornar tão endurecidos a sua obscenidade que ela não mais nos comove
Morris West

Herodes era brasileiro?

Hoje faremos um exercício mental. Vamos começar pensando em um daqueles grandes aviões a jato que percorrem todo o planeta, com capacidade para cerca de 300 passageiros.

Em seguida, imagine um desses aviões carregado exclusivamente com crianças de férias rumo à Disneylândia. Suponha, agora, que este avião sofra um acidente, vitimando todos os pimpolhos a bordo - dá para pensar em alguma cena mais triste?

Um acidente desses causaria comoção mundial. Inquéritos rigorosos seriam abertos, indenizações milionárias seriam pagas aos familiares e o assunto ocuparia os noticiários durante anos a fio.

Mas prossigamos em nosso exercício de imaginação. Tente pensar no que aconteceria se caíssem, ao longo de um único ano, 29 desses aviões. Com toda a certeza o tráfego aéreo do Brasil seria fechado, autoridades seriam exoneradas, alguém iria para a cadeia e o Brasil teria muito trabalho para provar que é um país responsável.


Considere, em seguida, neste fascinante passeio pelo mundo dos números, que apenas em 2010 o Brasil perdeu, assassinadas, nada menos que 8.686 crianças e adolescentes - o equivalente a 29 aviões de passageiros lotados. Curiosamente, no entanto, quase não se falou nisso! Que diferença faz um avião!

Dia desses li que entre 1981 e 2010 176.044 seres humanos com menos de 19 anos de idade foram vítimas de homicídio aqui no Brasil - 90% deles crianças. Voltei à calculadora. Descobri que matou-se o equivalente a quase 587 aviões de passageiros lotados. Fiz mais algumas contas e constatei que este quadro equivale à queda de uns 65 aviões a cada ano - todos lotados, claro.

Há quem diga serem estes vestígios de um passado remoto. Marcas de um Brasil que se moderniza mais a cada dia. Poeira histórica deixada pela caminhada de um povo que marcha resoluto, rumo ao avanço e à civilidade. Discordo. E assim porque a situação só tem piorado.

Vamos a mais alguns números: em 1980 a taxa de homicídios na faixa etária entre zero e 19 anos era de 3,1 para cada grupo de 100.000 pessoas. Em 1990, até onde pesquisei, este índice aumentou para 7,7. No ano 2000 avançamos para 11,9. E em 2010 atingimos o recorde de 13,8. Decidi fazer mais algumas contas, e descobri que entre 1980 e 2010 este índice de homicídios aumentou cerca de 376%. Tradução: tudo indica que o problema só tem piorado - e, o que é pior, sob o nosso silêncio! E que diferença faz um avião...

Seria este um problema mundial? Após uma pequena pesquisa constatei que não. No ano de 2008 nossa taxa de homicídios na faixa etária entre 0 e 19 anos de idade era de precisos 13%. Pois bem: em uma relação de 92 países, só “perdemos” para El Salvador (18%), Venezuela (15,5%) e Trinidad e Tobago (14,3%). Alcançamos um pouco honroso quarto lugar.

Nossa vergonha é ainda maior quando perdemos até para regiões notoriamente conflagradas (Iraque, com 5,6%), palco de guerras pelo controle do tráfico de entorpecentes (México, com 2,9%) e cenário de atos terroristas (Irlanda do Norte, com 1,7%).

Diante deste quadro, transcrevo o alerta de um representante da Anistia Internacional: “o Brasil convive, tragicamente, com uma espécie de “epidemia de indiferença”, quase cumplicidade de grande parcela da sociedade, com uma situação que deveria estar sendo tratada como uma verdadeira calamidade social. É como se estivéssemos dizendo, como sociedade e governo, que o destino desses jovens já estava traçado”. É isso aí. Vai ver Herodes era brasileiro!

Pedro Valls Feu Rosa