terça-feira, 15 de março de 2016


O governo entra em coma

É improvável que o governo Dilma Rousseff sobreviva ao momento político. A tendência é que ele acabe prematuramente, nos próximos meses, com a aprovação do impeachment. A renúncia ou um afastamento também pode ser considerado.

Os movimentos do sistema político na última semana reforçam essa tendência: PMDB e PSDB já conversam abertamente sobre como viabilizar o pós-Dilma; Renan Calheiros, presidente do Senado, defende o “semiparlamentarismo”, reduzindo os poderes presidenciais; partidos como PSD, PP, PRB e PTB começam a se dividir desfavoravelmente ao governo; e o PMDB sinaliza que está muito próximo do desembarque.

Paixão

Na convenção nacional do PMDB, no sábado (12), nenhum governista se dignou a defender Dilma Rousseff. A mensagem de rompimento foi clara. O prazo é que ficou pendente do andamento dos acontecimentos. Para todos, inclusive para os mais moderados, a fala do presidente da legenda e vice-presidente da República, Michel Temer, foi a de quem já se coloca como solução para os impasses do momento.

No próprio PT há o entendimento de que Dilma não tem mais capacidade de reação. O ex-presidente Lula poderá ir para o Ministério com o objetivo de assumir o comando do país e tentar um último movimento. Seria uma opção desesperada que somente agravaria a precária situação.

Não bastassem os problemas políticos, o ambiente econômico segue em deterioração, contribuindo para ampliar a insatisfação popular com o governo e provocar novos protestos. O desempenho do ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, desagrada, simultaneamente, a aliados e a adversários. Não existem boas notícias a caminho nesse campo.

As manifestações de domingo, 13, que reuniram mais de 3,5 milhões de brasileiros, tornaram mais evidente o destino do governo. São uma confirmação de que a presidente da República perdeu as ruas em um momento em que não controla nem a economia nem a política. Além de estar sob a mira da Operação Lava-Jato.

O mundo político, inclusive personalidades palacianas com quem conversamos, concorda que o governo exauriu as possibilidades de se tornar viável. Assim, o fim parece inevitável. E o impeachment já é considerado uma questão de tempo, mesmo para lideranças do Senado que até há pouco defendiam Dilma.

Com a decisão do Supremo sob o rito, que será tomada esta semana, inicia-se o processo que deverá retirar Dilma da Presidência. Não será uma marcha tranquila, conforme o processo de impeachment de Fernando Collor. Mas configura-se como inevitável.

O conteúdo e a intensidade das novas delações é que vão determinar a velocidade dos acontecimentos.

A jararaca

Nunca vi o Brasil tão esculhambado como hoje. Não há outra palavra que nos descreva.

Já vi muito caos no país, desde o suicídio de Getúlio até o porre de Jânio Quadros largando o poder. Vi a morte de Tancredo na hora de tomar posse, vi o país entregue ao Sarney, amante dos militares, vi o fracasso do Plano Cruzado, vi o escândalo do governo Collor, como uma maquete suja de nossos erros tradicionais, já vi a inflação a 80% num só mês, vi coisas que sempre nos deram a sensação fatalista de que a vaca iria docemente para o brejo, de que o Brasil “sempre” seria um país do futuro. Eu já senti aquele vento mórbido do atraso, o miasma que nos acompanha desde a Colônia, mas nunca vi o país assim.

Por que chegamos a tal ponto, até a explosão das manifestações no país inteiro anteontem? Tudo foi causado pelas ideias que formaram o imenso rabo de jararaca que nos esmaga hoje e que provavelmente nos levará a esmagar a cabeça da serpente. As catástrofes econômicas e políticas que podem ainda destruir o país foram os mandamentos fiéis de um catecismo comunista boçal que essa gente adotou em 63 e agora repetiu de 2002 em diante. Nos meus 20 anos, era impossível não ser “de esquerda”. Nós queríamos ser como os homens heroicos que conquistaram Cuba, os longos cabelos de Camilo Cienfuegos, o charuto de Guevara, a “pachanga” dançada na chuva linda do dia em que entraram em Havana, exaustos, barbados, com fuzis na mão e embriagados de vitória.

A genialidade de Marx me fascinava. Um companheiro me disse uma vez: “Marx estudou economia, história e filosofia, e, um dia, sentou-se à mesa e escreveu um programa racional para reorganizar a humanidade”. Era a invencível beleza da Razão, o poder das ideias “justas”, que me estimulava a largar qualquer profissão “burguesa”. Entrei para o PCB e, nas primeiras reuniões de base, para meu desespero, me decepcionei. O pensamento político e existencial deles era simplista, partindo sempre de uma ideia para depois chegar a ela de novo. Nas reuniões e assembleias, surgia sempre essa voz rombuda da burrice ideológica.

Em vez do charme infinito dos cubanos, comecei a ver o erro, plantado em duas raízes: ou o erro de uma patética estratégia inócua ou a incompetência, a mais granítica, imaculada incompetência que vi na vida. O ponto de partida da incompetência é se sentir competente. O homem “bom” do partido não precisa estudar nem Marx nem nada, apenas derramar sua “missão” para o povo. Administrar é coisa de burguês, de capitalista. Para eles, o Estado é o pai de tudo. Logo, o dinheiro público é deles, a empresa pública é deles, roubar é “desapropriar” a grana da burguesia.

A incompetência do comuna típico é o despreparo, sem dúvidas, é a burrice alçada a condição de certeza absoluta. É um ridículo silogismo: “Eu sou a favor do bem, logo, não posso errar e, logo, não preciso estudar nem pesquisar”. A verdade é que odeiam o que têm de governar: um país capitalista. Como pode um comuna administrar o capitalismo? Todos os erros e as burrices que eu via nas reuniões do PC eram de arrepiar os cabelos. Eu pensei, horrorizado, quando vi o PT no poder: vão fornicar com tudo. Fornicaram.

