quarta-feira, 23 de março de 2016


Matar ou morrer

Absolutamente ilhado e sentindo cada vez mais a falta de oxigênio, o governo Dilma Rousseff decidiu ir à guerra. Ou como disse um assessor presidencial: “agora é matar ou morrer”. Dada a ordem, o Palácio do Planalto passou a viver o seu faroeste, muito embora a turma que lá habite esteja mais para Frank Miller (Ian MacDonald) do que para o xerife Will Kane (Gary Cooper), personagens do genial filme de Fred Zinnemann.

No clímax imaginado por seus atabalhoados estrategistas a presidente partiria para o confronto final, duelando ao mesmo tempo com a Polícia Federal e o Congresso Nacional. Para não falar no Poder Judiciário e nos 65% dos brasileiros favoráveis ao seu impeachment, esse mar imenso de “golpistas”.

O que temos assistido, contudo, tem sido um anticlímax, mais parecido com a chanchada “Matar ou correr”, contracenada pela impagável dupla de comediantes Oscarito & Grande Otelo. O golpe de mestre, a nomeação de Lula para ministro-chefe da Casa Civil, revelou-se um tiro n’água.

Imobilizado em seu raio de ação, o caudilho se vê envolvido em um emaranhado de pareceres da Justiça desfavoráveis à sua posse. O último, da ministra Rosa Weber, negou-lhe o habeas-corpus impetrado no STF.

Mesmo se vier a ocupar o cargo (ainda cabe recurso da decisão da ministra Weber), seu poder de fogo e sua capacidade de aglutinar a base aliada serão praticamente nulos. O PMDB lhe dá as costas, Michel Temer o ignora soberanamente, a ponto de sequer querer ter uma conversa com o velho morubixaba.

Tão ou mais desastradas foram as bravatas do novo ministro da Justiça, Eugênio Aragão, para cima da Polícia Federal, com vistas a intimidar a instituição nas suas ações investigativas da Lava-Jato. Como se isso fosse pouco, tornou-se público o plano do Planalto de trocar a direção da PF.

É a aplicação de Maquiavel ao contrário. O governo anuncia o mal a conta-gotas, mas não o concretiza. Arca com o desgaste e aprofunda mais ainda seu isolamento.

Óbvio, não há a menor condição de abafar a Lava-Jato, de interferir diretamente nas investigações da PF, sob pena de enfrentar a “sublevação” da corporação, um clamor das ruas ainda mais forte e a indignação da opinião pública internacional.

A equipe jurídica do governo segue a mesma linha ao preparar recursos ao Supremo contra o pedido de impeachment, caso seja aprovado. Ao antecipar-se ao resultado, dá uma enorme contribuição ao clima de barata-voa na sua base parlamentar.

Há 15 dias o governo pensava ter 250 parlamentares contra o impeachment. Hoje acredita ter 172. Quantos serão na próxima semana?

Fácil entender tamanha movimentação. A expectativa do poder atrai mais do que o próprio poder. Faz sentido, portanto, a frase de um parlamentar da base governista: “eles que fiquem com o Titanic”.

Dilma sente a terra fugir-lhes aos pés, dá demonstrações de destempero, como no seu discurso no encontro com “juristas”.

Neste mar revolto importa aos democratas não aceitar o clima de bang-bang. O confronto, a radicalização, a pregação do ódio, não são a praia dos brasileiros.

O Brasil fará a travessia para um porto seguro se houver a combinação da legitimidade das ruas com a legalidade do Congresso, com o estrito respeito ao rito processual do impeachment definido pela a Suprema Corte; a guardiã da Constituição e do Estado de Direito Democrático.

A ordem, a paz, a tranquilidade, a observância da separação e harmonia entre os poderes da República são as bandeiras.

Sem essa de matar ou morrer.

Como não comer?

Quem nunca comeu melado, quando come se lambuza! Disse o engraxado mas impoluto ministro Jaques Wagner, usando um brasileirismo.

