quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

Prefeitos, atenção!

O homem contemporâneo vem se condicionando à racionalidade dos sistemas. As cidades, cujo destino irrefutável é sua adaptação a procedimentos sistemáticos impostos pela revolução tecnológica, estarão conduzindo o cidadão à condição de prisioneiro duma máquina eficiente e condenando-o assim a uma vida robotizada. (“Tempos Modernos”, Carlitos)

Com o espírito reprimido, ele está se entregando à atividade material do consumo e se coisificando em ambientes estandardizados.

Como resultado, o ser metropolitano irá perdendo as referências com seu território sensível — costumes, falas, crenças, imaginário, ancestrais, cultura —, se afastando, em consequência, dos valores que particularizam sua identidade.

A despeito da atenção exclusiva com a racionalidade objetiva do uso urbano, a metrópole é o ambiente onde ocorre o imprevisível, o inesperado, o instantâneo e onde estão arquivados a memória e os registros históricos, e, sobretudo, é o lugar do entrecruzamento, virtualmente infinito, de destinos, atos, pensamentos e reminiscências,

Se considerar estes indicadores positivos, de significado eminentemente humano, e o pensamento lúdico de Lewis Munford — “A cidade favorece a arte, é a própria arte” —, conclui-se que a metrópole se fundamenta nos valores humanos e artísticos, ambivalência que revela, por outro lado, sua dimensão subjetiva.

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Afirmam os filósofos que a sistematização é a antítese da criação e que são rubricas incompatíveis. Paradoxalmente, verifica-se que o espaço urbano pode produzir, simultaneamente, a compatibilização entre elas. Em consequência, uma metrópole que mantenha o equilíbrio entre a função e o sensível, entre a ciência e a arte, pode reverter o processo de desumanização que está pondo em risco o homem hodierno.

O espaço público, sujeito à ação lúdica do movimento, excitado pelo lazer ativo e enriquecido pelas atividades culturais, se constitui num permanente happening, que estimula a liberdade criadora e instiga a imaginação dos seus usuários e são a substância de uma ecologia do espírito.

A atribuição principal dos mentores da cidade não é só a de realizar intervenções cientificamente eficientes, mas é, sobretudo, a de oferecer meios para que os atores urbanos sejam estimulados a dar sua parcela de participação, na criação do espetáculo urbano. A partir destes conceitos, é necessário que os insumos de ordem objetiva — tráfego, paisagismo, sinalização, mobiliário — estejam condicionados à nova ética urbana, na qual o pedestre seja considerado o absoluto, e os demais, o relativo.

Além dos insumos objetivos, estes conceitos irão inspirar alguns insumos de ordem subjetiva que servirão de nutrientes para a concepção da espacialidade das cidades.

Desta forma, qualquer proposta para os espaços urbanos deverá se calçar em proposições que sejam indutoras e jamais coatoras, que não cerceiam a liberdade do uso e da escolha dos caminhos, que não violentem o percurso e os eventos consagrados pela comunidade, que estimulem o encontro entre as pessoas e as relações de vizinhança, que estabeleçam a diversidade do uso urbano — residencial, comercial, de serviços — e, sobretudo, que reacenda os significados históricos em todas as suas temporalidades.

Quanto mais competentes forem a forma e a essência dos insumos objetivos e subjetivos aplicados num espaço público tanto maior será o poder de indução do sentimento de afeição, de respeito e de civismo do cidadão pelas coisa da cidade.

A qualidade da vida físico-espiritual do homem cada vez mais se concentra nas cidades, tão depende delas que o equacionamento do problema urbano determinará o porvir da Humanidade.

Paulo Casé

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