Assim, se organiza a burrice, a adoção só de ideias gerais, o desejo de fazer o mundo caber num ideário superado. Daí a desconfiança no mercado, nos empreendedores, contra todos os que trabalham no centro da sociedade civil, que comunas veem como uma anomalia atrapalhando o Estado. Vivíamos assediados por lugares comuns. O imperialismo era a “contradição principal” de tudo. As discussões intermináveis, os diagnósticos mal lidos da Academia da URSS sempre despencavam, esfarinhavam-se diante do enigma eterno: “o que fazer?”. E ninguém sabia.

O que aconteceu com este governo foi mais um equívoco na história das trapalhadas que a esquerda leninista comete sempre. Erraram com tanta obviedade, com tanto desprezo pelas evidências de perigo, que a única explicação é o desejo de serem flagrados. O fracasso é o grande orgulho dos revolucionários masoquistas. Pelo fracasso constrói-se uma espécie de “martírio enobrecedor”, já que socialismo hoje é impossível. A história de nossa “esquerda” é uma sucessão de derrotas. Derrota em 35, derrota em 64, derrota em 68, derrota na luta armada, derrotas sem fim.

Até que surgiu, nos anos 70, um homem novo: Lula, diante de um mar de metalúrgicos no ABC. Aí, começou a romaria em volta da súbita aparição do messias operário. Tive pavor de que a velha incompetência administrativa e política do “janguismo” se repetisse no Brasil, que fora saneado pelo governo de FHC. Não deu outra. O retrocesso foi terrível, porque estava tudo pronto para a modernização do país; mas o avião foi detido na hora da decolagem. Hoje, vemos mais uma “revolução” fracassada; não uma revolução com armas ou com o povo, mas uma revolução feita de malas pretas, de dinheiro subtraído de estatais, da desmoralização das instituições republicanas.

Hoje, vemos o final dessa epopeia burra, vemos que a estratégia de Dirceu e seus comparsas era a tomada do poder pelo apodrecimento das instituições burguesas. Uma espécie de “stalinismo de resultados”. Os quadrilheiros do governo não são de esquerda, não; são de direita, autoritários. O incrível é que os intelectuais catequizados ainda pensam: “o PT desmoralizado ainda é um mal menor que o inimigo principal – os tucanos neoliberais”. O PT ainda é o ópio dos intelectuais. Se continuar assim, o atraso do país será perpetuado em nome da burrice “progressista”. O diabo é que burrice no poder chama-se “fascismo”.

Há nove sites falsos em meu nome no ar. O verdadeiro agora é www.arnaldojabor.com.br. Nas mídias sociais, é “Jabor Real”. Me critiquem no lugar certo.

O que parecia propaganda eleitoral era programa de governo



Na campanha presidencial de 2002, fez sucesso um filmete criado pelo marqueteiro Duda Mendonça em que a bandeira do Brasil era roída em poucos segundos por um bando de ratos. Exibida no horário eleitoral do PT, a peça de propaganda foi concebida para vender a ideia de que o partido do candidato Lula detinha o monopólio da ética. Os outros ─ “eles” ─ não passavam de assaltantes de cofres públicos.

O Mensalão mostrou que os roedores que se multiplicam no comercial eleitoreiro moravam nos esgotos do PT. O Petrolão provou que roeram furiosamente muito mais do que bandeiras. Como demonstraram as manifestações deste domingo, agora as coisas estão claríssimas. O que parecia propaganda eleitoral era programa de governo. Os ratos só pararam de fazer o que fazem no vídeo quando a Lava Jato chegou.

O crime e o castigo na voz das ruas

Há muitos meses, o governo petista, os dirigentes dos partidos da base e suas lideranças no Congresso Nacional parecem haver tomado Baygon de canudinho. Andam de um lado para o outro, desarvorados, em busca de uma saída que não existe para os males que sua desonestidade e presunção produziram. Não me refiro à multiplicidade de desastres que fizeram desabar sobre o país. Qual o quê! O que os preocupa são as consequências pessoais e legais do que fizeram. Muitos medem a distância entre a porta da rua e a porta da cadeia. Brasil? Que Brasil?
AUTO_sinovaldo

Acordei nesta segunda-feira em ressaca cívica. Milhões de brasileiros proporcionaram com o 13 de Março, nas mobilizações de ontem, um dia para entrar na História. Nas semanas anteriores, o PT e seus sequazes batiam tambores mentais pedindo chuvas no Rio de Janeiro, enxurradas em São Paulo, vendavais no Rio Grande do Sul. Mas São Pedro mostrou quem manda. Aqui em Porto Alegre, onde escrevo, 140 mil pessoas promoveram a maior manifestação da história da cidade. Homenageavam gente respeitável, patriotas de valor, como Sérgio Moro, os promotores da Lava Jato e policiais da PF naquela força-tarefa. Noutra praça da cidade, pequeno grupo de militantes a soldo reverenciava criminosos condenados e outros cidadãos em vias de. São pessoas que odeiam a dignidade de Sérgio Moro e amam Ricardo Lewandowsky, Roberto Barroso, Dias Toffoli, entre outros daquele puxadinho do PT em que foi transformado o STF.

Cada um de nós, tendo participado dessas manifestações, dirá um dia a seus filhos e netos, lendo as páginas da História: "Eu estive lá! Eu não me omiti! Eu cumpri meu dever de cidadão para com meu país e seu povo! Eu não me acovardei ante o falso rugido dos autênticos gatos!"

Enquanto participava da manifestação aqui em Porto Alegre, tive a clara percepção de que o grito das ruas produzia movimentos nas encruadas instituições. Rangiam velhas tábuas, estalavam dobradiças. Algo está para acontecer. O marasmo chega ao fim.