Com o brio dos comediantes, ele defendia e tencionava racionalizar o conjunto de delitos cometidos pelo governo do qual participa como barão. Na sua fala sempre generosa para com os seus, era mais do que natural que um partido “juvenil” em matéria das sacanagens afeitas ao poder à brasileira — o PT — fosse com muita gana ao pote do mel e lambuzado ficasse.

Vale assinalar essa representação do poder como um pote de mel. Como algo doce a ser comido sem pudor e em grandes quantidades precisamente porque ele é um atributo daqueles poucos que o “tomaram”. A representação do poder como mel, como disse em outra ocasião, é reveladora daquilo que a crise brasileira, como os atos falhos e o reprimido, esconde revelando.

Realmente, se o poder é um mel, como não comê-lo? No fundo, trata-se, como se sabe, de limites. Há quem o tenha desejado, mas não comido, e há quem o tenha comido ao ponto da lambujem. Um mensalão e um petrolão são eventos wagnerianos.

Mas o que quero observar é a natureza da figura (poder = mel), em franco contraste com outras visões. Entre elas, eu lembro a da “mão de ferro”, da “mordaça”, da “espada”, da “águia” suástica e, para finalizar, uma lista infindável, a foice e o martelo ou a caveira das SS, cujo uniforme cairia como uma luva naqueles que falam em golpe tentando, precisamente, golpear as instituições pelo retorno desavergonhado à aristocracia que, desigualando pessoas confundidas com cargos — com o devido respeito a Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados —, imobiliza o sistema.

Mas eis que todos esses símbolos são venenosos, daí o contraste do poder como o doce mel, porque o mel é fluido e bom para distribuir. Pode ser comido em goladas ou gotas e avidamente lambido ao ponto de esgotar o pote.

Quando isso ocorre, revela-se o nosso lado brutal, violento e, sejamos gentis, “deseducado” — antidemocrático porque uns fazem tudo, mas outros sequer podem denunciar ou, eis o pecado mortal num sistema aristocrático, prender a quadrilha constituída de gente querida e importante. De gente que roubava o Brasil para mudá-lo e torná-lo mais popular e socialista! Mas o fato é que comer enchendo a boca implica no abandono da serenidade típica dos “caras de pau” (eis um outro brasileirismo), todos lambuzados porque não seguiram as normas da boa “educação” — lida no Brasil como “boas maneiras” e aquiescência, mais um brasileirismo, e não como saber.

Comido em doses wagnerianas, o mel promove diarreia ou lambuza, como bem diagnosticou o barão-ministro, e hoje todo o povinho brasileiro (do qual eu faço parte), dito golpista justamente porque sabe que o mel é por ele produzido!

Como brasileirismo, o mel compete com a “caneta”. Embora a história brasileira tenha sido marcada por episódios crudelíssimos, é a canetada que tudo legaliza, deixando de lado a tal da ética, muito falada e teorizada, mas pouco praticada.

O dilema entre a igualdade de um mel universal e a aristocracia do melado para poucos, denunciado por mim no livro “Carnavais, malandros e heróis”, publicado em 1979, retorna forte com o governo Dilma dando um violento “Você sabe com quem está falando?” em todo o povo que foi às ruas, quando tenta transformar Lula num ministro-barão, situando-o acima da lei.

A crise, reveladora de ambiguidades e ausências, revelou telefonemas onde o baixo calão de Lula confunde-se com a presença inequívoca de um outro brasileirismo: o dos “puxa-sacos” que viram “soldados”, traem os seus companheiros de governança, falam mal de quem os ajudou e, pior que isso, oferecem de calças arriadas a solução a ser seguida. Um deles diz: “Vocês tem a faca e o queijo na mão, façam de Lula um ministro, caralho!”

A mim foi tanto ou mais vergonhoso ouvir os planos para aristocratizar Lula, livrando-o de uma eventual prisão, do que as vigorosas lambidas dadas no seu traseiro, as quais, como aprendi nos Estados Unidos, transformam quem as pratica em brown noses — em narizes sujos de merda!

Mas o fato político relevante, o brasileirismo principal e recorrente, é o de aristocratizar pessoas neste Brasil feito de superiores e inferiores, sempre desconfiado ou desconfortável com a igualdade, como revelam o trânsito, as filas , os hospitais, a ausência de segurança e um sistema educacional que é a chave mestra da igualdade.