Vi nascer o grito por impeachment no dia 15 de novembro de 2014, na primeira manifestação nacional. Éramos poucos, mas sabíamos para onde girava inexoravelmente a roda dos maus fados do governo que reassumiria dias depois. Sua podridão já era conhecida, tanto que Dilma foi apresentada como faxineira do próprio governo. Nos meses seguintes novas manifestações se repetiram a partir do dia 15 de março (até então a maior de todas na história do país). Em duas semanas, três dezenas de requerimentos pedindo o impeachment da presidente se acumulavam na mesa de um até então pouco conhecido pilantra de nome Eduardo Cunha que, de março a dezembro, jogou água fria e gelo picado na fervura nacional. Mas na versão petista virou "dono do impeachment".

Até isso nos quis roubar o governo! O grito da nossa garganta. O clamor do nosso peito. As lágrimas de emoção cívica que deixamos nas avenidas de todo o país. Sinto que chega ao fim o domínio daqueles se julgavam-se capazes de conduzir o povo pelo nariz. Já podem contemplar a porta da rua e avaliar a distância entre esta e a porta da cadeia, lugar de todos que tenham esfolado a nação, sejam de que partidos forem.

Percival Puggina

A culpa é do quibe

Gente, o Jaques Wagner, chefe do Gabinete Civil, fez uma revelação bombástica. Certamente auxiliado pelos desocupados agentes da Abin, a agência que substituiu o famigerado SNI, descobriu que o quibe é que levou milhões de pessoas às ruas para pedir o impeachment da sua chefe, a prisão de Lula e apoiar a Lava Jato tão bem conduzida pelo juiz Sergio Moro. Isso mesmo, não estou brincando com coisa séria. Na coletiva que ele deu à imprensa para fazer o balanço das manifestações pelo Brasil, disse, com todas as letras, que tudo foi orquestrado pela rede de restaurantes Habib’s, especializada em quibe cru, esfiha, tabule e kafta. Abre, assim, outra crise, desta vez com os árabes, mestres dessa culinária tão especial.

Quanta besteira desse governo inócuo, incompetente e desastrado. Como não bastasse a indicação do ministro da Justiça, o baiano Wellington César Lima, que ficou sub-judice até o STF mandá-lo pra casa, o ministro “boa praça” agora exagerou. Acusou o Habib’s e a Fiesp de planejar as manifestações que só em São Paulo despejaram nas ruas mais de 1 milhão de pessoas, segundo cálculos mais pessimistas. E levaram milhares de outras a mais de 200 cidades no país a pedir o impeachment da Dilma.

Como na nossa republiqueta das bananas nada é de graça, não estranho que algum araponga da Abin estaria a serviço do marketing do restaurante. Teria levado ao ministro a conspiração Árabe para dentro do Planalto em troca de alguns quibes da rede Habib’s. Depois que o Lula surrupiou os objetos do Palácio do Planalto nada neste país é impossível.

Jaques Wagner reuniu a imprensa para falar sobre a manifestação. Com pose de inteligente e com ar circunspecto de quem acabara de descobrir a pólvora e a roda, foi logo dizendo que as manifestações dos brasileiros contra o seu governo teve um “público segmentado”. Com o silêncio dos jornalistas, que se entreolharam em meio a tanta baboseira, o ministro emendou afirmando que a culpa por tal provocação ao governo foi do Habib’s e da Fiesp.

Para dizer tanta asneira, Wagner certamente estava municiado por informação da Abin, uma agência que gasta escondido milhões e milhões de reais dos brasileiros para produzir factoides em nome da segurança nacional. Que a agência de debiloides chegue à conclusão estapafúrdia como essa faz parte da sua ignorância plena, mas que um ministro de estado, na condição de principal assessor da presidência, reproduza essa sandice, aí é coisa de insanidade ou de demência intelectual e politica.

Jaques Wagner ainda não se convenceu que a multidão que foi às ruas não foi orientada por partidos políticos ou centrais sindicais. Não foi conduzida em ônibus de aluguel nem recebeu cachês em dinheiro ou transporte de graça. Não eram militantes nem filiados a partidos. As cidades foram ocupadas por milhões de brasileiros que, vestidos de verde e amarelo, pediam a saída da Dilma, a prisão de Lula e apoiavam o juiz Sergio Moro, condutor da Lava Jato.

Se ele, como principal assessor da presidente, ainda teima em negar o óbvio, o que o mundo viu a cores pelas TVs, não está em condição de permanecer assessorando a sua chefe, porque é incapaz de enxergar um fato que, pela sua grandeza, pode mudar o destino do Brasil.

Depois da gafe da indicação do ministro baiano, agora Wagner vai mais longe: denuncia a conspiração do quibe para derrubar a sua presidente – que se diga – está a um fio de cair de vez. Ministro, por favor, com mais essa gafe, está na hora de pegar o paletó e se mandar, antes que alguém deixe o seu gabinete às escuras.

Moscardi fez Lula falar mais do que devia

Nunca antes na História deste país se viu um ex-presidente prestar depoimento à Polícia Federal usando tanto deboche, desprezo e ironia, tentando ridicularizar os dois delegados, que somente não lhe deram voz de prisão por desacato à autoridade, porque precisavam que ele falasse o máximo possível, para se contradizer e fazer revelações que pudessem incriminá-lo, como acabou acontecendo. Deixaram Lula falar palavrões à vontade, nada os afastou dos objetivos traçados ao preparar o minucioso interrogatório, cujo termo de transcrição ocupou exatamente 98 páginas.

Se tivesse juízo, Lula teria ficado em silêncio. No início do depoimento, o jovem delegado federal Mauricio Moscardi fez questão de informá-lo a respeito, mas do alto de sua arrogância e prepotência, o ex-presidente fez questão de responder às indagações. Lula estava acompanhado de Roberto Teixeira, amigo, advogado e compadre, e da filha dele, a advogada Valeska Martins. No depoimento, Teixeira só tentou interferir uma vez, para evitar que fosse tocado o assunto do tríplex, mas o delegado Mauricio Moscardi não lhe deu maior atenção e seguiu em frente.

O longo interrogatório foi conduzido com maestria por Moscardi, que estava acompanhado do delegado federal Luciano Flores de Lima e de um dos procuradores da operação Lava Jato. Primeiro, eles deixaram Lula falar à vontade, para enaltecer seu governo, destacando as principais realizações. Deram corda, e depois Moscardi foi buscando as informações de que a força-tarefa necessitava, agindo com impressionante calma, como se não percebesse as provocações e o achincalhe de Lula, que aos poucos foi falando tudo o que se pretendia extrair dele.

Como sempre, o ex-presidente adotou sua velha estratégia de dizer que não sabia de nada. Não percebeu que, ao agir assim, acabaria incriminando a própria esposa e também os amigos que hoje trabalham no Instituto Lula. Assim, além de colocar dona Marisa na condição de cúmplice nos casos do sítio, do tríplex e dos bens da Presidência que o casal trouxe de Brasília, atribuindo exclusivamente a ela a responsabilidade, ele também incriminou os companheiros do Instituto Lula – o presidente Paulo Okamotto e os diretores Clara Ant, Luiz Dulci, Paulo Vanucchi e Celso Marcondes.

Com muita habilidade, o delegado conseguiu que Lula admitisse que o Instituto e sua empresa de palestras, a LILS, são a mesma coisa, funcionam no mesmo local e utilizam os mesmos empregados. Demonstrando ignorância e soberba, foi caindo na rede e admitiu que os dirigentes do Instituto procuram as empresas para conseguir doações e decidem em conjunto como gastar os recursos da entidade, sem a menor participação dele, que não toma conhecimento de nada.

No caso da apropriação dos bens da Presidência, que Lula classificou como “tralhas”, acabou culpando dona Marisa, que cuidou sozinha de tudo, porque ele era o presidente da República e não tinha tempo para cuidar dessas coisas. A propósito, disse saber que alguns presentes são valiosos e por isso estariam no cofre de um banco.

Sobre o tríplex do Guarujá, Lula demonstrou ter se tornado um patético novo rico. Ironizou o apartamento, dizendo se que se trata de um “tríplex Minha Casa Minha Vida”, que considera “muito pequeno”, por ter apenas 215 metros quadrados. Esta declaração do ex-presidente é mesmo um acinte, quando se sabe que as casas construídas pelo programa habitacional do governo têm apenas 39,6 metros quadrados. Ou seja, no tríplex desprezado por ele caberiam cinco casas e ainda sobraria espaço.

Acerca do sítio em Atibaia, Lula repetiu que a versão criada por seu advogado Nilo Batista, dizendo que só veio a saber da existência da propriedade no dia 12 de janeiro de 2011, ou seja, toda a mudança de Brasília para São Paulo teria sido organizada e comandada por dona Marisa, sem a menor participação dele.

E continuou se esquivando de responsabilidades, dizendo que nada sabe sobre um contrato do Instituto Lula com a empresa G4, que pertence a seu filho Fábio Luís, o Lulinha Fenômeno. Quanto à Flexbr Tecnologia S/A, que também fez contrato com o Instituto, o ex-presidente até ironizou o delegado federal, alegando que a empresa é “uma peça de ficção”, pois nunca ouviu falar a respeito dela. Mas acontece que a Flexbr existe, foi criada por Marcos Claudio Lula da Silva e o Sandro Luis Lula da Silva, filhos dele, e está sediada num imóvel que pertence à empreiteira Mito Empreendimentos, por coincidência fundada pelo advogado Roberto Teixeira e hoje registrada em nome da mulher e da filha do advogado, a advogada Valeska Teixeira Zanin Martins, que estava assistindo ao interrogatório.

Apesar de muito jovem, o delegado Mauricio Moscardi é uma das estrelas em ascensão na Polícia Federal. Em maio de 2013, ele foi o responsável pela Operação G7, que desfez um esquema petista de corrupção no governo do Acre, na gestão Tião Viana, envolvendo secretários de Estado e empreiteiros, prendendo 15 acusados de formação de cartel em processos licitatórios. Mas o delegado ficou pouco tempo no Acre após a deflagração da G7, porque o governador pressionou e o ministro da Justiça José Eduardo Cardozo pediu a transferência dele. Foi assim que Moscardi foi parar em Curitiba, onde logo em seguida seria deflagrada a operação Lava Jato.

Como um dos coordenadores da força-tarefa, Moscardi estava acompanhado de outro delegado federal em ascensão, Luciano Flores de Lima, que recentemente prendeu o marqueteiro João Santana.

Diante do comportamento desaforado de Lula, os delegados podiam ter dado voz de prisão a ele, mas preferiram extrair novas informações para incriminá-lo. E o ex-presidente caiu como um patinho, como se dizia antigamente. Agora, está nas mãos do juiz Sérgio Moro decretar ou não a prisão dele. Se for nomeado ministro, a situação não se modifica, porque é apenas uma questão de tempo. O Supremo também mandará prendê-lo, porque uma coisa é certa – na vida, tudo precisa ter limites.

Dilma vai deixar o quê?

Não precisamos de videntes, quiromantes nem bolas de cristal. Saber o que vai acontecer é seguir a natureza das coisas. Amanhã, quarta-feira, o Supremo Tribunal Federal dará início à elaboração do novo ritual capaz de regulamentar os mecanismos de perda de mandato de deputados e senadores quando acusados de praticar ações ilícitas no exercício de suas atribuições.