Minha sugestão é simples. Dilma deveria ouvir a teoria do ministro Teori pronunciada num evento. Moro coloca-se demais nos holofotes e deveria ser destituído. Em seguida, ela deveria restaurar o Império. Assim, Lula voltaria como rei do Brasil e aí todo mundo (golpistas, cínicos, donos do poder e ricaços) vão poder comer o nosso mel sem os problemas da lambujem.

Roberto DaMatta

De Nixon@pol para Dilma@gov

Senhora,

Eu perdi a Presidência dos Estados Unidos em 1974 por causa da minha paranoia, de meia dúzia de áulicos que se julgavam deuses e da raça desprezível dos repórteres, mas quero lhe dizer que quem me fritou foi a Polícia Federal. É por isso que lhe escrevo: não se meta com ela.

Sei que naquele tempo a senhora estava no esplendor da juventude. Saída da cadeia, retomava sua vida torcendo pela minha desgraça. Vi quando a senhora, já sexagenária, tietou o marechal Giap durante sua visita ao Vietnã, em 2008. Aquele anãozinho era festejado como o gênio da guerra contra os Estados Unidos. Hoje nossos investimentos no Vietnã já ultrapassaram os US$ 11 bilhões e eles querem mais.
Eu me danei no escândalo conhecido como Watergate. Uns bestalhões ligados à Casa Branca quiseram grampear o escritório do Partido Democrata em Washington. Estavam atrás do caixa dois dos meus adversários e foram apanhados.

Criou-se a lenda de que foi a imprensa que me fritou. Isso é inexato. O tal “Garganta Profunda” que deu algumas pistas a um repórter era o segundo homem do Federal Bureau of Investigation (FBI). Muito antes dessa traição, o próprio diretor do FBI chamou um jornalista do “The New York Times” e contou-lhe que a Casa Branca estava metida no caso. Eu havia mandado o general Vernon Walters, vice-diretor da CIA, travar a investigação dos federais. Piorou. A senhora deve lembrar do Walters. Em 1964, ele estava no Brasil e ajudou a livrar o país do comunismo.

Fiz muitas bobagens. Uma delas foi demitir o equivalente ao ministro da Justiça brasileiro. Como a senhora livrou-se do seu, estou preocupado. Alarmei-me ao saber que o novo ministro insinuou a possibilidade de trocar o chefe da Polícia Federal. Depois recuou, refletindo o grau de desorientação de seu palácio.

O Walters não gosta da senhora, continua conversando com brasileiros e fala bastante com um levantino de bigodes que já dirigiu a Polícia Federal. Seu nome é Romeu, creio que o sobrenome é Tuma. Ele acha que o seu ministro foi ingênuo ao dizer que punirá sumariamente os agentes que estão em equipes de onde saem vazamentos. Essa arrogância revolta qualquer corporação. Não entendi direito uma história que o Walters me contou: “Todo governo acha que a polícia vaza informações contra ele. (Eu continuo achando.) As coisas são mais complexas, imagine um caso de um agente que vazou informações que beneficiavam uma grande empreiteira? E se nesse vazamento houve dinheiro? Mais: como crucificar o intermediário se tiver sido um advogado?”. É óbvio que deveria haver punição, mas o vazamento interessava a gente do governo. Permita-me uma impropriedade, vazamento é como decote feminino. Pode ser indecência aos olhos do marido, mas na mulher dos outros é espetáculo. A senhora gostou do gesto do Garganta Profunda.

O grampo do Watergate era um crime menor, minhas mentiras não seriam suficientes para me tirar da Presidência. O que me destruiu foi o momento em que acreditei na possibilidade de obstruir as investigações. Eu e a senhora cometemos o mesmo erro inicial, sabíamos mais do que dizíamos e acreditávamos que o palácio prevaleceria. Eu cometi o engano seguinte, fatal. Não faça como Nixon.

Espero ter sido útil e despeço-me, mas não torço pela senhora.

Atenciosamente,

Richard Nixon

Ministro gritou: "Perigo de gol!"