A mais alta corte nacional de justiça deverá determinar que, para ser julgado e perder seu mandato, o deputado ou senador precisará ter contra ele, em votação nominal, dois terços de seus pares. Sendo deputado, o processo irá ao Senado, para autorizar ou não o julgamento. Em caso positivo, caberá aos senadores abrir o processo relativo, em sessões presididas pelo presidente do Supremo. Mas se o presidente da República não tiver vindo do Congresso?

O alçapão estará aberto e, mesmo demorando alguns dias, estará fulminado, caso os deputados autorizem seu fuzilamento. Se for senador, mais fácil ainda, pois a autorização inicial equivalerá ao resultado final da decisão. Não sendo parlamentar, a queda será maior.


Charge O Tempo 14/03

O problema é saber o que acontecerá à presidente Dilma Rousseff. Noves fora o ritual e as etapas para acusação, defesa e oitiva de testemunhas, depois que for caracterizada como ré, Madame será afastada do exercício da presidência da República, até o final do julgamento. Assumirá interinamente o vice Michel Temer.

Suponhamos essa hipótese. O que fará Dilma? Enquanto afastada de forma provisória, provavelmente não fará nada, exceção de reunir-se diariamente com seus advogados para cuidar da defesa.

Depois, na hipótese da condenação, se não o fez antes, estará cuidando do próprio futuro. Primeiro, decidir onde vai morar: Porto Alegre, Brasília ou mesmo Rio ou São Paulo? A que atividades se dedicará? Economista, dirigente de empresa, aposentada ou pronta para começar a redigir suas memórias? Editores não lhe faltarão, muito menos convites para consultorias ou bissextas palestras pelo planeta. Viagens ao exterior não parecem certezas, afinal, uma de suas características no poder não terá sido a de amealhar dinheiro fácil, como certos antecessores. Dar aulas sempre será possível, mas difícil, dado seu temperamento.

Mais conflituosos serão seus primeiros dias fora do poder. Ao sair, precisará despedir-se de seus ministros e auxiliares, situação constrangedora para todos. Reconhecer erros não parecerá fácil, quem sabe uma dose de humildade abrilhantará derradeira passagem pelo governo? Dirigir-se ao sucessor equivalerá a deglutir pílulas amargas, mas necessárias, porém que mensagem dedicará ao antecessor? Certamente reverenciais, até amenas, mas em momento algum significando submissão à responsabilidade pela débâcle. Se ela teve culpa, e grande, ele teve pior, como artífice de toda a trapalhada. A partir do impeachment, mais se afastarão suas relações, sobrando a triste conclusão de nenhum dos dois haver deixado herdeiros. Ao povo, Dilma dedicará alguma mensagem? Getúlio Vargas deixou o mais importante documento de nossa História. Fernando Collor, nenhum…

Civilidade x Fera Ferida

Em meio a milhões de imagens no domingo, a fila para atravessar a rua na faixa de pedestres, em Brasília, e a tranquilidade e o respeito da multidão para voltar de metrô em São Paulo, são exemplos de que o povo não é tão povinho como pensam.

Há civilidade quando governos lhe dão condições de demonstrar que também são gente. O que não mostrará quando tiver aquilo tudo que está faltando por incompetência e ganância de políticos?

Mas se essa civilidade toda de domingo chama a atenção também se contrapõe à truculência da fera ferida de segunda-feira, quando foi divulgado o texto do depoimento de Lula à Polícia Federal.

A "sacanagem homérica" de se afrontar um ex-presidente à convocação de prestar depoimento à Justiça enraiveceu a eminência, que se acha Deus até prova em contrário, como todos os políticos brasileiros que confundem a santidade com o mundano.

Diante do delegado da Polícia Federal, baixou o verdadeiro caboclo João Sem Braço, o autêntico, que depois tornaram Lulinha Paz e Amor. E a face do que se vê pelo depoimento revela o deficiente moral que nunca deixou de ser.

Lula, no depoimento, é Lula sem marqueteiro. O pelego alçado como Sassá Mutema que se lambuzou no melado do Poder e, chamuscado, vira Zeca Diabo. Atira para todo o lado atingindo os amigos (que em breve serão ex) e dando tiro no pé na própria santa imagem: "Era inadequado porque além de ser pequeno, um triplex de 215 metros é um triplex Minha Casa, Minha Vida”.

Lula acusou o golpe e ainda mais ferido mostrou a verdadeira face do idolatrado ex-presidente, que só não fez mais pelo povo porque descansou no sétimo dia. Foi seu pecado. Sonhou em fazer o diabo e infernizou tudo.

O Pai dos Pobres, que mudou o país e levou milhões (sic) ao paraíso do consumo, fala da própria criação com escárnio. Para o nobre ex-presidente pobre é massa de manobra para se locupletar, encher bolsos familiares e de amigos, votar em cretinos e falsos profetas.

O depoimento é o escárnio com os necessitados que tanto acreditaram na sua verborreia e um acinte contra a civilidade e dignidade de cada brasileiro.

O 'Hômi' é Deus

É incrível como Lula realmente se vê acima das vicissitudes meramente humanas. De tanto falarem que ele é Deus, o homem acreditou

A soma de todos os medos

No mundo real, as multidões voltaram às ruas, em desfile marcado pelo apoio às ações anticorrupção e condimentado pelo protesto contra o governo Dilma Rousseff, imóvel diante do aumento do desemprego, do número de falências e do declínio da renda dos trabalhadores.

Num mundo paralelo, os chefes dos maiores partidos políticos também se mobilizaram.

No PMDB, o vice Michel Temer e os presidentes da Câmara, Eduardo Cunha, e do Senado, Renan Calheiros anteciparam no sábado a sua mensagem: por quatro semanas, estará proibida a aceitação de cargos governamentais, período em que será composta a comissão de análise do impeachment de Dilma. O vice Temer seria herdeiro, por direito constitucional.