Teori Zavascki concedeu há pouco uma liminar a uma reclamação da Advocacia Geral da União para que o juiz Sérgio Moro envie todo o processo que diz respeito a Lula ao Supremo. O ministro também pôs sob sigilo todas as gravações que dizem respeito à presidente Dilma.

Qual foi a argumentação da AGU, que, de forma impressionante, fez de Lula objeto de suas preocupações, embora ele não pertença ao governo?

Teori concordou com a tese de que Moro deveria ter enviado ao Supremo as questões relativas a Lula, uma vez que elas acabaram envolvendo a presidente Dilma, que tem foro especial. Ah, sim: o ministro não alterou, nem poderia, a decisão de Gilmar Mendes, que suspendeu a nomeação de Lula para o Ministério da Casa Civil.

Vamos botar um pouco de ordem na bagunça:
1: Teori não está afirmando que a competência para cuidar do processo que envolve Lula seja do Supremo; ele o requisitou para o tribunal, e a decisão ainda vai ser tomada;

2: a decisão de agora nada tem a ver com as outras ações da AGU, que também estão a cargo do ministro, que cobram a suspensão de todas as investigações sobre Lula;

3: Teori não está contestando decisão nenhuma de Mendes. Este simplesmente observou que a competência no que diz respeito a Lula voltava para Moro porque, ao suspender a sua condição de ministro, o petista perdia o foro especial.

4: Teori, considerado um ministro frio, agiu com o fígado. Nos bastidores, ele estava agastado com Sérgio Moro. Considerou uma exorbitância a divulgação dos grampos envolvendo a presidente;

5: é evidente que o ministro dá uma liminar que contraria votações suas de mérito. É muito fácil explicar. Querem ver? O ministro descartou a tese da contiguidade quando enviou, por exemplo, os processos envolvendo a mulher e a filha de Eduardo Cunha para a Justiça comum.

Ora, se uma pessoa com foro especial confere foro especial às demais, isso deveria ter valido, então, para a família de Cunha. Mas não valeu. No caso do petrolão, os ministros decidiram fazer o contrário do que foi feito no mensalão: fica no Supremo quem tem foro especial e vai para a primeira instância quem não tem.

Lula tem? Não tem! Logo, que fique na primeira, ora essa! Mas Teori está irritado com Moro. Acha que este deveria ter enviado o pacote ao Supremo, que então se encarregaria de devolver para a primeira instância quem não tivesse foro especial.

Moro não foi dos mais ortodoxos, todo mundo sabe. Mas isso não é motivo para Teori jogar no lixo os votos de… Teori.

É notável! O ministro não quis, até porque não podia, cassar os efeitos da liminar concedida por Gilmar Mendes, que suspendeu a posse de Lula. Surgiu, então a tese da usurpação de competência: segundo esta, Moro não poderia ter decidido o que caberia ao Supremo decidir.

Bem, digamos que assim seja… Não há outra saída, nessa ação ao menos, que não devolver a Moro o processo sobre Lula. É o que o Supremo fez em outros casos do petrolão. Vamos ver se o tribunal tem a coragem de criar um procedimento que só valha para Lula. Acho que não.

Teori sabe que essa sua decisão corresponde àquele momento em que um juiz paralisa o jogo apitando uma falta que não aconteceu. É o chamado “perigo de gol!”

Pimenta na escuta dos outros é refresco

Em menos de uma semana, o lado esquerdo do Brasil descobriu o valor de termos como “liberdades individuais”, “preservação de sigilo” e “garantias constitucionais”, entre outras ideias que liberais e conservadores tentam há décadas popularizar sem muito sucesso no país, mas que as democracias mais avançadas conhecem e usufruem há séculos.

Ao perceber que seu líder espiritual poderia ser alvo do longo braço da lei como qualquer outro mortal, uma súcia de relativistas morais formada por arautos do regime, bajuladores incuráveis, serviçais ideológicos e áulicos do petismo clamaram pelo império das leis num surto inédito e pouco convincente de apreço às leis.

É difícil acreditar na súbita conversão da esquerda brasileira ao legalismo se adotaram como bordão “não vai ter golpe”, uma inversão orwelliana dos fatos que tenta chamar de “quebra de ordem institucional” um processo que, pelo contrário, é constitucional, respeita todos os ritos legais, prevê todas as instâncias de defesa e ainda sofreu uma interferência direita do Supremo Tribunal Federal.

O sistema jurídico é uma das mais importantes e definidoras instituições de uma sociedade. Quando a aplicação das leis está à mercê da biruta dos ventos políticos, a tendência é que o arbítrio dos governantes atropele as salvaguardas dos cidadãos e proteja de forma discricionária quem gravita em torno do poder. Sem segurança jurídica e independência das cortes, não há democracia.

Mais de 6 milhões de brasileiros foram às ruas em mais de 300 cidades no último 13 de março contra o atual governo nas maiores manifestações já vistas na história do país, organizadas de forma espontânea por representantes da sociedade civil que trabalham de forma voluntária e sem contratar militantes, arregimentar funcionários públicos e que não contam com os bilionários recursos das centrais sindicais.

A resposta de Brasília ao Brasil foi imediata: dar a Lula um ministério e foro privilegiado, com direito a um discurso inflamando de defesa da presidente Dilma na cerimônia de posse em que passava um pito na sociedade que deveria representar, colocando o Estado em franca oposição à vontade majoritária da população. Uma afronta que marcará para sempre o fim melancólico deste governo.

As reações do governo Dilma nos últimos dias à Justiça e à opinião pública têm sido as piores possíveis, e é nestas horas que o presidencialismo imperial brasileiro mostra sua face mais aterradora. Como avisou Lord Acton, “o poder corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente”, e Dilma mostra que está disposta a usar todos os recursos do Estado para blindar seu patrono político da lei, o que inclui a retórica furiosa contra o juiz Sergio Moro e a tentativa de seu ministro da Justiça de “controlar” a Polícia Federal.

Quando o Poder Executivo entra em confronto direto com os outros poderes da República, avançando por sobre o Legislativo e o Judiciário, a democracia é testada em seus limites e forças. Deste embate direto sairá um país rumo à liberdade ou ao precipício. As próximas semanas não serão para os fracos.

Alexandre Borges

Nova frente

As investigações em Curitiba avançam em uma nova frente, a do sindicalismo. Desde o início deste ano, duas dúzias de dirigentes sindicais dos setores químico, petroleiro e bancário passaram ao centro de inquéritos sobre corrupção na Petrobras e outras estatais.

Trata-se do lado até agora pouco visível da metamorfose de parte dos movimentos sindicais e sociais mais atuantes desde os anos 60 em grupamentos de agitação e propaganda alinhados ao Partido dos Trabalhadores.

Essa transformação foi possível graças à concepção corporativa da política disseminada na era Lula, num flerte com a alternativa da democracia direta. Parecia paradoxal, porque a premissa dessa forma de organização tende a resultar em governantes autômatos. Lula, no entanto, manipulou-a com astúcia. Metabolizou entidades e movimentos organizados. Viraram instrumentos.

A cooptação não se restringiu à vertente sindical trabalhista. Alcançou a Fiesp. O empresário Paulo Skaf, que encobriu com o manto do impeachment a exótica sede piramidal da Avenida Paulista, elegeu-se presidente da Fiesp em 2004 com auxílio de Lula, José Alencar e José Dirceu, em manobra conduzida por Aloizio Mercadante.

Fiel, continuou a burocracia sindical trabalhista, imobilizada em atividades remuneradas pelos cofres públicos. Ela mudou o foco do ativismo, concentrando-se na luta permanente pela impugnação das iniciativas de adversários do partido e do governo. Hoje, sobram porta-bandeiras em defesa de Lula, Dilma e também das empresas processadas por corrupção na Petrobras e em outras estatais. Só não se percebem evidências de preocupação com a origem, os métodos e as perdas resultantes dessa combinação de interesses cleptocratas.

Os efeitos se espraiam, por exemplo, nas estranhas transações decisivas para os déficits da Petrobras (R$ 34,5 bilhões em 2015) e dos fundos de pensão das estatais (Previ, Funcef, Petros e Postalis devem somar R$ 70 bilhões).