No PT, o ex-presidente Lula saiu de casa no domingo para encontrar um grupo de porta-bandeiras do PT e da CUT, enquanto sua caricatura em roupa de presidiário passeava pelas ruas das maiores cidades. Lula é o pilar de um partido em ruína.

No PSDB, o senador Aécio Neves viajou à Praça da Liberdade, em Belo Horizonte. Saiu da praia carioca para dizer que vale “qualquer saída” para derrubar Dilma — nos limites impostos pela Constituição, ressalvou.

O medo move os mundos das ruas e dos caciques políticos. A coincidência, porém, acaba aí. Os receios resultantes da consciência de perigo têm motivações muito distintas.

Desde julho de 2013, as multidões rugem cada vez mais alto nas ruas por mudanças no governo, na economia, na saúde, na educação e na forma de se organizar a política. Temem o futuro no bolso, na escola e no posto de saúde.

Há 32 meses seguidos, os líderes partidários retrucam com propostas para mudar, mantendo-se tudo como está. Reivindicam proteção na turbulência de inquéritos sobre corrupção no setor público, onde Lula, Temer, Cunha, Renan e Aécio, entre outros, têm sido mais citados do que os versos de Cecília Meireles.

A cada avanço das investigações florescem iniciativas para aumento da confusão política. O PMDB de Temer, Cunha e Renan, por exemplo, teme a cassação da chapa presidencial pelo TSE, o que levaria a novas eleições. Há um ano acaricia o impeachment como escudo protetor.

Entre as ruas, a corporação petista e a “coalizão” que corrói sua autoridade, Dilma assiste impassível à liquefação do próprio governo. Nessa imobilidade, sua melhor perspectiva talvez esteja no processo de impeachment: ela precisa apenas de 171 votos pelo “não”, enquanto adversários precisam garantir “sim” 342 vezes no plenário da Câmara. Seria o momento da soma de todos os medos. 

Em desespero, Dilma tenta autogolpe com Lula

O brasileiro já ouviu muitas histórias de gente tirando gênio de garrafas. Mas nunca antes na história desse país se ouvira falar de alguém obrigando o gênio a retornar à garrafa. Na versão de um ministro petista é o que Lula está fazendo com Dilma. Vendida em 2010 como gestora genial, ela foi convencida a entregar ao antecessor o futuro dos escombros que restaram do seu governo.

Numa tentativa desesperada de se livrar do impeachment, Dilma fará de Lula um superministro, com sala no Planalto. Ele chefiará a articulação política do governo e projetará sua sombra sobre toda a Esplanada, especialmente sobre a pasta da Fazenda. Depois de acusar os rivais de tramar um golpe, Dilma recorre a um autogolpe. Lula entrará pela porta dos fundos numa espécie de terceiro mandato.

A manobra envolve alto risco. Ao patrociná-la, Dilma como que exerce um dos poucos privilégios que ainda lhe restam —o privilégio de escolher seu próprio caminho para o inferno. Com o governo esfarelando-se, madame atrelou seu destino ao de Lula, divorciando-se definitivamente das ruas.


No último domingo, o asfalto roncara sobretudo para exigir o impeachment de Dilma e prestigiar Sérgio Moro, cacifando-o para punir inclusive Lula ‘Jararaca’ da Silva. Em resposta a essas demandas, Dilma resolveu unir o inútil ao desagradável: para se manter no cargo, concede à serpente o foro privilegiado dos ministros, livrando a cobra criada do PT dos rigores do juiz da Lava Jato.

O movimento é inútil porque, ainda que consiga deter o impeachment, o máximo que Lula fará por Dilma é acomodá-la no verbete da enciclopédia como a primeira pessoa na história a se tornar ex-presidente ainda no exercício da Presidência. É desagradável porque a presença de Lula na Esplanada, além de não ser um bom exemplo, é um péssimo aviso: o governo entrou na fase do vale-tudo.

Tomado pelo que se diz dele no Planalto, Lula retornará a Brasília para operar milagres. Na política, promete reagrupar o bloco partidário que dava suporte aos governos petistas no Congresso. Na economia, acena com uma reviravolta capaz de abreviar a retomada do crescimento. Falta combinar com a lógica.

Quando ainda era um presidente da República popular, Lula só conseguiu apoio no Congresso comprando aliados com o dinheiro sujo do mensalão e do petrolão. Os parlamentares governistas continuam com o mesmo código de barras na testa. Mas o governo, com a força-tarefa da Lava Jato no seu encalço, já não pode remunerá-los como antes. O novo superministro manuseará um orçamento em ruínas.

Não é só: retratado nas ruas como um boneco-presidiário batizado de Pixuleco, investigado por corrupção, tráfico de influência, lavagem de dinheiro e falsidade ideológica, Luís Inácio já não é o mesmo Lula da Silva. É nessa condição de ex-Lula que terá de convencer o PMDB, por exemplo, de que é mais negócio permanecer com Dilma do que colocar na cadeira dela o correligionário Michel Temer, seu substituto constitucional.

A contabilidade do impeachment favorece Dilma. Para aprovar o pedido na Câmara, os antagonistas do governo precisam reunir 342 votos. Para barrar o impedimento, o Planalto tem de juntar apenas 171 votos. Líder do governo na Câmara, o deputado José Guimarães (PT-CE) afirma que, se o governo não tiver algo como duzentos votos no plenário, é porque a propalada governabilidade já foi para o beleléu.

Na economia, a guinada defendida por Lula e seus devotos no PT passa pelo abandono de projetos como a reforma da Previdência e de estratégias como o rigor fiscal. Tudo em nome de uma hipotética retomada do crescimento ainda em 2016. Como se fosse possível colher bons indicadores sem plantá-los.

De resto, a aposta do Planalto na capacidade de Lula de fazer e acontecer desconsidera o fato de que a Lava Jato introduz na conjuntura muitas surpresas, espantos, choques, assombrações e uma certa dose de ‘sim senhor, quem diria?!?’.

Nesta segunda-feira, por exemplo, enquanto o morubixaba do PT se equipava para os novos desafios, veio à luz a notícia de que o ex-deputado federal Pedro Corrêa, cacique da tribo do PP, preso em Curitiba, fechou um acordo de delação premiada com a força-tarefa da Lava Jato.

Corrêa contou aos investigadores, entre outras coisas, que Lula tinha plena ciência das propinas que o PP beliscava na Petrobras. Aos pouquinhos, a turma de Curitiba vai fechando o cerco ao redor de Lula. Ainda que fuja de Sérgio Moro, presidente informal da República terá de se entender com o STF. E já estão no forno novas delações.

Fica-se com a impressão de que Dilma passará a dispor não de um ministro providencial, mas de um cúmplice full time. De certo mesmo, o autogolpe propiciará, por enquanto, uma perda da dignidade funcional de uma presidente em apuros. E dignidade é como virgindade. Perdeu, está perdida. Não dá segunda safra.

Nas ruas contra o monstro

Fosse o Brasil um país com instituições maduras, a degradação política e econômica que hoje observamos não teria se avolumado. A própria rua, que acaba de rugir como nunca antes na história deste país, estaria quieta.

Um aparato institucional forte não teria deixado agigantar-se o Leviatã dos contratos bilionários de bancos e empresas estatais com oligopólios entrelaçados à própria elite no poder. Não teria permitido que tudo fosse financiado com dívida a juros impiedosos lançada nas costas dos cidadãos, a comprometer o seu futuro.

Seria impensável a subversão das regras de exploração e produção na cadeia do petróleo no sentido de restituir o monopólio estatal e asfixiar a competição. Soluções de compromisso ajeitadas com a mão pelo governo, como o consórcio que construiu a hidrelétrica de Belo Monte, seriam impossíveis.

Todo esse substrato conferiu superpoderes de xeque árabe ao presidente no Brasil, em dias normais já dotado de atribuições extravagantes. Aproximou-o de um Putin tropical, que engolfou o Congresso e só encontrou resistência no Ministério Público, no Judiciário e na imprensa.

Eis o que pode confirmar o caráter especial do Brasil no conjunto de nações emergentes acometidas por uma hipertrofia assemelhada do Executivo durante o boom chinês. Aqui não chegamos ao fundo do poço, à rendição completa.

As ruas voltaram a encher-se também em reação às novas invectivas de Dilma e Lula contra a Lava Jato. Ambos transformam o que resta do governo num comitê de combate político a policiais, procuradores e juízes que produzem um colossal conjunto probatório de abuso do poder.

Resposta errada, presidente. Ou, em outro registro, resposta certa. Pode ser que a exposição crua da natureza do monstro, agora decrépito e a debater-se, seja um rito necessário para superamos de uma vez esse triste episódio de nossa história.

Vinicius Mota

A farsa

O Lula atual estava encenando o Lula de antes. Porque o Lula de antes já não existe, nem poderia, já que qualquer pessoa é mudada pelas suas experiências. E Lula, mais do que a maioria, circulou por muitos mundos novos desde que se tornou presidente, e mesmo antes. Assim, o discurso virou farsa. Não fraude, mas farsa. E mesmo o que havia de verdade, porque obviamente ainda existe o Lula no Lula, revelou-se como falseamento quando visto pelas lentes da razão, do pensamento que alcança o conhecimento pela via da dúvida
Eliane Brum."Na política, mesmo os crentes precisam ser ateus"

Costurando Frankenstein

Nem domingo, nem sábado. O governo Dilma Rousseff foi ao forno na quarta-feira, tarde da noite, em Brasília, na casa do senador Tasso Jereissati, quando três senadores do PMDB dito governista jantaram com sete colegas tucanos e ruminaram sobre o dia seguinte. Nada a ver com a quinta-feira. Nas bocas, quem assumiria o governo após a eventual saída da presidente.

Sem o repasto PMDB-PSDB, a convenção peemedebista de sábado e as manifestações de domingo seriam condições necessárias mas insuficientes para deixar no ponto o fim da era petista. Por uma razão simplória: não há impeachment sem que haja acordo prévio sobre a sucessão do poder. Não se apeia um presidente sem que esteja combinado quem passará a dar as ordens. A questão transcende a pessoa que vai vestir a faixa e sentar na cadeira.


Pelo PMDB estavam Renan Calheiros, Romero Jucá e Eunício Oliveira. Pelo PSDB, Aécio Neves, Aloysio Nunes, Antonio Anastasia, Cassio Cunha Lima e Ricardo Ferraço, além de Tasso. Renan e seus escudeiros são os esteios de Dilma no Senado. Sem seus votos e influência, o governo não governa nem se sustenta.

Na mesma quarta-feira, a mil quilômetros dali e ao nível do mar, o menu era a mesmo. Cacique do PMDB fluminense, pai e avalista do líder do partido na Câmara, Jorge Picciani disse a peemedebistas que o governo Dilma duraria mais três meses. Foi no particular, mas alguém vazou, e o jornal Extra divulgou. Filho de Jorge, Leonardo Picciani é o maior aliado de Dilma no PMDB, depois de Renan. Se seu pai pensa assim, ele pensa também.

O que fez Renan e Picciani selarem um acordo com os oposicionistas do PMDB e se dedicarem a pensar o pós-Dilma? Novas delações na Lava Jato.

Empreiteiros da Andrade Gutierrez e o senador Delcídio Amaral contaram histórias distintas, mas com final igual: recursos de caixa dois pagaram a campanha de Dilma à reeleição em 2014. Um dos dois declarou ter documentos para sustentar suas palavras.