A conta vai subir. Na Petrobras, revelou a repórter Cláudia Schuffner, o Conselho de Administração pediu investigações sobre um elenco de decisões de sindicalistas responsáveis pela área de Recursos Humanos, com potencial de novas e bilionárias perdas para a companhia.

Em oito anos, esses burocratas sindicais aumentaram em 2.300% o passivo trabalhista da estatal. Passou de R$ 500 milhões para R$ 12,3 bilhões entre 2006 e 2014. É o dobro das perdas com corrupção registradas pela empresa.

Os delitos estão sendo mapeados. Calcula-se que o custo de algumas cláusulas dos acordos feitos com entidades como a federação dos petroleiros contribua para ampliar em R$ 40 bilhões, no médio prazo, o estoque de dívidas trabalhistas da empresa.

No papel de gestores, os burocratas sindicais inflaram os próprios ganhos (média de R$ 40 mil mensais). Entre outras coisas, permitiram-se adicionais equivalentes aos de periculosidade e de expediente noturno pagos aos “peões” das refinarias e das plataformas marítimas. Alguns lucraram em dobro: estenderam à faina noturna, em gabinetes confortáveis e refrigerados da sede na Avenida Chile, a intermediação (remunerada) de interesses de fornecedores privados em negócios com a companhia estatal.

Collor e Dilma, um triste final

De derrota em derrota, na última segunda-feira, com a decisão da ministra Rosa Weber de obstar, no Supremo Tribunal Federal, os interesses do Lula e da presidente Dilma, o impeachment vai ficando cada dia mais provável. Dos 513 deputados, imagina-se hoje que perto de 400 se pronunciarão a favor. As esperanças de Madame e de seu criador assentavam-se nos 81 senadores, ou melhor, na maioria deles. Comentários do presidente Renan Calheiros, ontem, desfaziam essa impressão. Basta um a mais, computando-se a presença dos que estiverem em plenário, para afastar a presidente do palácio do Planalto. Primeiro temporariamente. Depois, em definitivo.

A pergunta é por que se afasta uma chefe da nação eleita pelo voto direto, duas décadas depois de outro por igual processo. Não terá sido por conta de uma Fiat Elba, num caso, e agora em função de pedaladas ou da nomeação de um novo chefe da Casa Civil, em outro, mesmo em se tratando do Lula. Esses foram pecados, jamais justificando chamas eternas.

Colllor, e agora ao que parece, Dilma, estavam ou estarão condenados bem antes do julgamento. Deveu, um, e deverá, outra, seu afastamento às próprias personalidades. Assumiram como numa monarquia, esquecidos de que a República fora proclamada há mais de cem anos. Uma vez investidos no poder, julgaram-se acima do Bem e do Mal. Adotaram a postura de rei, um, e de rainha, outra, ignorando a maior das qualidades que deveriam ostentar: a humildade. Mesmo que no fundo se julgassem superiores à humanidade, precisariam disfarçar. Fernando Henrique, por exemplo, encenou essa farsa, mas saiu aplaudido.

Collor por jovem demais, Dilma, por formação ideológica, esqueceram de atentar para os sentimentos do povo à sua volta. Imaginaram governar um país obrigado a render-lhes não apenas homenagens, mas obediência ostensiva. A cada pronunciamento ou aparição pública, estavam quilômetros acima de suas bases, sem atentar para que a população, tendo ou não votado neles, rejeita a presunção, o orgulho e a prepotência. Especialmente da parte dos que deveriam respaldá-los.

Claro que diferenças existiram e existem entre eles, mas aproximam-se de uma semelhança definitiva: um triste final.

Palácio é do povo, não do partido

Há um clamor por todo o país: o Palácio do Planalto, construído no governo eleito e democrático de JK, destinado a ser a sede do governo brasileiro, se tornou a sede nacional do PT. Isso é golpe!

Mais uma vez com o patrocínio do dinheiro público, o prédio foi aviltado em sua destinação. Entre suas pilastras e paredes de vidro, ecoaram palavras de ordem petistas - "Não vai ter golpe" e "Dilma, guerreira do povo brasileiro" - em nada condizentes com a dignidade que se exige de uma presidente democraticamente eleita. 

Em desespero dos inconsequentes, Dilma está abusando do cargo e tornando prédios públicos em lojinhas de franchising do PT com as torneiras já fracas do Erário jorrando para pagar espetáculos partidários. Por mais que esbraveje que não vai ter golpe e que não renunciará, vai cometendo mais crimes em seu prontuário.

A presidente está, como seu antecessor, confundindo Estado e governo. Nenhuma instituição da República é do PT, até mesmo a Presidência, que não tem poder para dispor dos palácios do Planalto e do Alvorada como propriedades petistas ou casas da Mãe Joana.

A reunião com os juristas militantes, diante de quem Dilma se manifestou como em palanque partidário, não como presidente de um país, foi mais um gesto partidário dentro do palácio presidencial. E isso também é crime, mais um, protagonizado por Dilma, que ainda não se deu conta de que palanque não pode ser armado em palácio, propriedade do Estado, não do PT.

Esses gestos militantes de uma presidente são claro indício de que está vendendo o país para o Partido dos Trabalhadores sem qualquer procuração do Brasil.

Subdesenvolvimento moral

O Brasil é um país moralmente subdesenvolvido.
Os criminosos pegos em flagrante são blindados e o juiz que os flagrou é que tem de dar explicaçōes.
O Antagonista

O que espero que aconteça no Brasil

Há uma passagem na peça grega “Os Persas”, de Ésquilo, que visita meu pensamento diante de tudo que o país vive nestes dias.

Atossa, mãe de Xerxes e viúva de Dario, recebe a notícia da derrota do grande e poderoso exército persa diante dos gregos na batalha de Salamina. Atordoada com a derrota, a rainha pergunta quem é o rei daquele povo vencedor. E recebe a resposta: “Os gregos não são escravos nem súditos de ninguém”.

Quisera eu, neste instante, que isso também fosse verdade para nós, brasileiros, diante de Dilma Rousseff, Lula, Fernando Henrique Cardoso ou Sérgio Moro. Que também nós pudéssemos ser dignos da democracia – não essa que camufla a existência de mandantes e mandados, de donos do poder e de miseráveis que lutam pelo dia a dia.

Quisera eu que todos pudéssemos obedecer apenas a nossa consciência e que, humildemente, reconhecêssemos que algo precisa ser feito para recuperar nossa dignidade, nossa honra, nosso desejo (justíssimo) de viver nossas vidas e de podermos ser todos felizes.

É a segunda vez que vivo um momento de divisão irreconciliável entre brasileiros. Vivi o fatídico 1964. Como tantos de minha idade, passei talvez o melhor tempo de minha vida sob uma ditadura civil e militar. A ditadura, insisto, não era só militar! Não quero isso mais.
Mas também não quero o ódio entre os que se julgam donos da verdade e os que querem impor “sua verdade” a todos os demais.

Assistindo à sessão do Senado na última sexta-feira, ouvi a senadora Vanessa Graziotin dizer que os derrotados na eleição em 2014 impedem que a presidente Dilma governe o Brasil. Isso não corresponde aos fatos. Na campanha presidencial, a candidata do PT apresentou um programa e passou a implementar outro depois de eleita. Ela desqualificava os adversários. Agora, num gesto que considero provocador, nomeia seu antecessor como ministro da Casa Civil e ainda propõe que o chefe de seu gabinete pessoal tenha status de ministro de Estado. O que ela quer com isso?! Talvez pensar que no Supremo os mais altos magistrados do Poder Judiciário vão esquecer falcatruas que tantos cometeram? Quer governar como senhora e dona do destino de todos os brasileiros? Querem também atirar o juiz Sérgio Moro na vala comum de delinquente? Querem torná-lo herói de metade do país, dividido de cima a baixo, onde ninguém reconhece o direito do outro em “pensar de maneira diferente”? Por que o ministro Gilmar Mendes age de forma a humilhar o ex-presidente da República? Seria Lula pior que qualquer um?