Se essa versão é comprovada, importa pouco para a Realpolitik que comanda Brasília. Talvez pensando no que acontece em suas próprias contabilidades eleitorais, quem precisava acreditar acreditou. E logo concluiu que a cassação da chapa Dilma/Temer pelo Tribunal Superior Eleitoral seria mera questão de tempo. Assim, melhor se antecipar e trocar cassação por impeachment – ou renúncia, se conseguirem colocar o guizo no pescoço de Dilma.

Seja como for, assumiria Michel Temer. Ele convocaria todos os partidos para montar um governo de – perdão – “união nacional”. A gestão Frankenstein comandada pelo PMDB – qualquer semelhança com o governo Sarney não é mera coincidência – seria transitória e teria a missão de fazer o impopular ajuste fiscal que Dilma tanto falou que faria e não fez. Desse modo, quem se elegesse em 2018 estaria dispensado do trabalho sujo. Esse é o acordão.

Ficou tão bem costurado quanto o monstro criado por Mary Shelley. Ponta solta é o que não falta. Só para lembrar duas.

O impeachment/renúncia não impede o TSE de prosseguir com a cassação. Mas, como ministros da corte demonstraram em outros processos, dá para protelar o julgamento. Seria uma espada de Dâmocles pendurada sobre o pescoço de Temer, uma garantia para o caso de ele se acostumar ao cargo e tentar disputar 2018. A depender das provas nas delações, porém, será difícil convencer a opinião pública a deixar de lado o processo de cassação.

Em outra ponta, muitos dos avalistas do acordão PMDB-PSDB são alvo da Lava Jato. Alguns já foram denunciados. Se condenados, o novo governo começaria em crise, apenas mudariam (alguns) nomes. Ou procuradores e ministros do Supremo foram consultados sobre o acordo? Concordaram? Só se a criatura de Frankenstein escapou da ficção, fugiu para o Brasil e está amarrando suas pontas.

A seita da jararaca

O que estará pensando o PT após tamanha manifestação contra Lula, Dilma e associados, ontem, em todo o país?

Não temos bola de cristal, mas não é difícil ter alguma ideia do que estará passando na cabeça do PT. O PT é uma seita. Sempre foi. E o traço essencial de toda seita é o ódio. Esta seita colheu seu fanático séquito de seguidores entre grande parte da inteligência (tola?) do país, arregimentando professores, jornalistas, intelectuais, cientistas e estudantes, além, é claro, do pelotão de choque dos militantes profissionais.

Eu apostaria que o PT não está nem aí para o que aconteceu no Brasil ontem. Não que os petistas não estejam preocupados com a possível perda do PMDB na sua base, ou com o risco crescente do impeachment, ou com o sangramento e paralisia do governo. Isto é um pesadelo mesmo. Devem estar mijando nas calças. Devem acordar suando, com o gosto da comida de cadeia na boca, ou com a estranha sensação de que foram desmascarados na sua profunda vocação para o engodo.

Refiro-me a outra coisa. Há dez dias, após a condução coercitiva para o depoimento no aeroporto de Congonhas, o ex-presidente Lula fez um discurso raivoso contra todo este processo que reúne procedimentos jurídicos (Lava Jato como grande exemplo) e o nojo que seu partido parece causar na maior parte da população. Lula referiu-se a si mesmo como uma jararaca. Acho que deveríamos levar a sério sua metáfora.

O PT hoje continua sendo uma seita, mas não mais a seita da estrela da esperança (que enganou muitos e continua enganando alguns), mas a seita da jararaca. E seu veneno ainda pode ser mortal, justamente porque ele não está nem aí para a população. A essência do veneno da seita da jararaca (o PT) é justamente sua indiferença para com o Brasil e sua população comum, contrariamente ao discurso populista com o qual enfeitiçou o país por décadas.

O Partido dos Trabalhadores não tem nenhuma elegância diante da derrota. E isso nada tem a ver com a fato de que a maior parte dos petistas seja arrivista social. A deselegância é um comportamento que atravessa todas as classes sociais de forma "democrática". Mesmo se tiver que estrangular o pais, levando-nos à miséria absoluta, continuará a tentar mobilizar sua seita de seguidores da jararaca para impedir o que grande parte da população demonstrou ontem nas ruas.

A soberania popular (base da democracia), em grande parte, demonstrou ontem não mais reconhecer na presidente Dilma alguém que mereça confiança ética, política ou técnica. Além disso, a soberania popular "escolheu" Sérgio Moro em detrimento da jararaca. Mas, isso pouco importa à seita da jararaca.

Eis seu veneno, na sua forma atual. Este veneno, na sua forma clássica, foi a corrupção sistemática que montou no país e seu atraso mental em termos econômicos que pode levar o Brasil ao tempo da economia de subsistência. Há quem diga que grama que socialista pisou leva muito tempo para florescer de novo. Na sua forma atual, este veneno será sua tentativa, mesmo que a custos gigantescos para o país, de se manter no poder. E para o sofrimento do povo, ele oferecerá o sorriso sinistro da jararaca.

Viveremos dias fascinantes de agora em diante. Preparem seus corações para turbulências. As alma mais frágeis poderão ter medo, mas é em momento como esses que virtudes como coragem e disciplina são necessárias. Os covardes, provavelmente, ficarão paralisados. As jararaquinhas serão soltas pelas ruas, cuspindo seu discurso de que são vítimas das elites. Difícil imaginar que um "boy das empreiteiras" represente o grosso da população brasileira que está vendo sua vida ir pelo ralo.

Mas, vale lembrar que grande parte dessas jararaquinhas habita o pensamento público, apesar de que estão chocadas com o fato de que nem todo mundo "inteligente" teme ou pertence à seita delas. Penso mesmo, às vezes, que essas jararacas não conseguem entender que grande parte do país não as vê mais como santinhas redentoras. O PT é coisa do passado. Restará apenas as jararacas loucas correndo pelas ruas.

Luiz Felipe Pondé