Não quero que ninguém seja súdito de outrem nem quero que pessoa alguma seja dono de alguém. Não temos rei nem reconhecemos a existência de quem se quer ver acima do comum dos mortais, mesmo sabendo – como sei e escrevo sempre – que não há lei igual para todos no nosso país, porque não somos iguais. Temos de nos perguntar: qual sistema constitucional mais justo pode ser aplicado efetivamente a todos? Querem atirar a primeira pedra em alguém. Mas quem conseguiu se ver livre dos erros que cometeu?!

Prenda o juiz, pressionem o Supremo e controlem a Polícia Federal

O governo deu nesta terça-feira, 22, a pincelada final no seu mais duro pacote anticrise e anti-impeachment, que inclui basicamente seis pontos: ameaçar a Polícia Federal, colocar o juiz Sérgio Moro sob suspeição ao atacar a divulgação dos áudios, constranger o Supremo, transformar o Palácio do Planalto e a Advogacia-Geral da União em bunker petista, atirar (como sempre) nos mensageiros e dizer que a “estabilidade democrática” corre riscos.


Falta nesse pacote, como sempre, uma única palavra sincera sobre a gravidade dos fatos revelados pelo conjunto da Operação Lava Jato, que nesta terça esteve novamente nas ruas em mais uma surpreendente e reveladora etapa.

Enquanto Dilma Rousseff, a presidente, e seu advogado, José Eduardo Cardozo, discursavam no Planalto, os policiais interrogavam e prendiam mais uma leva de acusados de terem cometidos pesados crimes.

Ambos, no entanto, apenas falaram em “combater a corrupção” de maneira conceitual, quase etérea, preferiram repisar a toada de criminalizar a investigação e o impeachment.

Caberá à Justiça definir se a Lava Jato extrapolou direitos e garantias institucionais e individuais. Se extrapolou, a lei deve ser cumprida. De resto, se o pacote vai dar certo, os próximos dias responderão. Já é líquido, porém, que Dilma colocou sua biografia sob julgamento da história.

Os animais e a peste

Em certo ano terrível de peste entre os animais, o leão, mais apreensivo, consultou um macaco de barbas brancas.

- Esta peste é um castigo do céu – respondeu o macaco – e o remédio é aplacarmos a cólera divina sacrificando aos deuses um de nós.

- Qual? – perguntou o leão.

- O mais carregado de crimes.

O leão fechou os olhos, concentrou-se e, depois duma pausa, disse aos súditos reunidos em redor:

- Amigos! É fora de dúvida que quem deve sacrificar-se sou eu. Cometi grandes crimes, matei centenas de veados, devorei inúmeras ovelhas e até vários pastores. Ofereço-me, pois, para o acrifício necessário ao bem comum.

A raposa adiantou-se e disse:

- Acho conveniente ouvir a confissão das outras feras. Porque, para mim, nada do que Vossa Majestade alegou constitui crime. São coisas que até que honram o nosso virtuosíssimo rei Leão.

Grandes aplausos abafaram as últimas palavras da bajuladora e o leão foi posto de lado como impróprio para o sacrifício.

Apresentou-se em seguida o tigre e repete-se a cena. Acusa-se de mil crimes, mas a raposa mostra que também ele era um anjo de inocência.

E o mesmo aconteceu com todas as outras feras.

Nisto chega a vez do burro. Adianta-se o pobre animal e diz:

- A consciência só me acusa de haver comido uma folha de couve da horta do senhor vigário.

Os animais entreolharam-se. Era muito sério aquilo. A raposa toma a palavra:

- Eis amigos, o grande criminoso! Tão horrível o que ele nos conta, que é inútil prosseguirmos na investigação. A vítima a sacrificar-se aos deuses não pode ser outra porque não pode haver crime maior do que furtar a sacratíssima couve do senhor vigário.

Toda a bicharada concordou e o triste burro foi unanimamente eleito para o sacrifício.

Moral da Estória:
Aos poderosos, tudo se desculpa…
Aos miseráveis, nada se perdoa.
Monteiro Lobato